1) O documento discute as dificuldades enfrentadas por professores iniciantes em seus primeiros anos de carreira, conhecidas como "choque de realidade".
2) Foram entrevistados sete professores iniciantes que relataram falta de tempo, insegurança e dificuldade em se adaptar à sala de aula.
3) A pesquisa analisou as dificuldades encontradas sob diferentes perspectivas teóricas como desenvolvimento profissional e socialização docente.
1. PROBLEMAS SOBRE OS PROFESSORES PRINCIPIANTES EM SEUS PROCESSOS
DE INSERÇÃO PROFISSIONAL
INFORME DE INVETIGAÇÃO
A FORMAÇÃO DO PROFESSOR INICIANTE: O CHOQUE COM A REALIDADE
BARROS, Helena Faria de
helenabarros@uol.com.br
UNIVERSIDADE DO OESTE PAULISTA – Presidente Prudente – SP
Palavras-chave: professor iniciante – profissional docente – dificuldades
enfrentadas
1 INTRODUÇÃO
Como coordenadora de um Programa de Mestrado em Educação pude acompanhar e
participar em uma Universidade a preparação de docentes que deveriam iniciar trabalho
em novos cursos criados de graduação. Em especial pude acompanhar a rápida
formação dos principiantes do curso de Comunicação Social e o trabalho posterior dos
professores em sala de aula por alguns anos.
Este contato me fez perceber necessidades sofridas pelos iniciantes e, portanto, com o
“choque de realidade” vivido por eles. Imerso nestas dificuldades coloquei a mim várias
questões: por que acontece este desajuste inicial com alguns professores? Por que as
dificuldades? Como caracterizá-las? Como encaminhar alternativas de solução? Quais
alternativas? São dificuldades unicamente dos professores ou envolvem, também, todo o
conteúdo do curso?
Planejei uma investigação que teve por objetivo: analisar as dificuldades enfrentadas
pelos professores no início de carreira. Objetivos específicos foram, também,
explicitados: proceder levantamento das dificuldades apresentadas pelos profissionais
iniciantes que se caracterizam como “choque com a realidade”; investigar a natureza
destas dificuldades; oferecer subsídios ao apoio do atendimento a estas dificuldades.
2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA DA PESQUISA
Simon Veenman em 1984 popularizou o conceito de “choque de realidade” para indicar a
situação em que podem se encontrar os professores no seu primeiro ano de docência.
Este conceito de choque de realidade indica o corte que se dá entre os
ideais criados durante a formação inicial e a rude realidade do dia-a-dia
numa sala de aula, não podendo, pois, circunscrever-se a um período
2. limitado de tempo, trata-se antes, de um processo complexo e
prolongado. (Veenman, 1984 apud Silva 1997, p. 54).
Burke, Fessler e Christensen, segundo Garcia (1995, p. 114) referindo-se a este período
de formação docente dizem:
Define-se, em geral, por choque de realidade, como os primeiros anos
de trabalho quando o professor se socializa no sistema. É um período
em que o professor principiante se esforça por aceitar os estudantes, os
colegas e supervisores, e tenta alcançar um certo nível de segurança no
modo como lidar com os problemas do dia-a-dia. É possível que os
professores também experimentem este começo quando mudam de
região.
Muller e Fohdrodt (1978) citados por Silva (1997), usaram a expressão “choque de
transição” para indicar este período da vida do professor e caracterizam-no como sendo
de medos e tateamentos.
Marcelo Garcia (1995, p. 112) chama este momento da docência de “iniciação” à carreira
docente e que deve ser entendido como “parte do contínuo do processo de
desenvolvimento profissional que obedece: formação inicial, iniciação e desenvolvimento
profissional auto-dirigido”.
Para Silva (1997) o conceito “choque de realidade” traduz todo o impacto sofrido pelo
professor quando inicia a profissão.
