Este artigo resume uma pesquisa com cinco professores iniciantes do ensino médio sobre sua percepção de si mesmos e da contribuição da escola para sua formação continuada. A análise revelou três categorias: 1) A formação inicial forneceu conteúdos teóricos úteis, mas pouca prática; 2) Os professores gostam da profissão, mas enfrentam dificuldades de relacionamento e controle da sala; 3) A escola pode oferecer mais formação continuada e apoio aos professores iniciantes.
Estudar, para quê? Ciência, para quê? Parte 1 e Parte 2
Formação de Professores Novatos
1. 1
PROFESSORES INCIANTES: TEORIAS, PRÁTICAS, DILEMAS E DESAFIOS
Marinice Souza Simon
marinice@santadorotea-rs.com.br
Aluna do Doutorado em Educação da PUCRS
Cleoni Maria Barboza Fernandes
cleofernandes@terra.com.br
Professora pesquisadora do Programa de Pós-Graduação em Educação da PUCRS
PUCRS – Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – Brasil
Programa de Pós Graduação em Educação – PPGEDU
RESUMO: Este artigo trata de um recorte de uma pesquisa com cinco professores do
Ensino Médio com um a dois anos de atuação, questionando sobre a percepção que o
professor novato tem de si mesmo e também as contribuições da escola para sua
formação continuada. A abordagem foi a da pesquisa qualitativa e o procedimento de
coleta de dados foi a entrevista semiestruturada. A análise dos dados revelou as
seguintes categorias: Formação inicial, aprendizagem da docência/início de carreira e
escola com lócus de formação. O estudo realizado evidenciou, por parte dos
interlocutores, uma vontade muito grande de acertar e de pertencer a escola, ajudando
os alunos na busca pelo saber. Vários deles dizem realizar sonhos ao ingressar no
magistério e, motivados pelos pais ou por professores, buscam entrar na carreira com
objetivos definidos e grande disposição para o enfrentamento diário. Cabe à escola
constituir uma rede de apoio para acompanhar e orientar os novos docentes em suas
práticas diárias.
Palavras-Chave: Trabalho docente – Aprendizagem da docência – Formação inicial
1 INTRODUÇÃO
A discussão sobre a qualidade da Formação de Professores tem pré-ocupado a
agenda educacional brasileira com especial ênfase na última década do século XX.
Fernandes e seu grupo de pesquisa (desde 2002) têm discutido a formação de
professores como campo de estudo com objeto próprio, reconhecendo-o como
polissêmico, fonte inesgotável de pesquisa.
Essa compreensão exige uma tematização do próprio campo em seus
movimentos e momentos de debates e mudanças demandadas pelo contexto local e
internacional.
Sabemos que há uma porosidade no conceito de formação, com várias entradas e
saídas, um entrevero de valores e de relações humanas, mas é necessário assumir o
2. 2
risco de trabalhar em um terreno movediço, com cuidados éticos, conforme Fernandes
(2009, p. 4) aponta:
A pesquisa sobre/com formação de professores pressupõe cuidados
porque trabalhamos com valores e ideologias à flor da pele,
conhecimentos e saberes, válidos e não válidos, procedimentos
metodológicos, relações humanas, estruturas de poder, visões de mundo,
enfim vários fios que interagem em uma teia de relações que envolvem o
conhecimento como categoria fundante, os quais tecem e são tecidos com
o mundo lá fora .
Acrescentamos nessa perspectiva que o conceito de formação envolve uma
dimensão individual de valores e subjetividades para além de uma dimensão técnica da
sua constituição profissional.
Nessa dimensão, situa-se também a responsabilidade pela própria formação,
gerando uma busca e uma condição de torná-la ativa (GARCÍA, 1999). Avançando nessa
temática, insere-se a iniciação profissional, denominada por Feiman (apud GARCIA,
1999) de Fase da Iniciação.
