Este documento discute o desenvolvimento profissional de professores iniciantes no Brasil. Primeiro, analisa a idade de entrada na carreira docente no Brasil em comparação com padrões europeus. Segundo, descreve as fases da carreira docente de acordo com Huberman, focando na fase inicial de entrada na carreira. Terceiro, discute como o ingresso tardio no ensino superior no Brasil afeta a experiência e qualidade dos professores.
Recomposiçao em matematica 1 ano 2024 - ESTUDANTE 1ª série.pdf
Desafios dos professores iniciantes
1. V CONGRESO INTERNACIONAL SOBRE EL PROFESORADO PRINCIPIANTE Y LA
INDUCCIÓN ALADOCENCIA
Eje temático: Processos de socialização profissional de professores
RELATÓRIO DE PESQUISA
DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL DOCENTE: CONCEITUANDO O INÍCIO
DA CARREIRA
Fernandes, Rodrigo Fideles
rodrigo.fideles@hotmail.com
Pontifícia Universidade Católica de Goiás – PUC Goiás
Curado Silva, Kátia Augusta Pinheiro Cordeiro
katiacurado@unb.br
Universidade de Brasília – UnB
Mohn Neto, Carlos Rodolfo
carl.mohn@hotmail.com
Universidade Paulista – UNIP
Resumen
O processo de formação contínua do professor, o conceito de
desenvolvimento profissional docente, entendido como um período contínuo que é
composto pela formação inicial e continuada em diferentes contextos de atuação.
Inserido nesse conceito, há um debate a partir da sociologia das profissões ao se
pesquisar os ciclos de carreira docente que seriam um dos elementos que compõem o
conceito de desenvolvimento profissional docente. Como os sujeitos da trabalho são os
professores iniciantes/ingressantes, um de nossos objetivos é conceituar e diferenciar
termos comumente usados para o professor no início da carreira, bem como apontar para
a necessidade de estudos que aprofundem os ciclos da carreira no Brasil, considerando
as especificações de idade de ingresso, experiência anterior e tempo na carreira.
Questiona-se: Quais são as dificuldades, descobertas e conquistas que marcam o
trabalho docente no desenvolvimento de sua profissionalidade no cotidiano das
escolas de Educação Básica na rede municipal de Goiânia/GO? Algumas
questões orientadoras poderão auxiliar-nos durante a investigação: Como os
elementos de reconher-se (descobrir) e negar-se (dificuldades) contribuem para a
profissionalidade docente? De que forma as conquistas (reconhecimento:
2. V CONGRESO INTERNACIONAL SOBRE EL PROFESORADO PRINCIPIANTE Y LA
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efetivação/pertencimento) do ser professor foram-se delineando na inserção do
trabalho pedagógico dos professores em início de carreira nas escolas públicas
de Educação Básica de Goiânia? Que estratégias políticas e pedagógicas podem
ser implementadas para a inserção do Desenvolvimento Profissional Docente?
Como objetivo principal é analisar quais são as dificuldades, descobertas e
conquistas do trabalho pedagógico desses professores no cotidiano das escolas
para contribuir na perspectiva do Desenvolvimento Profissional Docente.
Objetivos específicos: *Analisar os elementos que possibilitam ao professor
iniciante reconhecer-se (descobrir) e negar-se (dificuldades) buscando
compreender a construção de sua profissionalidade docente; *Identificar quais as
conquistas do professor no trabalho pedagógico que contribuíram na efetivação e
construção do pertencimento de ser professor que se foram delineando na
inserção do trabalho; * Verificar quais são as estratégias políticas e pedagógicas
que o município de Goiânia – Goiás já implementou para a inserção do
Desenvolvimento Profissional Docente e quais ainda podem ser implementadas.
Nos referendarmos pelo materialismo histórico dialético para estudar a inserção
na carreira docente estamos tomando como princípio a premissa marxiana de que
o nexo causal existente entre as atividades práticas do ser humano – nas suas
relações combinadas com a natureza e uns com os outros em sociedade – e a
atividade mental, por meio da qual reproduz o mundo material sobre o qual age
como uma totalidade do pensamento, produz a si mesmo. Ou seja, pertencer e
efetivar-se numa profissão está relacionado à atividade prática nela exercida,
combinada com as relações estabelecidas a partir dessa atividade e a
subjetividade construída de ser a partir de tais relações.
