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Exortação
Ribeiro Couto e Manuel Bandeira,
poetas do Brasil,
do Brasil, nosso irmão,
disseram:
“- é preciso criar a poesia brasileira,
de versos quentes , fortes, como o Brasil,
sem macaquear a literatura lusíada”.
Angola grita pela minha voz
pedindo a seus filhos nova poesia!
deixemos moldes arcaicos,
ponhamos de lado,
corajosamente,
suaves endeixas,
brandas queixas,
e cantemos a nossa terra
e toda a sua beleza.
Angola, grande promessa do futuro,
forte realidade do presente,
inspira novas ideias,
encerra ricos motivos.
é preciso inventar a poesia de Angola!
fecho meus olhos e sonho,
abrindo de par em par o coração,
e vejo a projecção dum filme colorido
com tintas de fantasia
e cenas de magia:
as imagens são paisagens, gentes, feras.
e sucedem-se lenta, lenta, lentamente…
assisto maravilhado
ao despenhar gemente
das quedas d’água do duque de Bragança…
vejo crescer florestas colossais
no Mayombe, onde o verde é símbolo
de tanta esperança…
Amboim fecundo, Amboim cafezeiro,
de alcantis envoltos sempre em nevoeiro denso,
como um fumo cheiroso
do seu café gostoso,
tão famoso no mundo.
o deserto de Namib a espreguiçar-se
num bocejo mole,
estendendo tentáculos de areia
como polvo gigante
- visão alucinante,
miragem
no escrínio esquisito
que guarda avaramente
a joia mais horrivelmente linda
e única no mundo
- a welwitshia mirabilis,
que em si encerra mistério tão profundo…
é preciso escrever a poesia de Angola!
vejo anharas infindáveis,
onde noivam no capim,
pelo amor amansadas,
feras bravas, indomáveis…
vejo lagos de safiras,
tão calmos
como olhos ternos,
chorosos,
de tímidas gazelas…
e terras rendilhadas do litoral,
secas, rugosas, escalvadas,
onde reina o imbondeiro,
gigantesco prometeu agrilhoado,
visão estranha, infernal, horrenda,
verde pálido, branco, cinzento,
lembrando líquen mágico, colossal
baías, cabos, estuários,
praias morenas,
mares verdes, mares azuis,
e rios de aspecto inofensivo
mas cheios de jacarés…
terras de mandioca e batata doce,
campos de sisal, minas e metais,
goiabeiras, palmeiras, cajueiros,
areais imensos, cheios de diamantes,
chuvadas torrenciais,
filas tristes de negros carregadores gemendo,
cantando tristemente seus cantares…
planaltos, montanhas e fogueiras,
feiticeiros dançando loucamente:
Angola é grande e rica e bela e vária.
é preciso criar a poesia de Angola!
terra enorme onde o insecto impera:
mosquito da febre e mosca tzé-tzé,
cobrindo tudo de sono.
olhai o senhor arquitecto Salalé,
tão pequenino, tão teimoso e diligente…
como ele projecta e constrói castelos,
milhões de vezes maiores que ele é,
para vergonha nossa,
que pouco fazemos,
presos de fútil, preguiçoso dandismo…
encostai o ouvido atento
ao coração do novo negro,
escutareis só vós, poetas da minha terra,
que estais por nascer,
aquilo que para outros é segredo defeso,
mistério da esfíngica, malsinada alma negra.
criai ânimo, ganhai alento,,
e vibrantemente cantai a nossa terra!