Mobilizadas pela experiência e pelos estudos que estamos desenvolvendo,
focalizamos nesse texto a questão dos professores iniciantes a partir dos seguintes
interrogantes: Quais são as condições desse trabalho inicial? Como são recebidos no
novo ambiente de trabalho? Qual o apoio dado e as orientações oferecidas para as
primeiras experiências docentes? Esses são questionamentos que nos acompanham,
quer quando dividimos o espaço profissional com professores iniciantes, quer quando
pesquisamos a Formação Inicial de Professores.
Com o objetivo de entender o universo que abriga o professor iniciante, suas
particularidades e formas de reação em sua chegada à escola, e também reconhecer o
valor da formação inicial para as primeiras incursões em sala de aula, empreendemos
esta pesquisa, realizada com cinco professores do Ensino Médio com um a dois anos de
atuação. Buscamos refletir sobre a percepção que o professor novato tem de si mesmo e
também as contribuições da escola para sua formação continuada.
2 METODOLOGIA DA PESQUISA
A opção pela abordagem qualitativa da pesquisa contemplou a necessidade de
compreender e analisar os professores pesquisados, em suas dinâmicas de interação,
suas práticas e as opções metodológicas implícitas no processo educativo.
Analisar a realidade, conversar e participar das reflexões dos interlocutores,
buscando entender a complexidade dos fenômenos educativos contextualizados em
concepções paradigmáticas são ações significativas que nos possibilitaram adentrar na
realidade dos sujeitos envolvidos na investigação.
Como procedimento de coleta de dados, foram realizadas entrevistas
semiestruturada com cinco professores iniciantes de uma escola de Educação Básica da
rede privada de Porto Alegre. As perguntas tiveram o objetivo de verificar e analisar, a
partir da visão dos professores, aspectos de sua formação inicial e a contribuição da
escola na formação do professor iniciante.
Conforme Lüdke e André (1986, p. 34), a entrevista semiestruturada permite a
manifestação livre do entrevistado, valorizando o papel do pesquisador, favorecendo um
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diálogo que poderia oportunizar “todas as condições de liberdade e espontaneidade
necessárias ao entrevistado, a partir de um esquema básico, não rígido”.
Convém ressaltar que quatro, dos cinco professores questionados, tinham até
dois anos de tempo de serviço e um, tinha cinco anos.
Para que fosse preservada a identidade dos docentes pesquisados, optamos por
identificá-los com as cinco primeiras letras do alfabeto.
Para análise dos dados utilizamos Moraes e Galiazzi (2007, p. 145), em que a
análise textual discursiva (ATD) tende, principalmente, para a "construção ou
reconstrução teórica, numa visão hermenêutica, de reconstrução de significados a partir
das perspectivas de uma diversidade de sujeitos envolvidos nas pesquisas".
3 CATEGORIZANDO AS RESPOSTAS DOS PROFESSORES
Durante as leituras para o mapeamento das respostas dos entrevistados
emergiram três categorias que a seguir foram abertas em subcategorias, possibilitando a
estruturação que segue:
a) Formação inicial
• Conteúdos teóricos
• Experiências/práticas
• Práticas reduzidas
• Reflexões/discussões
b) Aprendizagem da docência/início de carreira
• Gosto pela profissão
• Relacionamento
• Dificuldades no controle de si e dos alunos
• Preconceito com o professor novato
c) Escola como lócus de formação
• Valor da aprendizagem prática
• Formação continuada na escola
• Trabalho em equipe
A análise das respostas a partir da categorização permitiu-nos visualizar um
panorama de maiores e menores incidências, em que, na formação inicial aparece com
relevo o reconhecimento das teorias e conteúdos acadêmicos nas práticas cotidianas do
início da carreira docente. As práticas aparecem citadas apenas por um professor que
observa a oportunidade de prática dentro da formação acadêmica, como algo que o
auxiliou no posterior trabalho de sala de aula.
Com relação à aprendizagem da docência no início da trajetória de trabalho, o
gosto pela profissão e a paixão por ensinar aparecem citados por quatro dos cinco
professores entrevistados. Vale citar que o desempenho docente está ligado à realização
de um sonho anterior que se concretiza no trabalho atual.
Nesta categoria a facilidade de relacionamento e a dificuldade no controle
necessário para conter o nervosismo característico dos iniciantes, bem como para
organizar os alunos, surgem manifestados por três dos interlocutores.
