O documento discute a história da psicopatologia desde a antiguidade até a Idade Média, abordando as concepções sobrenatural, biológica e psicológica da loucura. Descreve como Hipócrates e Galeno desenvolveram uma visão biológica baseada nos humores, e como a Igreja passou a atribuir a loucura a demônios durante a Idade Média, levando à perseguição de "bruxas". Também analisa a evolução do tratamento dos doentes mentais nesse período
2. Objetivos
• Levantar conceitos históricos sobre psicopatologia
• Analisar as concepções da “tradição sobrenatural”, da “tradição biológica”, e da
“tradição psicológica” das teorias sobre a loucura, e suas relações com a terapêutica
• Identificar continuidades e descontinuidades entre as diferentes concepções em seus
momentos originais e na atualidade
• Analisar o estado atual das teorias psicodinâmicas, fenomenológico-existencialistas, e
comportamentalistas sobre a loucura
• Descrever o caminho paralelo da nosologia psiquiátrica e o desenvolvimento das
classificações de doenças
• Avaliar os conceitos de saúde e normalidade em psicopatologia
3. Os modelos de doença mental
tem um contexto histórico
• Por milhares de anos, tentamos explicar e controlar o
comportamento problemático
– O que é definido como normal e o que é patológico é, em
parte, contingente
– Foucault (1972): o discurso sobre a loucura durante os séculos
XV a XIX é um discurso sobre formas de poder, isolamento e
punição
• Barlow e Durand: didaticamente, podemos identificar três
teorias principais sobre a loucura: o modelo sobrenatural,
o modelo biológico, e o modelo psicológico
BARLOW, D. H; DURAND, V. M.. Psicopatologia: Uma abordagem integrada. Tradução Noveritis do Brasil. 7a. ed.
São Paulo: Cengage Learning Nacional, 2016.
4. O início da “psicopatologia
biológica”: Hipócrates e Galeno
• Hipócrates (460-377 a.C.) - “pai da medicina
ocidental”
• Considerava o encéfalo como a sede da
sabedoria, da consciência, da inteligência, e das
emoções
• Corpo hipocrático sugeria que os transtornos
mentais:
– podem ser tratados como qualquer outra doença
– podem ser causados por patologias do cérebro ou por
traumas
– podem ser influenciados por fatores hereditários
• Estresse psicossocial
• Histeria (aprendeu dos egípcios) para descrever
sintomas físicos sem causa física aparente
5. O início da “psicopatologia
biológica”: Hipócrates e Galeno
• Cláudio Galeno (129-198 d. C.) - adotou
algumas das ideias de Hipócrates,
desenvolvendo a patologia humoral
• O funcionamento normal do encéfalo
está relacionado a quatro fluidos
corporais, os humores
– Sangue (coração), Bile negra (baço), Bile
amarela (fígado), Fleuma (encéfalo)
– Bile negra = mélas cholé; baço = spleen
• A antroposofia e a pedagogia Waldorf
ainda assumem esses modelos!
6. A patologia humoral
e a terapêutica
• O excesso de um ou mais humores leva a
patologia; o tratamento depende da regulação
do ambiente, aumentando ou diminuindo o
calor, o frio, a umidade, ou a aridez
• A patologia humoral também produziu a
prática da sangria, com retirada de uma
quantidade específica de sangue para “re-
equilibrar os humores”
Úmido
Seco
QuenteFrio
7. A “tradição sobrenatural”
• Barlow & Durand: suposição de que agentes externos ao
organismo influenciam o comportamento, pensamento, e
emoções (divindades, demônios, espíritos, campos
magnéticos, signos do zodíaco, &c)
• Millon (2004): no Império Persa (900-600 a.C.), todas as
doenças físicas e mentais eram consideradas atos dos
demônios
• Mais comumente identificado com o período medieval; como
consequência, esses agentes externos também são agentes
morais
8. A psicopatologia medieval
• Nossas ideias sobre as doenças mentais na Idade
Média baseiam-se na literatura médica que sobreviveu
da época
• Grande Cadeia do Ser: o papel social de cada um é
intrínseco à estrutura e função da sociedade e da
ordem divina
– Alguns autores sugerem que, considerando o ajuste do
camponês ‘médio’ ao seu ambiente social, “sua saúde
mental era provavelmente melhor do que a nossa”
(Huizinga)
• É provável que existisse uma atitude “ambivalente que
a Igreja manifestava perante o louco. Por um lado,
eram considerados bestiais (….), por outro mereciam
caridade especial”
Por Didacus Valades (Diego Valades) -
Rhetorica Christiana, Domínio público,
https://commons.wikimedia.org/w/index.p
hp?curid=1688250
9. Bruxas e demônios na
psicopatologia do séc. XIV
• Grande Cisma do Ocidente: entre 1309 e 1377, residência do papado foi
alterada para Avignon (sul da França)
• O papado foi restabelecido em Roma em 1378, mas o papa eleito Urbano
VI foi considerado muito autoritário, e o Colégio dos Cardeais anulou a
votação, e o novo eleito Clemente VII passou a residir em Avignon
• Papa e Antipapa reclamavam o poder sobre a Igreja Católica; a Igreja
Romana afirmou que essa heresia se dava por ação do demônio
10. Bruxas e demônios na
psicopatologia do séc. XIV
• Pobres, judeus, mendigos, homossexuais, hereges, estrangeiros, leprosos, e
doentes mentais passam a ser considerados mais marginais e desviantes
• Aumento do foco em supostas ações sobrenaturais sobre o mundo facilita a
