3. QUINHENTISMO
o índio na literatura brasileira
A feição deles é serem pardos, maneira de avermelhados, de bons rostos e bons narizes, bem
feitos. Andam nus, sem cobertura alguma. Não fazem o menor caso de encobrir ou de mostrar
suas vergonhas; e nisso têm tanta inocência como em mostrar o rosto. (...)
CAMINHA, Pero Vaz de. Carta. Rio de Janeiro: Agir, 1996.
4. QUINHENTISMO
o índio na literatura brasileira
Bastará dizer-vos que até aqui, como quer que eles um pouco se amansassem, logo duma mão
para a outra se esquivavam, como pardais, do cevadoiro. Homem não lhes ousa falar de rijo
para não se esquivarem mais; e tudo se passa como eles quem, para os bem amansar. (...)
CAMINHA, Pero Vaz de. Carta. Rio de Janeiro: Agir, 1996.
5. QUINHENTISMO
o índio na literatura brasileira
E, segundo que a mim e a todos pareceu, esta gente não lhes falece outra coisa para ser toda
cristã, senão entender-nos, porque assim tomavam aquilo que nos viam fazer, como nós
mesmos, por onde nos pareceu a todos que nenhuma idolatria, nem adoração têm. E bem creio
que, se Vossa Alteza aqui mandar quem entre eles mais devagar ande, que todos serão tornados
ao desejo de Vossa Alteza.
CAMINHA, Pero Vaz de. Carta. Rio de Janeiro: Agir, 1996.
6. QUINHENTISMO
o índio na literatura brasileira
Andavam já mais mansos e seguros entre nós, do que nós andávamos entre eles. (...)
CAMINHA, Pero Vaz de. Carta. Rio de Janeiro: Agir, 1996.
7. QUINHENTISMO
o índio na literatura brasileira
Eles não lavram, nem criam. (...)
CAMINHA, Pero Vaz de. Carta. Rio de Janeiro: Agir, 1996.
8. QUINHENTISMO
o índio na literatura brasileira
os fragmentos
01 etnocentrismo [semelhanças corporais do índio com o europeu]
02 aponta-se o índio como selvagem, arredio
03 intenção catequética e colonizadora
04 destaca-se a falta de malícia dos silvícolas [inocência]
05 análise de aspectos culturais e da organização da sociedade do íncola
uma análise
da leitura dos fragmentos, depreende-se a intenção predatória do colonizador, que pode ser
comprovada pela intencionalidade de salvar as almas dos índios e de trazê-lo para a cultura
ocidental; o reforço dos traços fenotípicos semelhantes aos dos portugueses, a constatação
da inocência do índio e os traços animalescos são elementos que comprovam que o europeu
deseja criar uma nova identidade para o nativo das terras americanas.
9. O ÍNDIO NO BARROCO
o índio na literatura brasileira
10. BARROCO
o índio na literatura brasileira
Há cousa como ver um Paiaiá
Mui prezado de ser Caramuru,
Descendente de sangue de Tatu,
Cujo torpe idioma é cobé pá.
A linha feminina é carimá
Moqueca, pititinga caruru
Mingau de puba, e vinho de caju
Pisado num pilão de Piraguá.
A masculina é um Aricobé
Cuja filha Cobé um branco Paí
Dormiu no promontório de Passé.
O Branco era um marau, que veio aqui,
Ela era uma Índia de Maré
Cobé pá, Aricobé, Cobé Paí
MATOS, Gregório de. Antologia poética. Disponível em: http://manoelnves.com
11. BARROCO
o índio na literatura brasileira
Um paiá de Monai, bonzo bramá
Primaz da cafraria do Pegu,
Quem sem ser do Pequim, por ser do Acu,
Quer ser filho do sol, nascendo cá.
Tenha embora um avô nascido lá,
Cá tem tres pela costa do Cairu,
E o principal se diz Paraguaçu,
Descendente este tal de um Guinamá
Que é fidalgo nos ossos cremos nós,
Pois nisso consistia o mor brasão
Daqueles que comiam seus avós.
E como isto lhe vem por geração,
Tem tomado por timbre em seus teirós
Morder nos que provêm de outra nação.
