Este trabalho tem como tema as relações estabelecidas entre professores iniciantes e
estudantes da Educação Superior, na perspectiva de que essas relações configuram-se
como elementos do processo de socialização do professor universitário iniciante. Usamos
a expressão relações, no plural, porque entendemos que não existe “uma relação” entre
professor e estudantes que seja linear, intacta, pura. Chamamos relações porque essas
sempre sofrem influências de diversos fatores: conteúdo a ser trabalhado, contexto da
sala de aula, características dos estudantes, condição do professor, dentre muitos outros.
Assim como Libâneo (1993), compreendemos que as “relações entre professores e
alunos, as formas de comunicação, os aspectos afetivos e emocionais, a dinâmica das
manifestações na sala de aula fazem parte das condições organizativas do trabalho
docente, ao lado de outras” (p. 249). As relações estabelecidas entre professor e alunos
também constituem ou dão forma ao fazer e ao ser docente, bem como aos processos de
ensino e de aprendizagens que ocorrem principalmente em sala de aula.
PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: COMUNICAÇÃO ASSERTIVA E INTERPESS...
Relações entre professores iniciantes e estudantes na Educação Superior
1. RELAÇÕES ENTRE PROFESSORES INICIANTES E ESTUDANTES: ELEMENTOS DO
PROCESSO DE SOCIALIZAÇÃO PROFISSIONAL DOCENTE
Feldkercher, Nadiane
Ribeiro, Gabriela Machado
Souza, Helena Beatriz Mascarenhas de
nadianefel@yahoo.com.br
gabimacrib@yahoo.com.br
bitisamascarenhas@hotmail.com
Universidade Federal de Pelotas – Brasil
Palavras-chave: professores iniciantes - estudantes - relações entre professor e
estudantes - socialização - Educação Superior
O contexto da pesquisa
Este trabalho tem como tema as relações estabelecidas entre professores iniciantes e
estudantes da Educação Superior, na perspectiva de que essas relações configuram-se
como elementos do processo de socialização do professor universitário iniciante. Usamos
a expressão relações, no plural, porque entendemos que não existe “uma relação” entre
professor e estudantes que seja linear, intacta, pura. Chamamos relações porque essas
sempre sofrem influências de diversos fatores: conteúdo a ser trabalhado, contexto da
sala de aula, características dos estudantes, condição do professor, dentre muitos outros.
Assim como Libâneo (1993), compreendemos que as “relações entre professores e
alunos, as formas de comunicação, os aspectos afetivos e emocionais, a dinâmica das
manifestações na sala de aula fazem parte das condições organizativas do trabalho
docente, ao lado de outras” (p. 249). As relações estabelecidas entre professor e alunos
também constituem ou dão forma ao fazer e ao ser docente, bem como aos processos de
ensino e de aprendizagens que ocorrem principalmente em sala de aula.
Trabalhamos a partir da ideia de que a socialização do docente iniciante é uma das fases
do processo formativo desse professor. Nessa fase de socialização o docente irá se
aproximar, entre outros elementos, da profissão, da universidade, de seus pares, da sala
de aula e dos estudantes. Compreendemos, como Marcelo Garcia (1999, p. 24), que “os
professores como profissionais, as escolas onde se ensina, os alunos a quem se
ensinam e o conteúdo do ensino” são diferentes temas que constituem o processo de
formação dos professores. Na fase de socialização do professor a aproximação com
2. esses temas - nesse caso, mais especificamente, a aproximação ou o contato com os
alunos - pode tornar-se mais intensa (ou tensa), visto que a socialização é um período de
descobertas da profissão, um período marcante (positiva ou negativamente) para a
formação desse profissional.
O início da carreira do docente do Ensino Superior é marcado pela inserção desse
profissional em uma nova cultura, possivelmente distinta daquela na qual seu curso de
formação inicial o preparou para atuar, pois, no Brasil, licenciados são formados
essencialmente para atuar em Escolas de Educação Básica e profissionais liberais e
bacharéis são formados para exercerem a profissão em seus campos específicos de
atuação. Já a formação em nível de pós-graduação, em programas de mestrado e
doutorado, tem como foco a constituição de pesquisadores, que aprofundam estudos em
uma área especifica, e não prioriza a formação do docente.