noção de que o comportamento “bizarro” dos que sofrem de transtornos mentais
é causado por bruxas e demônios
• “Seguiu-se que os indivíduos dominados por maus espíritos eram considerados
responsáveis por qualquer infortúnio experimentado pelos moradores das
cidades, o que inspirou uma ação drástica contra os possuídos”
11. Bispo Nicole D’Oresme
• Um dos principais conselheiros do rei francês
• Sugeriu que uma doença da bile negra, em
vez de demônios, era a fonte de
comportamentos desviantes
• Argumentava que muito da evidência para a
existência da bruxaria (principalmente entre
os considerados insanos) foi obtida sob
tortura, que confessariam qualquer coisa
12. Estresse e melancolia na
psicopatologia medieval
• Forte opinião de que alguns sintomas eram fenômenos naturais
• Patologia humoral – herança clássica do corpo hipocrático
– Soma-se um caráter moral: os melancólicos, fleumáticos, e coléricos são
descritos como degenerados; os sanguíneos são descritos como representando o
homem, como intentado por Deus durante a criação
• Cassianus (séc. IV): acedia, um tipo de tédio inquieto acompanhado por
um desejo de mudar de ambiente, descrito em monges de monastérios
do deserto
13. Estresse e melancolia na
psicopatologia medieval
• A sistematização continuada da patologia humoral levou a uma
acentuação das diferenças entre duas formas de melancolia:
– Melancolia como excesso de bile negra natural
– Melancolia como excesso de bile negra não-natural, resultante da combustão
de um dos quatro fluidos
• Nos pacientes do primeiro caso, “a meditação dá lugar à tristeza. Sua
atitude antes sincera e carinhosa para com a vida imerge em uma
atitude de ansiedade e pessimismo”
• A combustão da bile negra gera humor mórbido, com preocupação
com a morte; a combustão da bile amarela gera mania; a combustão
do sangue produz sentimentos de alegria (euforia) ao invés de tristeza
14. Quais transtornos/síndromes
são descritos?
• A “etiologia” da combustão sugere que a algumas psicoses
“funcionais” eram descritas como melancólicas, enquanto alguns
estados psicóticos eufóricos estavam sob a rubrica da mania
• Tanto a melancolia quanto a mania podem ter incluído condições
relacionadas a fenômenos religiosos; Kroll e Bachrach (1982)
estudaram 134 visões religiosas de franceses e ingleses, dos sécs.
VIII a XII, mas só identificaram 4 com características psicóticas (em
termos modernos)
• O alcoolismo era menos comum antes do séc. XVI, quando bebidas
destiladas baratearam
15. Figuras da loucura na Baixa
Idade Média
• Imagens altamente estilizadas na literatura e nas artes
• Heróis do ciclo arturiano (Percival, Yvain, Lancelot, Tristão, Merlin)
sofrem, como resultado de amores não-correspondidos, de episódios
de loucura aguda; corriam nus na floresta, agindo de forma violenta e
destrutiva (reminiscente de mania delirante)
• Visio Willelmi de Petro Ploughman – poema dedicado aos mais
pobres; descrição de uma correlação entre estados de ânimo e fases
da lua (“lunático”)
16. Figuras da loucura na Baixa
Idade Média
• “A substituição do tema da morte pelo da loucura não marca uma ruptura, mas sim uma
virada no interior da mesma inquietude. Trata-se ainda do vazio da existência, mas esse
vazio não é mais reconhecido com termo exterior e final, simultaneamente ameaça e
conclusão; ele é sentido do interior, como forma contínua e constante da existência. E
enquanto outrora a loucura dos homens consistia em ver apenas que o termo da morte,
agora a sabedoria consistirá em denunciar a loucura por toda parte, em ensinar aos homens
que eles não são mais que mortos, e que se o fim está próximo, é na medida em que a
loucura universalizada formará uma só e mesma entidade com a própria morte (Foucault,
1972, p. 16)”
FOUCAULT, M.. História da loucura na Idade Clássica. São Paulo: Perspecctiva, 1972.
17. A terapêutica medieval
• Os dados sobre a terapêutica medieval são bastante escassos;
alguns sugerem que os doentes eram mantidos em suas casas ou
nas casas de parentes e amigos da comunidade imediata
– “De fato, durante os séculos XIV e XV, pessoas insanas, juntamente com
as pessoas com deformidades físicas ou incapacitadas, eram transferidas
de casa em casa nos vilarejos medievais, de forma que os vizinhos se
revezavam para cuidar delas.” (Barlow & Durand, p. 9)
– Outros, entretanto, podem ter sido forçados à mendicância, sendo
expulsos de um vilarejo a outro
• Existem evidências de que pessoas agressivas ou incontroláveis
eram mandadas para igrejas, porque essas eram feitas de pedra e
poderiam resistir mais à violência; no entanto, as igrejas também
tinham a tradição de santuário
18. O discurso sobre o louco na Alta
Idade Média
• “Desde a Alta Idade Média, o louco é aquele cujo discurso não
pode circular como o dos outros: pode ocorrer que sua palavra
seja considerada nula e não seja acolhida não tendo verdade
nem importância, não podendo testemunhar na justiça, não
podendo autenticar um ato ou um contrato [...] Era através de
suas palavras que se reconhecia a loucura do louco; elas
eram o lugar onde se exercia a separação; mas não eram
nunca recolhidas nem escutadas” (Foucault, 1996, p. 10–11).
