Com o propósito de abordar a forma como se dá o processo de inserção na carreira profissional docente, levantamos alguns dados que demonstram as características, orientações e até mesmo modelos que os professores procuram ou desenvolvem para adentrar no mundo da docência. As falas dos sujeitos nos retratam as dificuldades encontradas e como os professores procuraram superá-las. A memória dos estágios, a partilha com profissionais mais experientes, a lembrança da escola enquanto alunos e do perfil dos seus professores são algumas das pistas que os profissionais destacaram como elementos que auxiliaram no início do contato com a escola como membros do corpo docente.
Dicionário de Genealogia, autor Gilber Rubim Rangel
Desafios de professores iniciantes na inserção profissional
1. Problemas sobre os professores principiantes em seus processos de inserção
profissional
INFORME DE INVESTIGAÇÃO
A INSERÇÃO NA CARREIRA DOCENTE
MACENHAN, Camila
camila.macenhan@hotmail.com
Instituição: Universidade Estadual de Ponta Grossa – PR (UEPG)
TOZETTO, Susana Soares
tozettosusana@hotmail.com
Instituição: Universidade Estadual de Ponta Grossa – PR (UEPG)
Palavras-chave: formação de professores - saberes docentes - prática pedagógica.
1. Introdução
Com o propósito de abordar a forma como se dá o processo de inserção na carreira
profissional docente, levantamos alguns dados que demonstram as características,
orientações e até mesmo modelos que os professores procuram ou desenvolvem para
adentrar no mundo da docência. As falas dos sujeitos nos retratam as dificuldades
encontradas e como os professores procuraram superá-las. A memória dos estágios, a
partilha com profissionais mais experientes, a lembrança da escola enquanto alunos e do
perfil dos seus professores são algumas das pistas que os profissionais destacaram
como elementos que auxiliaram no início do contato com a escola como membros do
corpo docente.
As discussões expressas no decorrer desse artigo originaram da pesquisa de conclusão
do curso de Licenciatura em Pedagogia. As informações aqui apresentadas compõem
uma categoria integrante do trabalho citado que possui como título: Constituição dos
saberes e práticas docentes na Educação Infantil. Apontamos como objetivos da
pesquisa: Analisar os recursos teórico-práticos que os docentes da Educação Infantil
recorrem para tomar decisões; Discutir o trabalho docente na Educação Infantil; Refletir
sobre a importância da formação inicial na construção dos saberes docentes.
A pesquisa completa possui quatro categorias, as quais foram organizadas a partir da
realização de entrevistas semi-estruturadas pelo fato de que, segundo Lüdke e André
(1986), esse instrumento possibilita o aprofundamento dos temas tratados. Uma maior
proximidade entre entrevistador e entrevistados nos fica notória. De acordo com Lüdke e
André (1986, p. 34): “A grande vantagem da entrevista sobre outras técnicas é que ela
permite a captação imediata e corrente da informação desejada [...]”. Efetuamos as
entrevistas com quatro professoras da Educação Infantil iniciantes e com quatro
professoras militantes. Foram consideradas professoras iniciantes as profissionais que
possuíam até três anos no exercício da docência, identificadas pela seguinte simbologia:
2. IA, IB, IC e ID. As professoras militantes foram caracterizadas como MA, MB, MC e MD,
sendo aquelas com mais de três anos no exercício da profissão.
Para construção das categorias, seguimos as considerações de Bardin (2011) que coloca
o processo de organização e análise dos dados como sendo formado por diferentes
fases, assim, organizam-se em torno de três polos cronológicos, sendo eles: a pré-
análise; a exploração do material e o tratamento dos resultados, a inferência e a
interpretação. Propomos quatro categorias, sendo elas: 1- O ingresso na docência; 2- Os
recursos teórico-práticos que os professores recorrem para tomar decisões; 3- As
características, orientações, modelos que as professoras buscam ou desenvolvem para
iniciar o exercício da docência; 4- A contribuição da formação básica para desencadear a
construção dos saberes docentes. Apresentaremos os resultados da terceira categoria e
ressaltamos que elas não estão dispostas em uma determinada ordem de importância.
