2. A POESIA DO ROMANTISMO
terceira geração
AMOR SENSUAL
[mulher de carne e osso + realização erótica]
SEM TÍTULO, Castro Alves
É noite, pois! Durmamos, Julieta!
Recende a alcova ao trescalar das flores.
Fechemos sobre nós estas cortinas...
- São asas do arcanjo dos amores.
A frouxa luz da alabastrina lâmpada
Lambe voluptuosa os teus contornos...
Oh! Deixa-me aquecer teus pés divinos
Ao doido afago de meus lábios mornos.
Mulher do meu amor! Quando aos meus beijos
Treme tua alma, como a lira ao vento,
Das teclas de teu seio que harmonias,
Que escalas de suspiro, bebo atento!
Ai! Canta a cavatina do delírio,
Ri, suspira, soluça, anseia e chora...
Marion! Marion!... É noite ainda.
Que importa os raios de uma nova aurora?
3. A POESIA DO ROMANTISMO
terceira geração
AMOR SENSUAL
[mulher de carne e osso + realização erótica]
ADORMECIDA, Castro Alves
Uma noite, eu me lembro... Ela dormia
versos decassílabos Numa rede encostada molemente... sete quadras
cena altamente erótica Quase aberto o roupão... solto o cabelo lirismo amoroso
E o pé descalço do tapete rente.
'Stava aberta a janela. Um cheiro agreste
ao impulso erótico Exalavam as silvas da campina... natureza solidária
mulher disponível E ao longe, num pedaço do horizonte, cena noturna
Via-se a noite plácida e divina.
De um jasmineiro os galhos encurvados,
galhos encurvados Indiscretos entravam pela sala, metáfora de cunho sexual
natureza solidária E de leve oscilavam ao tom das auras, beijo [realização erótica]
Iam na face trêmulos- beijá-la.
Era um quadro celeste!... A cada afago
compraz-se com a cena Mesmo em sonhos a moça estremecia... envolvimento do locutor
estremecimento Quando ela serenava... a flor beijava-a... êxtase sexual
Quando ela ia beijar-lhe... a flor fugia...
4. A POESIA DO ROMANTISMO
terceira geração
AMOR SENSUAL
[mulher de carne e osso + realização erótica]
ADORMECIDA, Castro Alves
Dir-se-ia que naquele doce instante
ao erotismo intenso Brincavam duas cândidas crianças... contraponto
suavização do erotismo A brisa, que agitava as folhas verdes, criança
Fazia-lhe ondear as negras tranças!
E o ramo ora chegava ora afastava-se...
movimentos do galho clímax
Mas quando a via despeitada a meio,
chuva de pétalas Para não zangá-la... sacudia alegre metáforas
Uma chuva de pétalas no seio...
Eu, fitando esta cena, repetia
volta ao erotismo locutor envolvido
Naquela noite lânguida e sentida:
metáforas [virgem, flor] “Ó flor!... tu és a virgem das campinas!” cena noturna
“Virgem!... tu és a flor da minha vida!...”
mulher de carne e osso: sujeito ativo na cena erótica + compraz-se no ato erótico
paródia do mito da Bela Adormecida: ruptura com modelo romântico de idealização feminina
5. A POESIA DO ROMANTISMO
terceira geração
CONDOREIRISMO
[poesia social: luta por ideais humanitários]
O LIVRO E A AMÉRICA, Castro Alves [fragmento]
Oh! Bendito o que semeia Agora que o trem de ferro
Livros, livros à mão cheia... Acorda o tigre no cerro
E manda o povo pensar! E espanta os caboclos nus
O livro caindo n’alma Fazei desse rei dos ventos
É germe – que faz a palma, Ginete de pensamentos,
É chuva – que faz o mar, (...) Arauto da grande luz!...
6. A POESIA DO ROMANTISMO
terceira geração
CONDOREIRISMO
[poesia social: luta por ideais humanitários]
NAVIO NEGREIRO, Castro Alves [parte 1]
'Stamos em pleno mar... Doudo no espaço 'Stamos em pleno mar... Dois infinitos
Brinca o luar — dourada borboleta; Ali se estreitam num abraço insano,
E as vagas após ele correm... cansam Azuis, dourados, plácidos, sublimes...
Como turba de infantes inquieta. Qual dos dous é o céu? qual o oceano?...