19. Prerogativa Regis
• 1255-1290, seções 11 e 12, dividia os doentes mentais em duas categorias: “tolos
naturais” (problemas de desenvolvimento cognitivo) e “non compos mentis” (pessoas
sofrendo com sintomas temporários e marcados por intervalos de lucidez)
– O diagnóstico do primeiro caso baseia-se na capacidade de fazer cálculos numéricos simples; no
segundo caso, baseia-se em problemas de memória e entendimento, e evidência de
comportamento irracional
• O rei deve proteger indivíduos dessas categorias (e a sua propriedade) da exploração
alheia: no primeiro caso, o rei deve expropriar o insano e prover sustento; no segundo
caso, não há expropriação, mas o rei deve criar um sistema de manutenção mais
extenso
• Por vezes, esse sistema podia ser baseado na transferência de direitos de custódia para
sujeitos privados, que aceitavam a responsabilidade em troca de uma taxa
– A obrigação de proteger os doentes mentais passa gradualmente dos parentes para uma
autoridade pública
20. Os hospitais medievais
• A transição do cuidado privado para o público levou à centralidade do hospital
• “Posteriormente, aparecem, na Europa, instituições hospitalares (muitas vezes
filantrópicas) destinadas a dar tratamento médico a doentes sem recursos e que
passam a acolher e tratar também os loucos. O tratamento da loucura nessas
instituições ficava, via de regra, a cargo de pessoas sem formação médica,
religiosos, quase sempre” (Pessotti, p. 152)
• É provável que os pacientes – principalmente quando violentos – fossem
mantidos em confinamento solitário em condições primitivas – tollkisten
21. A ascensão da ideologia burguesa e
a mudança de perspectiva
• Os eventos do séc. XIV (peste, guerra perpétua, cismas) destruíram a
visão teocêntrica da Grande Cadeia do Ser
• Entre os sécs. XIII e XIV, a ascensão de uma ideologia baseada no
trabalho e no comércio demoliu a Grande Cadeia do Ser
• “Subjetividade privatizada” – início de uma concepção de individualidade,
ainda que essencialmente calcada numa visão de mundo cristã –
expressão dos sentimentos ganha aceitação social (amor cortês,
relações maritais como fonte de gratificação)
• A atividade (principalmente o trabalho) passa a ser o definidor do que se
é, contribuindo enormemente para colocar aqueles que não se
conformavam no papel de párias
22. A loucura na Idade Clássica:
Foucault
• “Os loucos tinham então uma existência facilmente errante. As
cidades escorraçavam-nos de seus muros; deixava-se que corressem
pelos campos distantes, quando não eram confiados a grupos de
mercadores e peregrinos” (Foucault, 1972, p. 8).
• Para Foucault, na Idade Clássica a exclusão não se dá pela simples
indiferença à loucura, mas porque esta começa a se revelar como
ameaça do desatino, do perigo constante identificado na ideia do mal.
• Nas representações artísticas, aparecem “[a]s figuras da visão
cósmica e os movimentos da reflexão moral, o elemento ‘trágico’ e o
elemento ‘crítico’.” (Foucault, 1972, p. 27); a loucura repreesnta o que
há de trágico e defeituoso no homem.
FOUCAULT, M.. História da loucura na Idade Clássica. São Paulo: Perspecctiva, 1972.
23. A loucura na Idade Moderna:
Foucault
• Com a passagem dos séculos XVI e XVII, a experiência trágica perde sua força, dando espaço à
figura da loucura como desrazão
• “A experiência clássica da loucura nasce. A grande ameaça surgida no horizonte do século XV se
atenua, os poderes inquietantes que habitavam a pintura de Bosch perderam sua violência.
Algumas formas subsistem, agora transparentes e dóceis, formando um cortejo, o inevitável cortejo
da razão. A loucura deixou de ser, nos confins do mundo, do homem e da morte, uma figura
escatológica; a noite na qual ela tinha os olhos fixos e da qual nasciam as formas do impossível se
dissipou. O esquecimento cai sobre o mundo sulcado pela livre escravidão de sua Nau: ela não irá
mais de um aquém para um além, em sua estranha passagem; nunca mais ela será esse limite
fugidio e absoluto. Ei-la amarrada, solidamente, no meio das coisas e das pessoas. Retida e
segura. Não existe mais a barca, porém o hospital.” (FOUCAULT, 1972, p. 42).
