Por defendermos que a história da educação de Rondônia precisa ser contada a partir de um olhar etnográfico sobre o fazer cotidiano de seus protagonistas é que acreditamos no poder evocativo deste texto, fruto de observação participante na escola estadual de ensino fundamental nova Brasília nos meses de fevereiro a maio de 2016 durante prática de Estágio Supervisionado de Ensino de Língua Portuguesa e Literatura I. Escolhemos a biblioteca escolar Vanessa Fuzari porque a percebemos como espaço privilegiado de formação de leitores aberto e democrático. Além da observação no cotidiano dinâmico da biblioteca, tivemos acesso aos relatórios descritivos das bibliotecárias dos anos de 2007 a 2015 e os analisamos inspirados na Análise do Discurso (Orlandi, 2002), que considera que a escrita especifica a natureza da memória, ou seja, define o estatuto da memória (o saber discursivo que determina a produção dos sentidos e a posição dos sujeitos), definindo assim, pelo menos em parte, os processos de individualização do sujeito. Então, é pelo processo da escrita que o sujeito se subjetiva, ocupa determinadas posições-sujeito, inclusive a de autor. Notamos que as bibliotecárias, ao relator seu cotidiano vão também nos contando de suas concepções sobre leitura, sua importância e de como percebem a biblioteca em seu funcionamento com o currículo oficial. Ouvir a voz destes sujeitos nos relatórios memorialísticos foi perscrutar a escola na sua relação com o livro e suas interdições.
RELATÓRIOS DESCRITIVOS: O USO DA BIBLIOTECA ESCOLAR COMO ESPAÇO DE FORMAÇÃO DE LEITORES
1. RELATÓRIOS DESCRITIVOS: O USO DA BIBLIOTECA ESCOLAR COMO
ESPAÇO DE FORMAÇÃO DE LEITORES
Locimar Massalai
locimassalai@gmail.com
Escola Estadual de Ensino Fundamental Nova Brasília
GT- 8 - Educação, Currículo e Tecnologia
RESUMO
Por defendermos que a história da educação de Rondônia precisa ser contada a
partir de um olhar etnográfico sobre o fazer cotidiano de seus protagonistas é que
acreditamos no poder evocativo deste texto, fruto de observação participante na
escola estadual de ensino fundamental nova Brasília nos meses de fevereiro a maio
de 2016 durante prática de Estágio Supervisionado de Ensino de Língua Portuguesa
e Literatura I. Escolhemos a biblioteca escolar Vanessa Fuzari porque a percebemos
como espaço privilegiado de formação de leitores aberto e democrático. Além da
observação no cotidiano dinâmico da biblioteca, tivemos acesso aos relatórios
descritivos das bibliotecárias dos anos de 2007 a 2015 e os analisamos inspirados
na Análise do Discurso (Orlandi, 2002), que considera que a escrita especifica a
natureza da memória, ou seja, define o estatuto da memória (o saber discursivo que
determina a produção dos sentidos e a posição dos sujeitos), definindo assim, pelo
menos em parte, os processos de individualização do sujeito. Então, é pelo processo
da escrita que o sujeito se subjetiva, ocupa determinadas posições-sujeito, inclusive
a de autor. Notamos que as bibliotecárias, ao relator seu cotidiano vão também nos
contando de suas concepções sobre leitura, sua importância e de como percebem a
biblioteca em seu funcionamento com o currículo oficial. Ouvir a voz destes sujeitos
nos relatórios memorialísticos foi perscrutar a escola na sua relação com o livro e
suas interdições.
Palavras-chave: Ensino Fundamental. Currículo. Biblioteca Escolar. Leitura
INTRODUÇÃO
O presente corpus textual é parte de nosso relatório de Estágio de Ensino de
Língua Portuguesa e Literatura I do Curso de Letras – Habilitação em Língua
Portuguesa e suas Literaturas da Uab/Unir. Uma das exigências do Estágio era
justamente observar a realidade da escola, desafio este que nos levou a olhar com
mais atenção à riqueza que era e que, certamente continua sendo, a biblioteca
escolar Vanessa Fuzari como espaço aberto aos alunos e com presença tanto de
alunos leitores, como professores leitores. Acompanhamos todo o processo de saída
2. da bibliotecária que estava de licença médica e ajudamos as duas novas
bibliotecárias a ressignificar o espaço fazendo com que os livros estivessem
minimamente organizados por faixa etária e ao alcance dos alunos o que de fato
aumentou as visitas na biblioteca e conseqüentemente, o empréstimo de livros.