2. A inserção na carreira docente
Após o contato com os depoimentos das professoras entrevistadas e que se referem a
sua inserção na carreira docente, acreditamos que seja pertinente traçarmos as principais
características das fases do ciclo de vida dos professores, tomando como base os
estudos de Huberman (2007). O autor enfatiza que encontramos um grande número de
estudos empíricos voltados para a escolha da carreira docente e outros que tratam dos 2-
3 primeiros anos de ensino, assim, afirmam que a tomada de contato inicial com as
situações de sala de aula é colocada como uma das motivações dos participantes. O
autor trabalha no sentido de demonstrar que os estudiosos que se voltam para explorar
as fases da carreira docente colocam um estádio de sobrevivência e outro de descoberta.
Dessa forma, diante da diferenciação dos dois estádios desvendados, Huberman (2007)
descreve que o choque com a realidade faz parte do aspecto da sobrevivência na
carreira. Neste momento, encontramos a distância entre o ideal e as realidades presentes
nas salas de aula, as dificuldades com a fragmentação do trabalho, com o material
didático, entre outras. Quando nos referimos ao aspecto da descoberta fazemos relação
com o entusiasmo inicial do professor derivado da situação de ter a sua sala de aula, os
seus alunos e por pertencer a um corpo profissional. Assim, Huberman (2007) ainda
afirma que os estudos empíricos indicam que ambos os estádios são vividos
paralelamente, pois a descoberta sobre a profissão possibilita a sobrevivência nela.
Segundo o autor:
Com muita frequência, a literatura empírica indica que os dois aspectos, o da
sobrevivência e o da descoberta, são vividos em paralelo e é o segundo aspecto
que permite aguentar o primeiro. Mas verifica-se, igualmente, a existência de perfis
com uma só destas componentes (a sobrevivência ou a descoberta) impondo-se
como dominante, ou de perfis com outras características: a indiferença ou o quanto-
pior-melhor (aqueles que escolhem a profissão a contragosto ou provisoriamente), a
serenidade (aqueles que têm já muita experiência), a frustração (aqueles que se
apresentam com um caderno de encargos ingrato ou inadequado, tendo em atenção
a formação ou a motivação iniciais) (Huberman, 2007, p. 39).
Percebemos que o autor nos ilustra a situação dos professores no início da inserção na
carreira e nos descreve as características que o profissional poderá apresentar com
3. relação à sobrevivência e às descobertas quanto à docência. Fica-nos muito clara por
meio das considerações do autor, a situação na qual o professor pode demonstrar a
indiferença e a frustração diante do ingresso na profissão.
Após a fase de entrada na carreira, Huberman (2007) aponta características de outros
períodos que o profissional docente percorre, desse modo, coloca a fase de estabilização
como um momento de tomada de responsabilidades, escolhas e renúncias para a
formação da própria identidade. Posteriormente, encontramos a fase de diversificação, na
qual os professores mostram-se dinâmicos, motivados e alguns estudos ainda defendem
que o profissional, com medo de cair na rotina, busca novos desafios. Huberman (2007,
p. 41) descreve esta situação da seguinte forma:
As pessoas lançam-se, então, numa pequena série de experiências pessoais,
diversificando o material didático, os modos de avaliação, a forma de agrupar os
alunos, as sequências do programa, etc. Antes da estabilização, as incertezas, as
inconsequências e o insucesso geral tendiam de preferência a restringir qualquer
tentativa de diversificar a gestão das aulas e instaurar uma certa rigidez pedagógica.
O ciclo de vida dos professores também apresenta uma fase de pôr-se em questão.
Nesse período o profissional pode apresentar uma ligeira situação de rotina ou até
mesmo uma crise com relação à carreira. Os questionamentos aparecem diante do
exercício da profissão de modo distinto para cada professor, assim:
Visivelmente, trata-se de uma fase com múltiplas facetas, de tal modo que pretender
fazer-lhe corresponder uma definição redutora se torna tarefa difícil, se não mesmo
ilegítima. Para uns, é a monotonia da vida quotidiana em situação de sala de aula,
ano após ano, que provoca o questionamento. Para outros, é muito provável o
desencanto, subsequente aos fracassos das experiências ou das reformas
estruturais em que as pessoas participam energicamente, que desencadeia a ‘crise’
(Huberman, 2007, p. 43).