24. O século XVII e a
Grande Internação
• “No século XVII, na Itália e na França, os loucos tranqüilos eram deixados em suas próprias casas ou perambulavam
pelas estradas, expondo-se ao riso público. Quando eram perigosos ou agressivos, eram trancafiados junto com
delinqüentes comuns, acorrentados e entregues aos carcereiros. Simultaneamente, alguns loucos, mais afortunados,
eram recolhidos por instituições de caridade, cujo número crescia no final do século XVII
Nas últimas décadas desse século, os alienados passaram a ser recolhidos sistematicamente em hospitais civis
(gerais), mas sempre trancados nos locais mais apartados, lúgubres e insalubres dos hospitais. Freqüentemente
eram colocados junto aos pacientes com doenças incuráveis. Sem assistência médica, quase sempre. Eram
confiados ao arbítrio de guardas rudes, munidos de chicote e bastão. De costume, eram presos a correntes, fixadas
ao pavimento ou à parede” (Pessotti, 1995, p. 154)
25. O século XVII e a
Grande Internação
• “A internação é uma criação institucional própria ao século XVII. Ela assumiu, desde o início, uma
amplitude que não lhe permite uma comparação com a prisão tal como esta era praticada na Idade
Média. Como medida econômica e precaução social, ela tem valor de invenção. Mas na história do
desatino, ela designa um evento decisivo: o momento em que a loucura é percebida no horizonte
social da pobreza, da incapacidade para o trabalho, da impossibilidade de integrar-se no grupo; o
momento em que começa a inserir-se no texto dos problemas da cidade. As novas significações
atribuídas à pobreza, a importância dada à obrigação do trabalho e todos os valores éticos a ele
ligados determinam a experiência que se faz da loucura e modificam-lhe o sentido.” (Foucault, 1972,
p. 78).
26. O surgimento da psiquiatria no
séc. XVIII
• “no século XVIII o internamento em casas reservadas estritamente aos loucos começa a ser praticado
de modo regular [...] Esse é um dado quase inteiramente novo em relação ao século XVII. Muitos
loucos, que cinquenta anos antes teriam sido encerrados nas grandes casas de internamento,
encontram agora uma terra de asilo que é só deles.” (Foucault, 1972, p. 382)
• Essas instituições caracterizam-se “por acolher apenas doentes mentais e dar-lhes tratamento médico
sistemático e especializado (…). Existiam já antes do século XIX, embora sua função hospitalar ou
médica fosse, então, reduzida a bem pouco, visto que a figura do médico especialista em tratar loucos,
o alienista ou o freniatra, surgiria apenas no século XIX” (Pessotti, p. 152)
27. O surgimento da psiquiatria no
séc. XVIII
• A psiquiatria surge nesse momento, com a
transição do asilo custodial para o asilo terapêutico
– Necessidade de estabelecer um corpo médico
capacitado para administrar essas instituições de uma
forma que fosse benéfica ao paciente → conhecimento
dos transtornos mentais, da terapêutica, e do uso
benéfico do ambiente
• William Battie (1760s), Vincenzo Chiarugi (1780s),
Philippe Pinel (1790s)
28. Phillipe Pinel
• 1793 – empossado como “médico das
enfermarias” no Hospital de Bicêtre – 400
homens aprisionados, dos quais metade
eram doentes mentais
• Recrutou Jean-Baptiste Pussin, ex-paciente
curado de tuberculose linfática
• Aplica uma administração não-violenta,
não-médica aos pacientes, que chamaria
de “tratamento moral” -
29.
30. “Nosographie philosophique ou méthode
de l'analyse appliquée à la médecine”
• Nosologia baseada nas ideias de William Cullen, aplicando uma taxonomia
baseada na sistemática, com “gêneros” e “espécies” de transtornos
• Cinco tipos básicos de transtornos mentais:
1.Melancolia - “taciturnicidade, um ar pensativo, suspeitas mórbidas, e um amor pela
solidão”; pode apresentar formas opostas (senso exaltado de auto-importância e
expectativas irrealistas, ou profundo desespero e grande depressão)
2.Mania sem delirium – paroxismos de fúria e violência, sem prejuízo das funções
cognitivas; pode ser contínua ou cíclica
3.Mania com delirium – indulgência e fúria, com prejuízo das funções cognitivas; forte
presença de delírios; pode ser contínua ou cíclica
4.Demência – “abolição do pensamento”; ausência de pensamento, incoerência
extrema, anormalidades
5.Idiotismo - “obliteração das faculdades intelectuais e afetações”
31. As raízes da
psicopatologia biológica
• Influências do Iluminismo francês – observação clínica em contexto hospitalar
por um período longo de tempo, eventualmente com autópsia após a morte do
paciente – Pinel, Esquirol, Escola de Medicina de Paris
• Bayle, Calmeil – inflamação crônica da aracnóide nos encéfalos de pacientes
com demência crônica – paralisia geral do insano: modelo paradigmático da
doença mental → alguns psiquiatras passam a entender a insanidade como
uma entidade única baseada em patologia orgânica e terminando em
demência, aracnoidite, e atrofia cerebral
32. O crescimento no século XIX
• Aumento rápido no número de asilos, como resultado de
crescente urbanização e aumento na incidência de transtornos
• Aumento no número de clínicas e sanatórios privados, bem como
de spas e centros de tratamento residencial
• Antes de 1870, “a disciplina da psiquiatria estava confinada
principalmente nas instituições: asilos para os pobres, clínicas
privadas para os ricos (…) No último quarto do século XIX, as
clínicas particulares deslancharam, conforme a psiquiatria adquiria
mais conhecimentos da psicologia”
33. Johann Heinroth
• Psiquiatra de Leipzig, contemporâneo de Pinel
• Influência de uma “psicologia tripartite” de matriz kantiana (sensibilidade,
entendimento, imaginação) e da ética alemã
• Nosologia com três conjuntos de transtornos:
– Insanidade (Wahnsinn), significando “falta de liberdade do humor ou
sentimentos” (Gemüth), com delírios e alucinações psicóticas. Poderia
transformar-se em melancolia.