MATOS, Gregório de. Antologia poética. Disponível em: http://manoelnves.com
12. BARROCO
o índio na literatura brasileira
Um calção de pindoba a meia zorra
Camisa de Urucu, mantéu de Arara,
Em lugar de cotó arco, e taquara,
Penacho de Guarás em vez de gorra.
Furado o beiço, e sem temor que morra,
O pai, que lho envazou cuma titara,
Senão a Mãe, que a pedra lhe aplicara,
A reprimir-lhe o sangue, que não corra.
Animal sem razão, bruto sem fé,
Sem mais Leis, que as do gosto, quando erra,
De Paiaiá virou-se em Abaeté.
Não sei, once acabou, ou em que guerra,
Só sei, que deste Adão de Massapé,
Procedem os fidalgos desta terra.
MATOS, Gregório de. Antologia poética. Disponível em: http://manoelnves.com
13. BARROCO
o índio na literatura brasileira
os sonetos
os dois poemas se propõem a traçar uma genealogia dos nobres da terra; a figura do índio, na
obra de Gregório de Matos, aparece colada à dos novos ricos; o poeta barroco critica de forma
ferina os novos donos do poder; percebe-se, neste movimento, certo ressentimento, quando se
recorda que o bardo barroco empobrecera em consequência da queda do preço do açúcar e
perdera sua posição justamente para aqueles que chama de bárbaros.
14. O ÍNDIO NO ARCADISMO
o índio na literatura brasileira
15. ARCADISMO
o índio na literatura brasileira
De ouro fino os cabelos pareciam,
Que uma aura branda aos ares espalhava,
E uns dos outros talvez se dividiam,
E outra vez um com outro se enredava;
Frechas voando, mais não feririam,
Do que um só deles nalma penetrava;
Cabelos tão gentis, que o esposo amado
Se queixa que de um deles foi chagado.
A fronte bela, cândida, espaçosa,
Cheia de celestial serenidade,
Vislumbres dava pela luz formosa
Da imortal soberana claridade.
Vê-se ali mansidão reinar piedosa,
E envolta na modéstia a suavidade,
Com graça, a quem a olhava tão serena,
Que, excitando prazer, desterra a pena.
DURÂO, Santa Rita. Caramuru. Disponível em: http://destinopasargada.blogspot.com
16. ARCADISMO
o índio na literatura brasileira
Porém o destro Caitutu, que treme
Do perigo da Irmã, sem mais demora
Dobrou as pontas do arco, e quis três vezes
Soltar o tiro, e vacilou três vezes
Entre a ira e o temor. Enfim sacode
O arco e faz voar a aguda seta,
Que toca o peito de Lindóia, e fere
A serpente na testa, e a boca e os dentes
Deixou cravados no vizinho tronco.
Açouta o campo com a ligeira cauda
O irado monstro, e em tortuosos giros
Se enrosca no cipreste, e verte envolto
Em negro sangue o lívido veneno.
GAMA, Basílio da. O uraguai. Disponível em: http://manoelneves.com
17. ARCADISMO
o índio na literatura brasileira
as epopeias árcades
influenciados pelo Mito do Bom Selvagem, os escritores árcades apresentam um índio que tem
traços físicos [Caramuru] e comportamentais [O uraguai] europeizados; trata-se de um modelo de
idealização que será amplamente desenvolvido no romantismo de Alencar e Gonçalves Dias.
18. O ÍNDIO NO ROMANTISMO
o índio na literatura brasileira
19. ROMANTISMO
o índio na literatura brasileira
Da tribo pujante, Já vi cruas brigas, Andei longes terras
Que agora anda errante De tribos imigas, Lidei cruas guerras,
Por fado inconstante, E as duras fadigas Vaguei pelas serras
Guerreiros, nasci; Da guerra provei; Dos vis Aimorés;
Sou bravo, sou forte, Nas ondas mendaces Vi lutas de bravos,
Sou filho do Norte; Senti pelas faces Vi fortes – escravos!
Meu canto de morte, Os silvos fugaces De estranhos ignavos
Guerreiros, ouvi. Dos ventos que amei. Calcados aos pés.
DIAS, Gonçalves. Fragmentos do canto IV de “I Juca Pirama”. Disponível em: http://manoelneves.com
20. ROMANTISMO
o índio na literatura brasileira
Eu vivo sozinha, ninguém me procura!