A partir desse e outros olhares para a docência na Educação Superior nosso Grupo de
Pesquisa – Pedagogia Universitária e Formação de Professores – assume os professores
iniciantes como colaboradores de um estudo na direção de tentar compreender seus
caminhos, tensões e práticas no início de sua carreira. No trabalho aqui apresentado
objetivamos conhecer e analisar uma das dimensões que esteve presente na análise dos
nossos dados: as relações estabelecidas entre professores iniciantes e estudantes,
entendendo que essas relações também constituem o processo de socialização desses
professores.
Os colaboradores dessa pesquisa foram 27 professores universitários iniciantes
pertencentes a 4 Instituições de Ensino Superior situadas na região sul do Brasil (três no
estado do Rio Grande do Sul e uma no estado do Paraná) e no raio de abrangência de
atuação dos pesquisadores do grupo. Tivemos 9 professores da Universidade Federal de
Pelotas (UFPel), 6 da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS), 6 da
Universidade Federal do Paraná - campus Litoral (UFPR) e 6 da Universidade Federal do
Pampa (UNIPAMPA) colaborando com esse estudo. Os critérios de seleção dos
colaboradores foram ser docente mestre e/ou doutor com até 5 anos na carreira
universitária. Escolhemos trabalhar com docentes com até 5 anos na carreira
universitária por esses se classificarem, de acordo com Bozu (2009), como professores
iniciantes. A tabela a seguir apresenta os professores iniciantes colaboradores da
pesquisa:
Professor
1
Formação Tempo de docência IES
Adriano História 3 anos Unipampa
Andressa Medicina Veterinária 3,5 anos UFPel
Ana Direito 4,5 anos Unisinos
Cristiano Engenharia Mecânica 5 anos Unisinos
Cândida Matemática 5 anos Unisinos
Cassio Direito 5 anos Unisinos
Carine Serviço Social 4 anos Unisinos
Carmen Fonoaudiologia 3 anos Unipampa
Darlei Odontologia 4 anos UFPR
Diovani Engenharia Florestal 2 anos UFPel
Eduarda Nutrição 4 anos UFPel
Greici Zootecnia 4 anos UFPR
Kátia Enfermagem 3 anos Unipampa
1
Para preservar a identidade dos professores colaboradores usamos nomes fictícios, definidos aleatoriamente,
respeitando o gênero.
3. Lucas Engenharia Madeireira 2,5 anos UFPel
Luis Ciência da Computação 2 anos Unipampa
Mateus Geografia 1,5 anos UFPel
Marcos Odontologia 4 anos UFPel
Robson Farmácia 2 anos Unisinos
Ricardo Oceanografia 1,5 ano UFPR
Rafela Ciências Biológicas 1 ano UFPel
Rubens Engenharia de Minas e Civil 1 ano Unipampa
Roger Engenharia Florestal ?
2
UFPR
Rudi Ciências Biológicas 4 anos UFPR
Rocheli Ciências Biológicas 1,5 anos UFPel
Sara Medicina 4 anos UFPel
Sabrina Agronomia 4,5 anos UFPR
Túlio Administração 2,5 anos Unipampa
TABELA 01: Identificação dos colaboradores
Conforme mostrado na tabela, os professores iniciantes que colaboraram com a pesquisa
possuem formações em diversas áreas, em distintos cursos de formação inicial e têm de
1 a 5 anos de experiência docente.
O instrumento adotado para a coleta das informações foi a entrevista individual semi-
estruturada, cujo roteiro foi composto por questões abertas. As perguntas do roteiro que
privilegiamos neste trabalho é: Como avalias tua relação com os estudantes? Gostarias
que eles fossem diferentes? Em que sentido? Encontras dificuldades/facilidades para
construir a relação com eles?
Este estudo caracteriza-se pela abordagem qualitativa. As informações coletadas foram
trabalhadas através da análise de conteúdo. Nessa análise buscamos compreender o
significado das informações, aproximarmo-nos dos objetivos propostos e ampliar o
conhecimento sobre o assunto pesquisado. Na continuidade apresentamos as
informações coletadas articulando-as com os nossos referenciais de base.