– Delírios (Verrücktheit), significando “falta de liberdade da mente”, com
pensamentos desordenados. Poderia transformar-se em demência, com ausência
de pensamentos.
– Mania (Tollheit), significando “falta de liberdade da vontade”, com um desejo de
destruição. Uma vontade “deprimida” seria incapaz de tomar decisões.
34. A primeira Classificação
Internacional de Doenças
• Consulta preliminar lançada em 1886
• Americanos, liderados por Clark Bell, propõem uma
nosologia de inspiração pineliana: mania, melancolia,
demência, idiotia, neurossífilis, monomania
• Belgas, liderados por Jules Morel de Ghent, propõem uma
classificação mais sofisticada, incluindo a mania e
melancolia, “psicose progressiva sistemática”, transtorno
delirante crônico, “insanidades nervosas” (histeria,
hipocondria, epilepsia), e “insanidade moral e impulsiva”
35. Wilhelm Griesinger
• Oposição ao idealismo alemão
presente; grande influência do método
clínico pineliano; concepção dos
transtornos mentais como transtornos
neurológicos
• Promulgação de reforma asilar e
eliminação da restrição física
• Estabelecimento da psiquiatria
acadêmica na Universidade de Berlim,
criando um modelo de junção de
psiquiatria e neurologia
36. Karl Ludwig Kahlbaum
• Psiquiatra em um asilo no leste prussiano
• Primeiro a classificar doenças com base em
curso temporal e desfecho
1.“Vesânias”: doenças com curso rapidamente
progressivo e que afetam quase todas as funções;
início com melancolia, progredindo para mania e
psicose, e terminando em demência
2.“Vecordias”: doenças com início na puberdade que se
estabilizam após alcançar um pico
3.“Disfrenias”: doenças somáticas, com curso com
recuperação mas sujeitas a recaída
37. A ascensão dos transtornos
das emoções
• Concepções da loucura na França focam-se em alterações da cognição e do
pensamento (loucura como desrazão)
• Na Alemanha, o termo Gemüth descreve o humor e suas alterações
• Por volta de 1850, alterações de Gemüth figuram amplamente nas nosologias
psiquiátricas alemãs, com “doenças emocionais”
• Shorter: as doenças emocionais não eram encaradas como hereditárias, por
exemplo, e os asilos privados e clínicas particulares rapidamente
capitalizaram em cima desse prestígio: “Agora que tomamos o amplo campo
dos transtornos emocionais [Gemüthskrankheitein] – histeria, hipocondria,
neurastenia – em resumo, todas as doenças do sistema nervoso geral que
raramente não tem influência sobre a função psíquica... o nome ‘asilo para
insanos’ não mais corresponde a realidade” (Henrich Laehr, 1882)
38. Outros fatores na ascensão da
psicopatologia biológica alemã
• O ataque de Hermann Helmholtz, Emil Du Bois-Reymond, e Ernst Brücke às
teorias vitalistas de Johannes Müller, seu mentor.
– Articulação de um materialismo germânico
• Rudolf Virchow – teoria celular da doença (1858) → doenças caracterizadas
por mudanças microscópicas demonstráveis na célula (omina cellule e cellula)
– Patologia passa a ser conceitualizada por sistema orgânico e em termos de processos
patológicos gerais (degeneração, inflamação, circulação, neoplasma, trauma, defeitos
congênitos, &c)
• Herbert Spencer (1855), Principles of Psychology → implementação do debate
sobre evolucionismo à psicologia associacionista; organização hierárquica,
com base evolutiva, dos processos psicológicos
39. Emil Kraepelin
• 1856-1926
• 1878: Hospital Mental Distrital de Munique
• 1883: professor em Leipzig, onde inicia
interação profícua com Wilhelm Wundt
• Escreve em 1883, sob influência de Wundt,
seu Compendium der Psychiatrie: Zum
Gebrauche für Studirende und Aertze
• 1903-1922: professor de psiquiatria em
Munique, onde abre um hospital psiquiátrico
• Sofre influência de Griesinger, Kahlbaum, e
Wundt
40. Posições filosóficas
• Realismo: em relação às categorias nosológicas, que seriam tipos naturais
(ou “entidades naturais de doença” [“natürliche Krankheitseinheiten”]),
existindo de forma independente do pesquisador ou do clínico; ceticismo
em relação a métodos orientados heuristicamente
• Empirismo: apoio ao desenvolvimento e implementação de experimentos
psicológicos e psicofisiológicos na psiquiatria; aspectos subjetivos (em
especial os auto-biográficos) são vistos com ceticismo; entretanto,
considerava a descrição clínica importante
• Paralelismo psicofísico: fenômenos mentais e neurobiológicos são
separados, mas ligados e agindo em “paralelo”; defesa da existência de
fenômenos mentais contra “mitologias do cérebro”
41. A nosologia de Kraepelin
• Postulado central: realismo filosófico – os achados da anatomia
patológica, da etiologia, ou da sintomatologia clínica (incluindo
curso temporal) necessariamente convergem nas mesmas
“entidades naturais de doença”, porque elas são tipos naturais
• 1880-1891 – busca por um sistema psiquiátrico válido e
confiável, baseado em crenças naturalísticas e no arcabouço da
psicologia wundtiana;
– Ainda não havia dementia praecox
– Wahnsinn (“insanidade”): Agrupamento de psicoses paranóides e