Acaso feitura
Não sou de Tupá!
Se algum dentre os homens de mim não se esconde:
— "Tu és", me responde,
"Tu és Marabá!"
— Meus olhos são garços, são cor das safiras,
— Têm luz das estrelas, têm meigo brilhar;
— Imitam as nuvens de um céu anilado,
— As cores imitam das vagas do mar!
Se algum dos guerreiros não foge a meus passos:
"Teus olhos são garços",
Responde anojado, "mas és Marabá:
"Quero antes uns olhos bem pretos, luzentes,
"Uns olhos fulgentes,
"Bem pretos, retintos, não cor d'anajá!"
— É alvo meu rosto da alvura dos lírios,
— Da cor das areias batidas do mar;
— As aves mais brancas, as conchas mais puras
— Não têm mais alvura, não têm mais brilhar.
DIAS, Gonçalves. Fragmentos do canto IV de “Marabá”. Disponível em: http://manoelneves.com
21. ROMANTISMO
o índio na literatura brasileira
Aqui na floresta Valente na guerra,
Dos ventos batida, Quem há, como eu sou?
Façanhas de bravos Quem vibra o tacape
Não geram escravos, Com mais valentia?
Que estimem a vida Quem golpes daria
Sem guerra e lidar. Fatais, como eu dou?
— Ouvi-me, Guerreiros, — Guerreiros, ouvi-me;
— Ouvi meu cantar. — Quem há, como eu sou?
DIAS, Gonçalves. Fragmentos de “O canto do guerreiro”. Disponível em: http://manoelneves.com
22. ROMANTISMO
o índio na literatura brasileira
E pois que és meu filho, Teu grito de guerra
Meus brios reveste; Retumbe aos ouvidos
Tamoio nasceste, D'imigos transidos
Valente serás. Por vil comoção;
Sê duro guerreiro, E tremam d'ouvi-lo
Robusto, fragueiro, Pior que o sibilo
Brasão dos tamoios Das setas ligeiras,
Na guerra e na paz. Pior que o trovão.
DIAS, Gonçalves. Fragmentos de “Canção do Tamoio”. Disponível em: http://manoelneves.com
23. ROMANTISMO
o índio na literatura brasileira
Iracema, a virgem dos lábios de mel, que tinha os cabelos mais negros que a asa da graúna e
mais longos que o seu talhe de palmeira.
O favo da Jati não era doce como o seu sorriso; nem a baunilha recendia no bosque como seu
hálito perfumado.
ALENCAR, José de. Iracema. São Paulo: Ática, 2001.
24. ROMANTISMO
o índio na literatura brasileira
Se tu fosses cristão, Peri!….
O índio voltou-se extremamente admirado daquelas palavras.
– Por quê?… perguntou ele.
Por quê?… disse lentamente o fidalgo. Porque se tu fosses cristão, eu te confiaria a salvação de
minha Cecília, e estou convencido de que a levarias ao Rio de Janeiro à minha irmã.
O rosto do selvagem iluminou-se; seu peito arquejou de felicidade, seus lábios trêmulos mal
podiam articular o turbilhão de palavras que lhe vinham do íntimo d’alma..
O índio voltou-se extremamente admirado daquelas palavras.
- Peri quer ser cristão! Exclamou ele.
ALENCAR, José de. O guarani. São Paulo: Ática, 2005.
25. ROMANTISMO
o índio na literatura brasileira
Pela margem do grande rio caminha Jaguarê, o jovem caçador. O arco pende-lhe ao ombro,
esquecido e inútil. As flechas dormem no coldre da uiraçaba. [...]
O rugido do jaguar abala a floresta; mas o caçador também despreza o jaguar, que já cansou de
vencer. [...]
Não é esse o inimigo que procura, porém outro mais terrível para vencê-lo em combate de
morte e ganhar nome de guerra.
Jaguarê chegou à idade em que o mancebo troca a fama do caçador pela glória do guerreiro.
Para ser aclamado guerreiro por sua nação é preciso que o jovem caçador conquiste esse título
por uma grande façanha.
Por isso deixou a taba dos seus e a presença de Jandira, a virgem formosa que lhe guarda o seio
de esposa.
