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Iracema
(José de Alencar)

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

1. BIOGRAFIA E BIBLIOGRAFIA

2. INTRODUÇÃO

José Martiniano de Alencar nasceu em Mecejana
(CE). Formou-se em Direito em Recife, mas antes
passou pela Faculdade de Direito de São Paulo, onde
ajudou a fundar uma revista semanal de ensaios literários. Ao terminar o curso, Alencar voltou para o
Rio, onde exerceu a profissão de advogado e colaborou diariamente no jornal O Correio Mercantil.
Em 1856, teve início a polêmica a respeito de A
Confederação dos Tamoios, de Gonçalves de Magalhães, no Diário do Rio de Janeiro. José de Alencar
criticou a obra sob o pseudônimo de Ig. O resultado
foi o desentendimento com D. Pedro II, amigo particular de Gonçalves de Magalhães. No mesmo ano,
Alencar publicou seu primeiro romance, Cinco Minutos. Em 1857, escreveu O Guarani como resposta
à polêmica. Entretanto, Alencar continuou sendo atacado por Antônio Feliciano de Castilho e Franklin
Távora devido à linguagem considerada cheia de erros, segundo as normas gramaticais lusitanas.
Alencar candidatou-se a deputado pelo Ceará através do Partido Conservador e foi eleito. Procurou
prosseguir a carreira do pai, que também era político.
Em 1864, Alencar casou-se com Ana Cochrane. Em
1868, tornou-se Ministro da Justiça. No ano seguinte, candidatou-se ao senado. Foi o mais votado, mas
seu nome acabou vetado pelo imperador. Encerrou a
vida pública e dedicou-se integralmente à literatura.
Em 1877, José de Alencar viajou para a Europa
em tratamento de saúde. Voltou ao Rio no mesmo ano,
onde morreu vitimado pela tuberculose.

Iracema pode ser considerado um romance em
prosa poética, ou seja, utiliza recursos da poesia
num texto em prosa. Os elementos poéticos são evidentes na musicalidade, no ritmo cadenciado e nas
descrições que valorizam a exuberância do cenário
nacional.
Narra-se a história de uma índia tabajara (Iracema) e do soldado português Martim Soares Moreno.
A obra reveste-se de caráter alegórico, uma representação simbólica da formação da nação brasileira.
Iracema simboliza a natureza brasileira. Seu nome é
um anagrama (contém todas as letras) da palavra
América. Ela é a virgem prometida ao deus Tupã e
conhecedora dos mistérios da bebida sagrada dos tabajaras. O soldado português Martim Soares Moreno
representa a cultura européia, o colonizador. Seu nome
está ligado à guerra, tem origem em Marte, deus da
guerra na mitologia romana.
Iracema mostra os primeiros contatos entre o índio
e o branco. Estão presentes os mitos e as crenças da
cultura indígena. Para Alencar, a obra apresenta-se de
modo histórico e remonta ao período de expulsão dos
holandeses do Nordeste. Com o subtítulo: “Lenda do
Ceará”, o autor intentou contar a formação da província do Ceará e a fundação de Mecejana, sua terra natal.
Dessa forma, o romance pode ser considerado histórico-indianista, já que além da supervalorização natureza brasileira estão também presentes personagens
históricas, tais como Poti (batizado depois Antônio
Felipe Camarão), Martim e Irapuã.

OBRA
Romances: Cinco minutos (1856), O guarani
(1857), A viuvinha (1869), Lucíola (1862), Diva
(1864), Iracema (1865), O gaúcho (1870), A pata da
gazela (1870), O tronco do ipê (1871), Guerra dos
mascates (1871-1873), Sonhos d’ouro (1872), Alfarrábios (1873), Ubirajara (1874), Senhora (1875),
O Sertanejo (1875) e Encarnação (1893).

3. ANÁLISE E RESUMO DA OBRA
I.
Verdes mares bravios de minha terra natal, onde canta
a jandaia nas frondes de carnaúba1;

1

Ramo ou ramagem de carnaúba (tipo de árvore da qual se extrai cera).

1
Verdes mares, que brilhais como líquida esmeralda aos
raios do sol nascente, perlongando as alvas praias
ensombradas de coqueiros;
Serenai, verdes mares, e alisai docemente a vaga impetuosa, para que o barco aventureiro manso resvale à
flor das águas2.
Onde vai a afouta3 jangada, que deixa rápida a costa
cearense, aberta ao fresco terral a grande vela?
Onde vai como branca alcíone buscando o rochedo
pátrio nas solidões do oceano?
Três entes respiram sobre o frágil lenho4 que vai singrando veloce5, mar em fora.
Um jovem guerreiro cuja tez branca não cora o sangue
americano; uma criança e um rafeiro6 que viram a luz no
berço das florestas e brincam irmãos, filhos ambos da
mesma terra selvagem.
A lufada intermitente traz da praia um eco vibrante, que
ressoa entre o marulho das vagas:
— Iracema7!
O moço guerreiro, encostado ao mastro, leva os olhos
presos na sombra fugitiva da terra; a espaços o olhar empanado por tênue lágrima cai sobre o jirau8, onde folgam
as duas inocentes criaturas, companheiras de seu infortúnio.
Nesse momento o lábio arranca d’alma um agro9 sorriso.
Que deixara ele na terra do exílio?
Um história que me contaram nas lindas várzeas onde
nasci, à calada da noite, quando a lua passeava no céu
argenteando os campos, e a brisa rugitava10 nos palmares.
Refresca o vento.
11
12
O rulo das vagas precipita. O barco salta sobre as
ondas e desaparece no horizonte. Abre-se a imensidade
dos mares, e a borrasca13 enverga, como o condor, as foscas asas sobre o abismo.
Deus te leve a salvo, brioso e altivo barco, por entre as
vagas revoltas, e te poje14 nalguma enseada amiga. Soprem para ti as brandas auras; e para ti jaspeie15 a bonança mares de leite!
Enquanto vogas assim à discrição do vento, airoso
barco, volva às brancas areias a saudade, que te acompanha, mas não se parte da terra onde revoa.

Comentário: A abertura do romance já revela o
caráter poético da linguagem empregada por Alencar. Por isso costumamos classificar a obra como prosa
poética. O emprego de adjetivação farta e de figuras
de linguagem (metáforas, símiles e prosopopéias) recria o cenário exuberante e idealizado da natureza
brasileira.
II.
Iracema, a virgem dos lábios de mel, que tinha os cabelos mais negros que a asa da graúna16, e mais longos
que seu talhe de palmeira.
O favo da jati17 não era doce como seu sorriso; nem a
baunilha recendia no bosque como seu hálito perfumado.
Mais rápida que a ema selvagem, a morena virgem
corria o sertão e as matas do Ipu18, onde campeava sua
guerreira tribo da grande nação tabajara19. O pé grácil e
nu, mal roçando, alisava a verde pelúcia que vestia a terra
com as primeiras águas.

Comentário: A descrição da virgem confirma a
identificação de Iracema com a natureza brasileira.
Iracema representa a pureza e a beleza da matas. Seus
dotes físicos ligam-se a elementos dessa mesma natureza: lábios (mel), cabelos (negro como as asas da
graúna, longos como a palmeira), sorriso (doce como
o favo da jati), hálito (perfumado como a baunilha) e
rápida (como a ema).
O segundo capítulo é construído a partir de um
flash-back, ou seja, de um retrocesso, uma volta ao
passado, que perdurará até o último capítulo. Nesse
momento, sua função é preparar o primeiro encontro
entre Iracema e Martim Soares Moreno. O narrador
preocupa-se em caracterizar a personagem, reproduzindo-a a partir da natureza brasileira, que lhe serve
de modelo e comparação.
Iracema sai do banho. Empluma as flechas do arco

ALENCAR, José de. Iracema. 14. ed.
São Paulo: Ática, 1983. p.11-14.

2

Perífrase que substitui a palavra superfície das águas.
Corajosa, sem medo.
4
Pequena embarcação.
5
Veloz.
6
Tipo de cão treinado para guardar gado.
7
O nome de Iracema provém da combinação de duas expressões do guarani: ira, que significa mel, e tembe (lábios), que se altera
formando ceme. Assim, Iracema significa lábios de mel.
8
Armação ou estrado de madeira.
9
Figura: mesmo que acre, amargo.
10
Sussurrava, rugia.
11
Figura: mesmo que arrulho, recria o som do canto dos pombos nas ondas do mar.
12
Fig.: Prosopopéia.
13
Vento forte e súbito acompanhado de chuva, furacão.
14
Desembarque.
15
Dar aparência ou cor de jaspe (variedade de quartzo opaco de várias cores).
16
Pássaro de cor negra: guira (pássaro) + una (de pixuna=negro).
17
Espécie de abelha.
18
Tipo de terra fértil para a agricultura.
19
Senhor das aldeias: Taba (aldeia) + jara (senhor).
3

2

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

ALENCAR, José de. Op. cit., p. 14.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

com penas de gará20, enquanto brinca com seu ará21,
quando é interrompida por um rumor suspeito. Iracema depara-se com um guerreiro estranho, “se é guerreiro e não algum mau espírito da floresta”. Iracema
assusta-se, pois nunca havia visto um guerreiro branco: “Tem nas faces o branco das areias que bordam o
mar: nos olhos o azul triste das águas profundas. Ignotas22 armas e tecidos ignotos cobrem-lhe o corpo”.
(ALENCAR, José de. Op. cit. p.15) Iracema assustase com a presença do guerreiro branco e dispara uma
flecha. Martim é ferido no rosto de raspão e preparase para reagir, mas não o faz, porque está diante de
uma mulher. A tristeza estampada na face faz Iracema estancar o sangue e, num gesto de paz, quebrar a
flecha, dando “a haste ao desconhecido e guardando
consigo a ponta farpada”. Martim conhece os costumes nativos. Os dois conversam e apresentam-se. Iracema dá as boas vindas ao estrangeiro.
Comentário: O ato de quebrar a flecha equivale
simbolicamente a um sinal de paz entre os silvícolas.

Sou dos guerreiros brancos, que levantaram a taba nas
margens do Jaguaribe23, perto do mar, onde habitam o
24
25
pitiguaras , inimigos de tua nação. Meu nome é Martim ,
que na tua língua quer dizer filho de guerreiro; meu sangue, o do grande povo que primeiro viu as terras de tua
pátria. Já meus destroçados companheiros voltaram por
mar às margens do Paraíba, de onde vieram; e o chefe,
desamparado dos seus, atravessa agora os vastos ser26
tões do Apodi . Só eu de tantos fiquei, porque estava en27
28
tre os pitiguaras de Acaracu , na cabana do bravo Poti ,
29
irmão de Jacaúna , que plantou comigo a árvore da amizade. Há três sóis partimos para a caça; e perdido dos
meus, vim aos campos dos tabajaras.
30
— Foi algum mau espírito da floresta que cegou o
guerreiro branco no escuro da mata: respondeu o ancião.
31
A cauã piou, além da extrema do vale. Caía a noite.
ALENCAR, José de. Op. cit., p. 17-18.

Comentário: O trecho citado é importante uma
vez que temos o próprio Martim apresentando-se a
Araquém, pai de Iracema. Percebemos nessa cena a
aproximação do homem branco conhecedor da cultura indígena. A colocação de Araquém: “foi um mau
espírito que cegou o guerreiro”, antecipa, de certa forma, a aversão que Irapuã, guerreiro da tribo de Iracema, sentira pelo guerreiro branco.

III. Martim acompanha Iracema até a cabana de
seu pai Araquém, pajé da tribo dos tabajaras. Recebido com hospitalidade, Martim aceita o cachimbo oferecido por Araquém, alimenta-se e bebe. Depois,
Iracema traz água fresca para que o estrangeiro lave
o rosto e as mãos. O pajé fala:

IV. Iracema traz a companhia de mulheres para
Martim, como é costume entre várias tribos, e também vários guerreiros para obedecerem ao estrangeiro. Martim reclama, porque Iracema vai deixá-lo. A
virgem explica que é a detentora do segredo da jurema e do mistério do sonho: “Sua mão fabrica para o
Pajé a bebida de Tupã”. Martim deixa a cabana. O
pajé conta ao povo os segredos de Tupã. Todos comemoram a volta e a vitória do chefe Irapuã. Quando
Martim vai entrar na mata, surge o vulto de Iracema,
que quer saber por que ele “abandona a cabana hospedeira sem levar o presente da volta”. Martim deseja ver os amigos, não leva o presente da volta, mas a
lembrança de Iracema na alma. Iracema pede que ele
espere pela volta de seu irmão Caubi, que o guiará às
margens do rio das Garças. Martim concorda em esperar até o próximo dia pela volta de Caubi.

— Vieste?
— Vim; respondeu o desconhecido.
— Bem-vindo sejas. O estrangeiro é senhor na cabana
de Araquém. Os tabajaras têm mil guerreiros para defendêlo, e mulheres sem conta para servi-lo. Dize, e todos te
obedecerão.
— Pajé, eu te agradeço o agasalho que me deste. Logo
que o sol nascer, deixarei tua cabana e teus campos aonde vim perdido; mas não devo deixá-los sem dizer-te quem
é o guerreiro, que fizeste amigo.
— Foi a Tupã que o Pajé serviu: ele te trouxe, ele te
levará. Araquém nada fez pelo seu hóspede; não pergunta
donde vem e quando vai. Se queres dormir, desçam sobre
ti os sonhos alegres; se queres falar, teu hóspede escuta.
[…]
20

Ave de plumagem vermelha, da família das araras.
Periquito.
22
Desconhecidos.
23
Maior rio da província do Ceará. A origem do nome provém da grande quantidade de onças que povoavam o lugar.
24
Nação que habitava o litoral entre os rio Jaguaribe e Paraíba, cujo nome normalmente pode ser traduzido por comedores de camarão
(poti), designação de desprezo dada pelos inimigos por viverem da pesca.
25
Martim Soares Moreno, personagem histórica que participou junto aos índios da tribo dos pitiguaras da expulsão dos holandeses do
litoral no séc. XVII. Seu nome vem de Marte, deus da guerra na mitologia latina.
26
Apo (separação, afastamento) e di (desinência indicadora de dois).
27
Nome de um rio (rio do ninho das garças). Acará (garça) + co (buraco, ninho) + y (água).
28
Irmão do chefe dos pitiguaras. Seu nome significa camarão. Personagem histórico que recebeu por batismo católico o nome de Antônio
Filipe Camarão.
29
Chefe guerreiro da tribo dos pitiguaras.
30
Referência a anhangá, espírito maléfico; espectro animal que traz desgraça para quem o vê.
31
Mesmo que acauã, tipo de gavião preto cujo canto, emitido no crepúsculo e ao alvorecer, é considerado mal-agourado e prenunciador
de chuvas.
21

3
reiro. É Irapuã, que soube da presença de um estrangeiro na cabana de Araquém. Irapuã deseja a morte
do estrangeiro para conseguir o amor de Iracema.
“Quero beber-lhe o sangue todo: quando o sangue do
guerreiro branco correr nas veias do chefe tabajara,
talvez o ame a filha de Araquém.” (ALENCAR, José
de. Op. cit., p. 26.)
Iracema diz: “— Nunca Iracema daria seu seio,
que o espírito de Tupã habita só, ao guerreiro mais vil
dos guerreiros tabajaras! Torpe é o morcego porque
foge da luz e bebe o sangue da vítima adormecida!”
(ALENCAR, José de. Op. cit., p. 23.) Iracema desafia e ameaça Irapuã: “Não, porque Irapuã vai ser punido pela mão de Iracema. Seu primeiro passo é o
passo da morte.” (ALENCAR, José de. Op. cit., p.
26.) Irapuã chega a vibrar o tacape, mas sente seu
peso. Afirma que a sombra de Iracema não poderá
esconder para sempre o estrangeiro e que “vil é o guerreiro, que se deixa proteger por uma mulher”. Depois
desaparece entre as árvores. Iracema volta e protege
o sono de Martim. “O amor de Iracema é como o
vento dos areais; mata a flor das árvores: suspirou a
virgem.” (ALENCAR, José de. Op. cit., p. 27.)

Agora os pescadores da praia, sempre vencidos, deixam vir pelo mar a raça branca dos guerreiros de fogo,
inimigos de Tupã. Já os emboabas estiveram no Jaguaribe;
logo estarão em nossos campos; e com eles os potiguaras.
Faremos nós, senhores das aldeias, como a pomba, que
se encolhe em seu ninho, quando a serpente enrosca pelos galhos?