alucinatórias clinicamente heterogênea, tendendo à cronicidade
• 1891-1915 – finalização do conceito de entidades naturais de
doença; dicotomia das psicoses endógenas
42. A nosologia das psicoses
em Kraepelin
• “Dementia praecox” – prognóstico ruim; base orgânica postulada (“auto-
intoxicação” levando à destruição de neurônios corticais); degeneração
não é importante
• Doença maníaco-depressiva – diagnóstico melhor; etiologia pouco clara;
proposição de uma “irritabilidade geneticamente determinada do afeto”;
degeneração é importante
• Parafrenia – psicose com sintomatologia clínica aguda e heterogênea,
com o desenvolvimento de deficits permanentes; ausência de alterações
volitivas e baixo grau de embotamento afetivo
• Paranóia: delírios severos e crônicos sem alteração da personalidade e
da volição
43. A mudança para conceitos
funcionais e ambientalismo
• Limitações técnicas fizeram com que a busca por marcadores biológicos (patologia)
não fossem encontrados para a grande maioria das doenças postuladas
– Nem mesmo para as psicoses, “menina dos olhos” da psiquiatria alemã, demonstrou-se
patologia
• Charcot (1870s-1880s) usa o conceito de neurose funcional para agrupar pacientes
exibindo alterações que não eram factícias, nem apresentavam defeitos neurológicos
demonstráveis
– Introdução do termo “psiconeurose” (com etiologia psicológica) para diferenciar de neuroses
surgindo de disfunções neurais
• Reintrodução de um “dualismo prático”: como as tentativas de identificar a etiologia
patológica não produziram sucesso, mudou-se o foco para a atenção ao que o
paciente fazia e atribuir significado a isso, e então para afirmar que as experiências
de vida eram causadoras de alterações mentais
44. Karl Jaspers e a abordagem
fenomenológica em psicopatologia
• Graduado em Heidelberg em 1908
– Ampla disposição de casos para estudo na Clínica Psiquiátrica Universitária
– Saúde frágil e inclinação filosófica sugeridas como fatores para Jaspers ter escolhido
trabalhar de forma aprofundada com casos individuais (Rodrigues, 2005)
– Corpo clínico efervescente, liderança de Franz Nissl, forte influência kraepeliniana
– Metodenstreit: discussão sobre a epistemologia das ciências humanas; será possível aplicar
um modelo dedutivo-nomológico para as CH?
• Die Phänomenologiche Forschungsrichtung in der Psychopathologie (1912):
descrição do método fenomenológico e sua aplicação à psicopatologia
• Allgemeine Psychopathologie (1913): descrições fenomenológica de experiências
específicas, com pouca referência ao método
45. Karl Jaspers e a abordagem
fenomenológica em psicopatologia
• Phänomenologiche Forschungsrichtung: crítica ao foco da “psicologia objetiva”: a abordagem
exclusiva aos elementos mensuráveis excluiria a subjetividade da psicologia e da psicopatologia
• Crítica também a “psicologia subjetiva”: alcance limitado da utilização da empatia como
instrumento
• Para Jaspers, a fenomenologia é a primeira etapa desse processo, distinguindo os fenômenos
subjetivos, descrevendo-os e nomeando-os → posicionamento pré-teórico e livre de
pressuposições
• Além de trabalhar apenas com os fenômenos realmente vividos pelos pacientes, propunha que a
descrição e delimitação dos mesmos deveria ser realizada por meio de parâmetros exteriormente
observáveis – modo de surgir, contexto de aparecimento, conteúdo, &c
• Os símbolos usados para a elaboração da psicopatologia deveriam corresponder aos referenciais
utilizados na vida comum; assim, a estrutura da psicopatologia fenomenológica se sustentaria na
intersubjetividade
46. Ludwig Binswanger
• Formação psiquiátrica junto a Bleuer e Jung no
Hospital Burghölzli
• Adesão inicial à psicanálise freudiana; afasta-se à
medida em que estuda Husserl e Heidegger: “A
direção de pesquisa analítico existencial em
psiquiatria surgiu da insatisfação quanto aos
projetos de compreensão científica da psiquiatria da
época” (Binswanger 1970, p. 115)
• Daseinanalyze: propõe que se examine a questão
fundamental do Ser e das relações do fenômeno
psicopatológico com a existência do sujeito que
padece
47. Daseinanalyse e psicopatologia
• Binswanger parte da Dasein heideggeriana para propor a descrição da
experiência de mundo e as condições de existência tal como estas se dão nas
condições particulares
• Considerou importante, na clínica (que envolve principalmente a relação
intersubjetiva médico-paciente), observar como o paciente vivencia os modos
simultâneos de ser-no-mundo:
– Umwelt: “o mundo ao redor”; mundo natural, biológico
– Mitwelt: mundo com o outro; vida social
– Eigenwelt: Auto-consciência, percepção de si mesmo
• “Do ponto de vista do fenomenólogo, o essencial de tais fenômenos
psicopatológicos reside em que você não vê jamais um fenômeno isolado, mas
aquele que se desenrola sobre um plano de fundo de um Eu, de uma pessoa,
ou, dito de outra forma, nós o vemos sempre como expressão ou manifestação
emanando de tal ou tal pessoa” (Binswanger, 1971c, p. 105).