Pacheco e Flores (1999) explicam que o início da profissão caracteriza-se pela aventura
e fantasia, pela descoberta e exploração da nova situação profissional, tempo marcado
pela euforia e pelo sonho de intervir par ajudar. Explicam que:
A constatação de que suas expectativas irrealistas sobre o ensino
(Hulling – Austin, 1992), não tem correspondência com a dura realidade
da sala de aula (Veenman, 1984, 1988) conduz a sentimentos de
incerteza e desmotivação e a um choque intenso. Esta discrepância ente
a imagem idealizada que o novo professor faz de si próprio e do ensino e
a realidade escolar com a qual se depara ficou conhecida como choque
de transição ou período de indução. (Pacheco e Flores, 1999, p. 115).
Na pesquisa que agora se relata, choque de realidade significou a entrada, com
dificuldade, do professor no mercado de trabalho, portanto, o mesmo sentido dado pelos
autores até aqui apresentados.
Com frequência, vê-se, a indicação deste período como pouco estudado e com o qual os
pesquisadores começam a se preocupar:
Nesta perspectiva, justifica-se uma preocupação crescente relativamente
no estudo da indução no sentido de compreender os significados e as
potencialidades desta fase do itinerário formativo do professor. De fato,
estamos perante um período rico, complexo, e ao mesmo tempo,
paradoxal (Pacheco e Flores, 1999, p. 115).
Marcelo Garcia (1995, p. 112), igualmente, afirma que estudar este período “é urgente,
pela necessidade de salientar a sua importância e de reconhecer que, ainda que se trate
3. de atividades de desenvolvimento profissional, esta fase de iniciação do ensino possui
características próprias que permitem analisá-la de um modo diferente”.
São apontadas, comumente, como características deste profissional, neste período, a
insegurança e a falta de confiança em si.
Este processo de “choque de realidade” tem sido abordado sob diferentes visões
teóricas. Em Garcia (1999) encontra-se referências a elas.
A primeira delas, a do desenvolvimento do professor que analise as preocupações dos
professores e os problemas indicados por eles. Estudos, nesta linha, não se restringem
ao primeiro ano da docência mas se estendem do primeiro ao quinto ano, numa
abordagem longitudinal e quase sempre a professores principiantes e experientes.
Conforme Garcia (1999, p. 114) as dificuldades encontradas pelos iniciantes levou
autores como Fuller e Bowar, (1975), nos Estados Unidos a descreverem estágios de
preocupações, a saber: a) fase de sobrevivência, com percepção de problemas
referentes a adequação e sobrevivência na docência tais como: controle de sala de aula,
a estima pelos alunos e a seu avaliado; b) preocupações com a situação de ensino,
métodos, materiais didáticos e domínio de habilidades de ensino; c) preocupações com
os alunos, sua aprendizagem, suas necessidades sociais e emocionais e
relacionamentos inter-pessoais, principalmente com os alunos, enquanto pessoas.
Esses estágios são indicadores das diferentes etapas do desenvolvimento profissional
dos docentes. Fuller (1975), acredita que as últimas dificuldades apontadas só se
resolvem se as primeiras forem solucionadas.
Os estudiosos dessa perspectiva teórica concluíram que:
As auto-preocupações diminuem em magnitude do estágio inicial até o
quinto ano, enquanto as preocupações com a tarefa de professor,
relacionadas à aula, aumentam com a experiência. (Garcia, 1999, p.
115).
Veenman (1984) também citado por Garcia (1999, p. 115), indica estudos de Sitter e
Lanier que desenvolveram pesquisas semelhantes a esta de Fuller e perceberam que os
professores não resolviam uma preocupação antes de passar para outra, mas lidavam
com elas, simultaneamente.
Esta perspectiva teórica foi e é útil por oferecer informações que são mais pessoais e
situacionalmente específicas.
A segunda perspectiva teórica que explica as dificuldades dos professores é a teoria do
desenvolvimento cognitivo que encara o aprender a ensinar como um processo de
maturidade intelectual. O desenvolvimento humano acontece por mudanças nas
estruturas cognitivas, também é assim, que se dá com o aprender a ensinar. É um
processo evolutivo de estruturações e amadurecimento intelectual.