é preciso forjar a poesia de Angola!
essa nova poesia
será vasada em forma candente
sem limites nem peias,
diferente!...
mas onde estão os filhos de Angola,
se os não oiço cantar e exaltar
tanta beleza e tanta tristeza,
tanta dor e tanta ânsia
desta terra e desta gente?
essa nova poesia,
forte, terna, nova e bela,
amálgama de lágrimas e sangue,
sublimação de muito sofrimento,
afirmação duma certeza.
poesia inconformista,
diferente,
será revolucionária,
como arte literária,
desprezando regras estabelecidas,
ideias feitas, pieguices, transcendências…
poesia nossa, única, inconfundível,
diferente,
quente, que lembre o nosso sol,
suave, lembrando nosso luar…
que cheire o cheiro do mato,
tenha as cores do nosso céu.
o nervosismo do nosso mar,
o paroxismo das queimadas,
o cantar das nossas aves,
rugir de feras, gritos de negros,
gritos de há muitos anos,
de escravos, de engenhos das roças,
no espaço vibrando, vibrando…
sons magoados, tristíssimos, enervantes,
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versos que encerrem e expliquem
todo o mistério desta terra,
versos nossos, úmidos, diferentes,
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nos façam reviver o drama negro
e suavizem corações,
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uma poesia nossa, nossa, nossa!
- cântico, reza, salmo, sinfonia,
Que uma vez cantada,
Rezada,
Escutada,
Faça toda a gente sentir
Faça toda a gente dizer:
- é poesia de angola
(Maurício de Almeida Gomes)
Irmão
Cruzaste Mares
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de onde às vezes os navios não voltam mais.
Tens as mãos calosas de puxar
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Sob o calor infernal das fornalhas
alimentaste de carvão as caldeiras dos vapores,
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em tempo de guerra.
E amaste com o ímpeto sensual da nossa gente
as mulheres nos países estrangeiros!
Em terra
nestas pobres Ilhas nossas
és o homem da enxada
abrindo levadas às águas das ribeiras férteis,
cavando a terra seca
nas regiões ingratas
onde às vezes a chuva mal chega
onde às vezes a estiagem é uma aflição
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Levas aos teus bailes
a tua
melancolia
no fundo da tua alegria,
quando acompanhas as Mornas com as posturas
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as mulheres amoráveis contra o peito ...
A Morna ...
parece que é o eco em tua alma
da voz do Mar
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que o Mar te convida,
o eco
da voz da chuva desejada
o eco
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da voz da nossa tragédia sem eco!
A Morna ...
tem de ti e das coisas que nos rodeiam
a expressão da nossa humildade,
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da nossa revolta,
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A América...
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melancolia ...
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(Jorge Barbosa)
Poema do Mar
O drama do Mar,
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dentro de nós!
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desgastando as rochas das nossas Ilhas!
Deixando o esmalte do seu salitre nas faces dos
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O Mar!
saudades dos velhos marinheiros contando histórias
de tempos passados,
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de bebedeiras, de rixas, de mulheres,
nos portos estrangeiros...
O Mar!
dentro de nós todos,
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nas coxas ágeis das pretas,
no desejo da viagem que fica em sonhos de muita
gente!
Este convite de toda a hora
que o Mar nos faz para a evasão!
Este desespero de querer partir
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(Jorge Barbosa)
Você Brasil
Eu gosto de Você, Brasil,
porque Você é parecido com a minha terra.
Eu bem sei que Você é um mundão
e que a minha terra são
dez ilhas perdidas no Atlântico,
sem nenhuma importância no mapa. (...)
É o seu povo que se parece com o meu,
É o seu falar português
que se parece com o nosso,
ambos cheios de um sotaque vagaroso,
de sílabas pisadas na ponta da língua,
de alongamentos timbrados nos lábios
e de expressões terníssimas e desconcertantes.
É a alma de nossa gente humilde que reflete
a alma de sua gente simples,
ambas cristãs e supersticiosas,
sentindo ainda saudade antigas
dos serões africanos. (...)
As nossas mornas, as nossas polcas, os nossos cantares,
fazem lembrar as suas músicas (...)
Você, Brasil, é parecido com a minha terra,
as secas do Ceará são as nossas estiagens,
com a mesma intensidade de dramas e renúncias.
Mas há uma diferença no entanto: é que os seus retirantes
têm léguas sem conta para fugir dos flagelos,
ao passo que aqui nem chega a haver os que fogem
porque seria para se afogarem no mar. (...)