48. Adolf Meyer
• Influência de John Hughlings Jackson,
Thomas Huxley, e da psicologia
funcional americana
• 1928: concepção holística da
psicobiologia (“ergasiologia”); todos os
processos orgânicos, emocionais, e
mentais do indivíduo contribuem à
totalidade da pessoa
• Substituição do conceito de doença
pelo de “tipo de reação”, que exigia
explicações fisiológicas e psicológicas
• Grande influência sobre o DSM-I
49. Adolf Meyer e o DSM-I
• O DSM-I (1952) foi uma classificação
descritiva das síndromes mentais na qual
as etiologias eram neurológicas ou
psicobiológicas, dependendo do
conhecimento da época
• Conceitos etiológicos principais: tipos de
reação (sensu Meyer)
• O DSM-I apresenta diversas categorias
nosológicas que são descrita como
reações:
– Reações psicofisiológicas do sistema nervoso
– Reações esquizofrênicas
– Reações psicóticas involucionais
– Reações afetivas
– Reações paranóicas
50. A psicanálise e o DSM-I
• A noção de que o DSM-I representa a decadência da psiquiatria
biológica e a ascensão da psicanálise nos EUA é verdadeira somente
em parte (Aragona, 2015)
• Muitos fundadores da Sociedade Psicanalítica de Nova Iorque foram
alunos de Meyer
• A sobreposição entre as ideias de Meyer e a psicanálise pode ser visa
na definição dos “transtornos psiconeuróticos”: “aquelas alterações
nas quais a ‘ansiedade’ é a característica dominante, diretamente
sentida e expressada, ou automaticamente controlada por defesas
como depressão, conversão, dissociação, deslocamento, formação
fóbica, ou pensamentos e atos repetitivos” (DSM-I, p. 12)
ARAGONA, M. M.. Rethinking received view on the history of psychiatric nosology: Minor shifts, major continuities. IN: P
ZACHAR, D ST STOYANOV, M ARAGONA, A JABLENSKY, Alternative perspectives on psychiatric validation: DSM, ICD,
RDoC, and Beyond, pp. 37-46. Oxford: Oxford University Press, 2015.
51. A psicanálise e o DSM-I
• Entretanto…
– O objetivo do DSM-I era “prover um sistema de classificação consistente
com os conceitos da psiquiatria e da neurologia modernas” (DSM-I)
– O DSM-I não restringe os transtornos mentais às “doenças da unidade
psicobiológica”, mas também considera em grande detalhe os
transtornos mentais associados com alterações orgânicas do encéfalo
– Esses transtornos mentais associados com alterações orgânicas do
encéfalo não são reações psicodinâmicas
– Conceitos psicodinâmicos utilizados somente no domínio dos transtornos
psicóticos, neuróticos e de personalidade
52. O DSM-II (1968)
• Apresentado como uma continuidade do
DSM-II, por também refletir a tradição
psicodinâmica e Meyeriana
• No entanto, as definições das neuroses
específicas (neurose de ansiedade,
neurose histérica, e assim por diante)
eram basicamente descritivas
• De fato, traços “psicodinâmicos” só
persistiram na definição geral de neurose,
em que a ansiedade era considerada “a
característica dominante”
• A principal base para o DSM-II, na
realidade, é o CID-8 (Spitzer, 1980)
54. O desenvolvimento
de terapias biológicas
• O interesse renovado nas origens biológicas dos transtornos mentais levou ao
desenvolvimento de novos tratamentos
• von Jauregg (1917) – tratamento de 9 pacientes de neurossífilis com terapia de febre
induzida por malária; respostas favorável em 6 deles → modelo paradigmático
• Joseph von Meduna (década de 1920) – observação (falsa) de que a esquizofrenia
não se desenvolve em indivíduos com epilepsia o leva a propor que a convulsão
poderia curar a psicose – base da ECT
• Coma insulínico – Manfred Sakel, 1927, usa insulina em pacientes psicóticos para
estimular seu apetite; conforme aumenta a dose, os pacientes entravam em
convulsão seguida de coma, e retornavam deste sem sintomas de psicose
• Reserpina e neurolépticos usados, a partir da década de 1950, para diminuir
sintomas das psicoses
55. O desenvolvimento
de terapias biológicas
• Em que medida o desenvolvimento
dessas terapias biológicas influenciou a
psicopatologia?