Garcia (1999, p. 115) recorre a Veenman (1984) que afirma:
Esta teoria tira sua ideias dos estudos de Piaget sobre o
desenvolvimento cognitivo, de Kohlbert, sobre a tomada de decisão
moral, de Loevinger sobre o desenvolvimento do ego, de Hunt sobre
desenvolvimento conceitual e de Perry, sobre o desenvolvimento
epistemológico ético. Todos apresentam uma sequência hierárquica e
não variável, do menos complexo para o mais complexo.
4. Sprinthall e Thies – Sprinthall (1983) citados por Veenman (1995, p. 21) apud Garcia
(1999, p. 115) dizem que:
Pessoas consideradas em estágios superiores de desenvolvimento
funcionam mais complexamente, possuem um repertório mais amplo de
habilidades comportamentais, percebem os problemas de forma mais
clara e total e podem responder com mais precisão e empatia as
necessidades dos outros.
Completam, ainda, esses autores que:
Pesquisa sobre efetividade do professor indica que professores em
níveis cognitivos de desenvolvimento mais altos funcionam melhor na
sala de aula e podem ser mais flexíveis, tolerantes a stress adaptáveis e
mais capazes de assumir perspectivas múltiplas, a aplicar uma maior
variedade de ensino e enfrentar comportamentos do que professores em
níveis cognitivos mais baixos.
Glassbert e Sprinthall (1980) cidato por Garcia (1999, p. 115) estudaram 13 professores
por acompanhamento (fallow-up) em seu primeiro ano, em diferentes estágios de
desenvolvimento cognitivo e perceberam que:
Os professores em estágios inferiores se viam como incapazes de
motivar com sucesso, os alunos, e afirmavam que a administração da
escola deveria assumir a responsabilidade da disciplina na sala de aula.
Em estágios superiores os iniciantes enfatizavam a importância do
respeito, de ser flexível e tolerante, de se comunicar, da empatia, da
necessidade de compreender as diferenças individuais e o desejo de
responder de uma forma que facilita o crescimento acadêmico e pessoal
dos alunos. Os professores capazes de se adaptar às demandas
pessoais e profissionais do papel de ensinar experiencivam uma série de
papéis e responsabilidades novas que, eles achavam que aumentavam o
auto-conceito e os sentimentos de competências e auto autonomia.
Afirma Veenman (1995), em Garcia (1999, p. 115), que esta teoria, pelas pesquisas
realizadas, salienta a importância das diferenças de desenvolvimento dos professores
iniciantes e auxilia a compreensão melhor da estrutura e do conteúdo dos problemas dos
docentes.
Uma terceira abordagem teórica que procura interpretar a “iniciação” à docência, enfatiza
os elementos sociais e culturais da profissão docente. A iniciação é o momento em que
os professores assumem os valores culturais da escola. Esta teoria explica as
preocupações docentes deste período pelo processo de socialização, ou seja, examina
as mudanças nas pessoas, as mudanças de atitudes das pessoas. A iniciação é
momento de aquisições de elementos da vida social da instituição.
Para Van Maanen e Schein (1979), segundo Garcia (1995, p. 115), a socialização “é o
processo através do qual um indivíduo adquire conhecimento e as competências sociais
necessárias para assumir um papel na organização”.
Lucas Martin, (1986) citado por Garcia (1995, p. 15) confirma que: “Socialização é o
processo pelo qual um indivíduo se torna membro funcional de uma comunidade,
5. adquirindo a cultura que lhe é própria. Ou seja, a socialização é o processo de aquisição
de uma cultura”.
Esta abordagem se centro no inter-jogo entre necessidades, capacidades e intenções
dos indivíduos e as restrições institucionais.
Os pesquisadores desta abordagem reconhecem, neste período, fases como:
aquiescência, identificação, internalização (ou iniciação à internalização) e evolução.
Aceitam, os defensores desta teoria, que são as mudanças de atitudes que marcam a
passagem da iniciação para outra fase e a teoria se caracteriza pela alta prioridade dada
à descrição das dificuldades dos professores e ao contexto em que eles trabalham.