Com base nos apontamentos do autor, visualizamos a diferenciação dos sintomas da
fase de pôr-se em questão, pois as indagações podem estar presentes e moverem os
professores rumo à reflexão crítica e em busca de mudanças, assim como, é possível
desencadear-se um momento de estagnação e crise ocasionado pelo repensar sobre as
situações em que a transformação não se fez presente.
A próxima etapa que Huberman (2007) nos apresenta é denominada como serenidade e
distanciamento afetivo. O autor destaca a importância dos questionamentos para
chegarmos a tal momento. Como características, os professores se apresentam menos
sensíveis ou menos vulneráveis às avaliações dos colegas de trabalho e demonstram
atitudes mais tolerantes e espontâneas. Nesse sentido, Prick (1986, como citado em
Huberman, 2007, p. 44) realiza a seguinte afirmação: “[...] a questão passa, igualmente,
pela ‘reconciliação’ entre o eu ideal e o eu real”. O distanciamento afetivo com relação
aos alunos também aparece nesse período. Verificamos que o professor repensa sobre
aquilo que pertence ao campo das ideias e o que é perceptível de forma material e real.
Acreditamos que esse momento está intimamente relacionado com o ingresso na
docência, especificamente com o momento em que ocorrem as descobertas, o choque
4. com o real, dessa forma, ao longo do exercício da profissão, o professor percebe as reais
condições e as diferentes ideias, as quais até mesmo podem ter sido constituídas antes
do período de formação, são colocadas em processo de questionamento e reconstituição.
O conservantismo e as lamentações fazem parte de outro momento e por fim o
desinvestimento, caracterizado por um recuo no final da carreira profissional. Nesse
sentido, ocorre o fato de as pessoas se libertarem para destinar mais tempo a si mesmas,
aos interesses exteriores à escola (Hubermam, 2007).
3. A edificação temporal dos saberes da docência
O trabalho docente também carrega a marca de cada profissional, assim, apenas os
elementos formais não são suficientes para definir o trabalho do professor. Entretanto, a
relação estabelecida entre a formação inicial e o ambiente de trabalho é um exemplo que
retrata o fato de que o profissional da área da educação necessita mais do que
conhecimentos empíricos ou pragmáticos. Com relação a essas colocações, Tardif e
Lessard (2005) ressaltam que os elementos formais estão presentes na docência, assim
como, os diversos elementos informais, sendo que os primeiros referem-se à
racionalidade, à utilização de conhecimentos, competências e regras de funcionamento
utilizadas pelos docentes para controlar seu ambiente de trabalho e planejar suas ações
profissionais. Como o ambiente de ensino é complexo acaba sendo impossível de ser
controlado inteiramente, pois várias coisas se produzem em diferentes níveis da
realidade de forma simultânea, com relação ao físico, biológico, psicológico, simbólico,
individual e social, por exemplo, constituindo os elementos informais.
A identidade dos diferentes agentes escolares não é totalmente determinada pela
organização escolar. As famílias, sindicatos, igrejas, movimentos associativos
voluntários, partidos políticos, universidades, associações profissionais são elementos
que influenciam na formação dessa identidade, por isso, os saberes profissionais dos
docentes não são homogêneos, pois, derivam de fontes variadas e são influenciados pelo
próprio exercício do trabalho. Podemos dizer que existe um pluralismo de tal saber
profissional devido ao fato de que diversas fontes sociais de aquisição são responsáveis
por tal processo (Tardif & Lessard, 2005).