Para efeitos didáticos, as discussões teóricas e análises apresentadas neste trabalho
foram organizadas em duas categorias que serão exploradas na sequência, a saber: 1.
aspectos cognoscitivos das relações professor-estudantes e 2. aspectos sócio-
emocionais das relações professor-estudantes. Adicionalmente a isso, em cada
categoria também destacaremos os desafios apontados pelos docentes nas relações
professor-estudantes.
O que dizem os professores iniciantes sobre suas relações com os estudantes
Como já mencionado, concordamos com Libâneo (1993) quando este aponta que as
relações entre professor e estudantes - que envolvem as formas de comunicação, a
afetividade, a emoção, as manifestações espontâneas dentre outros elementos - também
compõem a organização do fazer docente. Entendemos ainda que em início de carreira
as relações entre professor iniciante e estudantes influenciam, positiva ou negativamente,
no processo de socialização desse “agora professor”3
no seu ambiente de trabalho.
2
Não sabemos precisar o tempo exato, somente sabemos informar que esse professor possui menos de 5 anos
de experiência docente.
3
Porque antes ele era dentista, administrador, nutricionista, engenheiro, ou outro.
4. Ao abordar a interação professor-alunos no trabalho docente, Libâneo (1993) destaca
dois aspectos: o cognoscitivo “que diz respeito a formas de comunicação dos conteúdos
escolares e às tarefas escolares indicadas aos alunos” e o sócio-emocional “que diz
respeito às relações pessoais entre professor e aluno e às normas disciplinares
indispensáveis ao trabalho docente” (p. 249). Ao trabalharmos as informações coletadas
através das entrevistas com os professores iniciantes procuraremos abordar esses dois
aspectos.
Primeiramente abordaremos a categoria aspectos cognoscitivos das relações
professor-estudantes. Libâneo (1993) compreende que a “interação professor-alunos é
um aspecto fundamental da organização da ‘situação didática’, tendo em vista alcançar
os objetivos do processo de ensino” (p. 249). Para alcançar os objetivos educativos, para
ocorrer a interação, o ensino que vise a aprendizagem, ponderamos como importantes as
formas de comunicação adotadas pelo professor para atingir os estudantes.
Quanto a esses quesitos destacamos as seguintes falas dos professores: “Só a minha
explicação não é suficiente. O aluno tem que tentar fazer sozinho, ele tem que pegar os
livros, pegar os cadernos e trabalhar sozinho um pouco. Eu procuro ensinar eles a
chegarem nesse ponto. Eu explico, faço exemplos, dou exercícios para fazerem em casa
e depois tiro as dúvidas de quem não conseguiu fazer. O esclarecimento das dúvidas é
para que consigam resolver sozinhos os próximos. [...] Eu me dou por satisfeito quando
eles conseguem resolver sozinhos e de forma correta.” (Cristiano); “Nas primeiras aulas
tu conheces o aluno, tu vais desenvolvendo o conteúdo conforme o aluno. Não adianta o
professor fazer um discurso lá na frente [...] quem tem que entender é o aluno. O
professor tem que chegar até aluno” (Diovani).
Notamos que o primeiro professor se percebe como um estimulador, facilitador ou tutor
no processo de ensino e aprendizagem. Ele reconhece que o trabalho do professor não é
unidirecional e que o estudante precisa se implicar no seu processo de aprendizagem. A
fala desse professor vai ao encontro do que afirma Veiga (2006) quando diz que
O processo didático tem por objetivo dar resposta a uma necessidade:
ensinar. O resultado do ensinar é dar respostas a uma outra
necessidade: a do aluno que procura aprender. [...] Esse processo não
se faz de forma isolada. Implica interação entre sujeitos ou entre sujeitos
e objetos. (p. 13)
O segundo professor chama a atenção para a necessidade de conhecer o aluno e as
suas condições. Ambos os professores demonstram preocupação com a aprendizagem
dos estudantes e destacam que a comunicação entre os sujeitos envolvidos nesse
processo deve ser acessível, coerente com o contexto e o nível dos estudantes.