Palabras clave: Professor iniciante – Desenvolvimento profissional docente – Início de
carreira.
1. Tempo de carreira: uma análise sobre a Idade de entrada na carreira docente no
Brasil
O critério de organização das faixas de tempo de serviço tem como
base os estudos de Huberman que classificou os modelos vitais centrados na experiência
docente e depois em um estudo de revisão em que se analisaram numerosos trabalhos
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sobre ciclo de vida que resultou na sistematização de uma sequência “normativa” do ciclo
de vida profissional de professores, juntamente com outros autores (HUBERMAN;
THOMPSON; WEILAND, 2000 apud STÜRMER, 2004), que foi denominado por
Huberman como um modelo ideal para estudos sobre o tema. Tais ciclos não são
fechados em si, mas representam possibilidades de se pensar e estudar a carreira
docente, sendo que um professor independente do tempo pode vivenciar outra fase da
carreira aliada às condições objetivas do trabalho.
Os clássicos textos de Huberman (1989a; 1989b) sobre o ciclo de vida
profissional dos professores postulam, tendo como referência o contexto europeu, que o
início da carreira de professor se dava por volta dos 22 anos de idade, de maneira que
nessa fase da vida inaugurava-se um longo ciclo de ingresso na carreira, marcado pela
dúvida, turbulência e consolidação da carreira profissional. Concebendo o ingresso e a
consolidação da carreira docente como um ciclo, a idade é um elemento fundamental
para visualizarmos e problematizarmos a questão do ciclo profissional docente.
Para analisarmos esse critério de acordo com o grupo de docentes
selecionados para o estudo, temos tabela 01, que apresenta os professores que têm até
24 anos perfazendo um total de 6,08%; os professores com 25 anos a 32 anos, um total
de 26,07%; os professores com 33 anos a 40 anos, um total de 27,16%; os professores
com 41 anos a 50 anos, um total de 28,83%; e os professores com mais de 50 anos um
total de 11,86%. Concluímos que a maioria dos professores da educação básica, que
perfaz um total de 82,06%, possui entre 24 anos e 50 anos de idade. Esse resultado
mostra a diferença do ciclo inicial da Europa concentrado aos 22 anos e o grupo de
Goiânia que se aproxima da média de 25 a 32 anos.
TABELA 01 - Número de Professores da Educação Básica por Faixa Etária, segundo a
Região Geográfica - 2007
Total Até 24 anos De 25 a 32 De 33 a 40 De 41 a 50 Mais de 50
Brasil 1.882.961 114.364 490.775 511.642 542.792 223.388
Norte 157.016 9.180 49.338 47.118 38.485 12.895
Nordeste 570.647 47.260 163.016 155.769 149.835 54.767
Sudeste 741.604 34.413 172.621 195.636 232.206 106.728
Sul 281.251 16.289 68.487 74.095 86.348 36.032
Centro-Oeste 132.443 7.222 37.313 39.024 35.918 12.966
Região Geográfica
Professores por Faixa Etária
Fonte: MEC/Inep/Deed
Salvo o registro da inexistência de um padrão claro quanto à idade
média, a afirmação de que são indivíduos que tardiamente entram no ensino superior é
totalmente corroborável, como denotam as médias de idade da amostra. Logo, para a
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nossa análise, esse ingresso tardio no ensino superior pode explicar muita coisa sobre a
composição da classe docente no Brasil.
Ao que parece, o ciclo de vida profissional docente se inverte quando se
considera o caso brasileiro. Segundo o clássico estudo de Huberman (1989b), que se
dedicou a revisar a literatura internacional sobre os ciclos profissionais dos professores, o
questionamento ou momento de “dúvidas” a respeito da profissão surge entre a fase de
12-20 anos de experiência de profissão, que compreende os 32-45 anos de idade. No
Brasil, todavia, esse momento de dúvida, de medo de “ser condenado a morrer com um
pedaço de giz na mão em frente ao quadro negro1
” (HUBERMAN, 1989, p. 354, tradução
nossa), parece anteceder o ingresso na carreira. Esse medo de “morrer com um pedaço
de giz na mão” é pelo que aponta a vasta literatura, o que retarda o ingresso na carreira,
levando o pretenso professor a se aventurar, primeiro, em outras áreas profissionais.