A família, ou seja, o ambiente de vida; a escola primária e secundária; os
estabelecimentos de formação docente; as ferramentas utilizadas pelos professores; o
exercício da profissão na sala de aula e na escola são exemplos concretos dos quais
deriva o motivo dos saberes docentes serem heterogêneos. Tardif e Raymond (2000), ao
abordarem o assunto relacionado à carreira e à edificação temporal dos saberes
profissionais da docência, colocam que:
Quanto à dimensão subjetiva da carreira, ela remete ao fato de que os indivíduos
dão sentido à sua vida profissional e se entregam a ela como atores cujas ações e
projetos contribuem para definir e construir sua carreira. [...] A carreira é, portanto,
fruto das transações contínuas entre as interações dos indivíduos e as ocupações;
essas transações são recorrentes, ou seja, elas modificam a trajetória dos indivíduos
bem como as ocupações que eles assumem (Tardif & Raymond, 2000, p. 225).
Os indivíduos mantêm inúmeras relações em seu ambiente de trabalho, assim,
constituem novas ações e remodelam normas presentes na instituição em que atuam.
5. Percebemos que a carreira do professor é permeada de mudanças derivadas das
transações que acontecem ao longo do exercício de sua profissão.
Silva (2005) coloca que muitos saberes são estruturados e desestruturados durante a
carreira do professor, tanto no curso de formação inicial como nos cursos de formação
continuada. Os saberes específicos da ação docente nem sempre são individuais, pois o
professor está inserido em um contexto que é social e como profissional também faz
parte de uma cultura escolar. Por isso, a significação da prática cotidiana da escola é
também coletiva.
Verificamos que existe uma constante associação entre a formação do profissional e sua
experiência direta, dessa forma, com relação ao processo de ensino, é preciso
considerarmos os diferentes aspectos envolvidos. Tardif e Raymond (2000) defendem
que os fundamentos do ensino são concomitantemente existenciais, sociais e
pragmáticos. Os fundamentos são existenciais, pois devemos levar em consideração o
fato de que o professor não pensa somente a partir da sua história de vida intelectual,
mas também, a partir de experiências: emocional, afetiva, pessoal e interpessoal.
Quando os autores afirmam que os fundamentos do ensino são sociais, compreendemos
que são provenientes de fontes sociais diversas e adquiridos em tempos sociais distintos.
O uso pelo professor de saberes exteriores ao trabalho docente implica em uma relação
social com esses saberes e com os grupos, instâncias e indivíduos que os produzem.
Por fim, os fundamentos do ensino são pragmáticos pelo motivo de que os saberes que
servem de alicerce ao ensino estão intimamente relacionados tanto ao trabalho quanto à
pessoa do trabalhador. De acordo com Durand, (1996, como citado em Tardif &
Raymond, 2000, p. 237), “[...] a cognição do professor é condicionada, portanto, por sua
atividade; ‘ela está a serviço da ação’”.
Após tal afirmação, acreditamos que seja extremamente importante desenvolvermos a
consciência de que as ações não se encontram descritas em formato de receitas a serem
seguidas no espaço da sala de aula, assim, a construção dos saberes vai além dos
conhecimentos pragmáticos. O trabalho do professor exige o conhecimento aprofundado
sobre a área. Scalcon (2008, p. 502) ilustra as principais consequências de
considerarmos o saber do professor como pragmático:
O pragmatismo, ao alimentar a promessa da utopia de que a teoria como reveladora
da verdade esgotou suas possibilidades explicativas da realidade – segundo o
interesse do capital e, em particular, do tipo de formação profissional almejada pelas
reformas educacionais -, determina uma consequente desvalorização do
conhecimento científico. Por conseguinte, aqui a teoria como conteúdo cultural,
cientificamente elaborado e fundamental para a formação do homem, é
secundarizada.
A valorização do conhecimento científico é necessária quando nos referimos aos saberes
do professor, pois, a docência possui conhecimentos específicos. Tanto no início da
inserção profissional, quanto em uma etapa mais avançada da carreira, o professor
depende da relação direta das bases teóricas e práticas.