Lá estaca o jovem caçador no meio da campina. Volvendo ao céu o olhar torvo e iracundo, solta
ainda uma vez seu grito de guerra. [...]
Respondeu o ronco da sucuri na madre do rio e o urro do tigre escondido na furna; mas outro
grito de guerra não acudiu ao desafio do caçador.
ALENCAR, José de. Ubirajara. São Paulo: Ática, 2003.
26. ROMANTISMO
o índio na literatura brasileira
a lírica de Gonçalves Dias
“I-Juca-Pirama”, “O canto do guerreiro”, “Canto do tamoio”, “Leito de folhas verdes”
indianismo: idealização do índio que toma como matriz valores europeus
[força, coragem, valentia, honra, heroísmo, altruísmo, bravura]
“Marabá”: celebração da beleza índia, desvalorização do mestiço;
“O canto do piaga”: denúncia das atrocidades que foram perpetradas pela colonização
27. ROMANTISMO
o índio na literatura brasileira
a indianismo de Alencar
celebra a pacífica aculturação do índio e seu cego devotamento ao português
as personagens que se opõem aos projetos do português são satanizados [Irapuã, em Iracema]
idealização do índio que leva em conta os valores europeus [Iracema, Peri e Jaguarê]
Ubirajara: ficção que se constrói a partir de colagens de textos dos cronistas do descobrimento
[retrata romanceadamente como vivia o índio antes da chegada do europeu]
Iracema: ficção que apresenta um modelo corporal, ideológico e estético indígena
[retrata poeticamente o primeiro contato entre o europeu e o silvícola]
O guarani: ficção que celebra como valores indígenas a força, a ingenuidade e o servilismo
[retrata idealizadamente o processo de povoamento das terras americanas]
28. O ÍNDIO NA 1ª. GERAÇÃO DO MODERNISMO
o índio na literatura brasileira
29. PRIMEIRA GERAÇÃO DO MODERNISMO
o índio na literatura brasileira
Tupy or not tupy that is the question.
Contra o índio de tocheiro. O índio filho de Maria, afilhado de Catarina de Médicis e genro de D.
Antônio de Mariz.
ANDRADE, Oswald de. Fragmentos do “Manifesto Antropófago”. Disponível em: http://manoelneves.com
30. PRIMEIRA GERAÇÃO DO MODERNISMO
o índio na literatura brasileira
O Zé Pereira chegou de caravela
E preguntou pro guarani da mata virgem
— Sois cristão?
— Não. Sou bravo, sou forte, sou filho da Morte
Teterê Tetê Quizá Quizá Quecê!
Lá longe a onça resmungava Uu! ua! uu!
O negro zonzo saído da fornalha
Tomou a palavra e respondeu
— Sim pela graça de Deus
Canhém Babá Canhém Babá Cum Cum!
E fizeram o Carnaval
ANDRADE, Oswald de. Brasil. Disponível em: http://manoelneves.com
31. PRIMEIRA GERAÇÃO DO MODERNISMO
o índio na literatura brasileira
Quando o português chegou
Debaixo duma bruta chuva
Vestiu o índio
Que pena! Fosse uma manhã de sol
O índio tinha despido
O português
ANDRADE, Oswald de. Erro de português. Disponível em: http://manoelneves.com
32. PRIMEIRA GERAÇÃO DO MODERNISMO
o índio na literatura brasileira
No fundo do mato-virgem nasceu Macunaíma, herói de nossa gente. Era preto retinto e filho do
medo da noite. Houve um momento em que o silêncio foi tão grande escutando o murmurejo
do Uraricoera, que a índia tapanhumas pariu uma criança feia. Essa criança é que chamaram de
Macunaíma. [...]
Macunaíma principiou atirando pedras nela e quando feria, Sofará gritava de excitação tatuando
o corpo dele em baixo com o sangue espirrando. Afinal uma pedra lascou o canto da boca da
moça e moeu três dentes. Ela pulou do galho e juque! Tombou sentada na barriga do herói que
a envolveu com o corpo todo, uivando de prazer. E brincaram outra vez. [...]