Irapuã ergue o tacape e brande-o:
Girando no ar, rápida e ameaçadora, a arma do chefe
passou de mão em mão.

O velho Andira, irmão do pajé, deixa cair o tacape
e o calca no chão com o pé. Sua reação causa espanto
e sua fala o maior susto.
A nação tabajara é prudente. Ela deve encostar o tacape
da luta para tanger o membi32 da festa. Celebra, Irapuã a
vinda dos emboabas e deixa que cheguem todos aos nossos campos. Então Andira te promete o banquete da vitória.
ALENCAR, José de. Op. cit., p. 21-22.

Irapuã desdenha do velho guerreiro e diz que leva
a guerra no punho de seu tacape.

VIII. Ao acordar, Martim encontra Iracema triste. A tabajara afirma que Caubi chegará e que Martim poderá partir. Martim diz que Iracema quer ver o
estrangeiro fora do campo dos tabajaras para que a
alegria volte a seu seio.
“— A juriti, quando a árvore seca, foge do ninho
em que nasceu. Nunca mais a alegria voltará ao seio
de Iracema: ela vai ficar, como o tronco nu, sem ramas, nem sombras.” (ALENCAR, José de. Op. cit.,
p. 28.)
Martim deseja ficar para ver abrir a flor da alegria
nas faces de Iracema e para sorver, como o colibri, o
mel de seus lábios. Iracema conta que é filha do pajé e
que guarda o segredo da jurema. O guerreiro que a
possuir morrerá. Martim não teme a morte, mas sabe
que deve partir. Iracema faz uma jura de amor: “— Tu
levas a luz dos olhos de Iracema, e a flor de sua alma”.
Caubi chega carregando a caça. Martim entra só
na cabana.

VI. Martim sente saudade da terra natal. Ele e Iracema conversam. A virgem pergunta se uma noiva o
espera. Martim afirma que aquela que o espera não é
mais doce nem mais formosa do que Iracema. Esta
quer que ele veja a noiva antes da noite, para que isso
aconteça, dará ao guerreiro o licor da jurema (tipo de
alucinógeno). Depois o convida para sair. Os dois atravessam o bosque e descem o vale. Iracema dá a Martim o licor da jurema.
Martim sentiu perpassar nos olhos o sono da morte;
porém logo a luz inundou-lhe os seios d’alma; a força
exuberou em seu coração. Reviveu os dias passados melhor do que os tinha vivido: fruiu a realidade de suas mais
belas esperanças. Voltaram as recordações da infância.

Logo está nos campos do Ipu e segue o rasto de
Iracema. Chama duas vezes pelo seu doce nome.
O lábio do guerreiro suspirou mais uma vez o doce
nome e soluçou, como se chamara outro lábio amante. Iracema sentiu que sua alma se escapava para embeber-se
no ósculo ardente. [...] Súbito a virgem tremeu; soltandose rápida do braço que a cingia, travou do arco.

IX. Martim comunica a Araquém sua partida. Iracema prepara o presente de despedida e o alimento
para a viagem de Martim. Iracema presenteia Martim com sua rede. Caubi comunica que o sol se põe e
é hora de partir.
O pajé despede-se de Martim: “Jupari33se esconda para deixar passar o hóspede do pajé.” (ALENCAR, José de. Op. cit., p. 31.) Depois que descem a

ALENCAR, José de. Op. cit., p. 24-25.

Comentário: Martim sonha com o amor de Iracema, já que, na realidade, não poderia amar a virgem
prometida a Tupã.
VII. Iracema percebe a proximidade de um guer32
33

Flauta indígena feita de osso de tíbia.
Espécie de demônio, literalmente “o boca torta”.

4

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

V. Irapuã retorna das batalhas e é recebido por seu
povo. Mostra-se irado com a chegada dos estrangeiros.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

colina e entram na mata, Iracema despede-se: “— Estrangeiro, toma o último sorriso de Iracema... e foge!”.
Martim beija Iracema nos lábios. Caubi, mais à frente, chama Martim.

Irapuã ameaça desrespeitar o pajé, mas o velho
Andira, irmão de Araquém, vem em seu socorro com
o tacape em punho. Araquém afasta Andira. Pede paz
e silêncio. Diante do desafio de Irapuã, Araquém remove a pedra no centro da cabana e bate o pé no chão.
“Do antro profundo saiu um medonho gemido, que
parecia arrancado das entranhas do rochedo.” 36
(ALENCAR, José de. Op. cit., p. 36.) Irapuã desiste
de seu intento e deixa a cabana. Martim assusta-se
com o poder do pajé. Araquém acende o cachimbo e
sai. Ele diz que é hora de aplacar as iras de Tupã.
Iracema aproxima-se de Martim, mas ele a afasta.
Ela quer saber o que fez para que ele desvie os olhos
“como se ela fora o verme da terra”. Martim teme
que se cumpra a profecia de Tupã, que falou através
do pajé. Para Iracema não é a voz de Tupã que ouve o
coração de Martim, mas o canto da virgem loira que
o chama.

X. O velho pajé está em sua cabana com Iracema. A tristeza de Iracema e o silêncio de Araquém
são quebrados pelo grito de guerra de Caubi. Iracema corre para a mata “como a corça perseguida pelo
caçador”. Martim está sentado em uma sapopema,
enquanto Caubi desafia cem guerreiros que os cercavam. Irapuã exige que Caubi lhe entregue Martim.
“— Matai Caubi antes.
A filha do Pajé passara como uma flecha: ei-la
diante de Martim, opondo também seu corpo gentil
aos golpes dos guerreiros. Irapuã soltou o bramido
da onça atacada na furna.” (ALENCAR, José de. Op.
cit., p. 33.)
Caubi pede a Iracema que conduza Martim à cabana de Araquém. Iracema chama Martim, mas o estrangeiro fica imóvel. Iracema ameaça ficar, caso ele
não a siga. Martim diz que os guerreiros de seu sangue não recusam combate.
Irapuã ruge de alegria e brande um golpe de tacape. Caubi e Iracema interpõem-se quando Irapuã desfere o primeiro golpe. Os guerreiros de Irapuã afastam
os dois irmãos e o combate prossegue.

XII. Ouve-se um inesperado canto de gaivota.
Martim conta a Iracema que o canto da gaivota é o
grito de guerra de Poti. Iracema não contará a seus
irmãos. Martim sabe que sua partida evitará mortes.
Iracema beija a mão de Martim, que se ergue para ir
ao encontro de Poti. Iracema diz que os guerreiros de
Irapuã vão matá-lo. Segundo Martim, um guerreiro
só pede proteção a Deus e às suas armas. “Não carece que o defendam os velhos e as mulheres.” Iracema
oferece-se para ir ao encontro de Poti, enquanto Martim ficará sob a proteção de Araquém.

De repente o rouco som da inúbia34 reboou pela mata;
os filhos da serra estremeceram reconhecendo o estrídulo
do búzio guerreiro dos pitiguaras, senhores das praias
ensombradas de coqueiros. O eco vinha da grande taba,
que o inimigo talvez assaltava já.

XIII. Iracema ouve o grito da gaivota e chega até
a borda de um tanque. Chama Poti, que aparece. Iracema fala da raiva de Irapuã. Poti cerra os lábios de
Iracema ao perceber a presença de inimigos. Logo
depois, desaparece no lago. Ao voltar para a cabana,
Iracema percebe as sombras de muitos guerreiros.
Araquém parte assim que Iracema chega. Martim
fica sabendo o que a índia ouviu de Poti. Ele pretende partir para ajudar o amigo, mas Iracema mostra
que sua imprudência pode levar os guerreiros de Irapuã até Poti.
37
Caubi entra na cabana e conta que o cauim perturbou os guerreiros e os fez vir contra o estrangeiro.
Iracema manda Caubi erguer a pedra e esconde-se
com Martim na garganta de Tupã.

ALENCAR, José de. Op. cit., p. 34.

Todos correm para defender a taba, deixando apenas Iracema e Martim.
XI. Os guerreiros tabajaras procuram o inimigo,
mas ninguém é encontrado. Irapuã, desconfiado do
ardil de Iracema, vai até a cabana de Araquém. Iracema salta sobre o arco e protege Martim. Irapuã quer o
guerreiro branco, mas Araquém diz que o hóspede é
amigo de Tupã e quem ofender o estrangeiro ouvirá
rugir o trovão. Irapuã acusa Martim de ter ofendido
Tupã ao roubar sua virgem. Araquém faz uma profecia: “— Se a virgem abandonou ao guerreiro branco
35
a flor de seu corpo , ela morrerá; mas o hóspede de
Tupã é sagrado; ninguém o ofenderá; Araquém o protege”. (ALENCAR, José de. Op. cit., p. 35.)

XIV. Caubi protege a entrada da cabana, enquanto Iracema e Martim desaparecem nas entranhas da

34

Trombeta de guerra.
Perífrase para a perda da virgindade.
36
A cabana de Araquém estava sobre um rochedo onde havia uma galeria subterrânea que dava saída para a várzea. Ao retirar a pedra,
o ar encanado emitia o som que o pajé dizia ser de Tupã. Esse fenômeno da natureza era usado para enfatizar a idéia de poder.
37
Bebida que embriaga.
35

5
ALENCAR, José de. Op. cit., p. 46-47.

Martim repele Iracema e clama por Cristo. Não
pretende deixar rasto da desgraça na cabana hospedeira. Retoma a serenidade, mas não consegue esquecer Iracema. Pede à virgem o licor da jurema.
Iracema busca o vaso da bebida.

Ao acordar, Martim acredita que tudo não passara
de um sonho.
Comentário: O trecho citado revela o momento
de encontro amoroso entre Martim e Iracema. Martim toma o licor da jurema e sonha estar amando Iracema. Durante seu delírio, chama pela amada, que se
entrega. Ao acordar, Martim julga que o sonho continua, e volta a dormir. A passagem demonstra a sutileza empregada por Alencar ao narrar o ato amoroso
entre Martim e Iracema. Mais uma vez a natureza,
que serve de elemento descritivo para caracterizar a
virgem, molda o espaço encantado que impele a virgem para o estrangeiro. Um bom exemplo é a metáfora que unifica simbolicamente o feminino e o
masculino: ... qual borboleta que dormiu no seio do
formoso cacto. O moralismo do escritor é evidente
nas duas últimas estrofes: “As águas do rio banharam
o corpo casto da recente esposa e Tupã já não tinha
sua virgem na terra dos tabajaras”. Em algumas tribos o ato sexual equivale ao casamento.

Quando Iracema foi de volta, já o Pajé não estava na
cabana; tirou a virgem do seio o vaso que ali trazia oculto

XVI. Os guerreiros tabajaras reúnem-se no bosque sagrado, levando oferendas a Tupã. Araquém está

XV. Martim e Iracema estão na cabana. Araquém
dorme. Iracema não resiste ao sorriso de Martim e
debruça-se sobre seu peito. “Já o estrangeiro preme
ao seio; e o lábio ávido busca o lábio que o espera,
para celebrar nesse ádito38 d’alma, o himeneu39 do
amor.” (ALENCAR, José de. Op. cit., p. 45.)
Araquém solta um gemido doloroso.
Pressentira o coração o que não viram os olhos? Ou
foi algum funesto presságio40 para a raça de seus filhos,
que assim ecoou n’alma de Araquém?
Ninguém o soube.
ALENCAR, José de. Op. cit., p. 45.

38

Que ou o que se adiciona a (algo) para torná-lo mais completo.
Casamento, bodas, festa de núpcias.
40
Agouro, predição, prenúncio.
41
Camisa de algodão.
42
Bebeu, sorveu.
43
Ave columbiforme, tipo de pomba de pequeno porte.
44
Sentimento de vergonha; pudor.
45
Cor avermelhada do crepúsculo.
39

6

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41
sob a carioba de algodão entretecida de penas. Martim
lho arrebatou das mãos, e libou42 as gotas do verde e
amargo licor.
Agora podia viver com Iracema, e colher em seus lábios o beijo que ali viçava entre sorrisos, como o fruto na
corola da flor. Podia amá-la, e sugar desse amor o mel e o
perfume, sem deixar veneno no seio da virgem.
O gozo era vida, pois o sentia mais forte e intenso; o
mal era sonho e ilusão, que da virgem não possuía senão
a imagem.
Iracema afastara-se opressa e suspirosa.
Abriram-se os braços do guerreiro adormecido e seus
lábios, o nome da virgem ressoou docemente.
43
A juriti , que divaga pela flores, ouve o terno arrulho
do companheiro; bate as asas, e voa a aconchegar-se ao
tépido ninho. Assim a virgem do sertão, aninhou-se nos
braços do guerreiro.
Quando veio a manhã, ainda achou Iracema ali
debruçada, qual borboleta que dormiu no seio do formoso
44
cacto. Em seu lindo semblante acendia o pejo vivos ru45
bores; e como entre os arrebóis da manhã cintila o primeiro raio do sol, em suas faces incendiadas rutilava o
primeiro sorriso da esposa, aurora de fruído amor.
[…]
As águas do rio banharam o corpo casto da recente
esposa.
Tupã já não tinha sua virgem na terra dos tabajaras.

terra. Ouvem uma voz. É Poti, que aconselha Martim
a partir para as margens do ninho das garças antes do
amanhecer. Não será seguido “porque a inúbia dos
pitiguaras rugirá da banda da serra”. Poti está só. Martim crê que não deva rugir a inúbia, porque atrairá os
guerreiros tabajaras.
“— Assim é preciso para salvar o irmão branco;
Poti zombará de Irapuã, como zombou quando combatiam cem contra ti.” (ALENCAR, José de. Op. cit.,
p. 43.)
Iracema deseja salvá-los. Eles devem aproveitar o
nascimento da lua das flores. Os guerreiros tabajaras
passarão a noite no bosque sagrado. Quando estiverem todos adormecidos com os sonhos alegres, Martim “deixará os campos do Ipu, e os olhos de Iracema,
mas sua alma, não”. Martim estreita Iracema ao seio,
mas a repele, porque as palavras terríveis do pajé
magoam-lhe o coração. Poti concorda com as palavras sábias de Iracema.
Comentário: Na cultura indígena, o nascimento da
lua das flores simboliza um momento de comemoração e alegria. Entre os tabajaras havia o costume de
receber do pajé o licor da jurema nessas ocasiões. O
delírio obtido com o efeito da bebida sagrada prepara
o espírito dos guerreiros para a batalha.
imóvel no meio de uma nuvem de fumaça. Iracema
distribui o vinho da jurema:

tinja sua mão que a tua; porque os olhos de Iracema
vêem a ti, e a ela não”. (ALENCAR, José de. Op. cit.,
p. 53.) Caubi combate. Martim apenas se defende. Poti
derruba o velho Andira. Martim deixa Caubi para Poti
e diz a Jacaúna que Irapuã lhe pertence. Durante a luta,
a espada de Martim faz-se em pedaços e Irapuã parte
sobre ele com a clava. Iracema atira-se contra Irapuã e
deixa-o indefeso. “Soava a pocema46 da vitória.” Os
tabajaras fogem, levando consigo o seu chefe.
Iracema fica triste ao ver o chão cheio de cadáveres de seus irmãos e a fuga do bando de guerreiros
tabajaras. Ela chora. Martim afasta-se “para não envergonhar a tristeza de Iracema”.

Que transporta ao céu o valente tabajara.
Este, grande caçador, sonha que os veados e as pacas
correm de encontro às suas flechas para se traspassarem
nelas; fatigado por fim de ferir, cava na terra o bucã, e assa
tamanha quantidade de caça, que mil guerreiros em um
ano não acabariam.
Outro, fogoso em amores, sonha que as mais belas
virgens tabajaras deixam a cabana de seus pais e o seguem cativas de seu querer. […]
O herói sonha tremendas lutas e horríveis combates,
de que sai vencedor, cheio de glória e fama. O velho renasce na prole numerosa e como o seco tronco donde rebenta nova e robusta sebe, ainda cobre-se de flores.
Todos sentem a felicidade tão viva e contínua, que no
espaço da noite cuidam viver muitas luas. As bocas murmuram; o gesto fala, e o Pajé, que tudo escuta e vê, colhe
o segredo no íntimo d’alma.

XIX. Poti persegue os inimigos, cheio de alegria
ao ver que Martim está a salvo. Depois, dá o cão ao
amigo para que o possa chamar em caso de perigo.
Poti leva Martim até onde cresce um frondoso jatobá.
Ele nasceu naquele local. Conta para Martim a história de seu pai, o grande chefe Jatobá.