Nossa observação neste espaço pedagógico se materializou inspirada nos
pressupostos teóricos da etnografia quando os documentos são usados no sentido
de contextualizar o fenômeno e explicitar suas vinculações mais profundas
complementadas com outras fontes, onde o pesquisador se aproxima dos sujeitos,
situações e eventos, mantendo com eles um contato direto e prolongado. (ANDRÉ,
2005). O resultado da observação foi transformado em momento de formação para
os professores e bibliotecárias da escola.
Realizamos com um grupo de alunos do 8º ano um levantamento da história
da biblioteca escolar e do nome da mesma que foi uma homenagem à professora
Vanessa Fuzari que trabalhou na escola e morreu em um acidente automobilístico
em 2001. Esta pesquisa também utilizou como fonte as atas da biblioteca e os
relatórios descritivos.
O COTIDIANO DA BIBLIOTECA ESCOLAR VANESSA FUZARI EM RELATÓRIOS
DESCRITIVOS
Consideramos a biblioteca escolar como um ambiente didático pedagógico
por excelência quando se trata da formação de leitores. Silva (1997, p. 99) falando
do desafio de formar o hábito de leitura nas crianças afirma em perspectiva de futuro
que,
(...) instalaremos o hábito da leitura em nossas crianças quando, nos
diferentes espaços sociais, houver abundância de livros disponíveis.
Assim, haveremos de repensar o papel a ser cumprido pelas
bibliotecas escolares na formação de leitores.
A biblioteca escolar da Escola Estadual de Ensino Fundamental Nova
Brasília se chama “Biblioteca Vanessa Fusari” em homenagem a uma professora da
escola que morreu em um acidente de carro na década de 2000.
3. Constatamos pelos relatórios descritivos1 das atividades realizados pelas
bibliotecárias entre 2007 a 2015 que a biblioteca atende aos alunos e professores de
maneira individual e ou coletiva para distribuição e devolução de livros didáticos,
acompanhamento de pesquisas feitas pelos alunos a pedido de seus professores, ou
seja, o professor passa trabalho e os alunos pesquisam, ou quando o “aluno lê e o
professor cobra com atividade sobre as leituras feitas”, ou seja, os famosos resumos
do que nominam de “livros literários”.
Percebemos ainda através dos relatos e de observação participante que a
biblioteca é muito utilizada como espaço para o reforço escolar e a justificada dada é
que falta outro espaço na escola para o reforço, mas isso tem um lado positivo, pois,
segundo discurso das bibliotecárias, este espaço “é muito útil ao professor e ao aluno
pelo fato de os mesmos estarem próximos aos livros”.
Quanto ao uso da biblioteca pelos professores para leitura deles mesmos, é
relatado apenas uma vez com o seguinte discurso: “os professores vêm buscar
materiais ou opinião que possam auxiliar em suas atividades diárias”.
Com a autorização das gestoras, lemos atentamente os relatórios mensais
sobre o trabalho realizado pelas bibliotecárias e constatamos que elas concebem a
biblioteca como um espaço para “satisfazer as curiosidades intelectuais dos alunos”,
“desenvolver o desejo pela leitura de forma lúdica”, “estimular bons leitores”,
“despertar o prazer pela leitura”, “desenvolver a troca de conhecimentos e ideias”,
“momento de lazer para os alunos” e que “deixam o espaço dos livros de
empréstimos sempre muito acessível para que as crianças tenham liberdade de
escolher o que querem ler”.
As bibliotecárias relatam que se “sentem responsáveis e na obrigação de
incentivar e auxiliar todos os alunos que aqui comparecem e querem por livre e
espontânea vontade se aproximar do livro”, que sua função é “receber o alunado e
incentivar o gosto pela leitura, pois se não tivermos o hábito de ler, tudo fica mais
difícil” e que têm “a preocupação é criar um ambiente propício à leitura, pesquisa e
entretenimento, facilitando o livre acesso aos livros, ao mundo fantástico do saber e
1
Os relatos das atividades das bibliotecárias estavam condensados em um caderno que por
exigência da gestão da escola deveriam ser apresentados todos os meses. Material
significativo que nos conta da visão que têm sobre os livros, a biblioteca e a função da
leitura na escola.
4. das descobertas” e acreditam e defendem que a leitura é “pressuposto imprescindível
para o desenvolvimento das habilidades de escrita e interpretação”.
E percebem a leitura como “exercício”, “lazer”, “uma viagem” e finalmente,
como “forma de tirar os alunos da rua e protegê-los de fazer o que não devem”.