4. 4
É interessante notar que dois professores fazem referência ao preconceito com os
docentes iniciantes, alvos de piadas e descrédito pelos pares e também por alguns
alunos. Ambos os professores salientam a necessidade de transporem as barreiras
impostas por essas ideias preconcebidas a seu respeito, com um trabalho eficiente, bem
planejado e auxiliado pela criatividade e pela elaboração e aplicação de dinâmicas
atraentes, que inovem as aulas e facilitem a aprendizagem de seus alunos. Iniciativas
que os professores mais experientes, muitas vezes, desprezam.
4 FORMAÇÃO INICIAL – CONTRIBUIÇÕES PARA A PRÁTICA DE SALA DE AULA
No universo pedagógico contemporâneo as reflexões sobre a formação docente
emergem destacando a necessidade de mudanças nos cursos de formação inicial, no
sentido de proporcionarem uma maior aproximação entre os estudos teóricos e as
práticas subsequentes.
Embora seja dado um valor considerável a prática como oportunidade
preponderante de aprendizagem da docência, não há que se desprezar a importância da
teoria como base para futuras decisões.
Nas respostas dos Professores “B” e “E” foi possível perceber um valor dado às
lições teóricas como referenciais para suas ações em sala de aula:
Trago de útil os conteúdos aprendidos na academia a prática a pesquisa,
metodologias vivenciadas e debatidas. Da prática docente, no sentido da
relação com os alunos e relacionamento dentro da sala de aula, muito se
discute na licenciatura, mas pouco se experimenta. (professor “B”)
Trago da minha formação acadêmica uma carga de estudos
(conhecimentos) que proporciona o bom desenvolvimento de minhas
atividades profissionais no componente curricular de história. Esta carga
de estudos ajuda tanto na parte específica quanto no que diz respeito à
parte da educação (pedagógico). (professor “E”)
Essas falas estão impregnadas de reconhecimento aos estudos acadêmicos. Os
professores demonstraram que fazem uso dos conteúdos, conhecimentos específicos do
campo da história e mais gerais, ligados a educação propriamente dita, classificados por
eles como pedagógicos, apesar de notar-se que o professor “B” aponta sutilmente a falta
de discussão sobre os possíveis relacionamentos professor-aluno no andamento do
processo ensino aprendizagem como uma deficiência da graduação cursada.
O reconhecimento pelas lições teóricas presente nesta fala, corrobora com o
sentido dado por Pimenta (2008, p 24):
[...] O saber docente não é formado apenas da prática, sendo também
nutrido pelas teorias da educação. Dessa forma, a teoria tem
importância fundamental na formação dos docentes, pois dota os
sujeitos de variados pontos de vista para uma ação contextualizada,
oferecendo perspectivas de análise para que os professores
compreendam os contextos históricos, sociais e culturais,
organizacionais e de si próprios como profissionais.
Os conteúdos veiculados na academia têm o papel de embasar futuras práticas,
sendo referenciais para posteriores tomadas de decisão, que ao longo do trabalho se
apresentam ao novo docente. Marcelo Garcia (1999, p. 30) considera a formação inicial
como oportunidade de crescimento intelectual, social e emocional:
5. 5
Isso implica que os docentes sejam entendidos não como consumidores
de conhecimento, mas como sujeitos capazes de gerar conhecimento e
de valorizar o conhecimento desenvolvido por outros. A formação de
professores deve estimular a capacidade crítica por oposição às
propostas oficiais, no sentido de professor tal como é referido por Giroux
(1990). Para isso, a formação de professores deve promover o contexto
para o desenvolvimento intelectual, social e emocional dos professores.
Ao observarmos a realidade docente percebemos que os professores têm se
tornado, cada vez mais, reprodutores dos saberes disciplinares e curriculares,
classificados por Tardif (2004), recebidos na formação inicial, fazendo-os desprezar os
conhecimentos experienciais, uma vez que não estão habituados a desempenhar uma
prática autoral.