Nós também temos a nossa cachaça,
o grogue de cana que é bebida rija. (...)
Temos também o nosso café da Ilha do Fogo
que é pena se pouco,
mas - Você não fica zangado -
é melhor do que o seu.
Eu gostava enfim de o conhecer mais de perto
e Você veria como sou um bom camarada.
Havia então de botar uma fala
ao poeta Manuel Bandeira,
de fazer uma consulta ao Dr. Jorge de Lima
para ver como é que a Poesia receitava este meu fígado tropical bastante
cansado.
Havia de falar como Você,
com um i no si
«si faz favor»,
de trocar sempre os pronomes para antes dos verbos
«mi dá um cigarro?»
Mas tudo isso são cousas impossíveis ─ Você sabe? ─ Impossíveis.
(Jorge Barbosa)
Pindjiguiti
3 de Agosto
1959
Bissau desperta inquieta
do sono da véspera.
Sopra o vento de morte
no cais de Pindjiguiti!
E de repente
o clarão dos relâmpagos
o ribombar dos trovões.
O meu povo morre massacrado
No cais de Pindjiguiti!
Um clamor de vozes
ameaças e pragas
fulmina o espaço
num coro de impotência.
O meu povo morre massacrado
no cais de Pindjiguiti!
(Vasco Cabral)
África! Ergue-te e caminha!
Mãe África!
Vexada
Pisada
Calcada até às lágrimas!
Confia e luta
E um dia a África será nossa!
Quando à floresta chegar o meu grito
e o tantã ritmado do batuque chamar os irmãos à luta,
Quando, como um só homem, nos decidirmos a não vergar a fronte
E fizermos o branco tratar-nos como igual.
Quando, a cada violência, responder o brado da nossa imaginação
E o nosso apelo chegar ao coração e à consciência das massas
E como um fluido electrizante reunir no mesmo «meeting»
O negro estivador e o negro camponês.
Quando cada palavra de ordem for cumprida
E o nosso voto e a nossa vontade forem livres
como um pássaro no espaço.
Quando em cada alma de negro brilhar o sorriso da vitória
E sair de cada fábrica uma palavra de ordem
como um brado de combate e esperança.
Quando ao chicote agressor
Quiser responder a justiça das nossas mãos
E as nossas filhas e as nossas irmãs
Deixarem de ser as escravas do senhor
que é o dono das terras e é o dono das vidas.
Quando cada amigo, seja branco ou amarelo,
for tratado como irmão
e lhe estendermos a mão como se fora um negro
e o aceitarmos lado a lado no combate.
Oh! Quando nos nossos olhos brilhar o fulgor do orgulho
E for inabalável a vontade duma condição humana,
como um rio que inunda sem cessar.
E porque à floresta chegou o meu grito
E acordou os irmãos ao som ritmado do tantã.
Desperta-me Mãe-África!
E serás mais minha mãe.
Desperta irmão negro!
E serás mais meu irmão
porque encontramos o caminho da vitória final!
Mãe África!
Vexada
Pisada
Calcada até às lágrimas!
Confia e luta,
E um dia a África será nossa!
(Vasco Cabral)

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1.ª Fase do Modernismo Brasileira - Contexto histórico, autores e obras.
 

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  • 1. Exortação Ribeiro Couto e Manuel Bandeira, poetas do Brasil, do Brasil, nosso irmão, disseram: “- é preciso criar a poesia brasileira, de versos quentes , fortes, como o Brasil, sem macaquear a literatura lusíada”. Angola grita pela minha voz pedindo a seus filhos nova poesia! deixemos moldes arcaicos, ponhamos de lado, corajosamente, suaves endeixas, brandas queixas, e cantemos a nossa terra e toda a sua beleza. Angola, grande promessa do futuro, forte realidade do presente, inspira novas ideias, encerra ricos motivos. é preciso inventar a poesia de Angola! fecho meus olhos e sonho, abrindo de par em par o coração, e vejo a projecção dum filme colorido com tintas de fantasia e cenas de magia: as imagens são paisagens, gentes, feras.