'Stamos em pleno mar... Do firmamento 'Stamos em pleno mar... Abrindo as velas
Os astros saltam como espumas de ouro... Ao quente arfar das virações marinhas,
O mar em troca acende as ardentias, Veleiro brigue corre à flor dos mares,
— Constelações do líquido tesouro... Como roçam na vaga as andorinhas...
onze quartetos decassílabos [descrição-narração]
metáforas, comparações, antíteses
“tomada aérea”: locutor, águia do oceano,
acompanha o navio [brigue corre à flor dos mares]
7. A POESIA DO ROMANTISMO
terceira geração
CONDOREIRISMO
[poesia social: luta por ideais humanitários]
NAVIO NEGREIRO, Castro Alves [parte 1]
Donde vem? onde vai? Das naus errantes Homens do mar! ó rudes marinheiros,
Quem sabe o rumo se é tão grande o espaço? Tostados pelo sol dos quatro mundos!
Neste saara os corcéis o pó levantam, Crianças que a procela acalentara
Galopam, voam, mas não deixam traço. No berço destes pélagos profundos!
Bem feliz quem ali pode nest'hora Esperai! esperai! deixai que eu beba
Sentir deste painel a majestade! Esta selvagem, livre poesia
Embaixo — o mar em cima — o firmamento... Orquestra — é o mar, que ruge pela proa,
E no mar e no céu — a imensidade! E o vento, que nas cordas assobia...
Oh! que doce harmonia traz-me a brisa! Por que foges assim, barco ligeiro?
Que música suave ao longe soa! Por que foges do pávido poeta?
Meu Deus! como é sublime um canto ardente Oh! quem me dera acompanhar-te a esteira
Pelas vagas sem fim boiando à toa! Que semelha no mar — doudo cometa!
Albatroz! Albatroz! águia do oceano,
Tu que dormes das nuvens entre as gazas,
Sacode as penas, Leviathan do espaço,
Albatroz! Albatroz! dá-me estas asas.
8. A POESIA DO ROMANTISMO
terceira geração
CONDOREIRISMO
[poesia social: luta por ideais humanitários]
NAVIO NEGREIRO, Castro Alves [parte 2]
Que importa do nauta o berço, Do Espanhol as cantilenas
Donde é filho, qual seu lar? Requebradas de langor,
Ama a cadência do verso Lembram as moças morenas,
Que lhe ensina o velho mar! As andaluzas em flor!
Cantai! que a morte é divina! Da Itália o filho indolente
Resvala o brigue à bolina Canta Veneza dormente,
Como golfinho veloz. — Terra de amor e traição,
Presa ao mastro da mezena Ou do golfo no regaço
Saudosa bandeira acena Relembra os versos de Tasso,
As vagas que deixa após. Junto às lavas do vulcão!
estrutura: quatro décimas com versos heptassílabos
tema: trajeto do barco pelo mar + renúncia ao nacionalismo ufanista
tema: referências a Espanha e Itália [tradição saudosista européia]
9. A POESIA DO ROMANTISMO
terceira geração
CONDOREIRISMO
[poesia social: luta por ideais humanitários]
NAVIO NEGREIRO, Castro Alves [parte 2]
O Inglês — marinheiro frio, Os marinheiros Helenos,
Que ao nascer no mar se achou, Que a vaga jônia criou,
(Porque a Inglaterra é um navio, Belos piratas morenos
Que Deus na Mancha ancorou), Do mar que Ulisses cortou,
Rijo entoa pátrias glórias, Homens que Fídias talhara,
Lembrando, orgulhoso, histórias Vão cantando em noite clara
De Nelson e de Aboukir... Versos que Homero gemeu ...
O Francês — predestinado — Nautas de todas as plagas,
Canta os louros do passado Vós sabeis achar nas vagas
E os loureiros do porvir! As melodias do céu!...
estrutura: quatro décimas com versos heptassílabos
tema: referência à frieza do marinheiro inglês e a predestinação do francês
tema: conclamação do mundo grego
10. A POESIA DO ROMANTISMO
terceira geração
CONDOREIRISMO
[poesia social: luta por ideais humanitários]
NAVIO NEGREIRO, Castro Alves [parte 3]
Desce do espaço imenso, ó águia do oceano!
Desce mais... inda mais... não pode olhar humano
Como o teu mergulhar no brigue voador!
Mas que vejo eu aí... Que quadro d'amarguras!
É canto funeral! ... Que tétricas figuras! ...