Esse quadro nos indica pistas de ação para que outras práticas aconteçam, tal
qual afirmam Rocha Filho, Basso e Borges (2007, p. 35):
Isso significa estritamente abandonar o individualismo para o qual fomos
treinados, adotando uma atitude ao mesmo tempo humilde perante os
muitos saberes, e participativa e integradora em relação a nossa ação
pedagógica. É necessário trabalhar pela eliminação da fragmentação do
conhecimento, que dá poder a pessoas que não sabem como manejá-lo
adequadamente justamente porque não têm a consciência da totalidade.
Os movimentos mais atuais da Formação Inicial envolvem a construção de uma
nova organização curricular, em que as disciplinas conversem entre si, concretizando o
diálogo epistemológico, preconizado por Fernandes (2009). E que abriguem em seu
repertório a possibilidade de se relacionarem com os acontecimentos locais e mundiais,
indo além de uma listagem congelada de conteúdos, na busca de derrubar fronteiras
entre os diferentes saberes que habitam o universo poliédrico e multifacetado do qual
fazemos parte.
Ainda com relação aos conteúdos ditos pedagógicos veiculados na graduação
trazemos as respostas dos professores “A” e “D”:
Trago, principalmente, as experiências dos contatos com uma literatura
pedagógica problematizadora e progressista, que enxerga o espaço
“sala de aula” como algo democrático e não como um instrumento de
coerção psicológica e cognitiva, onde o professor carrega consigo o
saber e o deposita em seus alunos, meros receptores. (professor “A”)
Trago todo o ensinamento das cadeiras referente aos conteúdos usados
em sala de aula. As práticas de ensino também são bem úteis no intuito
de fornecer as primeiras experiências como professor. Muito importantes
também são os ensinamentos pedagógicos e psicológicos de algumas
cadeiras, para que possamos entender as diversas personalidades e
tipos de alunos. (professor “D”)
Seguindo o recorte para análise das respostas destacamos a expressão do
professor “C” que se contrapõe aos demais entrevistados, destacando a ausência de
práticas na formação inicial, bem como dos debates sobre a prática docente.
É triste perceber que o ambiente acadêmico, na maioria das vezes, não
proporciona o contato efetivo com a questão escolar de forma mais
objetiva. Em grande parte, principalmente pelo que percebo através de
colegas de outras áreas entre as licenciaturas, a formação humanística,
em comparação as chamadas “ciências exatas” tem por finalidade um
exercício mais profundo da pesquisa acadêmica do que propriamente do
debate sobre a prática docente – ainda que esses cursos tenham em
seus nomes o título “licenciatura em...”. Fato é que, fora os momentos de
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estágio curricular obrigatórios e as respectivas discussões presentes nas
cadeiras, há pouca experiência objetiva com o que de fato representa ser
professor. [...] claro que houve momentos também muito ricos ligados a
isso, mas em comparação com inúmeras outras possibilidades, foram
poucos.
É interessante observar o valor da experiência em curso para a posterior atuação.
No dia a dia da escola, é possível perceber a necessidade de um preparo prático, em que
o exercício in loco, faça parte das atividades de formação. Entendemos que a
aprendizagem da docência se faz no cotidiano e no enfrentamento das situações que
surgem dentro do processo ensino-aprendizagem, mas também verificamos que alguma
prática prévia poderia enriquecer o professor novato na construção de seu repertório
pedagógico.
Cavaco (1999, p.162) sustenta essa inferência:
Aprende-se com as práticas do trabalho, interagindo com os outros,
enfrentando situações, resolvendo problemas, refletindo as dificuldades
e os êxitos, avaliando e reajustando as formas de ver e de proceder.
Também se aceita que a identidade profissional do professor se
aperfeiçoa num processo de socialização centrado na escola, tanto
através da apropriação de competências profissionais, como pela
interiorização de normas e valores que regulam a atividade e o
desempenho do papel de professor.