  • 2. e sucedem-se lenta, lenta, lentamente… assisto maravilhado ao despenhar gemente das quedas d’água do duque de Bragança… vejo crescer florestas colossais no Mayombe, onde o verde é símbolo de tanta esperança… Amboim fecundo, Amboim cafezeiro, de alcantis envoltos sempre em nevoeiro denso, como um fumo cheiroso do seu café gostoso, tão famoso no mundo. o deserto de Namib a espreguiçar-se num bocejo mole, estendendo tentáculos de areia como polvo gigante - visão alucinante, miragem no escrínio esquisito que guarda avaramente a joia mais horrivelmente linda e única no mundo - a welwitshia mirabilis, que em si encerra mistério tão profundo… é preciso escrever a poesia de Angola! vejo anharas infindáveis, onde noivam no capim, pelo amor amansadas, feras bravas, indomáveis… vejo lagos de safiras,
  • 3. tão calmos como olhos ternos, chorosos, de tímidas gazelas… e terras rendilhadas do litoral, secas, rugosas, escalvadas, onde reina o imbondeiro, gigantesco prometeu agrilhoado, visão estranha, infernal, horrenda, verde pálido, branco, cinzento, lembrando líquen mágico, colossal baías, cabos, estuários, praias morenas, mares verdes, mares azuis, e rios de aspecto inofensivo mas cheios de jacarés… terras de mandioca e batata doce, campos de sisal, minas e metais, goiabeiras, palmeiras, cajueiros, areais imensos, cheios de diamantes, chuvadas torrenciais, filas tristes de negros carregadores gemendo, cantando tristemente seus cantares… planaltos, montanhas e fogueiras, feiticeiros dançando loucamente: Angola é grande e rica e bela e vária. é preciso criar a poesia de Angola! terra enorme onde o insecto impera: mosquito da febre e mosca tzé-tzé,
  • 4. cobrindo tudo de sono. olhai o senhor arquitecto Salalé, tão pequenino, tão teimoso e diligente… como ele projecta e constrói castelos, milhões de vezes maiores que ele é, para vergonha nossa, que pouco fazemos, presos de fútil, preguiçoso dandismo… encostai o ouvido atento ao coração do novo negro, escutareis só vós, poetas da minha terra, que estais por nascer, aquilo que para outros é segredo defeso, mistério da esfíngica, malsinada alma negra. criai ânimo, ganhai alento,, e vibrantemente cantai a nossa terra! é preciso forjar a poesia de Angola! essa nova poesia será vasada em forma candente sem limites nem peias, diferente!... mas onde estão os filhos de Angola, se os não oiço cantar e exaltar tanta beleza e tanta tristeza, tanta dor e tanta ânsia desta terra e desta gente? essa nova poesia,
  • 5. forte, terna, nova e bela, amálgama de lágrimas e sangue, sublimação de muito sofrimento, afirmação duma certeza. poesia inconformista, diferente, será revolucionária, como arte literária, desprezando regras estabelecidas, ideias feitas, pieguices, transcendências… poesia nossa, única, inconfundível, diferente, quente, que lembre o nosso sol, suave, lembrando nosso luar… que cheire o cheiro do mato, tenha as cores do nosso céu. o nervosismo do nosso mar, o paroxismo das queimadas, o cantar das nossas aves, rugir de feras, gritos de negros, gritos de há muitos anos, de escravos, de engenhos das roças, no espaço vibrando, vibrando… sons magoados, tristíssimos, enervantes, de quissanges e marimbas… versos que encerrem e expliquem todo o mistério desta terra, versos nossos, úmidos, diferentes, que, quando recitados, nos façam reviver o drama negro