Que cena infame e vil... Meu Deus! Meu Deus! Que horror!
estrutura: uma sextilha com versos alexandrinos
tema: indignação do locutor [metáfora do albatroz – plano americano]
tema: em meio ao desespero ante às cenas que contempla, o locutor clama por Deus
11. A POESIA DO ROMANTISMO
terceira geração
CONDOREIRISMO
[poesia social: luta por ideais humanitários]
NAVIO NEGREIRO, Castro Alves [parte 4]
Era um sonho dantesco... o tombadilho Negras mulheres, suspendendo às tetas
Que das luzernas avermelha o brilho. Magras crianças, cujas bocas pretas
Em sangue a se banhar. Rega o sangue das mães:
Tinir de ferros... estalar de açoite... Outras moças, mas nuas e espantadas,
Legiões de homens negros como a noite, No turbilhão de espectros arrastadas,
Horrendos a dançar... Em ânsia e mágoa vãs!
E ri-se a orquestra irônica, estridente...
E da ronda fantástica a serpente
Faz doudas espirais...
Se o velho arqueja, se no chão resvala,
Ouvem-se gritos... o chicote estala.
E voam mais e mais...
estrutura: seis sextilhas com o esquema métrico 10-10-6-10-10-6
tema: descrição poética da barbárie [cenas do sofrimento dos negros no navio]
tema: a dor do negro é apresentada sem metáforas, cruamente
12. A POESIA DO ROMANTISMO
terceira geração
CONDOREIRISMO
[poesia social: luta por ideais humanitários]
NAVIO NEGREIRO, Castro Alves [parte 4]
Presa nos elos de uma só cadeia, No entanto o capitão manda a manobra,
A multidão faminta cambaleia, E após fitando o céu que se desdobra,
E chora e dança ali! Tão puro sobre o mar,
Um de raiva delira, outro enlouquece, Diz do fumo entre os densos nevoeiros:
Outro, que martírios embrutece, "Vibrai rijo o chicote, marinheiros!
Cantando, geme e ri! Fazei-os mais dançar!..."
E ri-se a orquestra irônica, estridente...
E da ronda fantástica a serpente
Faz doudas espirais...
Qual um sonho dantesco as sombras voam!...
Gritos, ais, maldições, preces ressoam!
E ri-se Satanás!...
estrutura: seis sextilhas com o esquema métrico 10-10-6-10-10-6
tema: homens e mulheres se irmanam no sofrimento [sangue, castigos corporais]
tema: o sofrimento humano é motivo de riso para Satanás
13. A POESIA DO ROMANTISMO
terceira geração
CONDOREIRISMO
[poesia social: luta por ideais humanitários]
NAVIO NEGREIRO, Castro Alves [parte 5]
Senhor Deus dos desgraçados! Quem são estes desgraçados São os filhos do deserto,
Dizei-me vós, Senhor Deus! Que não encontram em vós Onde a terra esposa a luz.
Se é loucura... se é verdade Mais que o rir calmo da turba Onde vive em campo aberto
Tanto horror perante os céus?! Que excita a fúria do algoz? A tribo dos homens nus...
Ó mar, por que não apagas Quem são? Se a estrela se cala, São os guerreiros ousados
Co'a esponja de tuas vagas Se a vaga à pressa resvala Que com os tigres mosqueados
De teu manto este borrão?... Como um cúmplice fugaz, Combatem na solidão.
Astros! noites! tempestades! Perante a noite confusa... Ontem simples, fortes, bravos.
Rolai das imensidades! Dize-o tu, severa Musa, Hoje míseros escravos,
Varrei os mares, tufão! Musa libérrima, audaz!... Sem luz, sem ar, sem razão...
estrutura: nove décimas com versos heptassílabos [imagens grandiosas + tom declamatório]
tema: locutor, excessivamente indignado, narra a história dos homens aprisionados pelos brancos
tema: locutor clama a Deus, pq não aceita a tragicidade do destino dos escravos
14. A POESIA DO ROMANTISMO
terceira geração
CONDOREIRISMO
[poesia social: luta por ideais humanitários]
NAVIO NEGREIRO, Castro Alves [parte 5]
São mulheres desgraçadas, Lá nas areias infindas, Depois, o areal extenso...
Como Agar o foi também. Das palmeiras no país, Depois, o oceano de pó.
Que sedentas, alquebradas, Nasceram crianças lindas, Depois no horizonte imenso
De longe... bem longe vêm... Viveram moças gentis... Desertos... desertos só...
Trazendo com tíbios passos, Passa um dia a caravana, E a fome, o cansaço, a sede...