Isso leva a inferir considerações bem mais além dos fatores
condicionantes do ingresso na carreira docente e do perfil etário da amostra.
Considerando que o perfil da nossa amostra esteja bem próximo do perfil daqueles aptos
a ingressarem na carreira anualmente, podemos adicionalmente corroborar a tese da
presença de estratos etários envelhecidos, a despeito do significativo menos de 25 anos,
de que há um ingresso mais significativo na carreira dos candidatos a professores mais
envelhecidos dentre os habilitados a se tornarem professores. Isto fica evidente quando
se analisa que a presença de professores com faixa etária mais elevada não
necessariamente significa professores com maior experiência acumulada.
Essa aparente pouca experiência acumulada reflete diretamente na
qualidade do sistema educacional. Segundo Huberman (1989b), o início da carreira
docente é, para muitos professores, um momento traumático, marcado pela sensação de
opressão, experimentação pela tentativa de erro/acerto, desequilíbrio entre rigidez e
permissividade e problemas com a disciplina dos alunos. Este último aspecto constitui-se,
no caso brasileiro, uma característica marcante dos problemas enfrentados em sala de
aula.
Resumidamente, sugere-se que a composição etária da amostra impõe
considerar que a conjugação de diferentes fatores apontados anteriormente leva o Brasil
a formar professores com uma faixa etária elevada quando se considera o tempo ideal de
ingresso e conclusão de um curso de graduação no Brasil. Todavia, esse fato representa
bem mais do que formar professores mais envelhecidos; implica diretamente experiência
1
Traduzido do inglês.
5. V CONGRESO INTERNACIONAL SOBRE EL PROFESORADO PRINCIPIANTE Y LA
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acumulada dos nossos professores e, consequentemente, a qualidade deles e em seus
ciclos da carreira.
2. Ciclo de carreira: o início da carreira
Huberman (1992) explica que existem muitas maneiras de estruturar o
ciclo de vida profissional de professores. No entanto, o autor decide-se por um aspecto
mais clássico, que é o da carreira. O autor aponta que este aspecto é “mais focalizado,
mais restrito que o estudo da ‘vida’ de uma série de indivíduos” (HUBERMAN, 1992, p.
38). O autor ainda se fixa na docência em nível do ensino secundário, o que para o Brasil
equivale à educação básica. Nessa perspectiva divide-se o desenvolvimento profissional
dos professores em fases, que podem ser definidas como mudanças que ocorrem
ao longo do tempo, em aspectos que determinam o comportamento, o conhecimento, as
imagens, as crenças ou as percepções dos professores.
Usando o tempo como variável definidora do desenvolvimento
profissional, Huberman (2000) propõe a existência de cinco fases que marcam o
processo de evolução da profissão docente.
1ª) Fase de entrada na carreira2
– compreende os três primeiros anos
de docência e indica dois momentos, geralmente vividos pelo professor em início de
carreira: i) estágio de sobrevivência, e ii) estágio de descoberta. O primeiro representa
um momento de grande instabilidade pessoal e profissional. O segundo estágio
caracteriza-se pelo entusiasmo e pela experimentação/exploração, pois o docente já se
sente responsável pelo seu trabalho e parte integrante de um grupo profissional. As
pesquisas indicam frequentemente que esses dois estágios são vividos juntos e variam
apenas as intensidades, sendo que o estágio de descoberta contribui para o professor
suportar o estágio de sobrevivência e seguir na carreira. Também pode ocorrer de
professores iniciantes vivenciarem apenas um desses estágios ou ainda apresentarem os
seguintes perfis: 1) indiferença ou quanto pior melhor; 2) serenidade; 3) frustração
(HUBERMAN, 1992);
2ª) Fase de estabilização – constitui um período entre o 4º e o 6º ano de
docência, com características de “comprometimento definitivo” e “tomada de
responsabilidades”. O grau de liberdade docente aumenta significativamente em relação
às suas prerrogativas e à sua maneira própria de atuar na docência. Há um sentimento
2
Não há consenso na literatura acerca da duração dessa fase. Huberman (1992) considera inicial
a fase que se estende até o terceiro ano de profissão; para Cavaco (1995) vai até o quarto ano de
exercício profissional; Veenman (1988) argumenta que tal fase se prolonga até o quinto ano; Tardif
(2002) defende que esse momento inicial compreende os sete primeiros anos de profissão.