4. A constituição dos saberes na prática pedagógica
6. Diante das considerações a respeito da carreira docente e seus momentos, colocamos a
importância de verificarmos a constituição dos saberes e da prática do professor. Com a
intenção de perceber em que os profissionais se alicerçam e porque realizam as ações
de determinada forma, assim como, identificar as características, orientações, modelos
que as professoras iniciantes tiveram que buscar ou desenvolver para seu trabalho,
efetuamos as entrevistas semi-estruturadas. Verificamos que as entrevistadas apontam,
além dos aspectos da formação, da experiência, os aspectos pessoais e a continuidade
presente na constituição dos saberes. Tozetto (2010, p. 44) afirma com relação aos
saberes docentes: “Ao mesmo tempo em que são construídos, eles constroem,
modificam e são modificados ao longo da trajetória profissional do professor”. A autora
afirma que a prática cotidiana da profissão possibilita o desenvolvimento de certezas e
uma avaliação do trabalho pedagógico, assim, destaca a relação interativa dos docentes
experientes com os iniciantes, enfatizando:
A prática cotidiana da profissão favorece o desenvolvimento de certezas e uma
avaliação de seu trabalho pedagógico. É na relação interativa dos docentes
experientes com os iniciantes que torna-se possível objetivar os saberes da
experiência (Tozetto, 2010, p. 45).
Essa relação entre profissionais iniciantes e experientes é ressaltada pelas professoras
entrevistadas como uma forma de construir ideias a respeito da docência. A realização
dos estágios ao longo dos cursos de formação foi colocada como importantes para o
contato inicial com o âmbito da escola. Assim, IB destaca a partilha entre os sujeitos e a
característica dos saberes estarem um constante processo de construção:
Acredito que a característica de quem é professor é formada a vida toda. Desde que
ingressamos na escola vamos criando modelos, tendo relacionamento com os
professores que trabalham com a gente, vamos tendo maus exemplos, bons
exemplos e isso vai ficando guardado desde que nós somos crianças [...]. Não que
esteja somente copiando, pois na verdade vamos mesclando aquilo que aprendemos
no curso de graduação, no Magistério, a experiência ao longo dos estágios e vamos
colocando a nossa particularidade, pois cada professor é singular.
Percebemos no discurso acima, o fato de que o trabalho docente ultrapassa o conceito
de cumprimento e execução de tarefas, assim, a entrevistada destaca as
particularidades, os sentidos dados pelos professores à sua prática pedagógica a partir
da vivência e partilha com outros profissionais da área.
O contato com a escola, um lugar de cultura e diferentes discursos, permite que o
professor conheça como se desenvolve o trabalho dentro da instituição. Quando o
profissional inicia sua carreira ele desmistifica algumas crenças enraizadas como afirma
Silva (2005). A dinâmica da sala de aula possibilita a análise de situações diferenciadas e
contribui para a construção da identidade do professor.
A posição de IC ilustra aspectos que a formação acrescentou para a construção de sua
identidade, desse modo, apresenta-se da seguinte forma:
7. Acredito que a formação do Magistério e do Curso de Licenciatura em Pedagogia foi
fundamental, assim como os estágios, nos quais visualizei aquilo que podemos e não
podemos fazer. Acabamos atraindo as coisas positivas vivenciadas nos estágios.
Como características centrais para a professora de Educação Infantil, acredito que
paciência, o carinho são imprescindíveis. Precisamos estar bem conosco, pois
somente assim o trabalho flui.
A formação inicial é ressaltada nesse discurso e o papel da formação como sendo
decisivo na construção do profissional professor é notório. Visualizamos que Silva (2005)
toma os cursos de formação como um modo de constituir uma base teórica conceitual
para que o professor possa superar o senso comum.
Os saberes pessoais, constituídos a partir dos valores e que compõem as características
do professor também estão presentes no discurso anterior. Desse modo, duas
professoras militantes destacaram a importância dos estágios para a construção das
características necessárias ao início da atuação em sala de aula. MA colocou:
Inicialmente foi no estágio, pois você observando você aprende e principalmente o
que eu consigo e o que eu sou hoje foi pelas experiências vividas no dia a dia com
as crianças em sala. Cada ano que passa você aprende mais. Com o passar dos
anos você trabalha com mais desenvoltura, mais facilidade, você vai criando formas
diferentes de se trabalhar até um mesmo assunto.