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ALENCAR, José de. Op. cit., p. 48.

Iracema deixa o bosque e vai ao encontro de Martim. Seguem para o vale para encontrar Poti. Os três
partem. Poti pede a Martim que mande Iracema voltar,
porque ela demora a marcha dos guerreiros. Martim
procura conversar com Iracema, mas ela vai acompanhá-lo até onde acabam os campos dos tabajaras. Quando estão fora, Martim diz: “Teu hóspede já não pisa os
campos dos tabajaras. É o instante de separar-se dele”.
(ALENCAR, José de. Op. cit., p. 49.)

XX. Martim e Iracema hospedam-se na cabana
de Jacaúna. Iracema está triste por hospedar-se na taba
dos inimigos de seu povo. Martim resolve partir e
comunica isso a Jacaúna. Poti vai acompanhá-lo. “O
guerreiro do mar deixa as margens do rio das garças,
e caminha para as terras onde o sol se deita. A esposa
e o amigo seguem sua marcha.” (ALENCAR, José
de. Op. cit., p. 56.)

XVII. Iracema não pode voltar, porque já é esposa de Martim.
Poti alerta que os tabajaras começam a despertar.
Iracema chama Martim, porque a vida dele corre perigo enquanto não pisar as praias dos pitiguaras. Poti
sabe que os tabajaras são velozes e “esperava o momento de morrer defendendo o amigo”. Param com a
chegada da noite.
Na manhã seguinte, Poti anuncia que o povo tabajara caminha na floresta. Os três seguem pela mata.

XXI. Os três chegam à foz do rio Mundaú47, onde
habita a tribo dos pitiguaras. São recebidos com hospitalidade e levados de jangada pelo chefe até a tribo
dos caçadores, onde são recebidos por Jaguaraçu. Depois, seguem “até um alto morro de areia que tinha a
alvura da espuma do mar48”.
Martim decide instalar a taba dos guerreiros brancos próxima à “embocadura do rio cujas margens eram
alagadas e cobertas de mangue. O mar entrando por
ele, formava uma bacia cheia de água cristalina, e
49
cavada na pedra como um camucim ”. (ALENCAR,
José de. Op. cit., p. 59.) Com a ajuda de Poti, Martim
e Iracema erguem uma cabana com troncos de carnaúba, folhas de palmeira e taquara.

XVIII. Os tabajaras alcançam os fugitivos. Irapuã e seu povo precipitam-se sobre o inimigo. Nesse
momento late um cão selvagem. Poti solta um grito
de alegria. O cão guia os guerreiros pitiguaras. Jacaúna, irmão de Poti, chega do rio das garças com
seus melhores guerreiros. Trava-se uma violenta batalha. Jacaúna luta contra Irapuã. Caubi ataca Martim, mas Iracema pede a Martim que não derrame o
sangue do irmão. Ela mesma matará Caubi, se for
necessário: “Iracema antes quer que o sangue de Caubi

XXII. Poti conta a história de Batuireté, pai do
grande chefe Jatobá, que, tomado pela velhice, entregou o comando da tribo pitiguara ao filho. Poti decide ir à serra de Maranguape, onde habita seu grande
avô. Martim e Iracema acompanham-no.

46

Grito de guerra.
Rio tortuoso que nasce na serra de Uruburetama (ninho dos urubus).
48
Esse morro é chamado de Mocoripe (Mucuripe) fica a uma légua de Fortaleza.
49
Pote de barro preto.
47

7
XXV. A alegria dura até o período de amadurecimento das espigas de milho. Martim, entretanto, fica
cansado das caçadas com Poti e das carícias da terna
esposa. Ele mira o mar e sente saudade da pátria. A
chegada de um guerreiro pitiguara mandado por Jacaúna traz notícias da aliança entre os tapuias (holandeses) e Irapuã para vencer a nação pitiguara. Poti é
chamado por Jacaúna para defender os campos de seus
pais e anuncia sua partida para o amigo. Martim afirma que “nada separa dois guerreiros amigos quando
troa a inúbia da guerra”.

Poti apresenta Martim ao grande Batuirité.
O velho soabriu as pesadas pálpebras, e passou do
neto ao estrangeiro um olhar baço. Depois o peito arquejou e os lábios murmuraram: — Tupã quis que estes olhos
vissem antes de se apagarem, o gavião branco 50junto da
narceja51.
ALENCAR, José de. Op. cit., p. 63.

Poti e os amigos deixam Baruireté sossegado.
Quando voltam, o velho está morto. Poti providencia
o funeral do avô.

XXVI. Poti pede a Martim que fique. Ele voltará
em breve. Martim insiste em partir com o amigo. Poti
quer saber se ele quer que Iracema o acompanhe, mas
Martim diz que ela deve ficar. Os pitiguaras lutam
contra os irmãos de Iracema, que sentirá tristeza e dor.
Os dois seguem, depois de Poti fincar no chão uma
flecha emplumada por Iracema com penas pretas e
vermelhas atravessada num goiamum54.

Perto havia uma formosa lagoa no meio de verde campina. Para lá volvia a selvagem o ligeiro passo. Era a hora
do banho da manhã; atirava-se à água e nadava com as
garças brancas e as vermelhas jaçanãs.
Os guerreiros pitiguaras, que apareciam por aquelas
paragens, chamavam essa lagoa Porangaba52, ou lagoa
da beleza, porque nela se banhava Iracema, a mais bela
filha da raça de Tupã.
ALENCAR, José de. Op. cit., p. 64.

Iracema conta ao marido que será a mãe de seu
filho. Martim fala a Poti sobre sua felicidade na terra
das palmeiras.

— Podes partir. Iracema seguirá teu rasto; chegando
aqui, verá tua seta, e obedecerá à tua vontade.
Martim sorriu; e quebrando um ramo do maracujá, a
flor da lembrança, o entrelaçou na haste da seta, e partiu
enfim seguido por Poti.

XXIV.

ALENCAR, José de. Op. cit., p. 71.

Iracema preparou as tintas. O chefe, embebendo as
ramas da pluma, traçou pelo corpo os riscos vermelhos e
pretos, que ornavam a grande nação pitiguara. Depois pintou na fronte uma flecha e disse:
— Assim como a seta traspassa o duro tronco, assim o
olhar do guerreiro penetra n’alma dos povos.

Iracema encontra a seta e entende que ele lhe ordena que ande para trás como o goiamum e guarde a
sua lembrança todo o tempo até morrer. Sente-se abandonada pelo marido e tem saudade dos formosos campos do Ipu, da cabana de Araquém, mas não se
arrepende de os ter abandonado. Sua única companhia é a amiga jandaia, que finalmente voltara.
Comentário: Dois aspectos merecem destaque
nesse capítulo. O primeiro refere-se à impossibilidade de Martim permanecer em paz ao lado da amada.
Seu espírito guerreiro, significado evidente a partir
de seu nome, como foi mencionado anteriormente, é
incapaz de encontrar sossego ou paz apenas ao lado
da doce amada. O segundo é indicado pela volta da
jandaia, que finalmente pode reconhecer Iracema, que
retorna a seu estado primitivo ao ser deixada pelo
esposo estrangeiro. Simbolicamente, pode-se dizer
que Iracema retoma seu estado de natureza.

ALENCAR, José de. Op. cit., p. 67.

Poti pinta no braço de Martim um gavião; no pé
esquerdo, a raiz de um coqueiro; no esquerdo, uma
asa. Iracema pinta uma abelha sobre a folha da árvore. Depois, Iracema batiza Martim de Coatiabo53.
Seguem-se os festejos com bebidas e danças.
Comentário: O narrador coloca o leitor a par do
costume indígena de pintar o corpo do guerreiro com
as cores de sua nação. Martim deve passar pela cerimônia, uma vez que adotou a pátria da esposa e do
amigo. As pinturas revestem-se de simbologia. A seta
representa o olhar do guerreiro na alma dos povos; o
gavião no braço, a velocidade do braço sobre o inimigo; a raiz do coqueiro, o pé firme que sustenta seu
corpo robusto; a asa no pé, o pé veloz; e a abelha, a
doçura no coração.

XXVII. Uma tarde Martim e Poti voltam. Os dois
chegaram à cabana de Jacaúna no momento que o

50

Essa passagem equivale a uma profecia do velho chefe, que prevê a destruição de sua raça pelos brancos. Martim é chamado de
gavião branco, enquanto Poti, de narceja.
51
Maçarico-d’água-doce, ave caradriforme da fam. dos escolopacídeos (Gallinago paraguaiae).
52
Atualmente, chama-se Arronches. Significa beleza. Alencar aproveita para, novamente, representar a beleza de Iracema com um
elemento da natureza.
53
Significa corpo pintado.
54
Mesmo que guaiamu, espécie de caranguejo, da família dos gecarcinídeos.

8

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XXIII. Iracema está feliz junto ao amado.
combate seria iniciado. Lutaram muito e venceram
os inimigos.
Martim enche-se de alegria pela volta, mas Iracema percebe que os olhos do amado não buscam mais
os dela.

XXX. O filho de Iracema nasce na margem do
rio. Iracema chama-o de Moacir57. “Tua mãe também,
filho de minha angústia, não beberá em teus lábios o
mel de teu sorriso.” Ao chegar ao morro de areia, Iracema adivinha a partida de Martim e Poti para a guerra.
Na manhã seguinte, Iracema vê Caubi em pé na
porta da cabana. Ergue-se para proteger o filho, mas
Caubi diz que não foi a vingança que o arrancou do
campo dos tabajaras. Precisa ver Iracema, que levou
consigo toda sua alegria.
Caubi vê Moacir. Iracema pergunta se Araquém
ainda vive. Caubi conta que depois que ela o deixou,
sua cabeça vergou para o peito e não se ergueu mais.
Para consolar o pai, Iracema pede ao irmão que diga
que ela está morta.
Iracema prepara a refeição. Caubi quer saber onde
está Martim para que lhe dar o abraço da amizade.
Iracema chora. Caubi diz: “— Teu irmão pensava que
a tristeza ficara nos campos que abandonaste; porque
trouxeste contigo todo o riso dos que te amavam”.
(ALENCAR, José de. Op. cit., p. 81.)

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XXVIII. “Uma vez o cristão ouviu dentro em sua
alma o soluço de Iracema: seus olhos buscaram em
torno e não a viram.” (ALENCAR, José de. Op. cit.,
p. 75.)
Martim quer saber por que Iracema chora. Ela diz
que perdeu sua felicidade depois que ele se separou
dela.
— O que espreme as lágrimas do coração de Iracema?
— Chora o cajueiro quando fica tronco seco e triste.
Iracema perdeu sua felicidade, depois que te separaste
dela.
— Não estou junto de ti?
— Teu corpo está aqui; mas tua alma voa à terra de
teus pais e busca a virgem branca, que te espera.
— Quando teu filho deixar o seio de Iracema, ela morrerá, como o abati55 depois que deu seu fruto. Então o
guerreiro branco não terá mais quem o prenda na terra
estrangeira.

XXXI. Iracema manda Caubi retornar às montanhas dos tabajaras. Depois de conversarem, despedem-se num abraço que une os três. Iracema espera a
partida do irmão para voltar à cabana onde o filho
chora. Guardou segredo do motivo do sofrimento da
criança. Suspende o filho ao seio, mas o leite é escasso e não brota. Prepara ao fogo o mingau para nutrir a
criança. Com a chegada do sol, parte com o filho para
58
a mata. Encontra o leito da irara ausente. Coloca no
colo um por um os filhotes, passa mel nos seios e os
oferece. Os cachorrinhos famintos sugam. Os seios
sangram. Brota o leite com o qual alimenta o filho de
sua dor.

ALENCAR, José de. Op. cit., p. 75.

Comentário: Iracema percebe o distanciamento
de Martim. Sabe que o amado sente saudade de sua
terra natal. A tristeza de Martim é fruto da necessidade que tem de combater. Martim representa o filho
de Marte, deus da guerra, enquanto Iracema simboliza o amor. O amor e a guerra não permanecem juntos
por muito tempo. Ela, Iracema, nascera para o amor e
ele, Martim, para a guerra.
XXIX. Poti e Martim descobrem uma caravela
holandesa que parece seguir para a guerra da vingança contra os pitiguaras. Martim sugere que Poti chame os caçadores do Soipé e os pescadores do Trairi
para lutarem contra o inimigo. Todos atendem ao chamado de Poti. Todos se escondem nas praias de Jacarecanga para não serem avistados pelos inimigos.
Trava-se um forte combate, que termina com o
naufrágio da caravela inimiga.

A filha de Araquém sentiu afinal que suas veias se estancavam; e contudo o lábio amargo de tristeza recusava
o alimento que devia restaurar-lhe as forças. O gemido e o
suspiro tinham crestado com o sorriso e o sabor em sua
boca formosa.
ALENCAR, José de. Op. cit., p. 83.

XXXII. Antes de retornar, Martim segue até as
margens do Mearim, onde habita o inimigo, aliado
dos tupinambás. O número de holandeses cresce.
Depois, Martim retorna aos campos da Porangaba.

56

Ao romper d’alva, o maracatim fugia no horizonte para
as margens do Mearim. Jacaúna chegou, não mais para o
combate e só para o festim da vitória.
Nessa hora em que o canto guerreiro dos pitiguaras
celebrava a derrota dos guaraciabas, o primeiro filho que o
sangue da raça branca gerou nessa terra da liberdade, via
a luz nos campos da Porangaba.

Quanto mais seu passo o aproxima da cabana, mais
lento se torna e pesado. Tem medo de chegar; e sente que
sua alma vai sofrer, quando os olhos tristes e magoados
da esposa entrarem nela.

ALENCAR, José de. Op. cit., p. 79.
55

Milho ou arroz.
Grande barco que leva na prova um maracá (chocalho).
57
Significa filho do sofrimento, da dor.
58
Animal carnívoro da família dos mustélideos.
56

9
Muitas vezes ia sentar-se naquelas doces areias, para
cismar e acalentar no peito a agra saudade.
A jandaia cantava ainda no olho do coqueiro; mas não
repetia já o mavioso nome de Iracema.
Tudo passa sobre a terra.

Com esforço, Iracema ergue o filho para apresentá-lo ao pai, pousa a criança nos braços de Martim:
— Recebe o filho de teu sangue. Era tempo; meus seios ingratos já não tinham alimento para dar-lhe! Pousa o
filho nos braços de Martim e desfalece.
O esposo viu então como a dor tinha consumido seu
belo corpo; mas a formosura ainda morava nela, como o
perfume na flor caída do manacá.

ALENCAR, José de. Op. cit., p. 87.

Comentário: O encerramento do romance Iracema mantém o conteúdo poético de toda a obra e mostra as lembranças e saudades do esposo depois da
morte da amada. A natureza recria com forte plasticidade os sentimentos do protagonista. O caráter histórico também fica patente nessa passagem.

ALENCAR, José de. Op. cit., p. 84-85.

Iracema não se ergue mais da rede onde Martim a
colocou.
Poti manda o amigo enterrar o corpo da esposa ao
pé do coqueiro que Martim ama. Assim, quando o
vento do mar soprar nas folhas, Iracema pensará que
é a voz de Martim que fala entre seus cabelos. Poti
ampara o amigo em sua dor.
Martim enterra o camucim com o corpo de Iracema ao pé do coqueiro e quebra um ramo de murta, a
folha da tristeza, deitando-a no jazigo. A jandaia repete tristemente: “Iracema”.
“E foi assim que um dia veio a chamar-se Ceará o
rio onde crescia o coqueiro, e os campos onde serpeja o rio.” (ALENCAR, José de. Op. cit., p. 86.)
Comentário: O final do capítulo demonstra claramente a intenção de José de Alencar de dar um tom
de lenda à sua narrativa, o que pode ser confirmado
pelo subtítulo: “Lenda do Ceará”. Vale destacar que a
palavra Ceará tem relação anagramática com Iracema.