A análise desse primeiro conjunto de respostas, relativas à formação inicial, com o
cotejamento das respostas dos professores “A” e “C”, nos surpreendeu pelo processo de
reflexão construído em sua curta trajetória profissional:
A academia me proporcionou experiências e contato com uma literatura
pedagógica problematizadora e progressista. (Professor B)
O que posso afirmar que enriquece minha prática como educador que
tem ligação forte com minha formação no Ensino Superior é aplicar o
conceito de desconstrução, ou seja, sair dos moldes e dos vícios do
currículo escolar pré-estabelecido, tratando de ampliar a visão dos
educandos sobre os mais diversos conceitos, dando liberdade para às
construções de relações, todavia equilibrando a necessidade (às vezes
um tanto contraditória) de manter-se nesse currículo, utilizando-o como
uma base, nunca como um fim em si mesmo, muito menos apenas
reproduzindo os formatos já conhecidos (de aula e transmissão de
conhecimento. (Professor C)
Na fala do professor B fica evidente a presença de momentos fortes de reflexões
pedagógicas dentro da graduação, baseadas nas correntes problematizadora e
progressista. O contato com essa literatura possibilitou-lhe a formação de um referencial
mais amplo, considerado por ele, como ponto relevante em sua trajetória formativa.
No depoimento do professor C observamos um elevado grau de reflexão ao
ensejar uma prática descolada, em parte, do suporte teórico tradicional, desconstruindo
noções em função de um trabalho mais dinâmico que possibilita criatividade acerca do
currículo escolar pré-estabelecido. Essa fala evidencia um trabalho que ensaia uma
autonomia, revelada pela liberdade docente em inovar a partir do proposto, buscando
sempre manter o equilíbrio entre as necessidades do alunado e os mínimos curriculares
estabelecidos.
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É possível perceber, então, que de alguma forma, os conteúdos desenvolvidos
nos cursos de licenciatura estimularam reflexões acerca da prática pedagógica. Mas o
que acontece na escola, na sala de aula onde se evidencia a preponderância dos
conhecimentos específicos da disciplina ministrada pelos professores sobre os conteúdos
pedagógicos? Qual a leitura que esse professor iniciante faz sobre a realidade a fim de
adequar seus conhecimentos a esse contexto? Como articular suas reflexões às ações
em sala de aula e ao cotidiano escolar?
Esses são questionamentos que carecem ainda de muita reflexão por parte dos
formadores e também dos gestores escolares. O contexto que cerca o professor iniciante,
quer seja acadêmico, quer seja escolar, necessita abrir-se para possibilitar uma revisão
permanente de suas condutas formadoras, viabilizando metodologias formativas mais
abrangentes e construindo ambientes receptivos às novas experiências trazidas pelos
docentes recém-formados.
5 PROFESSOR NOVATO: RECORTES DA TRAJETÓRIA INICIAL
Analisar esta trajetória docente fortalece nossa visão sobre o universo pedagógico
de nossas escolas, possibilitando uma reflexão mais ampla das práticas docentes que
perpassam o cotidiano do processo ensino-aprendizagem, bem como, auxilia a criar um
espaço para discussões valiosas no campo da educação escolar.
É necessário ampliar essa análise, direcionando a observação para o
comportamento apresentado pelos professores iniciantes, carregados de inseguranças,
advindos, na maioria das vezes, de um curso que poucas práticas lhe proporcionou,
diante de uma realidade diversa e repleta de nuances particulares. São esses
profissionais que passam a encontrar, muitas vezes, um ambiente pouco acolhedor,
habitado por colegas nada dispostos a orientá-los ou pelo menos partilhar suas dúvidas e
fazer a escuta de seus problemas.
Os períodos da carreira docente são considerados por Garcia (1999, p. 112):
Falar da carreira docente não é mais do que reconhecer que os
professores, do ponto de vista do “aprender a ensinar”, passam por
diferentes etapas (pré-formação, formação inicial, iniciação e formação
permanente, de acordo com Feiman, 1983), as quais representam
exigências pessoais, profissionais, organizacionais, contextuais,
psicológicas, etc, específicas e diferenciadas.
Na iniciação o novato vai à luta e intuitivamente constrói seu modus operandi,
oscilando entre acertos e erros. Na escola não encontra espaço para pensar o trabalho
(NÓVOA, 1999) e muito menos para refletir sobre suas práticas. Cumprir tarefas
burocratizadas preenchendo papéis, transcrevendo planos de trabalho e registrando
avaliações, passam a ser passos rotineiros no universo escolar, roubando o tempo que
deveria ser mais dedicado a ações reflexivas.