3 A PESQUISA REALIZADA
Foram estudados professores que iniciavam seu trabalho de docência sendo a maioria,
docentes pela primeira vez; outros, já com alguma experiência em curso afim.
Dos sete professores com as características desejadas na pesquisa (vinte e seis
constituía o total dos docentes do curso) dois (2) eram graduados em Comunicação
Social, quatro (4) Comunicação Social – Jornalismo, e um (1) em Letras Modernas e
Literatura Comparada.
Desses, um (1) não tinha especialização, quatro (4) possuíam uma especialização na
área e dois (2) contavam com duas especializações na área. Dois (2) professores
iniciaram o mestrado, dois (2) possuíam o mestrado concluído e três (3) não tinha
mestrado. Dois professores, dos sete, possuíam também o doutorado: um na área de
Psicologia Escolar (Educação à Distância) e outro na área de Letras (literatura
Comparada).
Os professores trabalham na Instituição estudada: cinco (5) há 3 meses; um (1) há nove
meses; um (1) há um ano.
Os sete professores estudados lecionavam no curso de Comunicação Social, sendo que
dois lecionavam em outro curso, Letras e Pedagogia; quatro em Comunicação Social
(curso básico) e um em Comunicação Social – Jornalismo.
Algumas questões foram propostas aos professores individualmente, e as respostas
aparecem sintetizadas a seguir.
3.1 Dificuldades Encontradas ao Ensinar
Os sete professores iniciantes no curso estudado indicaram como dificuldades que
enfrentaram as se seguem:
a) Preocupações centradas no próprio professor. Foram indicadas:
▪ falta de tempo do professor para aprofundar os temas debatidos em sala de aula;
▪ falta de horas para pesquisar, para melhorar as aulas e buscar fontes alternativas;
▪ falta de segurança no conteúdo da disciplina;
▪ insegurança em relação à tarefa à realizar;
▪ dificuldade em se adaptar à realidade do aluno;
▪ necessidade de incluir problemas do cotidiano nos etudos, de modo a interessar os
alunos.
b) Em relação ao controle e organização, indicaram os seguintes problemas:
▪ necessidade de participar de reuniões para refletir, em conjunto com os demais
professores, o projeto pedagógico do curso;
6. ▪ ausência de um projeto pedagógico que leve à conceituação do profissional a ser
formado;
▪ não conscientização da importância de se trabalhar na consecução desse objetivo de
formação do profissional;
▪ rotatividade dos professores.
c) Como preocupações com os alunos, foram apontados os seguintes problemas:
▪ desinteresse dos alunos, pela escola, pelo curso, pelo estudo;
▪ alunos perdidos em relação ao curso que estão fazendo e em relação às disciplinas;
▪ alunos que assumem a postura de cliente-patrão (consumista) para com os
professores, esperando doação;
▪ índice baixo de reflexão e pouca disposição para tanto, havendo preocupação com
memorização, apenas;
▪ dificuldade em usufruir dos ensinamentos adquiridos e aproveitá-los na profissão, na
vida;
▪ desinteresse em buscar informações que, além de ampliar conhecimentos,
contribuíam para a mudança de atitudes e ações.
Verifica-se comoas dificuldades apontadas confirmam as pesquisas anteriormente
realizadas. Revelam, no fundo, a preocupação do professor consigo e outrossim, a
formação pedagógica apressada ou inexistente.
É bastante significativa a resposta de um professor à questão: o curso que leciona é de
formação do bacharel ou licenciatura e em se tratando de um ou de outro você muda sua
programação em função disso?
O professor, demonstrando certa estranheza, respondeu: “Não entendi bem a pergunta.
Se a proposição significa que bacharel não está preparado para dar aulas, discordo, pois,
na Comunicação Social, é preciso adequar os alunos às experiências variadas de acordo
com o mercado de trabalho”.