Iracema assusta-se com a presença de Martim
Soares Moreno e fere-o no rosto com sua flecha. Depois sela a paz entre eles ao quebrar a flecha que feriu o português. Os dois conversam. Iracema leva
Martim à tribo e apresenta-o a seu pai, Araquém, pajé
dos tabajaras.
Com a volta do cacique Irapuã, Martim corre perigo, já que o guerreiro tabajara, apaixonado por Iracema,
pressente seu amor pelo estrangeiro. Iracema é a virgem
prometida ao deus Tupã e a detentora dos segredos do
licor da jurema, bebida sagrada e cujos efeitos levam os
guerreiros ao delírio na véspera das batalhas. Martim
toma a bebida e sonha amar Iracema.
Irapuã acusa Iracema de ter-se entregado ao estrangeiro. Araquém faz uma profecia de que Iracema
morrerá se abandonou sua virgindade ao guerreiro
branco.
Depois de tomar novamente o licor da jurema,
Martim sonha estar com a índia, mas Iracema entrega-se realmente a Martim, que acredita que tudo não
passa de um sonho.
Iracema e Martim fogem de Irapuã. Martim reencontra seu amigo Poti, da tribo dos pitiguaras, e conseguem escapar, depois de enfrentar luta contra os
tabajaras. Iracema defende seu amado.
Constroem uma cabana às margens de uma lagoa,
onde surgirá Mecejana. Iracema está grávida de Martim, que parte para lutar ao lado dos pitiguaras pela
expulsão dos holandeses do litoral do Nordeste. Iracema dá à luz um menino, Moacir. Quando Martim retorna, Iracema está à beira da morte. Cumpre-se dessa
forma a profecia de Araquém. Iracema morre nos braços do amado. Martim enterra a esposa e parte com o
filho para a Europa, para voltar alguns anos depois.

XXXIII. Quatro anos se passam depois que “Martim partiu das praias do Ceará, levando consigo no
frágil barco o filho e o cão fiel. A jandaia não quis
deixar a terra onde repousava sua amiga e senhora”.
(ALENCAR, José de. Op. cit., p. 86.) Poti espera pela
volta do amigo.
Martim volta e traz consigo muitos guerreiros
brancos e um sacerdote que planta a cruz na terra selvagem. Poti é o primeiro a receber o batismo e o nome
de Antônio Felipe Camarão. Antônio do santo daquele dia e Felipe do rei (Felipe II). Jacaúna vem habitar
os campos de Porangaba para estar próximo do amigo. Camarão (Poti) ergue a taba de seus guerreiros
nas margens da Mecejana59.
Tempo depois, quando veio Albuquerque60, o grande
chefe dos guerreiros brancos, Martim e Camarão partiram
para as margens do Mearim a castigar o feroz tupinambá
e expulsar o branco tapuia.
Era sempre com emoção que o esposo de Iracema revia as plagas61 onde fora tão feliz, e as verdes folhas a
cuja sombra dormia a formosa tabajara.
59

Nome da lagoa das proximidades e que dá nome à província que aí surge.
Chefe da expedição do Maranhão (1612).
61
Terras.

5. ESTRUTURA DA OBRA

60

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4. RESUMO DO ENREDO
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

O romance Iracema apresenta 33 capítulos de variadas dimensões. Sua estrutura é construída a partir
de flash-back ou retrocesso. Parte-se do tempo presente para o passado, para depois obedecer a uma
ordem cronológica.
A) Foco narrativo: O romance é narrado em terceira pessoa por um narrador onisciente, ou seja, que
tudo sabe sobre as personagens, penetra em seus pensamentos e em sua alma. O tom poético acentua-se
pela profunda ligação entre as personagens e pelo
cenário exuberante que as cerca. Apesar de sua posição aparentemente distanciada, o narrador deixa-se
envolver pela cor local, emociona-se ao descrever a
bela índia tabajara, que é caracterizada na obra como
epíteto de brandura e amor.
B) Tempo: A história passa-se no começo do século XVII, mais especificamente no período da expulsão holandesa do Nordeste, daí um certo caráter
histórico da obra. Veja-se a referência a Jerônimo
Albuquerque no capítulo XXXIII, que foi chefe da
expedição do Maranhão, em 1612.
C) Espaço: O espaço central da narrativa é o Ceará, daí as diversas referências locais, tais como Mucuripe e Mecejana. A referência geográfica é sugerida
desde o subtítulo: “Lenda do Ceará”.
D) Personagens: As personagens do romance não
apresentam densidade psicológica, são normalmente
alegorias, como Iracema e Martim, ou personalidades históricas representativas, como Irapuã ou Poti.
1. Iracema: Índia tabajara, que simboliza a América, as matas brasileiras. É filha do pajé Araquém e
irmã de Caubi. Iracema representa o amor e a pureza.
Sua pureza decorre da natureza que simboliza e encarna, e do fato de ser a virgem prometida a Tupã. O
amor é a força que faz Iracema recusar o papel que
possui diante de sua tribo. Ela detém o segredo da
fabricação do vinho da jurema (substância sagrada
para os tabajaras). É por amor que desafia a profecia
do pai, entrega-se a Martim e morre em seus braços
no final da narrativa. Iracema é uma personagem idealizada: resulta do projeto romântico de caracterizar
um Brasil livre e individualizado.
2. Martim Soares Moreno: É um soldado português. Se Iracema é uma alegoria da América, Martim é uma metonímia da Europa colonizadora. Martim
realmente existiu, o que faz dele símbolo e personagem histórica. Participou como soldado da luta contra a invasão holandesa. Seu nome significa filho de
Marte, deus da guerra na mitologia romana. Em seu
ser confrontam-se o amor de Iracema e a fidelidade à
pátria portuguesa e ao amigo Poti. Martim abandona
a mulher grávida para guerrear ao lado de Poti. Como
as demais personagens, é também idealizado como
um homem corajoso, honesto, sincero e fiel à amiza-

de. Sua união com Iracema simboliza a dominação
sobre as terras americanas e a integração do europeu.
3. Poti: Um dos chefes guerreiros dos pitiguaras,
é irmão do cacique Jacaúna, chefe dos pitiguaras. Poti
é amigo de Martim, de quem se considera irmão. Personagem histórica, Poti destacou-se ao lado dos portugueses na luta contra os invasores holandeses no
litoral do Nordeste, quando foi capitão-mor dos nativos. Foi batizado com o nome de Antônio Felipe Camarão. Poti simboliza, no romance Iracema, a
amizade.
4. Araquém: Pai de Iracema e Caubi, Araquém é
o pajé (xamã ou curandeiro) dos tabajaras. Como feiticeiro da tribo, detém os poderes de Tupã, procura
transmitir seu conhecimento à tribo. Sua força decorre da prudência e da sabedoria da velhice, que em
vão procura transmitir a Irapuã. Ele simboliza a experiência da velhice.
5. Irapuã: Personagem antagonista, é o chefe, o
cacique da tribo dos tabajaras. Personagem histórica,
destacou-se como inimigo dos portugueses e dos potiguaras. Foi aliado dos holandeses. Seu nome significa mel redondo. Mas não há em seu comportamento
qualquer brandura (doçura), pois é um indivíduo
agressivo, movido sempre pelo ódio e pelo desejo de
vingança. Procura realizar-se pela força e pela violência. Ama Iracema e sente-se enciumado com a presença do estrangeiro na cabana de Araquém. Irapuã
simboliza a guerra.
6. Caubi: É filho de Araquém e irmão de Iracema. Seu nome significa “senhor dos caminhos”, daí
o papel que desempenha de conduzir Martim ao caminho de fuga.
7. Moacir: É filho de Iracema e Martim. Na história, é apenas um bebê. Seu nome significa “filho
da dor”. Simbolicamente, representa a miscigenação
e o primeiro cearense. Seu nome decorre do sofrimento de Iracema ao abandonar a sua tribo, lutar contra seus próprios irmãos para defender seu amor para
depois ser abandonada por Martim em virtude da
guerra.

6.ESTILO DE ÉPOCA
E ESTILO INDIVIDUAL
Alencar não destoa das características gerais do
Romantismo, como faz Manuel Antônio de Almeida.
Suas obras procuram retratar um Brasil e personagens mais ideais do que reais, mais como ele gostaria
que moralmente fossem (fantasia romântica e moralismo) do que objetivamente eram (realidade). Iracema é uma narrativa em forma de lenda, que procura

11
8.BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
ALENCAR, José de. Iracema. 14. ed. São Paulo:
Ática, 1983.
GREGÓRIO, Irmão José. Contribuição indígena ao
Brasil. Belo Horizonte: União Brasileira de Educação e Ensino, s/d.

Leia o texto a seguir para responder às questões de 1 a 3.
Verdes mares bravios de minha terra natal, onde canta
a jandaia nas frondes de carnaúba;
Verdes mares, que brilhais como líquida esmeralda aos
raios do sol nascente, perlongando as alvas praias
ensombradas de coqueiros;
Serenais, verdes mares, e alisai docemente a vaga
impetuosa, para que o barco aventureiro manso resvale à
flor das águas.
Onde vai a afouta jangada, que deixa rápida a costa
cearense, aberta ao fresco terral a grande vela?
Onde vai como branca alcíone buscando o rochedo
pátrio nas solidões do oceano?
Três entes respiram sobre o frágil lenho que vai singrando veloce, mar em fora.
Um jovem guerreiro cuja tez branca não cora o sangue
americano; uma criança e um rafeiro que viram a luz no

7. PROBLEMÁTICA E
PRINCIPAIS TEMAS
Iracema é um romance que rompe a distância entre a prosa e a poesia. Alencar deixou-se envolver por
essa união entre o épico e o lírico, a ponto de abusar
dos elementos poéticos. As descrições do romance
chegam a ser excessivas ou mesmo repetitivas em al-

12

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

guns momentos. Entretanto, conduzem o leitor a quadros de incomum beleza plástica. É desse encantamento que nasce a paixão do leitor pela história da
pobre índia tabajara e pela linguagem alencariana.
Para entender os principais temas de Alencar presentes em Iracema, deve-se levar em conta o projeto
do autor de caracterização do Brasil a partir da literatura. Alencar fixa a sociedade carioca nos romances
urbanos; caracteriza o mundo rural nos romances regionalistas (sul, norte, sudeste); destaca elementos
históricos do período de colonização no romance histórico; e realiza a poesia da matas e o canto da natureza nos romances indianistas (O Guarani, Iracema e
Ubirajara). O fortalecimento da identidade brasileira pós-independência surge, segundo a intenção romântica nacional, da capacidade de demonstrar uma
cultura livre da influência e da dominação lusitanas.
Mostrar essa face do Brasil decorre, assim, de exaltar
símbolos de brasilidade. O índio surge como o herói
daqueles tempos históricos e símbolo de brasilidade.
O tema central de Iracema é a natureza brasileira.
O nacionalismo e o nativismo são suas características marcantes. Em Iracema, o Brasil de ficção e idealizado resulta de um projeto romântico bem definido,
mas nem sempre ao gosto do leitor e da crítica portuguesa da época, o que resultou em ataques muitas
vezes diretos ao escritor e alguns dissabores.

ficcionalmente reconstruir a formação da província
do Ceará.
A valorização da natureza é um dos pontos altos
da literatura do período romântico, que se deixou influenciar pelo pensamento de Rosseau segundo o qual
só o contato do homem com a natureza pode fazer
com que ele retorne a seu estado original de pureza,
que foi corrompido pela sociedade. O resultado é a
exaltação da cor local (regionalismo e nacionalismo)
e da figura do índio (mito do bom selvagem). O cenário é exuberante e reproduzido de forma minuciosa por meio de descritivismo pictórico, atitude que
costuma ser chamada de nativismo ou naturismo. A
natureza é a realização do pitoresco local, e decorre
daí uma atitude evidente de exaltação e valorização
da pátria, tanto em Portugal como no Brasil. Como a
primeira fase do Romantismo brasileiro é decorrência histórica da Independência (1822), o nacionalismo torna-se uma característica de extrema
importância. É desse nacionalismo que nasce o romance Iracema.
É preciso ressaltar que a natureza que se apresenta nos textos românticos é viva, dinâmica, e participa
diretamente da ação. Seu efeito não é meramente decorativo.
Veja algumas das características que marcam a
obra de José de Alencar:
1. Luta pela criação de uma língua literária brasileira com a incorporação de falas regionais e de expressões indígenas.
2. Alencar procurou criar um sentimento de identidade nacional com sua obra indianista, regionalista
e histórica.
3. As narrativas são marcadas por forte moralismo, daí a ausência de cenas de sexualismo explícito.
4. A linguagem é rica e colorida, carregada de adjetivação, descritivismo e musicalidade, aproximando-se inclusive da poesia (Iracema e Ubirajara).
5. Alencar destaca-se nos quatro tipos do romance romântico (urbano, indianista, regional e histórico). Foi o criador do romance indianista com O
guarani.
6. Suas personagens são idealizadas.
berço das florestas e brincam irmãos, filhos ambos da
mesma terra selvagem.
A lufada intermitente traz da praia um eco vibrante, que
ressoa entre o marulho das vagas:
— Iracema!
O moço guerreiro, encostado ao mastro, leva os olhos
presos na sombra fugitiva da terra; a espaços o olhar empanado por tênue lágrima cai sobre o jirau, onde folgam
as duas inocentes criaturas, companheiras de seu infortúnio.

2.

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

carnaúba: ramo ou ramagem de carnaúba (tipo de árvore da qual
se extrai cera).
águas: perífrase que substitui a palavra superfície das águas.
afouta: corajosa, sem medo.
lenho: pequena embarcação.
veloce: veloz.
rafeiro: tipo de cão treinado para guardar gado.
Iracema: o nome de Iracema provém da combinação de duas expressões do guarani: ira, que significa mel, e tembe (lábios), que se
altera formando ceme. Assim, Iracema significa lábios de mel.
jirau: armação ou estrado de madeira.

3.

4.

Por que se pode afirmar que Iracema é prosa poética?
Confirme sua resposta com elementos do texto transcrito.
Transcreva da passagem expressões que indiquem a
presença da personagem histórica Martim Soares Moreno
e de uma sugestão para o subtítulo do romance Iracema.
Há três passageiros na embarcação. Quem são eles e
que papel desempenham no enredo da obra?

5.

De que simbolismo se revestem as figuras de Iracema
e de Martim?
A partir disso, explique por que a união dos dois não é
definitiva.
Por que o romance Iracema é considerado pelo autor
como histórico e pela crítica como indianista?
Com a expressão “As águas do rio banharam o corpo
casto da recente esposa”, José de Alencar anuncia a união
entre Iracema e Martim.
a) Considerando-se a alegoria de que se revestem Martim
e Iracema, o que esse encontro representa?
b) De que maneira pode ser percebido o moralismo de
José de Alencar na passagem e no romance Iracema?

6.

Respostas
1. Porque o romance utiliza uma linguagem que se aproxima da
poesia e também porque o narrador deixa-se envolver afeti-

13

vamente pelo cenário e pelas personagens. O primeiro capítulo, de cujo texto foi transcrito o excerto, não segue a disposição comum de um texto em prosa. O emprego de adjetivação
farta e de figuras de linguagem (metáforas, símiles e prosopopéias) recria o cenário exuberante e idealizado da natureza
brasileira e sugere a diminuição da distância entre a prosa e a
poesia.
A expressão “Um jovem guerreiro cuja tez branca não cora o
sangue americano” indica tratar-se de Martim Soares Moreno, que retorna ao Brasil depois da morte da esposa. O subtítulo da obra é “Lenda do Ceará” e pode ser indicado pela
citação da passagem “Verdes mares bravios de minha terra
natal, onde canta a jandaia nas frondes de carnaúba”, que
indica uma descrição bastante nítida do litoral cearense.
As personagens são Martim, soldado português e protagonista do romance ao lado de sua amada Iracema; Moacir, filho de Martim e Iracema, cujo nome significa filho da dor; e
o cachorro que Martim ganhou de presente de seu amigo Poti
e que ajudou o antigo dono a buscar ajuda entre os pitiguaras
para enfrentar os tabajaras.
Iracema simboliza a natureza brasileira. Seu nome é um anagrama (contém todas as letras) da palavra América. Ela é a
virgem prometida ao deus Tupã e conhecedora dos mistérios
da bebida sagrada dos tabajaras. O soldado português Martim Soares Moreno representa a cultura européia, o colonizador. Seu nome está ligado à guerra, tem origem em Marte,
Deus da guerra na mitologia romana. A união entre Iracema
e Martim não é definitiva porque há um permanente conflito
entre o amor e a guerra. Martim não consegue esquecer a
luta contra os holandeses.
O romance pode ser considerado histórico-indianista, como
fez José de Alencar, para efeito de classificação, porque estão presentes personagens históricas, tais como Poti (batizado depois Antônio Felipe Camarão), Jacaúna (irmão de Poti
e chefe dos pitiguaras), Martim e Irapuã. Os dois primeiros
lutaram ao lado dos portugueses contra os holandeses e os
tabajaras, chefiados estes por Irapuã. José de Alencar procura contar a formação de sua província natal, o Ceará, daí o
subtítulo da obra. Entretanto, a supervalorização da natureza
brasileira é um ingrediente que não deve ser esquecido e que
se destaca sobre o papel das personagens históricas. A natureza é algo mais forte do que os fatos em si e dá ao livro um
contorno mais nítido de romance indianista.
a) O encontro amoroso entre Martim e Iracema simboliza
a união entre a América virgem e a Europa colonizadora. Por outro lado, simboliza também o desvirginamento
das matas americanas pela presença do colonizador europeu.
b) O moralismo de José de Alencar na passagem pode ser
percebido pelo anúncio sutil do encontro amoroso através
da expressão “recente esposa” e pela sugestão de pureza
com que revestiu o ato sexual ao sugerir “corpo casto”. O
romance não descreve a cena amorosa, que é sugerida apenas através de metáforas e pela passagem transcrita.