Falando delas mesmas, dizem que quando os alunos comparecem na
biblioteca para pegar livros esta prática “as enche de orgulho, pois percebem que os
alunos reconhecem a importância da leitura em seu aprendizado”.
As bibliotecárias também trazem reclames dos alunos em relação à “pobreza
do acervo” e que eles, os alunos, na esteira destas queixas, “continuam curiosos e
carentes de bons livros”. Silva (1997, p. 106) assevera que,
Sem o bibliotecário, com os seus conhecimentos organizacionais e
de orientação, o espaço dos livros torna-se altamente caótico e
tende a perecer rapidamente. Sem livros, o espaço torna-se inútil.
Sem usuário, o espaço da biblioteca não se dinamiza, perde o seu
valor e morre.
De fato, percebemos que o acervo da biblioteca é pequeno e que a maioria dos
livros pertence aos didáticos utilizados em sala de aula ou de coleções que vieram
das editoras para a escolha dos professores. Neste sentido, colaboramos com as
bibliotecárias e fizemos uma seleção e organização da biblioteca a pedido das
gestoras.
Quanto aos projetos, no relato das bibliotecárias há menção de três: o projeto
Da leitura do livro para a leitura do mundo, subsidiado pelo Profipes2, os alunos
compareceram semanalmente à biblioteca para leituras individuais e coletivas,
contadas ou não pelo professor, o projeto Além da leitura, elaborado pelas
bibliotecárias com a intenção de melhorar o ensino e a aprendizagem das crianças
em geral e, finalmente, outro projeto elaborado também pelas bibliotecárias sem um
nome definido, mas que elas chamaram de competição onde o aluno que lesse mais
2
É um programa de suporte financeiro a Projetos Escolares criado pela Lei Estadual
1517/05, cuja participação requer a adesão da Escola e tem como objetivo propiciar às
unidades de ensino o fortalecimento de sua autonomia pedagógica através do suporte
financeiro a projetos escolares que visam a eficácia do processo de ensino e de
aprendizagem.
5. livros teria o seu nome publicado no mural da biblioteca, conforme podemos perceber
na imagem que segue.
Figura 1: Cartaz parabenizando alunas por terem lido mais livros
Fonte: Arquivo da Escola de Ensino Fundamental Nova Brasília – relatório das
bibliotecárias, abril de 2010.
Consideramos que as bibliotecárias tem se esforçado para aproximar os
alunos da leitura e do mundo dos livros e, conseqüentemente do acesso a um tipo de
cultura letrada que são os impressos oficialmente chancelados pelas políticas
públicas. No entanto, concordamos com Kuhlthau (2002, p.19) que todo o trabalho
relacionado com o uso da biblioteca na escola deve estar integrado com a proposta
curricular. Vejamos o que diz a autora neste sentido:
As habilidades para usar a biblioteca e os recursos informacionais
não são aspectos isolados do projeto pedagógico da escola. Assim
como a leitura e a escrita, elas constituem um conjunto de
habilidades usadas para alcançar outros objetivos de aprendizagem.
(...) O programa de desenvolvimento de habilidades para usar a
biblioteca e a informação deve integrar-se à proposta curricular da
escola. A seqüência de habilidades deve estar intimamente ligada
aos conteúdos programáticos. É importante que as atividades
desenvolvidas em sala de aula exijam que os alunos utilizem as
habilidades para usar a biblioteca e a informação que estão
adquirindo.
Sendo assim as atividades realizadas pelas bibliotecárias devem seguir de
par em par com as atividades dos professores cujo movimento requer um
planejamento conjunto envolvendo tais sujeitos.
6. Consideramos que as bibliotecas são, por excelência, espaços voltados para
leitura e que, bem estruturadas e dinamizadas por profissionais especializados, ou
seja, os bibliotecários, podem se tornar meios poderosos na formação de leitores,
quando são realizados projetos que visem desenvolver o hábito de freqüentá-las.
Constatamos nos relatos das bibliotecárias, resquícios do que pondera
Kleiman (2008) quando reflete que na escola, o aluno lê sem objetivos, lê apenas
porque o professor mandou e será cobrado, desvirtuando efetivamente o caráter da
leitura.
Na descrição das bibliotecárias a respeito do cotidiano de seu trabalho na
biblioteca aparece muitas vezes o discurso de que a leitura precisa ou deve ser
prazerosa.