Filhos e algemas nos braços, Quando a virgem na cabana Ai! quanto infeliz que cede,
N'alma — lágrimas e fel... Cisma da noite nos véus ... E cai p'ra não mais s'erguer!...
Como Agar sofrendo tanto, ... Adeus, ó choça do monte, Vaga um lugar na cadeia,
Que nem o leite de pranto ... Adeus, palmeiras da fonte!... Mas o chacal sobre a areia
Têm que dar para Ismael. ... Adeus, amores... adeus!... Acha um corpo que roer.
tema: o sofrimento de Agar [egípcia q serve a Abraão e mesmo dando a luz ao seu amo é]
tema: [maltratada] é uma metáfora do sofrimento do povo Africano
tema: imagens terríveis
15. A POESIA DO ROMANTISMO
terceira geração
CONDOREIRISMO
[poesia social: luta por ideais humanitários]
NAVIO NEGREIRO, Castro Alves [parte 5]
Ontem a Serra Leoa, Ontem plena liberdade, Senhor Deus dos desgraçados!
A guerra, a caça ao leão, A vontade por poder... Dizei-me vós, Senhor Deus,
O sono dormido à toa Hoje... cúm'lo de maldade, Se eu deliro... ou se é verdade
Sob as tendas d'amplidão! Nem são livres p'ra morrer. . Tanto horror perante os céus?!...
Hoje... o porão negro, fundo, Prende-os a mesma corrente Ó mar, por que não apagas
Infecto, apertado, imundo, — Férrea, lúgubre serpente — Co'a esponja de tuas vagas
Tendo a peste por jaguar... Nas roscas da escravidão. Do teu manto este borrão?
E o sono sempre cortado E assim zombando da morte, Astros! noites! tempestades!
Pelo arranco de um finado, Dança a lúgubre coorte Rolai das imensidades!
E o baque de um corpo ao mar... Ao som do açoute... Irrisão!... Varrei os mares, tufão!...
estrutura: nove décimas com versos heptassílabos [apóstrofes e hipérboles]
tema: o locutor se exaspera pq Deus parece não se compadecer do sofrimento dos negros
tema: grande envolvimento do locutor com a temática abordada [engajamento]
16. A POESIA DO ROMANTISMO
terceira geração
CONDOREIRISMO
[poesia social: luta por ideais humanitários]
NAVIO NEGREIRO, Castro Alves [parte 6]
Existe um povo que a bandeira empresta Auriverde pendão de minha terra,
P'ra cobrir tanta infâmia e cobardia!... Que a brisa do Brasil beija e balança,
E deixa-a transformar-se nessa festa Estandarte que a luz do sol encerra
Em manto impuro de bacante fria!... E as promessas divinas da esperança...
Meu Deus! meu Deus! mas que bandeira é esta, Tu que, da liberdade após a guerra,
Que impudente na gávea tripudia? Foste hasteado dos heróis na lança
Silêncio. Musa... chora, e chora tanto Antes te houvessem roto na batalha,
Que o pavilhão se lave no teu pranto!... Que servires a um povo de mortalha!...
estrutura: três oitavas com versos decassílabos [hipérboles + apóstrofe]
tema: denúncia da prostituição da bandeira brasileira
tema: sutil alusão à Guerra do Paraguai
17. A POESIA DO ROMANTISMO
terceira geração
CONDOREIRISMO
[poesia social: luta por ideais humanitários]
NAVIO NEGREIRO, Castro Alves [parte 6]
Fatalidade atroz que a mente esmaga!
Extingue nesta hora o brigue imundo
O trilho que Colombo abriu nas vagas,
Como um íris no pélago profundo!
Mas é infâmia demais! ... Da etérea plaga
Levantai-vos, heróis do Novo Mundo!
Andrada! arranca esse pendão dos ares!
Colombo! fecha a porta dos teus mares!
estrutura: três oitavas com versos decassílabos [hipérboles + apóstrofe]
tema: o locutor conclama a natureza a abater o navio negreiro
tema: por fim, conclama os heróis do Novo Mundo para lutar contra a escravidão
18. TERCEIRA GERAÇÃO
poesia social, liberalismo e representações eróticas
AUTORES E OBRAS
Castro Alves Sousândrade
[o lirismo liberal] [a identidade americana]
Espumas flutuantes Guesa errante
A cachoeira de Paulo Afonso exalta a exuberância do cenário americano e a força
Os escravos dos habitantes do Novo Continente; anti-liberalismo