Quando se leva em consideração o contexto em que se processam o ensino e a
aprendizagem, não se pode perceber o professor como um “dador” e o aluno como um
“recebedor” de aula, conforme aponta Fernandes (2008). A autora enfatiza ainda que o
professor é o dirigente do processo de ensino e de aprendizagem, mas o mesmo não faz
aulas - ou não deveria fazer - aos alunos mas com os alunos. No mesmo sentido, Rios
(2008) lembra que a aula não é algo que se dá, mas algo que se faz nas relações entre
professor e alunos – chegando à conclusão de que quando se faz aula se ensina, ou
seja, quando professor e aluno se implicam em construir aulas, o ensino (e
provavelmente a aprendizagem) é consequência.
Outro professor fez o seguinte destaque: “Há momentos em que preciso ter sensibilidade
suficiente para perceber que devo tratar o assunto com calma, pois [os alunos] se
encontram cansados, desanimados, descrentes. Em outros, preciso ser mais contido,
severo, a fim de [...] suscitar o interesse” (Darlei). Na expressão desse professor
percebemos que o mesmo reconhece que o ensino “envolve elementos articulados: o
professor, o estudante e o conhecimento” como bem lembra Veiga (2006, p. 14).
Percebemos, também, que o professor aprende ou aprimora a sua forma de ensinar a
partir das práticas que desenvolve. Isto vai no sentido do que diz Marcelo Garcia (2009),
5. quando realça que os “profesores principiantes necesitan poseer un conjunto de ideas y
habilidades críticas así como la capacidad de reflexionar, evaluar y aprender sobre su
enseñanza de tal forma que mejoren continuamente como docentes” (p. 4).
Muitos professores falaram que nas suas relações com os estudantes procuram estar ao
lado destes, sem impor uma relação hierárquica, como exemplificado a seguir: “Busco
sempre manter uma relação horizontal mostrando que somos iguais [...] sem precisar
apelar para alguma espécie de “hierarquia” ou poder de ser professor.” (Ricardo); “Tento
sempre me colocar junto a eles e não à frente” (Greici); “O professor deve se posicionar
no lado do outro, de alguém que não teve toda a experiência dele, de alguém mais
jovem, ou não. [...] O professor deve tentar se colocar na posição deles e pensar que tipo
de bagagem essas pessoas trazem.” (Luis).
Essas respostas também enfatizam o respeito ao conhecimento que o aluno traz para a
sala de aula - o que Freire (1996, p. 33) já acenava ao dizer que “ensinar exige respeito
aos saberes dos educandos”. As falas desses professores iniciantes reforçam a ideia de
que aquele professor que se preocupa com que seu processo de ensino seja
desencadeador da aprendizagem de seus alunos deve reconhecer que o aluno sempre
dispõe “de um grau determinado de potencialidades cognoscitivas conforme o nível de
desenvolvimento mental, idade, experiências de vida, conhecimentos já assimilados etc.”
(LIBÂNEO, 1993, p. 250).
Complementarmente a isso destacamos o enunciado de duas professoras: “[eu] respeito
a construção de cada sujeito e a história que cada um traz de si.” (Sabrina); “ Tento [...]
permitir uma troca de conhecimentos e não a transmissão de saberes.” (Greici). Podemos
perceber nessas respostas que essas professoras percebem que “ensinar não é transferir
conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua produção ou a sua construção”
(FREIRE, 1996, p. 25).
Outra professora referiu que “Eles [os alunos] têm espaço para suas manifestações,
reivindicações, opiniões, e eu também” (Kátia). Entendemos que a professora vê, como
Libâneo (1993), que o “trabalho docente nunca é unidirecional. As respostas e as
opiniões dos alunos mostram como eles estão reagindo à atuação do professor, às
dificuldades que encontram na assimilação dos conhecimentos” (p. 250). Há indícios de
que a aula desenvolvida por essa professora e seus alunos é uma aula dialógica -
entendida na perspectiva freireana - onde os conhecimentos e a voz dos alunos são
valorizados e a professora não se determina como detentora de todo o conhecimento.