Essa resposta confirma a evidência do mesmo modo que as dificuldades apontadas, a
preocupação exclusiva com a formação na área específica como exigência para se tornar
um professor. É pensamento corrente que para ensinar não há necessidade da formação
pedagógica. Pesquisas recentes, porém, relativas à formação do professor, têm
desmentido essa crença generalizada, chegando mesmo a detectar a existência de um
pensamento pedagógico próprio (tal como o pensamento médico ou jurídico) orientador
da ação docente. Wilson, Shulman e Richert (1987) caracterizam-o como referente ao
conhecimento do conteúdo a ensinar, ao conhecimento pedagógico geral, ao
conhecimento dos fins, objetivos e valores educacionais, ao conhecimento dos
aprendentes e suas características, conhecimento dos contextos de educação e
conhecimento de si próprio como pessoa profissional.
Pontecorvo (1993), igualmente, afirma a necessidade, na formação do docente, do
domínio do conteúdo específico, da matéria que vai lecionar, isto é, é preciso apreender a
natureza e estrutura do conhecimento da disciplina com a qual vai se ocupar. É preciso
que também, domine a metodologia de pesquisa característica da área e a metodologia
de ensino adequada a essa área de conhecimento.
Esse pensamento pedagógico precisa ser formado contrariando a concepção de vocação
inata, de que professor já nasce feito,ou de que o domínio do conteúdo específico
garante a competência para ensinar.
3.2 O Estudo de Didática pelos Docentes
7. Dos sete professore estudados, um estudou Didática no magistério, pois é, também,
professor do Ensino Fundamental; três tiveram Didática na graduação, sendo que um
deles teve, especificamente, Didática da Língua Estrangeira. Três professores (quase
50% deles) nunca estudaram essa matéria.
Dentre os que estudaram a disciplina, os temas de que se recordam são: avaliação,
técnicas de fichamento, elaboração de projetos, relações interpessoais, planificações de
aulas, transmissão de informações.
Vê-se portanto, a não formação pedagógica ou, então, formação fragmentada. Não se
percebe visão de conjunto do conteúdo dessa disciplina que tem por tema central o
ensino. Lembranças parciais e pontuais revelam a não percepção da natureza, estrutura
e a problemática dessa área específica de estudos que é a Didática.
À pergunta: O que é ensinar para você? As respostas, no total de sete, foram:
▪ é transmitir conteúdos através de conhecimento pré-definidos (2 professores);
▪ mais que transmitir, ensinar é esclarecer porque e onde fazer utilização do estudado.
A demonstração de resultados é importante (1 professor);
▪ mostrar caminhos para que os alunos possam, por si só refletir e entender o mundo e
a sociedade (1 professor);
▪ é refletir sobre os conteúdos e procurar desenvolver novos conhecimentos sobre o
assunto (1 professor);
▪ compartilhar conhecimentos uma vez que os alunos sempre têm noções que somam
às ideias apresentadas pelos professores (1 professor);
▪ mediar o processo de construção de significados e competências (1 professor).
Meirieu (1999), numa concepção atualizada e progressista diz que “ensinar é fazer
aprender”, ou seja, ensinar consiste em empreender esforços para que o aluno elabore
conceitos, atribua significados, compreenda o que está esudando, adquira habilidades
processuais e desenvolva atitudes a partir do conteúdo. Ensinar é empreender esforços
até conseguir que o aluno aprenda.
Das respostas dadas, duas se aproxima dessa visão (as duas últimas) enquanto as
demais indicam uma concepção tradicional de ensino enquanto transmissão, enquanto
doação de quem sabe para quem não sabe.
É importante o aspecto destacado por um professor de que ensinar é compartilhar
noções, vez que, os alunos as têm. Concepções espontâneas ou alternativas dos alunos
são, sim, o ponto de partida para o ato pedagógico.
Questionados sobre a concepção de aprender, os professores responderam como segue.
Aprender é:
▪ adquirir conhecimentos que ficarão retidos na memória;
▪ buscar informações que, além de ampliar conhecimentos contribuam para a mudança
de atitude e conhecimento;
▪ compreender e estar apto à utilização de todas as informações dadas;
▪ usufruir dos ensinamentos adquiridos e aproveitá-los na profissão, pela vida afora;
▪ dotar-se de ferramentas para reflexão sobre o assunto proposta;
▪ construir conjuntos de significados que permitam lidar com os objetos.