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Iracema: a história de amor entre índia e português

  • 1. Iracema (José de Alencar) Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. 1. BIOGRAFIA E BIBLIOGRAFIA 2. INTRODUÇÃO José Martiniano de Alencar nasceu em Mecejana (CE). Formou-se em Direito em Recife, mas antes passou pela Faculdade de Direito de São Paulo, onde ajudou a fundar uma revista semanal de ensaios literários. Ao terminar o curso, Alencar voltou para o Rio, onde exerceu a profissão de advogado e colaborou diariamente no jornal O Correio Mercantil. Em 1856, teve início a polêmica a respeito de A Confederação dos Tamoios, de Gonçalves de Magalhães, no Diário do Rio de Janeiro. José de Alencar criticou a obra sob o pseudônimo de Ig. O resultado foi o desentendimento com D. Pedro II, amigo particular de Gonçalves de Magalhães. No mesmo ano, Alencar publicou seu primeiro romance, Cinco Minutos. Em 1857, escreveu O Guarani como resposta à polêmica. Entretanto, Alencar continuou sendo atacado por Antônio Feliciano de Castilho e Franklin Távora devido à linguagem considerada cheia de erros, segundo as normas gramaticais lusitanas. Alencar candidatou-se a deputado pelo Ceará através do Partido Conservador e foi eleito. Procurou prosseguir a carreira do pai, que também era político. Em 1864, Alencar casou-se com Ana Cochrane. Em 1868, tornou-se Ministro da Justiça. No ano seguinte, candidatou-se ao senado. Foi o mais votado, mas seu nome acabou vetado pelo imperador. Encerrou a vida pública e dedicou-se integralmente à literatura. Em 1877, José de Alencar viajou para a Europa em tratamento de saúde. Voltou ao Rio no mesmo ano, onde morreu vitimado pela tuberculose. Iracema pode ser considerado um romance em prosa poética, ou seja, utiliza recursos da poesia num texto em prosa. Os elementos poéticos são evidentes na musicalidade, no ritmo cadenciado e nas descrições que valorizam a exuberância do cenário nacional. Narra-se a história de uma índia tabajara (Iracema) e do soldado português Martim Soares Moreno. A obra reveste-se de caráter alegórico, uma representação simbólica da formação da nação brasileira. Iracema simboliza a natureza brasileira. Seu nome é um anagrama (contém todas as letras) da palavra América. Ela é a virgem prometida ao deus Tupã e conhecedora dos mistérios da bebida sagrada dos tabajaras. O soldado português Martim Soares Moreno representa a cultura européia, o colonizador. Seu nome está ligado à guerra, tem origem em Marte, deus da guerra na mitologia romana. Iracema mostra os primeiros contatos entre o índio e o branco. Estão presentes os mitos e as crenças da cultura indígena. Para Alencar, a obra apresenta-se de modo histórico e remonta ao período de expulsão dos holandeses do Nordeste. Com o subtítulo: “Lenda do Ceará”, o autor intentou contar a formação da província do Ceará e a fundação de Mecejana, sua terra natal. Dessa forma, o romance pode ser considerado histórico-indianista, já que além da supervalorização natureza brasileira estão também presentes personagens históricas, tais como Poti (batizado depois Antônio Felipe Camarão), Martim e Irapuã. OBRA Romances: Cinco minutos (1856), O guarani (1857), A viuvinha (1869), Lucíola (1862), Diva (1864), Iracema (1865), O gaúcho (1870), A pata da gazela (1870), O tronco do ipê (1871), Guerra dos mascates (1871-1873), Sonhos d’ouro (1872), Alfarrábios (1873), Ubirajara (1874), Senhora (1875), O Sertanejo (1875) e Encarnação (1893). 3. ANÁLISE E RESUMO DA OBRA I. Verdes mares bravios de minha terra natal, onde canta a jandaia nas frondes de carnaúba1; 1 Ramo ou ramagem de carnaúba (tipo de árvore da qual se extrai cera). 1
  • 2. Verdes mares, que brilhais como líquida esmeralda aos raios do sol nascente, perlongando as alvas praias ensombradas de coqueiros; Serenai, verdes mares, e alisai docemente a vaga impetuosa, para que o barco aventureiro manso resvale à flor das águas2. Onde vai a afouta3 jangada, que deixa rápida a costa cearense, aberta ao fresco terral a grande vela? Onde vai como branca alcíone buscando o rochedo pátrio nas solidões do oceano? Três entes respiram sobre o frágil lenho4 que vai singrando veloce5, mar em fora. Um jovem guerreiro cuja tez branca não cora o sangue americano; uma criança e um rafeiro6 que viram a luz no berço das florestas e brincam irmãos, filhos ambos da mesma terra selvagem. A lufada intermitente traz da praia um eco vibrante, que ressoa entre o marulho das vagas: — Iracema7! O moço guerreiro, encostado ao mastro, leva os olhos presos na sombra fugitiva da terra; a espaços o olhar empanado por tênue lágrima cai sobre o jirau8, onde folgam as duas inocentes criaturas, companheiras de seu infortúnio. Nesse momento o lábio arranca d’alma um agro9 sorriso. Que deixara ele na terra do exílio? Um história que me contaram nas lindas várzeas onde nasci, à calada da noite, quando a lua passeava no céu argenteando os campos, e a brisa rugitava10 nos palmares. Refresca o vento. 11 12 O rulo das vagas precipita. O barco salta sobre as ondas e desaparece no horizonte. Abre-se a imensidade dos mares, e a borrasca13 enverga, como o condor, as foscas asas sobre o abismo. Deus te leve a salvo, brioso e altivo barco, por entre as vagas revoltas, e te poje14 nalguma enseada amiga. Soprem para ti as brandas auras; e para ti jaspeie15 a bonança mares de leite! Enquanto vogas assim à discrição do vento, airoso barco, volva às brancas areias a saudade, que te acompanha, mas não se parte da terra onde revoa. Comentário: A abertura do romance já revela o caráter poético da linguagem empregada por Alencar. Por isso costumamos classificar a obra como prosa poética. O emprego de adjetivação farta e de figuras de linguagem (metáforas, símiles e prosopopéias) recria o cenário exuberante e idealizado da natureza brasileira. II. Iracema, a virgem dos lábios de mel, que tinha os cabelos mais negros que a asa da graúna16, e mais longos que seu talhe de palmeira. O favo da jati17 não era doce como seu sorriso; nem a baunilha recendia no bosque como seu hálito perfumado. Mais rápida que a ema selvagem, a morena virgem corria o sertão e as matas do Ipu18, onde campeava sua guerreira tribo da grande nação tabajara19. O pé grácil e nu, mal roçando, alisava a verde pelúcia que vestia a terra com as primeiras águas. Comentário: A descrição da virgem confirma a identificação de Iracema com a natureza brasileira. Iracema representa a pureza e a beleza da matas. Seus dotes físicos ligam-se a elementos dessa mesma natureza: lábios (mel), cabelos (negro como as asas da graúna, longos como a palmeira), sorriso (doce como o favo da jati), hálito (perfumado como a baunilha) e rápida (como a ema). O segundo capítulo é construído a partir de um flash-back, ou seja, de um retrocesso, uma volta ao passado, que perdurará até o último capítulo. Nesse momento, sua função é preparar o primeiro encontro entre Iracema e Martim Soares Moreno. O narrador preocupa-se em caracterizar a personagem, reproduzindo-a a partir da natureza brasileira, que lhe serve de modelo e comparação. Iracema sai do banho. Empluma as flechas do arco ALENCAR, José de. Iracema. 14. ed. São Paulo: Ática, 1983. p.11-14. 2 Perífrase que substitui a palavra superfície das águas. Corajosa, sem medo. 4 Pequena embarcação. 5 Veloz. 6 Tipo de cão treinado para guardar gado. 7 O nome de Iracema provém da combinação de duas expressões do guarani: ira, que significa mel, e tembe (lábios), que se altera formando ceme. Assim, Iracema significa lábios de mel. 8 Armação ou estrado de madeira. 9 Figura: mesmo que acre, amargo. 10 Sussurrava, rugia. 11 Figura: mesmo que arrulho, recria o som do canto dos pombos nas ondas do mar. 12 Fig.: Prosopopéia. 13 Vento forte e súbito acompanhado de chuva, furacão. 14 Desembarque. 15 Dar aparência ou cor de jaspe (variedade de quartzo opaco de várias cores). 16 Pássaro de cor negra: guira (pássaro) + una (de pixuna=negro). 17 Espécie de abelha. 18 Tipo de terra fértil para a agricultura. 19 Senhor das aldeias: Taba (aldeia) + jara (senhor). 3 2 Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. ALENCAR, José de. Op. cit., p. 14.
  • 3. Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. com penas de gará20, enquanto brinca com seu ará21, quando é interrompida por um rumor suspeito. Iracema depara-se com um guerreiro estranho, “se é guerreiro e não algum mau espírito da floresta”. Iracema assusta-se, pois nunca havia visto um guerreiro branco: “Tem nas faces o branco das areias que bordam o mar: nos olhos o azul triste das águas profundas. Ignotas22 armas e tecidos ignotos cobrem-lhe o corpo”. (ALENCAR, José de. Op. cit. p.15) Iracema assustase com a presença do guerreiro branco e dispara uma flecha. Martim é ferido no rosto de raspão e preparase para reagir, mas não o faz, porque está diante de uma mulher. A tristeza estampada na face faz Iracema estancar o sangue e, num gesto de paz, quebrar a flecha, dando “a haste ao desconhecido e guardando consigo a ponta farpada”. Martim conhece os costumes nativos. Os dois conversam e apresentam-se. Iracema dá as boas vindas ao estrangeiro. Comentário: O ato de quebrar a flecha equivale simbolicamente a um sinal de paz entre os silvícolas. Sou dos guerreiros brancos, que levantaram a taba nas margens do Jaguaribe23, perto do mar, onde habitam o 24 25 pitiguaras , inimigos de tua nação. Meu nome é Martim , que na tua língua quer dizer filho de guerreiro; meu sangue, o do grande povo que primeiro viu as terras de tua pátria. Já meus destroçados companheiros voltaram por mar às margens do Paraíba, de onde vieram; e o chefe, desamparado dos seus, atravessa agora os vastos ser26 tões do Apodi . Só eu de tantos fiquei, porque estava en27 28 tre os pitiguaras de Acaracu , na cabana do bravo Poti , 29 irmão de Jacaúna , que plantou comigo a árvore da amizade. Há três sóis partimos para a caça; e perdido dos meus, vim aos campos dos tabajaras. 30 — Foi algum mau espírito da floresta que cegou o guerreiro branco no escuro da mata: respondeu o ancião. 31 A cauã piou, além da extrema do vale. Caía a noite. ALENCAR, José de. Op. cit., p. 17-18. Comentário: O trecho citado é importante uma vez que temos o próprio Martim apresentando-se a Araquém, pai de Iracema. Percebemos nessa cena a aproximação do homem branco conhecedor da cultura indígena. A colocação de Araquém: “foi um mau espírito que cegou o guerreiro”, antecipa, de certa forma, a aversão que Irapuã, guerreiro da tribo de Iracema, sentira pelo guerreiro branco. III. Martim acompanha Iracema até a cabana de seu pai Araquém, pajé da tribo dos tabajaras. Recebido com hospitalidade, Martim aceita o cachimbo oferecido por Araquém, alimenta-se e bebe. Depois, Iracema traz água fresca para que o estrangeiro lave o rosto e as mãos. O pajé fala: IV. Iracema traz a companhia de mulheres para Martim, como é costume entre várias tribos, e também vários guerreiros para obedecerem ao estrangeiro. Martim reclama, porque Iracema vai deixá-lo. A virgem explica que é a detentora do segredo da jurema e do mistério do sonho: “Sua mão fabrica para o Pajé a bebida de Tupã”. Martim deixa a cabana. O pajé conta ao povo os segredos de Tupã. Todos comemoram a volta e a vitória do chefe Irapuã. Quando Martim vai entrar na mata, surge o vulto de Iracema, que quer saber por que ele “abandona a cabana hospedeira sem levar o presente da volta”. Martim deseja ver os amigos, não leva o presente da volta, mas a lembrança de Iracema na alma. Iracema pede que ele espere pela volta de seu irmão Caubi, que o guiará às margens do rio das Garças. Martim concorda em esperar até o próximo dia pela volta de Caubi. — Vieste? — Vim; respondeu o desconhecido. — Bem-vindo sejas. O estrangeiro é senhor na cabana de Araquém. Os tabajaras têm mil guerreiros para defendêlo, e mulheres sem conta para servi-lo. Dize, e todos te obedecerão. — Pajé, eu te agradeço o agasalho que me deste. Logo que o sol nascer, deixarei tua cabana e teus campos aonde vim perdido; mas não devo deixá-los sem dizer-te quem é o guerreiro, que fizeste amigo. — Foi a Tupã que o Pajé serviu: ele te trouxe, ele te levará. Araquém nada fez pelo seu hóspede; não pergunta donde vem e quando vai. Se queres dormir, desçam sobre ti os sonhos alegres; se queres falar, teu hóspede escuta. […] 20 Ave de plumagem vermelha, da família das araras. Periquito. 22 Desconhecidos. 23 Maior rio da província do Ceará. A origem do nome provém da grande quantidade de onças que povoavam o lugar. 24 Nação que habitava o litoral entre os rio Jaguaribe e Paraíba, cujo nome normalmente pode ser traduzido por comedores de camarão (poti), designação de desprezo dada pelos inimigos por viverem da pesca. 25 Martim Soares Moreno, personagem histórica que participou junto aos índios da tribo dos pitiguaras da expulsão dos holandeses do litoral no séc. XVII. Seu nome vem de Marte, deus da guerra na mitologia latina. 26 Apo (separação, afastamento) e di (desinência indicadora de dois). 27 Nome de um rio (rio do ninho das garças). Acará (garça) + co (buraco, ninho) + y (água). 28 Irmão do chefe dos pitiguaras. Seu nome significa camarão. Personagem histórico que recebeu por batismo católico o nome de Antônio Filipe Camarão. 29 Chefe guerreiro da tribo dos pitiguaras. 30 Referência a anhangá, espírito maléfico; espectro animal que traz desgraça para quem o vê. 31 Mesmo que acauã, tipo de gavião preto cujo canto, emitido no crepúsculo e ao alvorecer, é considerado mal-agourado e prenunciador de chuvas. 21 3