No outro dia bem cedinho foram todos trabucar. A princesa foi no roçado Maanape foi no mato
e Jiguê foi no rio. Macunaíma se desculpou, subiu na montaria e deu uma chegadinha até a boca
do rio Negro pra buscar a consciência deixada na ilha de Marapatá. Jacaré achou? nem ele.
Então o herói pegou na consciência dum hispano-americano, botou na cabeça e se deu bem da
mesma forma.
ANDRADE, Oswald de. Erro de português. Disponível em: http://manoelneves.com
33. PRIMEIRA GERAÇÃO DO MODERNISMO
o índio na literatura brasileira
Uei!
Passou rasgando o caminho
Arvorezinhas ficaram de pescoço torcido
As outras rolaram esmagadas de raiz para cima
O horizonte ficou chato
Vento correu correu
mordendo a ponta do rabo.
Pajé-pato lá adiante ensinou caminho errado:
– Cobra Norato com uma moça?
Foi pra Belém. Foi se casar
Cobra Grande esturrou direto pra Belém.
Deu um estremeção.
Entrou no cano da Sé
e ficou com a cabeça enfiada debaixo dos pés de
Nossa Senhora
BOPP, Raul. Cobra Norato. Disponível em: http://manoelneves.com
34. PRIMEIRA GERAÇÃO DO MODERNISMO
o índio na literatura brasileira
Os tupis desceram para serem absorvidos. Para se diluírem no sangue da gente nova. Para viver
subjetivamente e transformar numa prodigiosa força a bondade do brasileiro e o seu grande
sentimento de humanidade. Seu totem não é carnívoro: Anta. É este um animal que abre
caminhos, e aí parece estar indicada a predestinação da gente tupi.
A filosofia tupi deve ser forçosamente a não filosofia. O movimento da Anta baseava-se nesse
princípio. Tomava-se o índio como símbolo nacional, justamente porque ele significa ausência
de preconceito.
Manifesto Nhengatu Verde-Amarelo. Disponível em: http://www.pco.org.br/conoticias/ler_materia.php?mat=8291
35. PRIMEIRA GERAÇÃO DO MODERNISMO
o índio na literatura brasileira
todos os três, [...]
o homem da Terra, com o seu nomadismo;
o homem do Mar, com a sua carga de aventura;
o homem da Noite, para afrontar o sol dos trópicos [...]
todos três de mãos dadas
e pela primeira vez,
deuses-bichos, com barba de cipó,
depois de haver bebido em grandes goles
a água do rio que nascera
correndo pra dentro da terra e de costas voltadas para o mar
todos, três,
bateram à porta do Sertão antropofágico tropel
formidável: “Nós queremos entrar”
RICARDO, Cassiano. Martim Cererê. Rio de Janeiro: José Olympio, 1989.
36. PRIMEIRA GERAÇÃO DO MODERNISMO
o índio na literatura brasileira
o primitivismo crítico
Oswald de Andrade, Mário de Andrade e Raul Bopp
Movimentos Pau-Brasil e Antropofágico: revisão crítica do passado histórico cultural
crítica à colonização e defesa de uma independência mental brasileira
celebração de um índio forte, autêntico, nacional, orgulhoso e não europeu
aponta-se a permanência dos valores indígenas em vários aspectos da cultura brasileira
em vez de celebrar a aculturação, celebra-se a permanência de valores indígenas na alma brasileira
trata-se, ainda, de uma idealização, diferente da romântica, mas que vê positivamente o índio
na medida em que o dota de uma consciência crítica que é fruto de outra tradição cultural
37. PRIMEIRA GERAÇÃO DO MODERNISMO
o índio na literatura brasileira
o primitivismo ingênuo
Cassiano Ricardo e Plínio Salgado
Movimentos Verde-Amarelo e Anta
defesa da colonização e dos mitos românticos indianistas
celebra-se o índio que se deixou aculturar e que aceitou passivamente a miscigenação
Martim Cererê e o pensamento de direita são os suportes para tal ideologia
38. O ÍNDIO NA 4ª. GERAÇÃO DO MODERNISMO
o índio na literatura brasileira
39. QUARTA GERAÇÃO DO MODERNISMO
o índio na literatura brasileira
O verdadeiro e olvidado nome de Ipavu era Paiap mas como Paiap falava muito em Ipavu, a
lagoa dos camaiurá, os brancos tinham trocado o nome dele pelo da lagoa e Paiap tinha despido
o nome verdadeiro com indiferença, o alívio de quando, roubada ou ganha uma camisa nova,
jogava fora a velha, molambo roído de barro branco, de urucum vermelho, de jenipapo preto,
vai-te, camisa, pra puta que te pariu, dizia ele pra fazer os brancos rirem, que branco, sabe-se lá
por que, sempre ria quando o índio dizia palavra ensinado por branco. Ipavu não queria por
nada deste mundo voltar a ser índio, nu, piroca ao vento, pegando peixe com flecha ou timbó,
comendo peixe com milho ou beiju. Queria viver em cidade caraíba, com casas de janela
empilhada sobre janela e botequim de parede forrada, do rodapé ao teto, de bramas e
antárticas. Índio era burro de morar no mato, beber caxiri azedo, numa cuia, quando podia
encher a cara de cerveja e sair correndo na hora de pagar a conta.