Pessoalmente não concordamos que toda leitura precisa necessariamente
ser prazerosa para fazer sentido; isso não é um imperativo para aprender a gostar de
ler; o que defendemos é que ela deve fazer um sentido para quem lê o que lê e como
lê e isso está ligado a uma intencionalidade maior com relacionados com os projetos
de leitura ancorados no projeto político pedagógico da escola. Este posicionamento é
corroborado pelo seguinte discurso dos PCNs:
A leitura na escola tem sido fundamentalmente, um objeto de ensino. Para
que possa construir também objeto de aprendizagem, é necessário que
faça sentido para o aluno, isto é, a atividade de leitura deve responder do
seu ponto de vista, aos objetivos de realizações imediatas. Como se trata
de uma prática social complexa, se a escola pretende converter a leitura
em objeto de aprendizagem deve preservar sua natureza e sua
complexidade, sem descaracterizá-la. Isso significa trabalhar com a
diversidade de textos. (PCNs, 1997, p. 54)
Em momento algum durante nossa observação no cotidiano da biblioteca,
percebemos professores freqüentando-a juntamente com seus alunos. Havia sim
professores com dois ou três alunos utilizando o espaço para o reforço escolar. Não
percebemos professores lendo na biblioteca. Em vários momentos notamos as
bibliotecárias lendo livros de literatura.
7. PALAVRAS FINAIS
Acreditamos que não são necessários projetos mirabolantes para transformar
a biblioteca escolar em um espaço para formação de leitores. Não entanto, é vital que
nela atuem profissionais que apreciem a prática da leitura e a incentivem, tanto para
professores quanto os alunos e, juntamente com os primeiros, tracem estratégias de
integração entre as ações da biblioteca e as aulas.
E no mais, é aquilo que defendem os PCNs (1997), ou seja, para formar bons
leitores algumas condições são necessárias: dispor de uma biblioteca na escola, que
ofereça um acervo de qualidade e colocar à disposição dos alunos textos dos mais
variados gêneros: livros de contos, poesias, romances, enciclopédias, jornais, revistas
infantis, em quadrinhos, palavras cruzadas e jogos.
Além de outros materiais impressos, também socializar aqueles que são
produzidos pelos alunos que podem fazer parte do acervo da biblioteca escolar e
planejar as atividades diárias garantindo que as aulas de leitura tenham a mesma
importância que as demais, possibilitando aos alunos a escolha de suas leituras com
acompanhamento dos professores e não apenas cobrar entregas de resumos que
têm pouco sentido para a aprendizagem e o desenvolvimento do hábito da leitura.
Finalizando estas variações sobre os usos da biblioteca escolar Vanessa
Fusari, sugerimos como possibilidade de intervenção neste espaço pedagógico em
que a prática da leitura é percebida com intensidade, que fosse trabalhado com as
bibliotecárias e os professores da escola, o “Caderno de Orientações” que a
Secretaria do Estado de Educação de Rondônia lançou em 2014 e que denominou de
“Formação para profissionais que atuam em biblioteca escolar e sua importância na
formação do leitor”, numa perspectiva de formação continuada dentro da escola.
O caderno em questão traz ponderações significativas no tocante aos usos e
funções de uma biblioteca escolar apontando para a integração desta com a proposta
curricular e desafiando também que esteja aberta à comunidade.
Documentos como este, resultado de políticas educacionais e, quase sempre
esquecidos nas escolas, precisam ser retomados por sua imperiosa atualidade e
memória.
O esquecimento pode configurar-se tanto como uma força que ameaça com
seus apagamentos a existência da história quanto como uma força que possibilita a
8. existência de qualquer representação humana. Em outras palavras, o esquecimento
configura-se como uma brecha, ou uma fissura, cuja abertura tanto pode levar a
memória a esvair-se como possibilita a instituição de qualquer memória social. A
história da educação pública de Rondônia passa nas escolas e se materializa no
cotidiano de seus espaços e a biblioteca escolar é um espaço por excelência onde se
entrecruzam currículo, cultura e aprendizagem.
REFERÊNCIAS
ANDRÉ, Marli Eliza D. A. de. Etnografia da prática escolar. 12ª Ed. Campinas:
Papirus, 2005.
BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa. Brasília:
Secretaria de Educação Fundamental, 1997.
ORLANDI, Eni P. Língua e conhecimento lingüístico. Para uma história das idéias
no Brasil. São Paulo: Cortez, 2002.
SILVA, Ezequiel T. Leitura e realidade brasileira. Porto alegre: mercado aberto,
1997.
KLEIMAN, Ângela. Oficina de Leitura: Teoria e Prática. 12ª ed. Campinas: Pontes,
2008.
KUHLTHAU. Carol. Como usar a biblioteca na escola: um programa de atividades
para o ensino fundamental. Belo Horizonte: Autêntica, 2002.