  • 4. reiro. É Irapuã, que soube da presença de um estrangeiro na cabana de Araquém. Irapuã deseja a morte do estrangeiro para conseguir o amor de Iracema. “Quero beber-lhe o sangue todo: quando o sangue do guerreiro branco correr nas veias do chefe tabajara, talvez o ame a filha de Araquém.” (ALENCAR, José de. Op. cit., p. 26.) Iracema diz: “— Nunca Iracema daria seu seio, que o espírito de Tupã habita só, ao guerreiro mais vil dos guerreiros tabajaras! Torpe é o morcego porque foge da luz e bebe o sangue da vítima adormecida!” (ALENCAR, José de. Op. cit., p. 23.) Iracema desafia e ameaça Irapuã: “Não, porque Irapuã vai ser punido pela mão de Iracema. Seu primeiro passo é o passo da morte.” (ALENCAR, José de. Op. cit., p. 26.) Irapuã chega a vibrar o tacape, mas sente seu peso. Afirma que a sombra de Iracema não poderá esconder para sempre o estrangeiro e que “vil é o guerreiro, que se deixa proteger por uma mulher”. Depois desaparece entre as árvores. Iracema volta e protege o sono de Martim. “O amor de Iracema é como o vento dos areais; mata a flor das árvores: suspirou a virgem.” (ALENCAR, José de. Op. cit., p. 27.) Agora os pescadores da praia, sempre vencidos, deixam vir pelo mar a raça branca dos guerreiros de fogo, inimigos de Tupã. Já os emboabas estiveram no Jaguaribe; logo estarão em nossos campos; e com eles os potiguaras. Faremos nós, senhores das aldeias, como a pomba, que se encolhe em seu ninho, quando a serpente enrosca pelos galhos? Irapuã ergue o tacape e brande-o: Girando no ar, rápida e ameaçadora, a arma do chefe passou de mão em mão. O velho Andira, irmão do pajé, deixa cair o tacape e o calca no chão com o pé. Sua reação causa espanto e sua fala o maior susto. A nação tabajara é prudente. Ela deve encostar o tacape da luta para tanger o membi32 da festa. Celebra, Irapuã a vinda dos emboabas e deixa que cheguem todos aos nossos campos. Então Andira te promete o banquete da vitória. ALENCAR, José de. Op. cit., p. 21-22. Irapuã desdenha do velho guerreiro e diz que leva a guerra no punho de seu tacape. VIII. Ao acordar, Martim encontra Iracema triste. A tabajara afirma que Caubi chegará e que Martim poderá partir. Martim diz que Iracema quer ver o estrangeiro fora do campo dos tabajaras para que a alegria volte a seu seio. “— A juriti, quando a árvore seca, foge do ninho em que nasceu. Nunca mais a alegria voltará ao seio de Iracema: ela vai ficar, como o tronco nu, sem ramas, nem sombras.” (ALENCAR, José de. Op. cit., p. 28.) Martim deseja ficar para ver abrir a flor da alegria nas faces de Iracema e para sorver, como o colibri, o mel de seus lábios. Iracema conta que é filha do pajé e que guarda o segredo da jurema. O guerreiro que a possuir morrerá. Martim não teme a morte, mas sabe que deve partir. Iracema faz uma jura de amor: “— Tu levas a luz dos olhos de Iracema, e a flor de sua alma”. Caubi chega carregando a caça. Martim entra só na cabana. VI. Martim sente saudade da terra natal. Ele e Iracema conversam. A virgem pergunta se uma noiva o espera. Martim afirma que aquela que o espera não é mais doce nem mais formosa do que Iracema. Esta quer que ele veja a noiva antes da noite, para que isso aconteça, dará ao guerreiro o licor da jurema (tipo de alucinógeno). Depois o convida para sair. Os dois atravessam o bosque e descem o vale. Iracema dá a Martim o licor da jurema. Martim sentiu perpassar nos olhos o sono da morte; porém logo a luz inundou-lhe os seios d’alma; a força exuberou em seu coração. Reviveu os dias passados melhor do que os tinha vivido: fruiu a realidade de suas mais belas esperanças. Voltaram as recordações da infância. Logo está nos campos do Ipu e segue o rasto de Iracema. Chama duas vezes pelo seu doce nome. O lábio do guerreiro suspirou mais uma vez o doce nome e soluçou, como se chamara outro lábio amante. Iracema sentiu que sua alma se escapava para embeber-se no ósculo ardente. [...] Súbito a virgem tremeu; soltandose rápida do braço que a cingia, travou do arco. IX. Martim comunica a Araquém sua partida. Iracema prepara o presente de despedida e o alimento para a viagem de Martim. Iracema presenteia Martim com sua rede. Caubi comunica que o sol se põe e é hora de partir. O pajé despede-se de Martim: “Jupari33se esconda para deixar passar o hóspede do pajé.” (ALENCAR, José de. Op. cit., p. 31.) Depois que descem a ALENCAR, José de. Op. cit., p. 24-25. Comentário: Martim sonha com o amor de Iracema, já que, na realidade, não poderia amar a virgem prometida a Tupã. VII. Iracema percebe a proximidade de um guer32 33 Flauta indígena feita de osso de tíbia. Espécie de demônio, literalmente “o boca torta”. 4 Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. V. Irapuã retorna das batalhas e é recebido por seu povo. Mostra-se irado com a chegada dos estrangeiros.
  • 5. Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. colina e entram na mata, Iracema despede-se: “— Estrangeiro, toma o último sorriso de Iracema... e foge!”. Martim beija Iracema nos lábios. Caubi, mais à frente, chama Martim. Irapuã ameaça desrespeitar o pajé, mas o velho Andira, irmão de Araquém, vem em seu socorro com o tacape em punho. Araquém afasta Andira. Pede paz e silêncio. Diante do desafio de Irapuã, Araquém remove a pedra no centro da cabana e bate o pé no chão. “Do antro profundo saiu um medonho gemido, que parecia arrancado das entranhas do rochedo.” 36 (ALENCAR, José de. Op. cit., p. 36.) Irapuã desiste de seu intento e deixa a cabana. Martim assusta-se com o poder do pajé. Araquém acende o cachimbo e sai. Ele diz que é hora de aplacar as iras de Tupã. Iracema aproxima-se de Martim, mas ele a afasta. Ela quer saber o que fez para que ele desvie os olhos “como se ela fora o verme da terra”. Martim teme que se cumpra a profecia de Tupã, que falou através do pajé. Para Iracema não é a voz de Tupã que ouve o coração de Martim, mas o canto da virgem loira que o chama. X. O velho pajé está em sua cabana com Iracema. A tristeza de Iracema e o silêncio de Araquém são quebrados pelo grito de guerra de Caubi. Iracema corre para a mata “como a corça perseguida pelo caçador”. Martim está sentado em uma sapopema, enquanto Caubi desafia cem guerreiros que os cercavam. Irapuã exige que Caubi lhe entregue Martim. “— Matai Caubi antes. A filha do Pajé passara como uma flecha: ei-la diante de Martim, opondo também seu corpo gentil aos golpes dos guerreiros. Irapuã soltou o bramido da onça atacada na furna.” (ALENCAR, José de. Op. cit., p. 33.) Caubi pede a Iracema que conduza Martim à cabana de Araquém. Iracema chama Martim, mas o estrangeiro fica imóvel. Iracema ameaça ficar, caso ele não a siga. Martim diz que os guerreiros de seu sangue não recusam combate. Irapuã ruge de alegria e brande um golpe de tacape. Caubi e Iracema interpõem-se quando Irapuã desfere o primeiro golpe. Os guerreiros de Irapuã afastam os dois irmãos e o combate prossegue. XII. Ouve-se um inesperado canto de gaivota. Martim conta a Iracema que o canto da gaivota é o grito de guerra de Poti. Iracema não contará a seus irmãos. Martim sabe que sua partida evitará mortes. Iracema beija a mão de Martim, que se ergue para ir ao encontro de Poti. Iracema diz que os guerreiros de Irapuã vão matá-lo. Segundo Martim, um guerreiro só pede proteção a Deus e às suas armas. “Não carece que o defendam os velhos e as mulheres.” Iracema oferece-se para ir ao encontro de Poti, enquanto Martim ficará sob a proteção de Araquém. De repente o rouco som da inúbia34 reboou pela mata; os filhos da serra estremeceram reconhecendo o estrídulo do búzio guerreiro dos pitiguaras, senhores das praias ensombradas de coqueiros. O eco vinha da grande taba, que o inimigo talvez assaltava já. XIII. Iracema ouve o grito da gaivota e chega até a borda de um tanque. Chama Poti, que aparece. Iracema fala da raiva de Irapuã. Poti cerra os lábios de Iracema ao perceber a presença de inimigos. Logo depois, desaparece no lago. Ao voltar para a cabana, Iracema percebe as sombras de muitos guerreiros. Araquém parte assim que Iracema chega. Martim fica sabendo o que a índia ouviu de Poti. Ele pretende partir para ajudar o amigo, mas Iracema mostra que sua imprudência pode levar os guerreiros de Irapuã até Poti. 37 Caubi entra na cabana e conta que o cauim perturbou os guerreiros e os fez vir contra o estrangeiro. Iracema manda Caubi erguer a pedra e esconde-se com Martim na garganta de Tupã. ALENCAR, José de. Op. cit., p. 34. Todos correm para defender a taba, deixando apenas Iracema e Martim. XI. Os guerreiros tabajaras procuram o inimigo, mas ninguém é encontrado. Irapuã, desconfiado do ardil de Iracema, vai até a cabana de Araquém. Iracema salta sobre o arco e protege Martim. Irapuã quer o guerreiro branco, mas Araquém diz que o hóspede é amigo de Tupã e quem ofender o estrangeiro ouvirá rugir o trovão. Irapuã acusa Martim de ter ofendido Tupã ao roubar sua virgem. Araquém faz uma profecia: “— Se a virgem abandonou ao guerreiro branco 35 a flor de seu corpo , ela morrerá; mas o hóspede de Tupã é sagrado; ninguém o ofenderá; Araquém o protege”. (ALENCAR, José de. Op. cit., p. 35.) XIV. Caubi protege a entrada da cabana, enquanto Iracema e Martim desaparecem nas entranhas da 34 Trombeta de guerra. Perífrase para a perda da virgindade. 36 A cabana de Araquém estava sobre um rochedo onde havia uma galeria subterrânea que dava saída para a várzea. Ao retirar a pedra, o ar encanado emitia o som que o pajé dizia ser de Tupã. Esse fenômeno da natureza era usado para enfatizar a idéia de poder. 37 Bebida que embriaga. 35 5
  • 6. ALENCAR, José de. Op. cit., p. 46-47. Martim repele Iracema e clama por Cristo. Não pretende deixar rasto da desgraça na cabana hospedeira. Retoma a serenidade, mas não consegue esquecer Iracema. Pede à virgem o licor da jurema. Iracema busca o vaso da bebida. Ao acordar, Martim acredita que tudo não passara de um sonho. Comentário: O trecho citado revela o momento de encontro amoroso entre Martim e Iracema. Martim toma o licor da jurema e sonha estar amando Iracema. Durante seu delírio, chama pela amada, que se entrega. Ao acordar, Martim julga que o sonho continua, e volta a dormir. A passagem demonstra a sutileza empregada por Alencar ao narrar o ato amoroso entre Martim e Iracema. Mais uma vez a natureza, que serve de elemento descritivo para caracterizar a virgem, molda o espaço encantado que impele a virgem para o estrangeiro. Um bom exemplo é a metáfora que unifica simbolicamente o feminino e o masculino: ... qual borboleta que dormiu no seio do formoso cacto. O moralismo do escritor é evidente nas duas últimas estrofes: “As águas do rio banharam o corpo casto da recente esposa e Tupã já não tinha sua virgem na terra dos tabajaras”. Em algumas tribos o ato sexual equivale ao casamento. Quando Iracema foi de volta, já o Pajé não estava na cabana; tirou a virgem do seio o vaso que ali trazia oculto XVI. Os guerreiros tabajaras reúnem-se no bosque sagrado, levando oferendas a Tupã. Araquém está XV. Martim e Iracema estão na cabana. Araquém dorme. Iracema não resiste ao sorriso de Martim e debruça-se sobre seu peito. “Já o estrangeiro preme ao seio; e o lábio ávido busca o lábio que o espera, para celebrar nesse ádito38 d’alma, o himeneu39 do amor.” (ALENCAR, José de. Op. cit., p. 45.) Araquém solta um gemido doloroso. Pressentira o coração o que não viram os olhos? Ou foi algum funesto presságio40 para a raça de seus filhos, que assim ecoou n’alma de Araquém? Ninguém o soube. ALENCAR, José de. Op. cit., p. 45. 38 Que ou o que se adiciona a (algo) para torná-lo mais completo. Casamento, bodas, festa de núpcias. 40 Agouro, predição, prenúncio. 41 Camisa de algodão. 42 Bebeu, sorveu. 43 Ave columbiforme, tipo de pomba de pequeno porte. 44 Sentimento de vergonha; pudor. 45 Cor avermelhada do crepúsculo. 39 6 Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. 41 sob a carioba de algodão entretecida de penas. Martim lho arrebatou das mãos, e libou42 as gotas do verde e amargo licor. Agora podia viver com Iracema, e colher em seus lábios o beijo que ali viçava entre sorrisos, como o fruto na corola da flor. Podia amá-la, e sugar desse amor o mel e o perfume, sem deixar veneno no seio da virgem. O gozo era vida, pois o sentia mais forte e intenso; o mal era sonho e ilusão, que da virgem não possuía senão a imagem. Iracema afastara-se opressa e suspirosa. Abriram-se os braços do guerreiro adormecido e seus lábios, o nome da virgem ressoou docemente. 43 A juriti , que divaga pela flores, ouve o terno arrulho do companheiro; bate as asas, e voa a aconchegar-se ao tépido ninho. Assim a virgem do sertão, aninhou-se nos braços do guerreiro. Quando veio a manhã, ainda achou Iracema ali debruçada, qual borboleta que dormiu no seio do formoso 44 cacto. Em seu lindo semblante acendia o pejo vivos ru45 bores; e como entre os arrebóis da manhã cintila o primeiro raio do sol, em suas faces incendiadas rutilava o primeiro sorriso da esposa, aurora de fruído amor. […] As águas do rio banharam o corpo casto da recente esposa. Tupã já não tinha sua virgem na terra dos tabajaras. terra. Ouvem uma voz. É Poti, que aconselha Martim a partir para as margens do ninho das garças antes do amanhecer. Não será seguido “porque a inúbia dos pitiguaras rugirá da banda da serra”. Poti está só. Martim crê que não deva rugir a inúbia, porque atrairá os guerreiros tabajaras. “— Assim é preciso para salvar o irmão branco; Poti zombará de Irapuã, como zombou quando combatiam cem contra ti.” (ALENCAR, José de. Op. cit., p. 43.) Iracema deseja salvá-los. Eles devem aproveitar o nascimento da lua das flores. Os guerreiros tabajaras passarão a noite no bosque sagrado. Quando estiverem todos adormecidos com os sonhos alegres, Martim “deixará os campos do Ipu, e os olhos de Iracema, mas sua alma, não”. Martim estreita Iracema ao seio, mas a repele, porque as palavras terríveis do pajé magoam-lhe o coração. Poti concorda com as palavras sábias de Iracema. Comentário: Na cultura indígena, o nascimento da lua das flores simboliza um momento de comemoração e alegria. Entre os tabajaras havia o costume de receber do pajé o licor da jurema nessas ocasiões. O delírio obtido com o efeito da bebida sagrada prepara o espírito dos guerreiros para a batalha.
  • 7. imóvel no meio de uma nuvem de fumaça. Iracema distribui o vinho da jurema: tinja sua mão que a tua; porque os olhos de Iracema vêem a ti, e a ela não”. (ALENCAR, José de. Op. cit., p. 53.) Caubi combate. Martim apenas se defende. Poti derruba o velho Andira. Martim deixa Caubi para Poti e diz a Jacaúna que Irapuã lhe pertence. Durante a luta, a espada de Martim faz-se em pedaços e Irapuã parte sobre ele com a clava. Iracema atira-se contra Irapuã e deixa-o indefeso. “Soava a pocema46 da vitória.” Os tabajaras fogem, levando consigo o seu chefe. Iracema fica triste ao ver o chão cheio de cadáveres de seus irmãos e a fuga do bando de guerreiros tabajaras. Ela chora. Martim afasta-se “para não envergonhar a tristeza de Iracema”. Que transporta ao céu o valente tabajara. Este, grande caçador, sonha que os veados e as pacas correm de encontro às suas flechas para se traspassarem nelas; fatigado por fim de ferir, cava na terra o bucã, e assa tamanha quantidade de caça, que mil guerreiros em um ano não acabariam. Outro, fogoso em amores, sonha que as mais belas virgens tabajaras deixam a cabana de seus pais e o seguem cativas de seu querer. […] O herói sonha tremendas lutas e horríveis combates, de que sai vencedor, cheio de glória e fama. O velho renasce na prole numerosa e como o seco tronco donde rebenta nova e robusta sebe, ainda cobre-se de flores. Todos sentem a felicidade tão viva e contínua, que no espaço da noite cuidam viver muitas luas. As bocas murmuram; o gesto fala, e o Pajé, que tudo escuta e vê, colhe o segredo no íntimo d’alma. XIX. Poti persegue os inimigos, cheio de alegria ao ver que Martim está a salvo. Depois, dá o cão ao amigo para que o possa chamar em caso de perigo. Poti leva Martim até onde cresce um frondoso jatobá. Ele nasceu naquele local. Conta para Martim a história de seu pai, o grande chefe Jatobá. Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. ALENCAR, José de. Op. cit., p. 48. Iracema deixa o bosque e vai ao encontro de Martim. Seguem para o vale para encontrar Poti. Os três partem. Poti pede a Martim que mande Iracema voltar, porque ela demora a marcha dos guerreiros. Martim procura conversar com Iracema, mas ela vai acompanhá-lo até onde acabam os campos dos tabajaras. Quando estão fora, Martim diz: “Teu hóspede já não pisa os campos dos tabajaras. É o instante de separar-se dele”. (ALENCAR, José de. Op. cit., p. 49.) XX. Martim e Iracema hospedam-se na cabana de Jacaúna. Iracema está triste por hospedar-se na taba dos inimigos de seu povo. Martim resolve partir e comunica isso a Jacaúna. Poti vai acompanhá-lo. “O guerreiro do mar deixa as margens do rio das garças, e caminha para as terras onde o sol se deita. A esposa e o amigo seguem sua marcha.” (ALENCAR, José de. Op. cit., p. 56.) XVII. Iracema não pode voltar, porque já é esposa de Martim. Poti alerta que os tabajaras começam a despertar. Iracema chama Martim, porque a vida dele corre perigo enquanto não pisar as praias dos pitiguaras. Poti sabe que os tabajaras são velozes e “esperava o momento de morrer defendendo o amigo”. Param com a chegada da noite. Na manhã seguinte, Poti anuncia que o povo tabajara caminha na floresta. Os três seguem pela mata. XXI. Os três chegam à foz do rio Mundaú47, onde habita a tribo dos pitiguaras. São recebidos com hospitalidade e levados de jangada pelo chefe até a tribo dos caçadores, onde são recebidos por Jaguaraçu. Depois, seguem “até um alto morro de areia que tinha a alvura da espuma do mar48”. Martim decide instalar a taba dos guerreiros brancos próxima à “embocadura do rio cujas margens eram alagadas e cobertas de mangue. O mar entrando por ele, formava uma bacia cheia de água cristalina, e 49 cavada na pedra como um camucim ”. (ALENCAR, José de. Op. cit., p. 59.) Com a ajuda de Poti, Martim e Iracema erguem uma cabana com troncos de carnaúba, folhas de palmeira e taquara. XVIII. Os tabajaras alcançam os fugitivos. Irapuã e seu povo precipitam-se sobre o inimigo. Nesse momento late um cão selvagem. Poti solta um grito de alegria. O cão guia os guerreiros pitiguaras. Jacaúna, irmão de Poti, chega do rio das garças com seus melhores guerreiros. Trava-se uma violenta batalha. Jacaúna luta contra Irapuã. Caubi ataca Martim, mas Iracema pede a Martim que não derrame o sangue do irmão. Ela mesma matará Caubi, se for necessário: “Iracema antes quer que o sangue de Caubi XXII. Poti conta a história de Batuireté, pai do grande chefe Jatobá, que, tomado pela velhice, entregou o comando da tribo pitiguara ao filho. Poti decide ir à serra de Maranguape, onde habita seu grande avô. Martim e Iracema acompanham-no. 46 Grito de guerra. Rio tortuoso que nasce na serra de Uruburetama (ninho dos urubus). 48 Esse morro é chamado de Mocoripe (Mucuripe) fica a uma légua de Fortaleza. 49 Pote de barro preto. 47 7