  • 6. e suavizem corações, iluminem consciências, e evoquem paisagens e mostrem caminhos, rumos, auroras… uma poesia nossa, nossa, nossa! - cântico, reza, salmo, sinfonia, Que uma vez cantada, Rezada, Escutada, Faça toda a gente sentir Faça toda a gente dizer: - é poesia de angola (Maurício de Almeida Gomes) Irmão Cruzaste Mares na aventura da pesca da baleia, nessas viagens para a América de onde às vezes os navios não voltam mais. Tens as mãos calosas de puxar as enxárcias dos barquinhos no mar alto; viveste horas de expectativas cruéis na luta com as tempestades; aborreceu-te esse tédio marítimo das longas calmarias intermináveis. Sob o calor infernal das fornalhas alimentaste de carvão as caldeiras dos vapores, em tempo de paz
  • 7. em tempo de guerra. E amaste com o ímpeto sensual da nossa gente as mulheres nos países estrangeiros! Em terra nestas pobres Ilhas nossas és o homem da enxada abrindo levadas às águas das ribeiras férteis, cavando a terra seca nas regiões ingratas onde às vezes a chuva mal chega onde às vezes a estiagem é uma aflição e um cenário trágico de fome! Levas aos teus bailes a tua melancolia no fundo da tua alegria, quando acompanhas as Mornas com as posturas graves do violão ou apertas ao som da música crioula as mulheres amoráveis contra o peito ... A Morna ... parece que é o eco em tua alma da voz do Mar e da nostalgia das terras mais ao longe que o Mar te convida, o eco da voz da chuva desejada o eco da voz interior de nós todos, da voz da nossa tragédia sem eco! A Morna ... tem de ti e das coisas que nos rodeiam a expressão da nossa humildade, a expressão passiva do nosso drama,
  • 8. da nossa revolta, da nossa silenciosa revolta melancólica! A América... a América acabou-se para ti ... Fechou as portas à tua expansão! Essas Aventuras pelos Oceanos já não existem ... Existem apenas nas histórias que contas do passado, com o canhoto atravessado na boca e risos alegres que não chegam a esconder a tua melancolia ... O teu destino... O teu destino sei lá! Viver sempre vergado sobre a terra. a nossa terra, pobre ingrata querida! Ser levado talvez um dia na onda alta de alguma estiagem! como um desses barquinhos nossos que andam pelas Ilhas e o Oceano acaba também por levar um dia! Ou outro fim qualquer humilde anónimo... Ó Caboverdiano humilde anónimo - meu irmão! (Jorge Barbosa)
  • 9. Poema do Mar O drama do Mar, o desassossego do Mar, sempre sempre dentro de nós! O Mar! cercando prendendo as nossas Ilhas, desgastando as rochas das nossas Ilhas! Deixando o esmalte do seu salitre nas faces dos pescadores, roncando nas areias das nossas praias, batendo a sua voz de encontro aos montes, baloiçando os barquinhos de pau que vão por estas costas... O Mar! pondo rezas nos lábios, deixando nos olhos dos que ficaram a nostalgia resignada de países distantes que chegam até nós nas estampas das ilustrações nas fitas de cinema e nesse ar de outros climas que trazem passageiros quando desembarcam para ver a pobreza da terra! O Mar! a esperança na carta de longe que talvez não chegue mais!... O Mar! saudades dos velhos marinheiros contando histórias de tempos passados, história da baleia que uma vez virou a canoa; de bebedeiras, de rixas, de mulheres, nos portos estrangeiros... O Mar!