Com base nesse depoimento, o qual enfatiza as experiências vividas, podemos
estabelecer relação com as colocações de Guarnieri (2005). A autora identifica o
redirecionamento das relações teoria-prática como busca da superação do modelo da
racionalidade técnica, desenvolvendo a capacidade da reflexão-crítica que requer o
envolvimento de grupos de professores para que em conjunto encontrem saídas diante
dos problemas, conflitos e dificuldades postos pela prática.
O posicionamento de MB nos permitiu estabelecer relações com a fala anterior, pois
enfatizou:
Como estagiária eu tive contato com várias turmas e fui percebendo que a turma é
reflexo da professora, assim, sempre procurei me espelhar nessas professoras. Fui
observando que quanto mais agitada eu estava, a minha turma também ficava.
Acredito que a afetividade seja uma característica principal em todos os anos e
eu sempre estou preocupada com a dimensão do cuidar, desse modo, gosto de
pentear meus alunos, fazer trancinhas nas meninas [...]
Mais uma vez os saberes constituídos a partir dos valores pessoais, aprendidos na
família, como a paciência, o afeto, estão presentes nas declarações das professoras.
Identificamos a articulação entre o conhecimento teórico-acadêmico e o exercício da
profissão como imprescindível. A atuação docente é colocada por Guarnieri (2005) como
forma de consolidar o processo de tornar-se professor:
[...] é no exercício da profissão que se consolida o processo de tornar-se professor,
ou seja, o aprendizado da profissão a partir de seu exercício possibilita configurar
8. como vai sendo construído o processo de aprender a ensinar. Tal construção ocorre
à medida que o professor vai efetivando a articulação entre o conhecimento teórico-
acadêmico e o contexto escolar com a prática docente (Guarnieri, 2005, p. 5).
A prática possibilita a análise das situações cotidianas da profissão docente, porém esta
análise depende da aquisição de conhecimentos provenientes da formação inicial e
continuada. Os conhecimentos do professor são construídos e reconstruídos por meio do
confronto derivado da prática profissional. Segundo Guarnieri (2005), os conhecimentos
desenvolvidos a partir do exercício profissional permitem a avaliação da própria prática, à
medida que detectam os problemas, as dificuldades e momentos que necessitam da
tomada de decisões pragmáticas e outros que dependem de um tempo maior para que o
profissional assuma uma posição diante dos fatos, devido à complexidade da situação. A
formação teórico-acadêmica e a formação continuada são avaliadas a partir das
condições impostas pela prática.
Guarnieri (2005) descreve as implicações decorrentes do estudo do processo de
aprender a ensinar a partir da perspectiva dos professores iniciantes. A autora coloca
como primeira implicação o fato de que ao se deparar com a situação real, o professor
iniciante pode abandonar ou mesmo rejeitar os conhecimentos teórico-acadêmicos
derivados de sua formação pelo fato de não conseguir relacioná-los à prática efetuada
em sala, optando por atitudes pragmáticas. Ocorre a mera adesão a um modelo aceito e
inquestionável já presente na cultura da escola, evitando conflitos. Como segunda
implicação a autora descreve a situação em que o professor tenta transportar sua
concepção teórica de modo direto e imediato para a sua prática, não percebendo as
limitações. Poderá julgar a prática pedagógica já existente na escola como inadequada e
gerar conflitos, desânimo e frustração no professor. Guarnieri (2005) aponta a terceira
implicação como sendo o questionamento do professor sobre a prática docente e a
cultura escolar e também o ato de detectar aspectos positivos nelas existentes.
Sobre a inserção na sala de aula, apontada nos discursos anteriores por MA como forma
de modificar suas ações e quando a entrevistada MB cita a realização dos estágios, fica
clara a importância do estabelecimento das relações entre o contexto escolar, a própria
prática e os conhecimentos oriundos da formação. De acordo com Guarnieri (2005, p.