Nesse contexto dialógico, segundo Fernandes (2008), é possível conhecimento novo e
conhecimento existente se relacionarem dialeticamente.
As seguintes expressões também nos parecem interessantes: “não é por ser professor
que a gente vai dominar o conhecimento. Ninguém domina o conhecimento inteiro,
nunca. Quanto mais a gente estuda mais a gente sabe e mais a gente sabe o quanto a
gente não sabe” (Sara); “o professor é também estudante. Essa é uma condição para
construir o saber.” (Roger). As falas revelam que o professor, assim como o aluno, é um
sujeito que aprende; ou ainda que, como menciona Marcelo Garcia (2009), converter-se
em professor é um processo amplo, largo. Da mesma forma, essas falas aproximam-se
do que já apontava Freire (1996, p. 25): "Quem ensina aprende ao ensinar, e quem
aprende ensina ao aprender". Ao analisar essas respostas concordamos com Marcelo
Garcia (2009), quando este pondera que hoje em dia os conhecimentos têm data de
validade, o que obriga qualquer profissional a se atualizar constantemente,
caracterizando assim uma atividade de formação e aprendizagem permanentes.
Alguns professores destacaram a importância do planejamento no processo de ensino e
aprendizagem, o que pode ser visto nesses excertos: “eu me considero alguém que cria o
planejamento e expõe esse planejamento para os alunos, demonstro quais vão ser as
atividades avaliativas, dou margens para eles comentarem. Se eu noto algum tipo de
descontentamento da turma sobre algum aspecto, eu revejo” (Luis); “A minha relação
como os estudantes é, antes de tudo, de respeito. Eu nunca vou para uma aula sem
preparar, porque eu acho que isso é perceptível. Eles percebem o cara que é está ali
falando bobagem.” (Ana). O planejamento do ensino feito por esses professores mostra
6. que os mesmos preocupam-se com um ensino que valoriza e respeita os estudantes e
para tal, no mínimo, organizam a aula que desenvolverão.
Percebemos ainda que os professores iniciantes colaboradores da pesquisa apontaram
alguns desafios no que se refere aos aspectos cognoscitivos das relações professor-
estudantes. O mais expressivo foi a falta de comprometimento dos alunos com o
processo de ensino e aprendizagem, como expresso nessas falas: “[uma dificuldade que
encontro é] a falta de comprometimento que eles têm em geral no começo do curso”
(Carmem); “Eu gostaria que eles fossem mais motivados, mais interessados em
aprender, tivessem mais questões, estudassem mais, lessem mais” (Marcos); “acho que
o aluno também tem que ter uma parcela nesse processo, de ele entender onde ele está.
Está no ensino superior, está numa universidade, está numa situação privilegiada, numa
instituição pública. Ele tem que começar a ter suas responsabilidades também, não dá só
para ser um ouvinte nesse processo. Ele tem que interagir também e contribuir.” (Lucas);
“Hoje a minha dificuldade é o desinteresse dos alunos [...] A minha principal decepção é
essa, de não ver alunos centrados [...] Eles não conseguem ter foco.” (Ana).
As respostas desses professores revelaram que também os alunos da Educação
Superior, por vezes, mostram-se desinteressados e desmotivados. Esse é um desafio
que o professor de todos os níveis de ensino tem: chamar ou cativar o aluno para
participar do processo de ensino e aprendizagem. Como fazer isso? Podemos dizer que
essa é uma dúvida apresentada por qualquer professor, não só pelo professor iniciante.
Um dos possíveis caminhos para a superação desse desafio de motivar os alunos é o
que Fernandes (2008) denomina de pedagogia de vínculos, que consiste no
comprometer-se com o outro e ele consigo, ou seja, o professor compromete-se com o
ensino visando à aprendizagem do aluno e este se compromete com sua própria
aprendizagem.