  • 10. dentro de nós todos, no canto da Morna, no corpo das raparigas morenas, nas coxas ágeis das pretas, no desejo da viagem que fica em sonhos de muita gente! Este convite de toda a hora que o Mar nos faz para a evasão! Este desespero de querer partir e ter que ficar! (Jorge Barbosa) Você Brasil Eu gosto de Você, Brasil, porque Você é parecido com a minha terra. Eu bem sei que Você é um mundão e que a minha terra são dez ilhas perdidas no Atlântico, sem nenhuma importância no mapa. (...) É o seu povo que se parece com o meu, É o seu falar português que se parece com o nosso, ambos cheios de um sotaque vagaroso, de sílabas pisadas na ponta da língua, de alongamentos timbrados nos lábios e de expressões terníssimas e desconcertantes. É a alma de nossa gente humilde que reflete a alma de sua gente simples, ambas cristãs e supersticiosas, sentindo ainda saudade antigas dos serões africanos. (...) As nossas mornas, as nossas polcas, os nossos cantares,
  • 11. fazem lembrar as suas músicas (...) Você, Brasil, é parecido com a minha terra, as secas do Ceará são as nossas estiagens, com a mesma intensidade de dramas e renúncias. Mas há uma diferença no entanto: é que os seus retirantes têm léguas sem conta para fugir dos flagelos, ao passo que aqui nem chega a haver os que fogem porque seria para se afogarem no mar. (...) Nós também temos a nossa cachaça, o grogue de cana que é bebida rija. (...) Temos também o nosso café da Ilha do Fogo que é pena se pouco, mas - Você não fica zangado - é melhor do que o seu. Eu gostava enfim de o conhecer mais de perto e Você veria como sou um bom camarada. Havia então de botar uma fala ao poeta Manuel Bandeira, de fazer uma consulta ao Dr. Jorge de Lima para ver como é que a Poesia receitava este meu fígado tropical bastante cansado. Havia de falar como Você, com um i no si «si faz favor», de trocar sempre os pronomes para antes dos verbos «mi dá um cigarro?» Mas tudo isso são cousas impossíveis ─ Você sabe? ─ Impossíveis. (Jorge Barbosa)
  • 12. Pindjiguiti 3 de Agosto 1959 Bissau desperta inquieta do sono da véspera. Sopra o vento de morte no cais de Pindjiguiti! E de repente o clarão dos relâmpagos o ribombar dos trovões. O meu povo morre massacrado No cais de Pindjiguiti! Um clamor de vozes ameaças e pragas fulmina o espaço num coro de impotência. O meu povo morre massacrado no cais de Pindjiguiti! (Vasco Cabral) África! Ergue-te e caminha! Mãe África! Vexada Pisada
  • 13. Calcada até às lágrimas! Confia e luta E um dia a África será nossa! Quando à floresta chegar o meu grito e o tantã ritmado do batuque chamar os irmãos à luta, Quando, como um só homem, nos decidirmos a não vergar a fronte E fizermos o branco tratar-nos como igual. Quando, a cada violência, responder o brado da nossa imaginação E o nosso apelo chegar ao coração e à consciência das massas E como um fluido electrizante reunir no mesmo «meeting» O negro estivador e o negro camponês. Quando cada palavra de ordem for cumprida E o nosso voto e a nossa vontade forem livres como um pássaro no espaço. Quando em cada alma de negro brilhar o sorriso da vitória E sair de cada fábrica uma palavra de ordem como um brado de combate e esperança. Quando ao chicote agressor Quiser responder a justiça das nossas mãos E as nossas filhas e as nossas irmãs Deixarem de ser as escravas do senhor que é o dono das terras e é o dono das vidas. Quando cada amigo, seja branco ou amarelo, for tratado como irmão e lhe estendermos a mão como se fora um negro e o aceitarmos lado a lado no combate. Oh! Quando nos nossos olhos brilhar o fulgor do orgulho E for inabalável a vontade duma condição humana, como um rio que inunda sem cessar. E porque à floresta chegou o meu grito E acordou os irmãos ao som ritmado do tantã.
  • 14. Desperta-me Mãe-África! E serás mais minha mãe. Desperta irmão negro! E serás mais meu irmão porque encontramos o caminho da vitória final! Mãe África! Vexada Pisada Calcada até às lágrimas! Confia e luta, E um dia a África será nossa! (Vasco Cabral)