19):
A inserção na sala de aula, por sua vez, desencadeia o processo de relacionamento
dos conhecimentos da formação, com os dados da própria prática e com os do
contexto escolar. Assim sendo, é possível afirmar que a sala de aula fornece pistas
fundamentais para que o professor articule esses conhecimentos. No entanto, a
articulação não ocorre de maneira natural nem espontânea. Os estudos revelam que
são grandes as dificuldades que o professor encontra para realizar seu trabalho. Tais
dificuldades desencadeiam a articulação.
A transformação dos saberes acadêmicos ocorre à medida que o professor reflete sobre
sua prática, superando as dificuldades com o estabelecimento de relações entre os
conhecimentos assimilados na formação e os conhecimentos construídos a partir da
atuação. De acordo com Tozetto (2010, p. 129): “O professor age como pessoa e como
profissional, sendo que no seu mundo os fatores pessoais e profissionais se entrecruzam,
9. com afetos, crenças, pré-conceitos, conhecimentos e saberes sobre a docência”.
Percebemos que os fatores pessoais e profissionais não se dissociam no trabalho
docente.
Nessa perspectiva de associação dos aspectos pessoais e profissionais, uma professora
militante enfocou a influência do contato com a profissão docente desde o início da sua
escolarização. As influências que a profissional MD recebeu enquanto aluna são assim
descritas:
O meu jeito eu construí a partir da professora de primeira série. Lembro-me da forma
com que ela ensinava Matemática, por exemplo. As colegas também nos ajudam e
nos baseamos nelas.
A partir desta constatação visualizamos a totalidade da ação docente, as influências da
subjetividade própria do ser humano e podemos estabelecer uma ponte com o termo que
Souza (1996, como citado em Silva, 2005) coloca, sendo este referente ao pensamento
espontâneo do professor. Tal pensamento está interligado à forma com a qual o
professor vê o ensino, partindo de suas experiências espontâneas como aluno. Antes de
atuar como profissional na área da educação, o professor, além de aluno, foi filho ou teve
outros parentes professores, por isso, aprendeu a acreditar em determinadas ideias e
valores, construindo também as suas próprias concepções a respeito da escola, do
ensino, da aprendizagem e sobre como ser professor e ensinar, sobre fazer e sobre
como saber fazer. O discurso anterior também afirma a importância da relação com os
pares, citando que as atitudes das colegas nos servem de base para a construção dos
nossos modelos e constituição dos nossos julgamentos.
As influências da vida do professor, antes de seu ingresso na carreira são assim
descritas por Guarnieri (2005, p. 35):
A sua vida toda, antes e como professor, foi permeada de fatos que se relacionam à
escola e estes fatos e experiências foram se construindo em concepções e
representações acerca do trabalho docente. Além disso, muitos dos nossos
professores também são pais e têm filhos nas escolas. Acompanham o processo de
aprendizagem deles; muitas vezes, isso se torna meio de aprender e conhecer mais
sobre o processo ensino-aprendizagem.
Percebemos que as características que o professor apresenta não são produzidas
apenas quando ele ingressa nos cursos de formação voltados para a docência ou quando
inicia a sua atuação, elas provém também da sua caminhada enquanto aluno, das suas
experiências e crenças.
5. Considerações finais
A importância da formação inicial como fonte de orientação para os professores nos fica
notória a partir dos discursos das profissionais atuantes na Educação Infantil
entrevistadas. Os estágios constituem uma das primeiras formas de contato com a
realidade do espaço escolar, considerando uma consciência distinta daquela a qual
possuíamos ao longo da nossa experiência enquanto alunas. Por meio dos estágios
propostos pelos cursos de formação inicial é possível termos contato com um pequeno
10. recorte da realidade das escolas e a partir desse momento muitas indagações começam
a estar presentes em nosso cotidiano.
Ao iniciar a carreira docente entramos em um momento de desmistificação de crenças
construídas enquanto éramos alunas ou apenas visualizávamos a escola sob outra
perspectiva, como por exemplo, enquanto filhas de professores. Os dilemas aparecem e
diante deles a necessidade da construção de conhecimentos, aprimoramento de práticas.