  • 8. XXV. A alegria dura até o período de amadurecimento das espigas de milho. Martim, entretanto, fica cansado das caçadas com Poti e das carícias da terna esposa. Ele mira o mar e sente saudade da pátria. A chegada de um guerreiro pitiguara mandado por Jacaúna traz notícias da aliança entre os tapuias (holandeses) e Irapuã para vencer a nação pitiguara. Poti é chamado por Jacaúna para defender os campos de seus pais e anuncia sua partida para o amigo. Martim afirma que “nada separa dois guerreiros amigos quando troa a inúbia da guerra”. Poti apresenta Martim ao grande Batuirité. O velho soabriu as pesadas pálpebras, e passou do neto ao estrangeiro um olhar baço. Depois o peito arquejou e os lábios murmuraram: — Tupã quis que estes olhos vissem antes de se apagarem, o gavião branco 50junto da narceja51. ALENCAR, José de. Op. cit., p. 63. Poti e os amigos deixam Baruireté sossegado. Quando voltam, o velho está morto. Poti providencia o funeral do avô. XXVI. Poti pede a Martim que fique. Ele voltará em breve. Martim insiste em partir com o amigo. Poti quer saber se ele quer que Iracema o acompanhe, mas Martim diz que ela deve ficar. Os pitiguaras lutam contra os irmãos de Iracema, que sentirá tristeza e dor. Os dois seguem, depois de Poti fincar no chão uma flecha emplumada por Iracema com penas pretas e vermelhas atravessada num goiamum54. Perto havia uma formosa lagoa no meio de verde campina. Para lá volvia a selvagem o ligeiro passo. Era a hora do banho da manhã; atirava-se à água e nadava com as garças brancas e as vermelhas jaçanãs. Os guerreiros pitiguaras, que apareciam por aquelas paragens, chamavam essa lagoa Porangaba52, ou lagoa da beleza, porque nela se banhava Iracema, a mais bela filha da raça de Tupã. ALENCAR, José de. Op. cit., p. 64. Iracema conta ao marido que será a mãe de seu filho. Martim fala a Poti sobre sua felicidade na terra das palmeiras. — Podes partir. Iracema seguirá teu rasto; chegando aqui, verá tua seta, e obedecerá à tua vontade. Martim sorriu; e quebrando um ramo do maracujá, a flor da lembrança, o entrelaçou na haste da seta, e partiu enfim seguido por Poti. XXIV. ALENCAR, José de. Op. cit., p. 71. Iracema preparou as tintas. O chefe, embebendo as ramas da pluma, traçou pelo corpo os riscos vermelhos e pretos, que ornavam a grande nação pitiguara. Depois pintou na fronte uma flecha e disse: — Assim como a seta traspassa o duro tronco, assim o olhar do guerreiro penetra n’alma dos povos. Iracema encontra a seta e entende que ele lhe ordena que ande para trás como o goiamum e guarde a sua lembrança todo o tempo até morrer. Sente-se abandonada pelo marido e tem saudade dos formosos campos do Ipu, da cabana de Araquém, mas não se arrepende de os ter abandonado. Sua única companhia é a amiga jandaia, que finalmente voltara. Comentário: Dois aspectos merecem destaque nesse capítulo. O primeiro refere-se à impossibilidade de Martim permanecer em paz ao lado da amada. Seu espírito guerreiro, significado evidente a partir de seu nome, como foi mencionado anteriormente, é incapaz de encontrar sossego ou paz apenas ao lado da doce amada. O segundo é indicado pela volta da jandaia, que finalmente pode reconhecer Iracema, que retorna a seu estado primitivo ao ser deixada pelo esposo estrangeiro. Simbolicamente, pode-se dizer que Iracema retoma seu estado de natureza. ALENCAR, José de. Op. cit., p. 67. Poti pinta no braço de Martim um gavião; no pé esquerdo, a raiz de um coqueiro; no esquerdo, uma asa. Iracema pinta uma abelha sobre a folha da árvore. Depois, Iracema batiza Martim de Coatiabo53. Seguem-se os festejos com bebidas e danças. Comentário: O narrador coloca o leitor a par do costume indígena de pintar o corpo do guerreiro com as cores de sua nação. Martim deve passar pela cerimônia, uma vez que adotou a pátria da esposa e do amigo. As pinturas revestem-se de simbologia. A seta representa o olhar do guerreiro na alma dos povos; o gavião no braço, a velocidade do braço sobre o inimigo; a raiz do coqueiro, o pé firme que sustenta seu corpo robusto; a asa no pé, o pé veloz; e a abelha, a doçura no coração. XXVII. Uma tarde Martim e Poti voltam. Os dois chegaram à cabana de Jacaúna no momento que o 50 Essa passagem equivale a uma profecia do velho chefe, que prevê a destruição de sua raça pelos brancos. Martim é chamado de gavião branco, enquanto Poti, de narceja. 51 Maçarico-d’água-doce, ave caradriforme da fam. dos escolopacídeos (Gallinago paraguaiae). 52 Atualmente, chama-se Arronches. Significa beleza. Alencar aproveita para, novamente, representar a beleza de Iracema com um elemento da natureza. 53 Significa corpo pintado. 54 Mesmo que guaiamu, espécie de caranguejo, da família dos gecarcinídeos. 8 Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. XXIII. Iracema está feliz junto ao amado.
  • 9. combate seria iniciado. Lutaram muito e venceram os inimigos. Martim enche-se de alegria pela volta, mas Iracema percebe que os olhos do amado não buscam mais os dela. XXX. O filho de Iracema nasce na margem do rio. Iracema chama-o de Moacir57. “Tua mãe também, filho de minha angústia, não beberá em teus lábios o mel de teu sorriso.” Ao chegar ao morro de areia, Iracema adivinha a partida de Martim e Poti para a guerra. Na manhã seguinte, Iracema vê Caubi em pé na porta da cabana. Ergue-se para proteger o filho, mas Caubi diz que não foi a vingança que o arrancou do campo dos tabajaras. Precisa ver Iracema, que levou consigo toda sua alegria. Caubi vê Moacir. Iracema pergunta se Araquém ainda vive. Caubi conta que depois que ela o deixou, sua cabeça vergou para o peito e não se ergueu mais. Para consolar o pai, Iracema pede ao irmão que diga que ela está morta. Iracema prepara a refeição. Caubi quer saber onde está Martim para que lhe dar o abraço da amizade. Iracema chora. Caubi diz: “— Teu irmão pensava que a tristeza ficara nos campos que abandonaste; porque trouxeste contigo todo o riso dos que te amavam”. (ALENCAR, José de. Op. cit., p. 81.) Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. XXVIII. “Uma vez o cristão ouviu dentro em sua alma o soluço de Iracema: seus olhos buscaram em torno e não a viram.” (ALENCAR, José de. Op. cit., p. 75.) Martim quer saber por que Iracema chora. Ela diz que perdeu sua felicidade depois que ele se separou dela. — O que espreme as lágrimas do coração de Iracema? — Chora o cajueiro quando fica tronco seco e triste. Iracema perdeu sua felicidade, depois que te separaste dela. — Não estou junto de ti? — Teu corpo está aqui; mas tua alma voa à terra de teus pais e busca a virgem branca, que te espera. — Quando teu filho deixar o seio de Iracema, ela morrerá, como o abati55 depois que deu seu fruto. Então o guerreiro branco não terá mais quem o prenda na terra estrangeira. XXXI. Iracema manda Caubi retornar às montanhas dos tabajaras. Depois de conversarem, despedem-se num abraço que une os três. Iracema espera a partida do irmão para voltar à cabana onde o filho chora. Guardou segredo do motivo do sofrimento da criança. Suspende o filho ao seio, mas o leite é escasso e não brota. Prepara ao fogo o mingau para nutrir a criança. Com a chegada do sol, parte com o filho para 58 a mata. Encontra o leito da irara ausente. Coloca no colo um por um os filhotes, passa mel nos seios e os oferece. Os cachorrinhos famintos sugam. Os seios sangram. Brota o leite com o qual alimenta o filho de sua dor. ALENCAR, José de. Op. cit., p. 75. Comentário: Iracema percebe o distanciamento de Martim. Sabe que o amado sente saudade de sua terra natal. A tristeza de Martim é fruto da necessidade que tem de combater. Martim representa o filho de Marte, deus da guerra, enquanto Iracema simboliza o amor. O amor e a guerra não permanecem juntos por muito tempo. Ela, Iracema, nascera para o amor e ele, Martim, para a guerra. XXIX. Poti e Martim descobrem uma caravela holandesa que parece seguir para a guerra da vingança contra os pitiguaras. Martim sugere que Poti chame os caçadores do Soipé e os pescadores do Trairi para lutarem contra o inimigo. Todos atendem ao chamado de Poti. Todos se escondem nas praias de Jacarecanga para não serem avistados pelos inimigos. Trava-se um forte combate, que termina com o naufrágio da caravela inimiga. A filha de Araquém sentiu afinal que suas veias se estancavam; e contudo o lábio amargo de tristeza recusava o alimento que devia restaurar-lhe as forças. O gemido e o suspiro tinham crestado com o sorriso e o sabor em sua boca formosa. ALENCAR, José de. Op. cit., p. 83. XXXII. Antes de retornar, Martim segue até as margens do Mearim, onde habita o inimigo, aliado dos tupinambás. O número de holandeses cresce. Depois, Martim retorna aos campos da Porangaba. 56 Ao romper d’alva, o maracatim fugia no horizonte para as margens do Mearim. Jacaúna chegou, não mais para o combate e só para o festim da vitória. Nessa hora em que o canto guerreiro dos pitiguaras celebrava a derrota dos guaraciabas, o primeiro filho que o sangue da raça branca gerou nessa terra da liberdade, via a luz nos campos da Porangaba. Quanto mais seu passo o aproxima da cabana, mais lento se torna e pesado. Tem medo de chegar; e sente que sua alma vai sofrer, quando os olhos tristes e magoados da esposa entrarem nela. ALENCAR, José de. Op. cit., p. 79. 55 Milho ou arroz. Grande barco que leva na prova um maracá (chocalho). 57 Significa filho do sofrimento, da dor. 58 Animal carnívoro da família dos mustélideos. 56 9
  • 10. Muitas vezes ia sentar-se naquelas doces areias, para cismar e acalentar no peito a agra saudade. A jandaia cantava ainda no olho do coqueiro; mas não repetia já o mavioso nome de Iracema. Tudo passa sobre a terra. Com esforço, Iracema ergue o filho para apresentá-lo ao pai, pousa a criança nos braços de Martim: — Recebe o filho de teu sangue. Era tempo; meus seios ingratos já não tinham alimento para dar-lhe! Pousa o filho nos braços de Martim e desfalece. O esposo viu então como a dor tinha consumido seu belo corpo; mas a formosura ainda morava nela, como o perfume na flor caída do manacá. ALENCAR, José de. Op. cit., p. 87. Comentário: O encerramento do romance Iracema mantém o conteúdo poético de toda a obra e mostra as lembranças e saudades do esposo depois da morte da amada. A natureza recria com forte plasticidade os sentimentos do protagonista. O caráter histórico também fica patente nessa passagem. ALENCAR, José de. Op. cit., p. 84-85. Iracema não se ergue mais da rede onde Martim a colocou. Poti manda o amigo enterrar o corpo da esposa ao pé do coqueiro que Martim ama. Assim, quando o vento do mar soprar nas folhas, Iracema pensará que é a voz de Martim que fala entre seus cabelos. Poti ampara o amigo em sua dor. Martim enterra o camucim com o corpo de Iracema ao pé do coqueiro e quebra um ramo de murta, a folha da tristeza, deitando-a no jazigo. A jandaia repete tristemente: “Iracema”. “E foi assim que um dia veio a chamar-se Ceará o rio onde crescia o coqueiro, e os campos onde serpeja o rio.” (ALENCAR, José de. Op. cit., p. 86.) Comentário: O final do capítulo demonstra claramente a intenção de José de Alencar de dar um tom de lenda à sua narrativa, o que pode ser confirmado pelo subtítulo: “Lenda do Ceará”. Vale destacar que a palavra Ceará tem relação anagramática com Iracema. Iracema assusta-se com a presença de Martim Soares Moreno e fere-o no rosto com sua flecha. Depois sela a paz entre eles ao quebrar a flecha que feriu o português. Os dois conversam. Iracema leva Martim à tribo e apresenta-o a seu pai, Araquém, pajé dos tabajaras. Com a volta do cacique Irapuã, Martim corre perigo, já que o guerreiro tabajara, apaixonado por Iracema, pressente seu amor pelo estrangeiro. Iracema é a virgem prometida ao deus Tupã e a detentora dos segredos do licor da jurema, bebida sagrada e cujos efeitos levam os guerreiros ao delírio na véspera das batalhas. Martim toma a bebida e sonha amar Iracema. Irapuã acusa Iracema de ter-se entregado ao estrangeiro. Araquém faz uma profecia de que Iracema morrerá se abandonou sua virgindade ao guerreiro branco. Depois de tomar novamente o licor da jurema, Martim sonha estar com a índia, mas Iracema entrega-se realmente a Martim, que acredita que tudo não passa de um sonho. Iracema e Martim fogem de Irapuã. Martim reencontra seu amigo Poti, da tribo dos pitiguaras, e conseguem escapar, depois de enfrentar luta contra os tabajaras. Iracema defende seu amado. Constroem uma cabana às margens de uma lagoa, onde surgirá Mecejana. Iracema está grávida de Martim, que parte para lutar ao lado dos pitiguaras pela expulsão dos holandeses do litoral do Nordeste. Iracema dá à luz um menino, Moacir. Quando Martim retorna, Iracema está à beira da morte. Cumpre-se dessa forma a profecia de Araquém. Iracema morre nos braços do amado. Martim enterra a esposa e parte com o filho para a Europa, para voltar alguns anos depois. XXXIII. Quatro anos se passam depois que “Martim partiu das praias do Ceará, levando consigo no frágil barco o filho e o cão fiel. A jandaia não quis deixar a terra onde repousava sua amiga e senhora”. (ALENCAR, José de. Op. cit., p. 86.) Poti espera pela volta do amigo. Martim volta e traz consigo muitos guerreiros brancos e um sacerdote que planta a cruz na terra selvagem. Poti é o primeiro a receber o batismo e o nome de Antônio Felipe Camarão. Antônio do santo daquele dia e Felipe do rei (Felipe II). Jacaúna vem habitar os campos de Porangaba para estar próximo do amigo. Camarão (Poti) ergue a taba de seus guerreiros nas margens da Mecejana59. Tempo depois, quando veio Albuquerque60, o grande chefe dos guerreiros brancos, Martim e Camarão partiram para as margens do Mearim a castigar o feroz tupinambá e expulsar o branco tapuia. Era sempre com emoção que o esposo de Iracema revia as plagas61 onde fora tão feliz, e as verdes folhas a cuja sombra dormia a formosa tabajara. 59 Nome da lagoa das proximidades e que dá nome à província que aí surge. Chefe da expedição do Maranhão (1612). 61 Terras. 5. ESTRUTURA DA OBRA 60 10 Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. 4. RESUMO DO ENREDO