Condizente com o que foi expresso como ensino, a concepção de aprendizagem dos
professores estudados acentua a passividade do sujeito no ato de aprender. Apenas dois
fogem a essa maneira de ver quando afirmam que aprender é dotar-se de ferramentas
para reflexão (o que corresponde ao aprender e aprender apontado como importante
objetivo da educação hoje) e aprender é construir conjuntos de significados (que destaca
8. a atividade necessária do sujeito para construir significados os quais devem, também,
compor conjuntos). Essa última afirmação lembra Ausubel (1975) e Bruner (2000) quando
afirmam que aprender é perceber como as coisas se relacionam.
Quatro professores responderam tratar-se de bacharelado. Um não respondeu e dois por
lecionarem em outros cursos (Pedagogia e Letras), responderam que o curso forma,
também, o professor.
Lamenta-se o não se TR aprofundado a questão solicitando as características do
profissional a ser formado que se orienta pela competência desejada e sociamente
requerida.
Frente a questão o que sugere à Universidade para lhe ajudar?
As respostas caracterizam bem a situação de “choque com a realidade”.
▪ promover melhor integração entre os profissionais do curso;
▪ aflorar o senso de equipe;
▪ conceder algum tempo, algumas horas para preparo das aulas, correção e pesquisa;
▪ informar melhor o conteúdo passado aos alunos naquela disciplina, quando for o caso
de continuidade;
▪ disponibilizar canais de informação, fontes alternativas de informações, dentro da
universidade;
▪ repensar o número de alunos por classe.
Merece destaque a resposta da professora que afirma: “senti-me um pouco deixada de
lado por estar entrando na instituição e pegando matérias (disciplinas) de outros
professores.”
Pelo quadro dos problemas apresentador por Veenman (apud SILVA, 1997), os sujeitos
se concentram na preocupação consigo próprio e não com o controle e organização do
trabalho, ou, explicitamente, com os alunos.
Reivindicam apoio por parte da Coordenação do curso para a troca de experiências, para
a articulação das disciplinas entre si, e, principalmente, momentos para discutir e
explicitar o perfil e competências do profissional a formação que iriam favorecer a
elaboração das ementas e das programações específicas. Essas reivindicações, se
atendidas, dariam ao curso a unidade necessária à formação do profissional de
qualidade.
Não há solicitação explícita da formação didático-pedagógica, mas, implicitamente, os
problemas resultantes dessa não preparação do docente estão aí expressos.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Pôde-se contatar dificuldades que os professores iniciantes estão a enfrentar. Não se tem
dados para se afirmar que são dificuldades próprias e únicas dessa fase de
aprendizagem profissional ou se não dificuldades, também, de outras fases da vida do
professor. O certo é que elas estão aí a interferir no trabalho do professor, com
consequências no processo de aprendizagem.
O centro das preocupações dos docentes estudados constatadas está sem perceberem-
se a si próprio, enquanto aprendem as estratégias e rotinas do novo papel que estão a
assumir e enquanto se preocupam com os conteúdos programáticos e não com o
aprender do aluno. Currículo que não considera a prática docente e considera a
9. racionalidade técnica não-reflexiva são fatores que se juntam a isso. A constância no
planejar a prática e principalmente a reflexão sobre o que faz e fez poderão conduzir,
progressivamente, a uma descentração, voltando-se para o aluno, para a aprendizagem,
para melhor formação.
A literatura existente, como se viu, confirma e esclarece o que se obteve na pesquisa.
O interessante, ao final, é que se dispõe, agora, dos dados da pesquisa, de elementos
para empreender projetos de formação com os professores, dando-se atenção e apoio a
esses interesses.
A formação a ser proporcionada no local de trabalho para quem começa a atividade
didática é chamada por muitos de “indução profissional”.