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de competência pedagógica, que pode ser sentido em alguns momentos ou acompanhar
toda esta fase;
3ª) Fase de diversificação – caracteriza-se pelo período entre o 7º e o
25º ano de docência. Os professores buscam novos desafios para evitar a rotina,
mostram-se motivados nas diversas atividades na escola, experimentam e diversificam.
Entretanto, por volta do “meio da carreira”, entre o 15º e o 25º ano de docência, os
professores vivenciam um período de questionamento;
4ª) Fase de serenidade ‒ compreende o período entre 25 e 35 anos de
docência. Representa um “estado de alma” do professor, em que as avaliações que os
outros fazem de si não o afetam significativamente. Há um processo de aceitação plena
de si como pessoa e profissional. Em meio a esta fase, os professores podem passar por
um período de conservadorismo e lamentações, em que suas causas variam caso a
caso;
5ª) Fase de desinvestimento ‒ constitui-se no período entre 35 e 40
anos de docência. Nesta fase, o professor desenvolve um processo, geralmente, de um
recuo positivo da docência (desinvestimento sereno) para dedicar-se mais a si próprio e à
sua vida social para além da escola. Em alguns casos, esse processo de desinvestimento
pode ser amargo quando o docente apresenta certo desgosto pela profissão e espera
ansiosamente pelo término da carreira.
O ciclo de carreira, segundo Huberman (1992), pode ser
resumidamente expresso da seguinte forma,
QUADRO 01 – Fases da carreira segundo Huberman (2000)
Fonte: Lima, A.C.R.E.,2006
Ao construir uma teorização dos ciclos profissionais docentes,
Huberman (1992) deixa claro que nem todos os professores vivenciam sequencialmente
as mesmas fases e nem todos passam por todas as fases. Percebe-se, assim, que o
professor, ao longo da carreira, passa por processos diferenciados e peculiares, que
7. V CONGRESO INTERNACIONAL SOBRE EL PROFESORADO PRINCIPIANTE Y LA
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podem ser caracterizados por fases da trajetória profissional. Esse fato impulsionou
diferentes estudos e teorizações do percurso profissional docente, e alguns serão aqui
abordados pela ênfase dada à fase inicial da carreira do professor.
Ainda explicando sobre os ciclos de carreira, podemos também citar
Campbell; Thompson; Barret (2010) que afirmam que existem três fases pelas quais os
professores passam, sendo elas: pré-universitária – que se caracteriza por todas as
experiências vividas desde o nascimento até a entrada no ensino superior; pré-serviço –
que caracteriza por todas as experiências vividas nos anos de faculdades; ano de
indução – os primeiros sete anos de ensino; ano profissional; maturidade profissional e o
descanso. Mas, se observarmos, essas fases se assemelham às de Hubermam.
A questão de fundo que precisa ser problematizada e que demanda
estudo para além do objeto desse texto é se as fases de desenvolvimento propostas por
Huberman, a partir do tempo de experiência docente, podem ser determinantes na
classificação de tais estudos. O estudo inicial bibliográfico e a pesquisa do GEPFAPe3
já
apontam que fases propostas por Huberman sevem para uma boa descrição dos ciclos
de vida profissional dos professores, pois mostram fases, transições, crises, pelas quais
atravessam os profissionais durante o desenvolvimento da carreira profissional afetando
um grande número, em algumas vezes a maioria, de seus participantes. É um modelo
esquemático, porém agrupa tendências, mas não podemos dizer que todos os
profissionais passam pelas mesmas fases, dentro da mesma ordem, independente das
condições de vida ou de trabalho, do período histórico, das interações sociais imediatas e
da vontade do indivíduo, e esta pretender ser uma contribuição da dialética materialista
para o estudo da carreira docente. As fases do ciclo de vida profissional dos professores
propostas por Huberman não são lineares. Apesar de serem classificadas por anos de
carreira elas apresentam interconexões e a forma como os professores vivenciam estas
fases dependem de seus contextos e materialidade.