CALLADO, Antônio. A expedição Montaigne. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1989.
40. QUARTA GERAÇÃO DO MODERNISMO
o índio na literatura brasileira
Todos os homens nascem em Jerusalém. Eu também? Padre serei, ministro de Deus da Igreja de
Nosso Senhor Jesus Cristo. Mas gente, eu sou? Não, não sou ninguém. Melhor que seja padre,
assim poderei viver quieto e talvez até ajudar o próximo. Isto é, se o próximo deixar que um
índio de merda o abençoe, o confesse, o perdoe.
Reconheço que estou com complexo, obsessivo: paranoico ou esquizofrênico? Sei lá. Na verdade
ninguém me quer mal porque eu sou o porque eu fui índio. Apenas constatam. Muitos até se
comovem: “Um índio convertido?” Quase sempre se espantam: “Vai receber ordens?” E todos
concluem: “Para se dedicar às missões?” Nesta altura, perguntam: “Vai voltar ao seu povo?”
Querem dizer: “à sua tribo”, “aos seus selvagens”. Eu vou? Não vou? Belga ou holandês pode
catequisar índio. Espanhol e italiano e até norte-americano podem pregar na Itália, na França,
no Brasil, onde quiser. Mas eu, índio mairum, posso ser sacerdote deles? Nunca! No Brasil
também não me tomarão por índio o tempo todo? Não. Lá é diferente. Muita gente tem cara de
índio e anda lampeiro por todo lado, sem ninguém ligar. Muitos até proclamam que a vó foi
pegada a laço. Sobretudo se são mais escuros. Mas comigo é diferente. Nenhuma avó minha foi
pegada a laço. O selvagem sou eu mesmo. Minha avó sou eu.
RIBEIRO, Darcy. Maíra. Rio de Janeiro: Record, 2007.
41. QUARTA GERAÇÃO DO MODERNISMO
o índio na literatura brasileira
Antes de sair da aldeia, diante da minha recusa em ser batizado, Gersila se aproximou de mim,
entre ofendida e irônica, e me jogou na cara que eu era como todos os brancos, que os
abandonaria, nunca mais voltaria à aldeia, nunca mais pensaria neles. Jurei que não. Estava
apavorado com o que pudessem fazer comigo (nada além de me cobrir de penas e me dar um
nome e uma família da qual nunca mais poderia me desvencilhar). O meu medo era visível. Fiz
um papel pífio. E eles riram da minha covardia. Jurei que não me esqueceria deles. E os
abandonei, como todos os brancos.
CARVALHO, Bernardo. Nove noites. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.
42. QUARTA GERAÇÃO DO MODERNISMO
o índio na literatura brasileira
visão jornalístico-antropológica
desaparecem os índios literários, idealizados negativamente pelos românticos [modelo europeu]
e positivamente pelos primitivistas modernos [modelo nacional]
depois dos anos 1970, o índio aparece retratado por uma perspectiva simultaneamente
jornalística e antropológica, por intermédio da qual se denunciam o genocídio e o etnocídio
por que passaram [e ainda passam] os povos indígenas
44. MATINTA PERERA
o índio na literatura brasileira
Quando criança, meus amigos e eu gostávamos de ouvir histórias contadas pelos adultos. Tinha
adulto que gostava de enfeitar suas histórias colocando uma ponta de suspense e terror.