Nesse contexto que não oportuniza a reflexão, buscamos indagar aspectos da
trajetória inicial do docente, relativos à percepção de si mesmo, mediante a constatação
de fatores que facilitam ou dificultam as primeiras experiências na escola.
As primeiras experiências são relatadas pelo professor “C” da seguinte maneira:
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Acredito que me encontro num bom momento, pois já tenho uma certa
experiência e ainda me considero jovem (23 anos). Acredito que entrar
no mercado de trabalho talvez seja pouco “metido” – e também em
função do exemplo de meu pai, que também é professor e começou
jovem – resolvi tentar e fui agraciado com uma oportunidade; a partir
disso acho que há grande “salto” qualitativo: talvez seja mais difícil para
um professor jovem (tão jovem quanto eu quando entrei com professor
efetivo e pela primeira vez na escola, com 21 anos) entrar no mercado,
entretanto, uma vez dentro, fica muito mais fácil.
O professor manifesta-se otimista em sua entrada na escola, seguindo os passos
do pai e sendo “agraciado” por uma oportunidade em tenra idade. Talvez o otimismo
venha do exemplo do pai professor, encorajando-o a abraçar a mesma carreira. A
questão do modelo é sempre presente na vida dos jovens professores.
As maiores dificuldades encontradas no início de carreira estão ligadas ao
acúmulo de tarefas e ao controle de si mesmo e dos alunos no contexto de sala de aula.
Os efeitos da inexperiência revelam-se quando o iniciante defronta-se com decisões a
serem tomadas e, também, no enfrentamento de dilemas que vão se incorporando ao
fazer diário.
Nesse contexto, Pimenta (2008), afirma que há uma necessidade urgente de uma
formação docente que prepare os profissionais para ensinar em situações únicas,
incertas, irregulares, compreendendo dilemas e conflitos inerentes ao ensino como
prática social, situados em determinados contextos históricos.
Em seu depoimento sobre as dificuldades enfrentadas o professor “E” relata:
“Quanto às dificuldades vejo o nervosismo antes das aulas (no início do ano, antes de
conhecer as turmas esta sensação se acentua)”. O novo apresenta-se revestido de
mistérios para o professor iniciante e as situações incertas o deixam apreensivo.
Convém analisar esta realidade a luz de Charlot (2008, p. 91):
[...] o docente está se defrontando com uma urgência, a de ser professor,
e esta é uma das principais características da profissão do professor. Ser
professor é defrontar-se incessantemente com a necessidade de decidir
imediatamente no dia-a-dia de sala de aula. [...] e depois de decidir na
urgência, ele tem que assumir as consequências da decisão de seus
atos.
Diante das circunstâncias de rotina o professor “A” manifesta suas preocupações:
A minha grande dificuldade, muitas vezes tem sido a de conter alguns
momentos de conversa, descontração e barulho em momentos
inoportunos, sem recorrer a uma manifestação mais contundente de
autoridade. Sei que muitas vezes é necessária, mas ainda venho me
adaptando isso e creio que o dia a dia e a experiência me auxiliarão
nesse pequeno obstáculo.
O limite entre a autoridade e o autoritarismo parece ser motivo de preocupação
desse jovem docente. Ao mesmo tempo em que se mostra feliz pela proximidade dos
alunos e pela facilidade de comunicação: “Tenho absoluta facilidade de comunicação
com a linguagem (trejeitos, gírias) de meus alunos, na sua grande maioria, adolescentes,
algo que me torna muito próximo a eles, o que acaba me auxiliando no êxito das
propostas de trabalho em sala de aula”.
Segundo Cavaco (1999, p. 164):
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O papel do professor, por si só, não assegura o reconhecimento da
autoridade do jovem docente, nem garante a possibilidade de evitar a
desagregação do ambiente de aula pelo jogo de estratégias de
afirmação e de resistência dos alunos. E assim, perante a necessidade
de construir respostas urgentes para as situações complexas que
enfrenta, o jovem professor pode ser levado a reatualizar experiências
vividas como aluno e elaborar esquemas de atuação que rotiniza e que
se filiam em modelos tradicionais...