56. O DSM-III (1980)
• Grupo “neo-Kraepeliniano” da Washington University (Robins,
Guze, Spitzer): psiquiatria concebida como uma disciplina
médica
• Esse grupo introduziu o conceito de validade diagnóstica para
descrever os programas de pesquisa de orientação nosológica
• O conceito também era útil para responder às críticas da anti-
psiquiatria sobre o “mito” dos transtornos mentais
57. O DSM-III (1980)
• Auto-definido como “a-teórico”
– Essa afirmação não deve ser “uma tentativa de ausência de teorias, mas como uma postura de suspender o
julgamento acerca da etiologia possível de transtornos fenomenalmente definidos” (Aragona, 2006, p. 48)
• Spitzer propôs a utilização de critérios operacionais dos construtos diagnósticos (Critérios de
Feighner) para avaliar a confiabilidade do diagnóstico (o grau com que psiquiatras diferentes
concordam em relação ao diagnóstico do mesmo paciente) → critérios psicométricos (kappa de
Cohen)
– Ã validação desses construtos diagnósticos deveria seguir o proposto por Robbins e Guze (descrição
clínica, testes laboratoriais, diagnóstico diferencial, estudos de progóstico, e estudos familiais)
• Teoria neo-positivista da classificação:
– Distinção entre diagnósticos científicos e não-científicos
• Diagnósticos não-científicos apoiam-se nos últimos resíduos psicodinâmicos não-testáveis ainda presentes no conceito
geral de neurose do DSM-II
– Exclusão dos diagnósticos não-científicos como sem sentido
– Crença na existência de uma base puramente observável
– Introdução dos critérios diagnósticos operacionais como regras de correspondência ligando o nível
observacional dos sintomas ao nível abstrato dos transtornos mentais
58. A base kraepeliniana dos DSMs
(Aragona, 2015)
• A lista de categorias diagnósticas proposta por Kraepelin e nos DSMs é muito semelhante; não é
isso que torna o DSM-III “o mais kraepeliniano” dos DSMs
• O ideal kraepeliniano era enuclear “entidades de doença” para além de síndromes; mas Kraepelin
admitiu que, “ausente a informação etiopatogênica em muitos casos, a classificação sistemática
dos transtornos psiquiátricos não era possível” (Aragona, 2015) → estratégia do DSM-III
• Além da ausência de informação etiopatogênica, também não existiam achados consistentes e
confiáveis em relação a testes laboratoriais, e portanto as características descritivas dos
construtos ainda eram as principais características definidoras
• “O que o DSM-III adiciona à aproximação Kraepeliniana de seus predecessores para torná-la mais
Kraepeliniana são as seguintes características: a) medicina interna como o modelo médico
aspirado; b) a prioridade causal dos mecanismos cerebrais; c) etiologia como o fim ideal do
processo científico; d) ênfase na descrição clínica rigorosa e diagnóstico diferencial para identificar
transtornos mentais” (Aragona, 2015)
60. DSM-III-R (1987), DSM-IV (1994),
DSM-IV-TR (2000)
• Poucas mudanças no DSM-III-R: retirada do termo “neurose”, uso
extensivo de critérios politéticos (i.e., com muitos atributos ou
características, todas possuídas por alguns membros da classe,
mas nenhuma possuída por todos os membros) → mudança para
um modelo de protótipo
• O DSM-III era uma mistura de convencionalismo (concordância
entre os especialistas) e empirismo (“ensaios de campo” para
testar a confiabilidade das categorias)
• O DSM-IV e sua versão revisada colocam mais ênfase sobre as
evidências empírica, refletindo a ascensão de uma “psiquiatria
baseada em evidências”
62. O sistema multiaxial
(DSM-III e DSM-IV)
I. Síndromes clínicas e Condições não-atribuíveis a transtornos mentais que são
foco de atenção ou tratamento
II.Transtornos de personalidade e Transtornos do desenvolvimento específicos
III.Condições médicas agudas ou desordens físicas
IV.Fatores ambientais ou psicossociais contribuindo para desordens
V.Avaliação Global das Funções (Global Assessment of Functioning) ou Escala de
Avaliação Global para Crianças (Children’s Global Assessment Scale) para
jovens abaixo de 18 anos (numa escala de 0 a 100)
63. O DSM-5 (2013)
• “A esperança inicial do DSM-5
era a introdução de uma
‘mudança de paradigma’”
(Aragona)
• Vários modelos revolucionários
foram propostos:
– Diagnósticos dimensionais
– Espectros
– Diagnósticos baseados em
etiologia
• Nenhum foi implementado
64. O DSM-5 (2013)
• Retém a aproximação sindrômica das
edições anteriores, com exceção de:
a) Dimensionalização limitada (eliminação do
sistema multiaxial; inclusão de medidas
transversais de severidade de sintomas; perfil
dimensional provisório de traços de
personalidade patológicos na Seção III)
b) Introdução do transtorno do espectro autista
c) Deslocamento de alguns transtornos para
outros grupos
65. Como esse percurso histórico nos permite
refletir sobre os conceitos de normalidade e
doença na psicopatologia?
66. Dalgalarrondo: Critérios
de normalidade
1) Normalidade como ausência de doença
2) Normalidade ideal
3) Normalidade estatística
4) Normalidade como bem-estar
5) Normalidade funcional
6) Normalidade como processo
7) Normalidade subjetiva
8) Normalidade como liberdade
9) Normalidade operacional
67. Podemos perceber alguns desses conceitos
em diferentes momentos históricos da
psicopatologia?