Outro elemento importante é a abordagem entre professor iniciante e
ingressante. Dados da pesquisa CNPq 2013 têm apontando que há diferenças
significativas do início da carreira entre aqueles que têm sua primeira experiência como
docente e aqueles que estão se inserindo na rede, nível ou modalidade a partir de
experiências do magistério anterior.
3
Grupo de Estudo e Pesquisa sobre Formação e Atuação de Professores/Pedagogos –
GEPFAPe, foi formado no ano de 2010 e possui como líderes as professoras Kátia Augusta
Curado Pinheiro Cordeiro da Silva e Shirleide Pereira da Silva Cruz.
8. V CONGRESO INTERNACIONAL SOBRE EL PROFESORADO PRINCIPIANTE Y LA
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Para o professor que tem experiência docente anterior, parece que dois
aspectos no início da carreira se sobressaem na dificuldade: lidar com o
novo cotidiano, a cultura organizacional, e as condições objetivas de
trabalho. Elementos de reconhecimento, relação com os pares, relação
com o aluno e a dicotomia teoria e prática podem surgir novamente, mas
são situações vividas e experimentadas (CURADO SILVA, 2017, p. 3).
Assim, pretende-se conceituar e diferenciar termos comumente usados
para o professor no início da carreira, bem como apontar para a necessidade de estudos
que aprofundem os ciclos da carreira no Brasil, considerando as especificardes de idade
de ingresso, experiência anterior e tempo na carreira.
3. Formando o conceito de Professor iniciante: diferentes concepções dos autores
Como não há um consenso na definição das características dos
professores iniciantes/principiantes, optou-se pela criação do quadro abaixo, no qual
fazemos uma síntese das definições mais usadas pelos pesquisadores da temática.
Utilizamos definições dos seguintes autores: Huberman (1992); Zabalza (1994); Tardif
(2000, 2002); Tardif;Raymond (2000); Feiman-Nemser (1996, 2001); Garcia (1998, 1999);
Pacheco; Flores (1999); Villani (2002); Wong (2003, 2005); Lima (2004); Guarnieri (2005);
Tancredi; Reali; Mizukami (2005, 2006, 2008).
QUADRO 02 – Comparação das características dos professores iniciantes
Autores Características dos Professores Iniciantes
Huberman
(1992)
Fase de sobrevivência;
Instabilidade;
Dificuldade na relação de ensinar e gestar a sala de aula;
Dificuldade na relação teoria-prática.
Zabalza (1994);
Tardif (2000,
2002);
Tardif;Raymond
(2000)
Insegurança;
Preocupações e submissão aos professores mais experientes;
Aprendizagens intensas;
Processos relacionados a tentativas e erros;
Conformismo com as regras e normas;
Identificação com valores e crenças da maioria;
Preocupação com o domínio do conteúdo;
Experimentação de diversos modelos de ensino;
Influência das experiências vividas enquanto estudantes.
Feiman-Nemser
(1996, 2001)
Deve ensinar e ainda aprender a ensinar;
Entrada brusca e repentina na profissão;
Período de intensas aprendizagens;
Decisivo para sua permanência na profissão.
Garcia (1998,
1999)
Consciente de uma formação inacabada;
Momento de aprendizagens intensas;
Portador de certa insegurança;
Importa com a relação com os pares;
Necessita do apoio, mínimo, da escola em suas dificuldades do início
de carreira;
Sua experiência como estudante influencia na sua prática;
Busca entender: os alunos, o currículo e a comunidade escolar.
9. V CONGRESO INTERNACIONAL SOBRE EL PROFESORADO PRINCIPIANTE Y LA
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Pacheco; Flores
(1999)
Fase de aprender a ensinar;
Busca de um equilíbrio entre o pessoal e o profissional;
Mesmo sem preparo corre risco e enfrenta desafios;
Assume a mesma função que um professor experiente;
Entre um período de isolamento;
Trabalha muito com ensaio e erro.