O preconceito contra os professores novatos aparece como dificuldade
encontrada no inicio da trajetória. Dois professores citam sua presença no contexto de
trabalho:
Invariavelmente, na rotina diária, certas piadas preconceituosas podem
surgir que tendem a subestimar o profissional de menor idade, assim
como a desconfiança na relação com os alunos (que, elo fato de serem
mais próximos da idade do próprio professor, sentem que podem ser
mais íntimos e confundir os papéis dentro da escola. Percebo que há
essa perspectiva ainda para muitos – esse olhar preconceituoso com
relação ao professor em início de carreira.(professor “C”)
O início de carreira é um momento bem complicado para qualquer
profissão que trabalhe diretamente com pessoas, pois a adaptação ou
até mesmo a compreensão que pessoas possuem suas características
próprias e nem sempre algumas não tão agradáveis. Essa é uma
barreira de preconceito que é bem complicada de ultrapassar. (professor
“D”)
Em Cavaco (1999, p. 179) encontramos uma mensagem de otimismo aos
professores iniciantes:
É o tempo da instabilidade, da insegurança, da sobrevivência, mas
também da aceitação dos desafios, da criação de novas relações
profissionais e da redefinição das de amizade e de amor, da construção
de uniões familiares, da reestruturação do sonho de vida. Trata-se de um
período de tensões, de desequilíbrios e de reorganizações frequentes,
de ajustamentos progressivos das expectativas e aspirações
ocupacionais ao universo profissional.
6 ESCOLA COMO LÓCUS DE FORMAÇÃO
Em relação às contribuições da escola para a formação docente, salientamos dois
aspectos nas respostas dos professores, relacionados ao processo de reflexão: Um deles
refere-se à re-significação da teoria em confronto com a prática. E, o outro à re-
significação dos saberes teóricos e práticos, através dos momentos de reflexão
promovidos pela escola.
Em relação à re-significação da teoria em confronto com a prática, observemos as
respostas dos professores:
A prática docente tem tirado vários vícios acadêmicos que adquiri
durante a graduação, vícios que muitas vezes acabavam num
pedantismo estéril, prejudicando o contato entre o educador e o
educando. (Professor A)
Percebi que era dando aula que aprenderia, de fato, o que é ser
professor. (Professor C)
[...] fazendo com que o professor amadureça e construa a sua carreira,
pois só trabalhando você percebe realmente o que é ser professor.
(Professor D)
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[...] a formação de um professor não se dá só no ambiente acadêmico,
mas também no cotidiano escolar. (Professor E)
É oportuno destacar que os professores não descartam o conhecimento
construído na academia, esses se constituem liames para o processo reflexivo,
encontrando lugar na prática diária. Nesse sentido, salientamos a importância da escola
se fazer presente nesse processo, estimulando o pensamento crítico e o olhar para si,
auxiliando na criação de alternativas para problemas do cotidiano, pois são esses
aspectos que nos colocam na condição de sujeitos históricos e não de expectadores e, é
desse movimento que emerge a ação.
O professor novato carece de direcionamento em seus primeiros trabalhos e está
sedento de informações que poderão ser passadas por seus pares, pelos serviços de
apoio da escola ou mesmo pela direção. O importante é que se estabeleça uma rede de
orientação, em que o novo professor se sinta parte integrante.
Na visão desses professores, essa orientação se materializa nas reuniões
pedagógicas, nos cursos oferecidos, nos momentos de planejamento, no diálogo com os
colegas e com a equipe pedagógica, tal como está registrado em suas falas.