Essa forma de acolhimento e acompanhamento foi, também, sugerida pelos próprios
professores estudados quando pedem a criação do senso de equipe, a criação de grupos
de estudos sobre o projeto pedagógico do curso, a compatibilização de programas, a
troca de materiais e informações.
Convém lembrar o cuidado que se deve ter ao implantar essa “indução profissional” que é
o de não se perder na racionalidade técnica, no “como fazer”, centrado
predominantemente, na sala de aula e no treino das técnicas de instrução e transmissão
de conhecimentos. A reflexão (pensamento em segundo grau, pensamento sobre o
pensamento) sobre o ato realizado deve favorecer ao professor autonomia profissional
crescente na execução das três tarefas inerentes a seu agir específico: a função de
mediador ou de intermediário entre três mundos – o mundo objetivo das coisas materiais,
o mundo subjetivo dos psiquismos e o mundo dos produtos do espírito humano que uma
vez produzidos se tornam independentes; a função de decisor resultante da progressiva
conscientização por parte do docente da característica de diversidade, imprevisibilidade e
heterogeneidade dos contextos educativos e a função de captar auditórios adversos. Ou
seja, a formação empreendida, deverá levar à convicção de que a prática profissional do
professor não é um agir instrumental, mas, é o agir comunicacional, como indica
Habermas (1987).
Assim, a “indução profissional” não pode ser entendida como momento para preencher
lacunas no conhecimento, compensar deficiências ou garantir apenas técnicas de
“sobrevivência” no ensino. Precisa ser entendida como promoção profissional do
professor, como crescimento e desenvolvimento pessoal e profissional assumido pelo
iniciante e pela escola que o recebe.
A escola enquanto organização social que vive num contexto de mudanças rápidas e de
inovações precisa ela própria, garantir a seus membros o domínio da cultura que vive e
cria e que julga indispensável a todos que nela convive. Mais que na sala de aula o
professor se forma na escola que deve se organizar para isso. A participação de todos na
vida da escola e uma gestão que valoriza o trabalho em comum, em equipe consegue
promover os seus profissionais.
Há que ser uma “escola aprendente” não só para alunos mas para todos que nela
convivem. E enfatizando esta ideia Thurler acentua que:
[...] para compreender um processo de mudança profundo e durável, os
esforços investidos devem ir além da troca de experiências e da
comunhão dos recursos ou, mesmo, de algumas tentativas esporádicas
de ‘teamteaching’, de observações mútuas ou de investigações comuns,
integrando-as em uma abordagem global de análise e desenvolvimento
das práticas (THURLER, 2001, p. 76).
10. REFERÊNCIAS
AUSUBEL, D. P. (1975). Educational Psychology: Cognitive View. New York: Holt,
Rinehart and Winston, Inc.
BRUNER, J. A. (2000). A cultura da educação. Porto Alegre: Artmed.
GARCIA, C. M. (1999). Formação de professores: para uma mudança educativa. Porto:
Porto Editora.
HABERMAS, J. (1987). Teoria de La acción comunicativa I: racionalidad de La acción y
racionalización social. Madrid: Taurus.
MEIRIEU, P. (1999). Aprender... sim, mais como. Paris: Editora ESF.
PACHECO, J. A.; FLORES, M. A. (1989). Formação e avaliação de professores. Porto:
Porto Editora.
PONTECORVO, C. (1991). Teorias do currículo e sistema italiano de ensino. In:
MARAGLIANO, R. et al. Teoria da Didática. São Paulo: Cortez.
SILVA, M. C. M. (1997). O primeiro ano da docência: o choque com a realidade. In:
ESTRELA, M. T. Viver e construir a função docente. Lisboa: Porto.
THURLER, M. G. (2001). Inovar no interior da escola. Porto Alegre: Artimed.
VERA, J. El. (1988). El profesor principiante. Valencia: Promolibro.
WILSON, S. M.; SHULMAN, L. S.; RICHERT, A. E. “150 different ways of knowing:
Representantions of knowledge in teaching.” In J. Calderhead (Ed), Exploring teachers’
thinking. Sussex: Holt, Rinehart, & Winston.