Villani (2002)
Expectativa em relação aos primeiros momentos na profissão;
Há momentos considerados de sobrevivência;
Desilude-se com as normas e as condutas da escola;
Questiona, reflete e analisa sua própria prática;
Suas maiores dificuldades estão relacionadas à gestão da sala de aula,
às diferenças quanto o nível de aprendizagem dos alunos, à motivação
dos alunos, à organização de matérias e à relação com os pais.
Wong (2003,
2005)
Período de muito estresse muitas aprendizagens;
Aprende com a interação dos pares;
Suas maiores dificuldades estão relacionadas à relação do currículo
com a prática, a rotina de trabalho e com a gestão da sala de aula.
Lima (2004)
Insegurança;
Apropriação das opiniões e práticas de professores mais experientes;
Passagem de estudante para professor;
Conformidade às regras impostas pela escola;
Preocupação com o domínio dos conteúdos;
Apresenta uma influência das experiências vividas como alunos.
Guarnieri (2005)
Aprendizagens intensas;
É na prática que se torna professor;
Articulação entre a formação e prática;
Experiências anteriores influenciam as práticas;
Se sente fracassado em relação a algumas situações escolares.
Tancredi; Reali;
Mizukami (2005,
2006, 2008)
Influência de crenças e valores;
Período de angústia e incertezas;
Luta pela sobrevivência na profissão;
Busca aprimoramento profissional ou da prática;
Necessidade de apoio pessoal, profissional e para adaptar ao sistema
de ensino;
Desconhecimento das leis e políticas públicas;
Dificuldade de relacionamento com a equipe escolar;
Trabalha com o ensaio e erro.
Fonte: Migliorança, (2010); Anjos (2006)
Buscamos aqui analisar conceitualmente o primeiro ciclo da carreira
docente denominado “entrada na carreira” (HUBERMAN, 1992). Ao iniciar pesquisa sobre
a temática em 2013, realizamos um estudo de estado do conhecimento (CURADO
SILVA; FERNANDES; ROCHA, 2015)4
e constatamos que os estudos, quando analisam
4
CURADO SILVA, Kátia Augusta C. Pinheiro da; FERNANDES, Rodrigo Fideles; ROCHA, Deise.
Descobertas, dificuldades e conquistas do trabalho pedagógico que marcam o ingresso na
carreira docente: estado do conhecimento. Relatório parcial da pesquisa. No prelo. 2015.
10. V CONGRESO INTERNACIONAL SOBRE EL PROFESORADO PRINCIPIANTE Y LA
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o ingresso na carreira docente, especificamente na rede pública de educação básica e
superior, não têm diferenciado a questão preliminar e conceitual sobre se este professor
está iniciando a carreira do magistério ou se traz experiências docentes anteriores.
Essa discussão se dá, caso o professor iniciante for aquele profissional
que acabou de ser graduado por uma IES e passou no concurso público; possivelmente
ele não tem experiências de docente, a não ser nas práticas educativas, estágios e
monitorias na instituição de formação inicial. Já se esse profissional que estiver entrando
na rede pública de ensino por meio do concurso público tiver algum tempo de formado,
ele poderá ter experiências na docência. Então defendemos que o professor iniciante, ou
principiante, terá um comportamento diferente na inserção docente do professor, aqui
chamado de ingressante.
De acordo com Guarnieri (1996),
É de se esperar que, com a experiência, o professor se torne mais capaz
para lidar com as situações de sala de aula, mas é necessário
igualmente considerar-se que as condições objetivas em que sua prática
ocorre podem dificultar esse processo, face à diversidade e à
adversidade dos problemas no contexto escolar (p. 31).
Para Garcia (1999), os professores mais experientes têm problemas e
preocupações diferentes dos iniciantes. Conforme aponta Conti (2003), as estratégias de
sobrevivência do professor em sala de aula também podem variar em função do tempo
de experiência e da idade do professor. Segundo ele
Os mais experientes tendem a servir-se de ‘estratégias de dominação ,
que envolvem controle, alto grau de exigência etc; os professores mais
jovens aproveitam-se da idade para se aproximar dos alunos, uma vez
que, por conta disso, há uma grande afinidade de gostos, interesses,
referências culturais etc (p. 118).