Oferecendo-me cursos, reuniões pedagógicas, apoio e diálogo com a
equipe pedagógica, permitindo dispensas em momentos importante
criticando positivamente e ou negativamente o meu trabalho, tanto no
aspecto pessoal-carismático quanto no pedagógico. Criticando
positivamente e ou negativamente o meu trabalho, tanto no aspecto
pessoal-carismático quanto no pedagógico. (Professor B)
No momento em que planejo o trabalho, nas reuniões pedagógicas, em
sala de aula. (Professor E)
A escola possibilita o contato humano de verdade, e o mais importante
de tudo: dá margem – àqueles que se dão a oportunidade de usufruí-lo
– ao trabalho em equipe, onde o professor está amparado e
fortalecido. (Professor C)
Candau (1998, p. 57), ao fazer referência à formação docente, reconhece que
esta não se limita à formação inicial, mas também à continuada. Referindo-se ao trabalho
docente, afirma que, “neste cotidiano, ele aprende, desaprende, reestrutura o aprendido,
faz descobertas e, portanto, é nesse locus que muitas vezes vai aprimorando sua
formação”.
Tardif (2002) destaca que a formação docente supõe um continuum, no qual,
durante a carreira docente, fases do trabalho devem alternar com fases de formação
contínua. Os movimentos de formação continuada devem fazer parte das preocupações
da escola que deseja um corpo docente atualizado e esclarecido. Projetos de
atualização, círculos de debates, grupos de reflexão, organização de painéis de
palestras, são iniciativas que podem estabelecer um programa enriquecedor de formação
continuada, em benefício de todos os profissionais da escola, quer sejam novatos ou
mais experientes.
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O tema professores iniciantes, como já referimos, suscita profundas reflexões que
consideramos de vital importância para escola contemporânea que acomoda em seu
corpus de ação, novos profissionais, ao revigorar seu processo formativo e manter
renovado o seu fazer pedagógico.
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Nesse estudo, nossos interlocutores nos revelaram o fato de desejar fazer bem o
que estão fazendo em sua trajetória profissional, o que enriquece sua caminhada,
tornando-os abertos as ideias de outros colegas e receptivos aos movimentos do
cotidiano escolar.
Constatamos muita disposição nas respostas dos professores para construírem
uma carreira baseada no gosto pela profissão e tudo que ela compreende. Há uma
consciência dos desafios e há também clareza nos seus enfrentamentos.
Fundamentando esta posição citamos Cavaco (1999, p. 168):
Se a escola se organizar para acolher os novos docentes, abrindo o
caminho para que possam refletir e ultrapassar de forma pertinente e a
justada as suas dificuldade; se assumir coletivamente a responsabilidade
de seu encaminhamento através dos projetos de formação profissional,
talvez contribua para inverter, por essa via, a atual tendência para a
descrença generalizada que se associa à desvalorização social da
imagem do professor.
Mais do que nunca é preciso disposição para receber estes docentes iniciantes,
possibilitando-lhes espaços de reflexão e discussão. Pensar a prática e trocar ideias são
ações revigorantes, que podem capacitá-los para prosseguirem na busca de se tornarem
professores melhores.
Na leitura de Rios (2008, p. 46) encontramos eco a esses movimentos reflexivos,
mais especificamente no que segue:
Uma reflexão implica sempre uma análise crítica do trabalho que
realizamos. Se estamos fazendo uma reflexão sobre nosso trabalho,
estamos questionando sua validade, o significado que ele tem para nós e
para os sujeitos com que trabalhamos, e para a comunidade da qual
fazemos parte e estamos construindo. A resposta à questão que nos
propomos só pode ser encontrada em dois espaços: no da nossa prática,
na experiência cotidiana da tarefa que procuramos realizar, e no da
reflexão crítica sobre os problemas que essa prática faz surgir como
desafios para nós.
Exercitar a reflexão do próprio trabalho é, portanto o alimento para prosseguir
trabalhando, buscando soluções originais que verdadeiramente façam a diferença na
carreira profissional.
REFERÊNCIAS
Candau, V. M. (1998). Universidade e formação de professores: Que rumos tomar? In:
Candau, V. M. (Ed.) Magistério: construção cotidiana. Petrópolis: Vozes. p. 51-68.
Cavaco, M. H. (1999). Ofício do professor: o tempo e as mudanças. In: Nóvoa, A. (Org).
Profissão professor. Porto: Porto. p. 155-191.
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