  • 11. Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. O romance Iracema apresenta 33 capítulos de variadas dimensões. Sua estrutura é construída a partir de flash-back ou retrocesso. Parte-se do tempo presente para o passado, para depois obedecer a uma ordem cronológica. A) Foco narrativo: O romance é narrado em terceira pessoa por um narrador onisciente, ou seja, que tudo sabe sobre as personagens, penetra em seus pensamentos e em sua alma. O tom poético acentua-se pela profunda ligação entre as personagens e pelo cenário exuberante que as cerca. Apesar de sua posição aparentemente distanciada, o narrador deixa-se envolver pela cor local, emociona-se ao descrever a bela índia tabajara, que é caracterizada na obra como epíteto de brandura e amor. B) Tempo: A história passa-se no começo do século XVII, mais especificamente no período da expulsão holandesa do Nordeste, daí um certo caráter histórico da obra. Veja-se a referência a Jerônimo Albuquerque no capítulo XXXIII, que foi chefe da expedição do Maranhão, em 1612. C) Espaço: O espaço central da narrativa é o Ceará, daí as diversas referências locais, tais como Mucuripe e Mecejana. A referência geográfica é sugerida desde o subtítulo: “Lenda do Ceará”. D) Personagens: As personagens do romance não apresentam densidade psicológica, são normalmente alegorias, como Iracema e Martim, ou personalidades históricas representativas, como Irapuã ou Poti. 1. Iracema: Índia tabajara, que simboliza a América, as matas brasileiras. É filha do pajé Araquém e irmã de Caubi. Iracema representa o amor e a pureza. Sua pureza decorre da natureza que simboliza e encarna, e do fato de ser a virgem prometida a Tupã. O amor é a força que faz Iracema recusar o papel que possui diante de sua tribo. Ela detém o segredo da fabricação do vinho da jurema (substância sagrada para os tabajaras). É por amor que desafia a profecia do pai, entrega-se a Martim e morre em seus braços no final da narrativa. Iracema é uma personagem idealizada: resulta do projeto romântico de caracterizar um Brasil livre e individualizado. 2. Martim Soares Moreno: É um soldado português. Se Iracema é uma alegoria da América, Martim é uma metonímia da Europa colonizadora. Martim realmente existiu, o que faz dele símbolo e personagem histórica. Participou como soldado da luta contra a invasão holandesa. Seu nome significa filho de Marte, deus da guerra na mitologia romana. Em seu ser confrontam-se o amor de Iracema e a fidelidade à pátria portuguesa e ao amigo Poti. Martim abandona a mulher grávida para guerrear ao lado de Poti. Como as demais personagens, é também idealizado como um homem corajoso, honesto, sincero e fiel à amiza- de. Sua união com Iracema simboliza a dominação sobre as terras americanas e a integração do europeu. 3. Poti: Um dos chefes guerreiros dos pitiguaras, é irmão do cacique Jacaúna, chefe dos pitiguaras. Poti é amigo de Martim, de quem se considera irmão. Personagem histórica, Poti destacou-se ao lado dos portugueses na luta contra os invasores holandeses no litoral do Nordeste, quando foi capitão-mor dos nativos. Foi batizado com o nome de Antônio Felipe Camarão. Poti simboliza, no romance Iracema, a amizade. 4. Araquém: Pai de Iracema e Caubi, Araquém é o pajé (xamã ou curandeiro) dos tabajaras. Como feiticeiro da tribo, detém os poderes de Tupã, procura transmitir seu conhecimento à tribo. Sua força decorre da prudência e da sabedoria da velhice, que em vão procura transmitir a Irapuã. Ele simboliza a experiência da velhice. 5. Irapuã: Personagem antagonista, é o chefe, o cacique da tribo dos tabajaras. Personagem histórica, destacou-se como inimigo dos portugueses e dos potiguaras. Foi aliado dos holandeses. Seu nome significa mel redondo. Mas não há em seu comportamento qualquer brandura (doçura), pois é um indivíduo agressivo, movido sempre pelo ódio e pelo desejo de vingança. Procura realizar-se pela força e pela violência. Ama Iracema e sente-se enciumado com a presença do estrangeiro na cabana de Araquém. Irapuã simboliza a guerra. 6. Caubi: É filho de Araquém e irmão de Iracema. Seu nome significa “senhor dos caminhos”, daí o papel que desempenha de conduzir Martim ao caminho de fuga. 7. Moacir: É filho de Iracema e Martim. Na história, é apenas um bebê. Seu nome significa “filho da dor”. Simbolicamente, representa a miscigenação e o primeiro cearense. Seu nome decorre do sofrimento de Iracema ao abandonar a sua tribo, lutar contra seus próprios irmãos para defender seu amor para depois ser abandonada por Martim em virtude da guerra. 6.ESTILO DE ÉPOCA E ESTILO INDIVIDUAL Alencar não destoa das características gerais do Romantismo, como faz Manuel Antônio de Almeida. Suas obras procuram retratar um Brasil e personagens mais ideais do que reais, mais como ele gostaria que moralmente fossem (fantasia romântica e moralismo) do que objetivamente eram (realidade). Iracema é uma narrativa em forma de lenda, que procura 11
  • 12. 8.BIBLIOGRAFIA CONSULTADA ALENCAR, José de. Iracema. 14. ed. São Paulo: Ática, 1983. GREGÓRIO, Irmão José. Contribuição indígena ao Brasil. Belo Horizonte: União Brasileira de Educação e Ensino, s/d. Leia o texto a seguir para responder às questões de 1 a 3. Verdes mares bravios de minha terra natal, onde canta a jandaia nas frondes de carnaúba; Verdes mares, que brilhais como líquida esmeralda aos raios do sol nascente, perlongando as alvas praias ensombradas de coqueiros; Serenais, verdes mares, e alisai docemente a vaga impetuosa, para que o barco aventureiro manso resvale à flor das águas. Onde vai a afouta jangada, que deixa rápida a costa cearense, aberta ao fresco terral a grande vela? Onde vai como branca alcíone buscando o rochedo pátrio nas solidões do oceano? Três entes respiram sobre o frágil lenho que vai singrando veloce, mar em fora. Um jovem guerreiro cuja tez branca não cora o sangue americano; uma criança e um rafeiro que viram a luz no 7. PROBLEMÁTICA E PRINCIPAIS TEMAS Iracema é um romance que rompe a distância entre a prosa e a poesia. Alencar deixou-se envolver por essa união entre o épico e o lírico, a ponto de abusar dos elementos poéticos. As descrições do romance chegam a ser excessivas ou mesmo repetitivas em al- 12 Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. guns momentos. Entretanto, conduzem o leitor a quadros de incomum beleza plástica. É desse encantamento que nasce a paixão do leitor pela história da pobre índia tabajara e pela linguagem alencariana. Para entender os principais temas de Alencar presentes em Iracema, deve-se levar em conta o projeto do autor de caracterização do Brasil a partir da literatura. Alencar fixa a sociedade carioca nos romances urbanos; caracteriza o mundo rural nos romances regionalistas (sul, norte, sudeste); destaca elementos históricos do período de colonização no romance histórico; e realiza a poesia da matas e o canto da natureza nos romances indianistas (O Guarani, Iracema e Ubirajara). O fortalecimento da identidade brasileira pós-independência surge, segundo a intenção romântica nacional, da capacidade de demonstrar uma cultura livre da influência e da dominação lusitanas. Mostrar essa face do Brasil decorre, assim, de exaltar símbolos de brasilidade. O índio surge como o herói daqueles tempos históricos e símbolo de brasilidade. O tema central de Iracema é a natureza brasileira. O nacionalismo e o nativismo são suas características marcantes. Em Iracema, o Brasil de ficção e idealizado resulta de um projeto romântico bem definido, mas nem sempre ao gosto do leitor e da crítica portuguesa da época, o que resultou em ataques muitas vezes diretos ao escritor e alguns dissabores. ficcionalmente reconstruir a formação da província do Ceará. A valorização da natureza é um dos pontos altos da literatura do período romântico, que se deixou influenciar pelo pensamento de Rosseau segundo o qual só o contato do homem com a natureza pode fazer com que ele retorne a seu estado original de pureza, que foi corrompido pela sociedade. O resultado é a exaltação da cor local (regionalismo e nacionalismo) e da figura do índio (mito do bom selvagem). O cenário é exuberante e reproduzido de forma minuciosa por meio de descritivismo pictórico, atitude que costuma ser chamada de nativismo ou naturismo. A natureza é a realização do pitoresco local, e decorre daí uma atitude evidente de exaltação e valorização da pátria, tanto em Portugal como no Brasil. Como a primeira fase do Romantismo brasileiro é decorrência histórica da Independência (1822), o nacionalismo torna-se uma característica de extrema importância. É desse nacionalismo que nasce o romance Iracema. É preciso ressaltar que a natureza que se apresenta nos textos românticos é viva, dinâmica, e participa diretamente da ação. Seu efeito não é meramente decorativo. Veja algumas das características que marcam a obra de José de Alencar: 1. Luta pela criação de uma língua literária brasileira com a incorporação de falas regionais e de expressões indígenas. 2. Alencar procurou criar um sentimento de identidade nacional com sua obra indianista, regionalista e histórica. 3. As narrativas são marcadas por forte moralismo, daí a ausência de cenas de sexualismo explícito. 4. A linguagem é rica e colorida, carregada de adjetivação, descritivismo e musicalidade, aproximando-se inclusive da poesia (Iracema e Ubirajara). 5. Alencar destaca-se nos quatro tipos do romance romântico (urbano, indianista, regional e histórico). Foi o criador do romance indianista com O guarani. 6. Suas personagens são idealizadas.
  • 13. berço das florestas e brincam irmãos, filhos ambos da mesma terra selvagem. A lufada intermitente traz da praia um eco vibrante, que ressoa entre o marulho das vagas: — Iracema! O moço guerreiro, encostado ao mastro, leva os olhos presos na sombra fugitiva da terra; a espaços o olhar empanado por tênue lágrima cai sobre o jirau, onde folgam as duas inocentes criaturas, companheiras de seu infortúnio. 2. Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. carnaúba: ramo ou ramagem de carnaúba (tipo de árvore da qual se extrai cera). águas: perífrase que substitui a palavra superfície das águas. afouta: corajosa, sem medo. lenho: pequena embarcação. veloce: veloz. rafeiro: tipo de cão treinado para guardar gado. Iracema: o nome de Iracema provém da combinação de duas expressões do guarani: ira, que significa mel, e tembe (lábios), que se altera formando ceme. Assim, Iracema significa lábios de mel. jirau: armação ou estrado de madeira. 3. 4. Por que se pode afirmar que Iracema é prosa poética? Confirme sua resposta com elementos do texto transcrito. Transcreva da passagem expressões que indiquem a presença da personagem histórica Martim Soares Moreno e de uma sugestão para o subtítulo do romance Iracema. Há três passageiros na embarcação. Quem são eles e que papel desempenham no enredo da obra? 5. De que simbolismo se revestem as figuras de Iracema e de Martim? A partir disso, explique por que a união dos dois não é definitiva. Por que o romance Iracema é considerado pelo autor como histórico e pela crítica como indianista? Com a expressão “As águas do rio banharam o corpo casto da recente esposa”, José de Alencar anuncia a união entre Iracema e Martim. a) Considerando-se a alegoria de que se revestem Martim e Iracema, o que esse encontro representa? b) De que maneira pode ser percebido o moralismo de José de Alencar na passagem e no romance Iracema? 6. Respostas 1. Porque o romance utiliza uma linguagem que se aproxima da poesia e também porque o narrador deixa-se envolver afeti- 13 vamente pelo cenário e pelas personagens. O primeiro capítulo, de cujo texto foi transcrito o excerto, não segue a disposição comum de um texto em prosa. O emprego de adjetivação farta e de figuras de linguagem (metáforas, símiles e prosopopéias) recria o cenário exuberante e idealizado da natureza brasileira e sugere a diminuição da distância entre a prosa e a poesia. A expressão “Um jovem guerreiro cuja tez branca não cora o sangue americano” indica tratar-se de Martim Soares Moreno, que retorna ao Brasil depois da morte da esposa. O subtítulo da obra é “Lenda do Ceará” e pode ser indicado pela citação da passagem “Verdes mares bravios de minha terra natal, onde canta a jandaia nas frondes de carnaúba”, que indica uma descrição bastante nítida do litoral cearense. As personagens são Martim, soldado português e protagonista do romance ao lado de sua amada Iracema; Moacir, filho de Martim e Iracema, cujo nome significa filho da dor; e o cachorro que Martim ganhou de presente de seu amigo Poti e que ajudou o antigo dono a buscar ajuda entre os pitiguaras para enfrentar os tabajaras. Iracema simboliza a natureza brasileira. Seu nome é um anagrama (contém todas as letras) da palavra América. Ela é a virgem prometida ao deus Tupã e conhecedora dos mistérios da bebida sagrada dos tabajaras. O soldado português Martim Soares Moreno representa a cultura européia, o colonizador. Seu nome está ligado à guerra, tem origem em Marte, Deus da guerra na mitologia romana. A união entre Iracema e Martim não é definitiva porque há um permanente conflito entre o amor e a guerra. Martim não consegue esquecer a luta contra os holandeses. O romance pode ser considerado histórico-indianista, como fez José de Alencar, para efeito de classificação, porque estão presentes personagens históricas, tais como Poti (batizado depois Antônio Felipe Camarão), Jacaúna (irmão de Poti e chefe dos pitiguaras), Martim e Irapuã. Os dois primeiros lutaram ao lado dos portugueses contra os holandeses e os tabajaras, chefiados estes por Irapuã. José de Alencar procura contar a formação de sua província natal, o Ceará, daí o subtítulo da obra. Entretanto, a supervalorização da natureza brasileira é um ingrediente que não deve ser esquecido e que se destaca sobre o papel das personagens históricas. A natureza é algo mais forte do que os fatos em si e dá ao livro um contorno mais nítido de romance indianista. a) O encontro amoroso entre Martim e Iracema simboliza a união entre a América virgem e a Europa colonizadora. Por outro lado, simboliza também o desvirginamento das matas americanas pela presença do colonizador europeu. b) O moralismo de José de Alencar na passagem pode ser percebido pelo anúncio sutil do encontro amoroso através da expressão “recente esposa” e pela sugestão de pureza com que revestiu o ato sexual ao sugerir “corpo casto”. O romance não descreve a cena amorosa, que é sugerida apenas através de metáforas e pela passagem transcrita.