Num primeiro momento, tal diferenciação parece ser trivial, entretanto, a
questão do “choque de realidade” (GARCÍA, 2011, p. 9), no início da carreira, indica ter
elementos diferenciados relacionados à experiência docente anterior. Nos primeiros anos
de docência, a transição de estudantes a professores é marcada pelo princípio da
sobrevivência ou pelo abandono da profissão. Essa é uma fase crucial do ciclo
profissional porque os principiantes têm de, ao mesmo tempo, ensinar e aprender a
ensinar, uma vez que há certos comportamentos que só podem ser aprendidos em
situações práticas (GARCÍA, 2011). As maiores taxas de evasão dos docentes ocorrem
nos primeiros anos de magistério, e esse é:
[...] um período de tensões e aprendizagens frustrantes quando tratamos
das condições objetivas do trabalho docente que gera sentimentos e
sensações como angústia, insegurança, fracasso, desmotivação,
dialeticamente. Então há possibilidade para que este possa se reafirmar
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INDUCCIÓN ALADOCENCIA
na profissão ou negar a profissão em contextos geralmente
desconhecidos, durante o qual os professores iniciantes devem adquirir
conhecimentos profissionais e manter um certo equilíbrio pessoal
(GARCÍA, 2011, p. 9).
As análises dos estudos revisitados no estado do conhecimento indicam
que as descobertas estão relacionadas ao processo do trabalho docente na oferta de um
serviço que contraditoriamente se reconhece e não reconhece. O trabalho pedagógico
contém uma relação prazerosa com o conhecimento e com o outro, na possibilidade do
encontro e da objetivação do aprender no aprender do outro, mas contraditoriamente
pode ser motivo de sofrimento e frustração pela não relação estabelecida.
Tais análises nos mostraram um elemento novo, e também
contraditório, alguns elementos que no início da carreira são tidos como dificuldades
passam a ser vistos como descobertas, e vice-versa, pelos mesmos professores. O que
pode mostrar que na carreira docente não existe apenas um modo de se formar professor
e que esse movimento é contraditório.
Além desse aspecto inerente ao trabalho imaterial, ou melhor, à oferta
de serviço, há o entusiasmo na vontade de descobrir, portanto, a experimentação, a
exaltação por estar, finalmente, em situação de responsabilidade (ter a sua sala de aula,
seus alunos, o seu problema, o seu programa) por se sentir colega num determinado
corpo profissional. Entretanto, os mesmos aspectos podem ser frustrantes quando
tratamos das condições objetivas do trabalho docente, que gera sentimentos e
sensações como angústia, insegurança, fracasso, desmotivação, dialeticamente. Então,
há possibilidade para que esse docente possa se reafirmar na profissão ou negar a
profissão.
Os dilemas e dificuldades do professor iniciante são causados pela
exigência de atuação em que a contradição marca a possibilidade do reconhecimento ou
da negação. Entre os aspectos, destacam-se: a relação com o aluno; a dicotomia teoria-
prática; a relação com os pares; a condição material de trabalho nas escolas; o conteúdo
e as metodologias frustrantes quando tratamos das condições objetivas do trabalho
docente, que gera sentimentos e sensações, como angústia, insegurança, fracasso,
desmotivação. Desta forma, há, dialeticamente e contraditoriamente, a possibilidade para
que o docente possa se reafirmar na profissão ou negá-la.
Para o professor que tem experiência docente anterior, parece que dois
aspectos no início da carreira se sobressaem na dificuldade: lidar com o novo cotidiano, a
cultura organizacional, e as condições objetivas de trabalho. Elementos de
reconhecimento, relação com os pares, relação com o aluno e a dicotomia teoria-prática
podem surgir novamente, mas são situações vivenciadas e experimentadas. Por esse
12. V CONGRESO INTERNACIONAL SOBRE EL PROFESORADO PRINCIPIANTE Y LA
INDUCCIÓN ALADOCENCIA
motivo, este elemento o ajuda no processo de consolidação no novo campo de atuação,
o que nem sempre acontece com o professor iniciante.
Ao trabalharmos com os dados específicos da carreira docente no
Brasil, percebemos a necessidade de conceituar o que denominamos de professor
iniciante/principiante e ingressante nas pesquisas e o problema de tratar como sinônimos
os léxicos descritos na carreira docente.