Foi ouvindo uma história numa noite que existia uma perversa criatura que se chamava Matinta
Perera.
Minha avó dizia que a tal criatura, de quem ela nem gostava de dizer o nome, era muito
poderosa e estava sempre disposta a fazer malinagem com quem ousasse desobedecê-la.
Era assim que funcionava, segundo minha avó:
Em noites sem lua, quando alguém ouvia um grito se aproximando da sua casa, era preciso
tomar cuidado, pois o tal estrondoso grito vinha de muito perto. Talvez da casa da vizinha, talvez
de dentro do rio. Ou quem sabe da floresta. Não importava realmente de onde havia vindo
grito, o importante mesmo era correr para dentro de casa e fazer pequenas orações para que a
assombração fosse logo embora.
Na verdade, a criatura chegava de mansinho e se punha no telhado, ou no peitoral de uma
janela, e de lá fixava o olhar sobre a pessoa de quem ela queria conseguir pedir alguma coisa. A
pessoa perseguida tinha que prometer à criatura que lhe daria algo se ela fosse embora.
Segundo minha avó, a Matinta sempre ia embora, pois tinha certeza de que havia conseguido
seu intento.
MUNDURUKU, Daniel. Histórias que ouvi e gosto de contar. São Paulo: Callis, 2004.
45. VAVARAZADE
o índio na literatura brasileira
Vavazarade caçava todo dia com sua zarabatana. Todos os dias ele matava muitos macacos. Um
dia, foi de novo. Quando ele estava voltando de tarde para a aldeia, encontrou uma irara. A irara
fez careta para ele e gritou. Ele levou um susto. E não viu quem era, e perguntou:
- Que bicho é esse?
Ele chegou em casa e foi dormir. Quando acordou, estava doente. Ele ficou doente por três dias.
A mãe dele chorou, então um homem disse:
- Não chore, não, seu filho vai ser como nambu galinha.
Ele não ficou como nambu galinha. A mãe chorava, o filho não comia mais. Depois de quatro
dias, ele ficou bom, foi andando no caminho e encontrou a irara novamente. A irara falou para
ele:
- Fui eu que fiz com que você ficasse doente. Vavazarade virou pajé, e ele é pajé até hoje.
Antes não tinha pajé entre o povo Deni. Agora tem pajé.
PROFESSORES INDÍGENAS DO AMAZONAS. Ima bute denikha: mitos deni. Disponível em:
http://www.comin.org.br/news/publicacoes/1206992069.pdf
46. BRASIL
o índio na literatura brasileira
Que faço com a minha cara de índia?
E meus cabelos
E minhas rugas
E minha história
E meus segredos?
Que faço com a minha cara de índia?
E meus espíritos
E minha força
E meu Tupã
E meus círculos?
Que faço com a minha cara de índia?
E meu Toré
E meu sagrado
E meus "cabôcos"
E minha Terra
Que faço com a minha cara de índia?
47. BRASIL
o índio na literatura brasileira
E meu sangue
E minha consciência
E minha luta
E nossos filhos?
Brasil, o que faço com a minha cara de índia?
Não sou violência
Ou estupro
Eu sou história
Eu sou cunhã
Barriga brasileira
Ventre sagrado
Povo brasileiro
Ventre que gerou
O povo brasileiro
Hoje está só ...
A barriga da mãe fecunda
E os cânticos que outrora cantava
Hoje são gritos de guerra
Contra o massacre imundo
POTIGUARA, Eliane. Brasil. Disponível em: http://www.elianepotiguara.org.br/canticos.html
48. A LITERATURA INDÍGENA [MULTICULTURAL]
o índio na literatura brasileira
de acordo com Daniel Munduruku, as produções de origem nativa começam na década de 1980
há dois tipos de literatura indígena propriamente dita:
a) literatura de ficção baseada na sua experiência na aldeia;
b) memorialistas que escrevem a partir da vivência de sua gente.
a divulgação da literatura indígena ocorre depois da guinada multicultural ocorrida nos anos 1990
trata-se de um fenômeno recente que serve de veículo para a divulgação da visão de mundo
indígena acerca de si e do mundo que o cerca e como material de preservação de sua
identidade e de suas tradições culturais.