Construímos saberes ao longo do exercício da profissão e percebemos que tais saberes
não estão associados somente à formação inicial e continuada ou somente à experiência.
É a relação entre tais elementos que possibilita a construção dos saberes docentes.
O processo de formação inicial e continuada possibilita que o profissional da área da
educação ultrapasse o mero senso comum, mas é também com a partilha entre os
colegas, com a vivência no âmbito escolar que os saberes docentes constroem-se.
A prática nos traz inquietações e, segundo Guarnieri (2005), a construção do processo de
aprender a ensinar acontece considerando essa relação com o conhecimento teórico-
acadêmico e o exercício da profissão. Entretanto, a experiência não dá conta de
responder todas as indagações provenientes da prática docente e os conhecimentos
abordados nos cursos de formação também necessitam a articulação com o real para
que o discurso dos professores não seja totalmente o inverso daquilo que observamos
em sua prática. A aprendizagem da docência envolve muito mais que a mera
aprendizagem de uma técnica, pois essa perspectiva impossibilita o fato de analisarmos
as mudanças. Caso tornar-se professor fosse apenas uma atividade embasada na
aplicação dos conceitos teóricos e com atos pragmáticos, estaríamos negando as
possibilidades de transformação da realidade a partir da reflexão crítica. Em muitos casos
a tentativa de tal transposição das abordagens teóricas simplesmente para a prática,
causa frustração no professor, pois ele deixou de efetuar o movimento de interação, a
relação teoria-prática, as adequações embasadas na análise crítica da realidade.
Apenas transportar as descrições teóricas para a escola pode originar atitudes como a
descrença na teoria ou pela imensa dificuldade das adaptações, origina a mera adesão
pelo modelo já proposto na instituição. Em ambos os casos ocorrem equívocos, porque a
teoria acrescenta inúmeros elementos à prática do professor, porém ela não funciona
como uma espécie de receita. A teoria necessita de mediações por parte do sujeito e sua
relação com a prática é indispensável, mas esta relação depende dos conhecimentos
prévios, das interligações que tal sujeito será capaz de efetuar.
A realidade é mutável, os sujeitos fazem com que as situações não sejam inertes,
modificam as mesmas, por isso, os saberes docentes estão sempre em construção.
Acreditamos que seja de grande valia o fato de o profissional, por meio da prática,
deparar-se com dificuldades e buscar respostas no seu campo de trabalho e nos estudos
referentes à área. Nesse processo, o movimento está presente e os sujeitos agem em
busca da mudança, pela pesquisa dos conhecimentos que auxiliem na compreensão das
situações.
6. REFERÊNCIAS
Bardin, L. (2011). Análise de conteúdo (6a ed.). (L. A. Reto & A. Pinheiro, Trad.). São
Paulo: Edições 70, Livraria Martins Fontes (Obra original publicada em 1977).
11. Guarnieri, M. R. (2005). O início na carreira docente: pistas para o estudo do trabalho do
professor. In: Guarnieri, M. R. (Org.). Aprendendo a ensinar: o caminho nada suave da
docência. (2a ed.). Campinas, SP: Autores Associados.
Huberman, M. (2007). O ciclo de vida profissional dos professores. In: Nóvoa, A. (Org.).
Vidas de professores. Portugal: Porto Editora.
Lüdke, M.; André, M. E. D. A. (1986). Pesquisa em educação: abordagens qualitativas.
São Paulo: EPU.
Scalcon, S. (2008). O pragmatismo e o trabalho docente profissionalizado. Perspectiva,
26 (2), 489 - 521. Florianópolis.
Silva, R. C. (2005). O professor, seus saberes e suas crenças. In: GUARNIERI, M. R.
(Org). Aprendendo a ensinar: o caminho nada suave da docência (2a ed.). Campinas,
SP: Autores Associados.
Tardif, M.; Lessard, C. (2005). O trabalho docente: elementos para uma teoria da
docência como profissão de interações humanas (2a ed.) (J. B. Kreuch, Trad.).
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