Além disso, o número de “professores leigos” no Brasil – que só
concluíram o ensino fundamental ou o ensino médio regular conforme tabela abaixo.
TABELA 02 - Número de Professores da Educação Básica com Escolaridade de Nível
Médio (Sem Normal/Magistério) por Localização, segundo a Região Geográfica – 2007
N % N % N % N %
Brasil 103.341 100% 75.777 73,3% 25.726 24,9% 1.838 1,8%
Norte 12.158 100% 7.417 61,0% 4.441 36,5% 300 2,5%
Nordeste 36.677 100% 21.581 58,8% 14.550 39,7% 546 1,5%
Sudeste 33.706 100% 30.162 89,5% 3.115 9,2% 429 1,3%
Sul 12.561 100% 10.320 82,2% 1.775 14,1% 466 3,7%
Centro-Oeste 8.239 100% 6.297 76,4% 1.845 22,4% 97 1,2%
Professores por Localização
Região Geográfica Total Somente Urbana Somente Rural Urbana e Rural
Fonte: MEC/Inep/Deed
Entretanto, na especificidade da profissão no Brasil, que acontece
tardiamente como formação profissional, apresentando-se com outras experiências
profissionais em campos diversos bem como em outros espaços de atuação docente
(escolas privadas), o ciclo do professor ingressante necessita ser observado, pois remete
àquele que ingressa numa rede, num nível e numa modalidade de ensino, porém, com
experiência profissional na docência já acumulada. Neste caso, o “choque da realidade”
ou a “fase da descoberta” tem distinção e se traduz nas formas estranhadas do trabalho
quando submetido, em sua organização, às imposições de rotina em um novo cotidiano e
cultura organizacional e na relação com a nova institucionalização política da profissão.
Na caracterização como professor ingressante numa rede, num nível ou
numa modalidade e não iniciante na docência, assume-se que o profissional carrega
elementos de experiência e reelaboração da prática docente. O momento de instabilidade
pessoal e profissional foi vivido anteriormente, e a fase nova se refere a se adequar a
uma nova condição objetiva de trabalho. Também o segundo estágio da primeira fase da
carreira caracteriza-se pelo entusiasmo, e a experimentação/exploração já foi vivenciada,
pois o docente ingressante já se sente responsável pelo seu trabalho e agora, na nova
rede, busca fazer parte integrante de um grupo profissional da cultura organizacional.
O que buscamos mostrar é que parece haver novas configurações no
ingresso em uma rede, modalidade ou um nível que precisam de pesquisas que
13. V CONGRESO INTERNACIONAL SOBRE EL PROFESORADO PRINCIPIANTE Y LA
INDUCCIÓN ALADOCENCIA
identifiquem tais elementos. Ao que parece, o ciclo de vida profissional docente se inverte
quando se considera o caso brasileiro, pois o momento de dúvida, de medo, parece
anteceder o ingresso na carreira.
Ao assumirmos as características e necessidades dos professores
ingressantes como diferentes dos professores iniciantes/principiantes, torna-se um
movimento político e pedagógico que visa: compreender a questão das especificidades
de formação e programas de apoio para a carreira docente; compreender que o medo de
ser professor, a não atratividade da carreira e as condições socioeconômicas de quem
opta pela licenciatura retardam o início da profissionalidade e, consequentemente, trazem
especificidades para os ciclos da docência; vislumbrar a possibilidade de estudos sobre o
cotidiano e a cultura organizacional no ingresso do docente em uma rede, com vistas à
permanência e vivência de uma docência com objetivações de afirmação e negação do
trabalho docente e, portanto, carregada da possibilidade de reconhecer-se como
professor.
Assim, o conceito de desenvolvimento profissional, considerando-o
como um processo contínuo de formação e aprendizagem ao longo da carreira docente,
não envolve apenas a aprendizagem de conceitos e capacidades, mas também a
apropriação de valores e atitudes, por meio da qual o docente aprende uma postura
profissional (ethos). Nessa ordem de ideias, a profissionalidade corresponde a tal
processo e nesse sentido refere-se ao tempo e às condições da materialidade do
trabalho docente e as relações sociais.
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