Destacamos esses desafios referentes aos aspectos cognoscitivos das relações
professor-estudantes; contudo, outros ainda foram citados pelos professores, como: a
dificuldade que os alunos apresentam para aprender (Sara), a resistência dos alunos
frente a novas metodologias (Ana e Greici) e a dificuldade dos alunos para escrever (Ana
e Carine). Em seu conjunto, esses apontamentos mostram que “o ato de ensinar é
sempre uma criação, uma inovação.” (VEIGA, 2006, p. 18) ou ainda que o ato de ensinar,
como pondera Freire (1996), exige pesquisa, risco, aceitação do novo, reflexão crítica
sobre a prática, bom senso, comprometimento, diálogo, dentre outros.
Para tratar dos aspectos sócio-emocionais das relações professor-estudantes
destacamos a concepção de Veiga de que para “o professor concretizar seu ato de
ensinar de forma satisfatória, o vínculo afetivo é uma dimensão indispensável, uma vez
que emoções, interesses pessoais, sonhos permeiam toda a relação pedagógica” (2006,
p. 24). Vale ressaltar que compreendemos que não é somente a dimensão afetiva ou a
boa relação professor-estudantes que garante uma boa aula.
A maioria dos professores entrevistados mencionou que tem uma boa relação com os
estudantes, sem conflitos ou problemas, como revelam essas respostas: “a minha
relação é muito boa, não tenho o que reclamar deles” (Carmem); “a minha relação é
muito boa, muito boa com eles [...] não tenho uma relação ruim com nenhum deles.”
(Robson); “Minha relação com os alunos é boa.” (Túlio).
Outro professor lembrou que as relações entre ele e seus alunos por vezes não começa
bem, mas com o passar do tempo, com o convívio, ao conhecer seus alunos e eles o
conhecerem, a relação melhora, como expressou: “Esta relação nunca é tão boa no
início. Acho que a primeira impressão não é das melhores. A relação tende a ser ótima
ou excelente com os estudantes e turmas que tenho um contato maior, ou seja, uma
relação mais longa.” (Rudi). Esse professor reconheceu que uma boa relação entre
professor e alunos requer aproximação, requer conhecer o educando, sua realidade. Ele
reconhece também que essa boa relação não é instantânea, é um processo de
conquista.
Além dessas boas relações sócio-emocionais, das relações que se aprimoram com o
passar do tempo entre professor e alunos, tivemos um professor que fez o seguinte
7. destaque: “Eu acho que a relação é boa. Não é muito uma relação de amizade. Eu não
tenho essa proximidade muito grande com eles [...] Eu acho a minha relação aberta e
boa, mas sem muita proximidade, é uma coisa minha, de personalidade mesmo”
(Marcos). Entendemos, a partir de Libâneo (1993), que esse professor aproxima-se dos
alunos, contudo não quer que suas relações com os mesmos se caracterizem como uma
relação “maternal” ou “paternal”, ou mesmo “de amigos” – ou seja, ao mesmo tempo em
que esse professor estabelece vínculos e aproximações com os alunos, ele reconhece a
especificidade da sua posição e preserva o respeito e autoridade, enquanto qualidades
intelectuais, morais e técnicas.
Outros professores destacaram aspectos afetivos, de amizade, de bem estar, quando
falaram de suas relações com os alunos, o que pode ser identificado nas falas a seguir:
“tento sempre buscar com que os espaços em sala e fora de sala, sejam prazerosos,
instigantes e dialogados.” (Sabrina); “[percebo nessa relação a] necessidade do humor,
da ironia, da crítica, da amizade.” (Darlei); “Eventualmente gosto de fazer uma
brincadeira, que é para dar uma descontraída” (Andressa). Esses professores,
possivelmente, sentem-se realizados, satisfeitos, felizes com o ensino que desenvolvem
e com as relações que estabelecem com seus alunos. O ensino desses professores
aproxima-se do que aponta Freire (1996): ensinar exige alegria, ensinar exige criticidade,
ensinar exige querer bem aos educandos. Ainda, o relato dos nossos interlocutores
permite-nos afirmar que ensinar exprime afetividade, como bem pondera Veiga:
Ensinar como um ato afetivo se expressa por meio de elos da
afetividade, que favorecem uma troca entre professor e os alunos.
Vivenciar um ensino permeado pela afetividade significa o fortalecimento
de um processo de conquista para despertar o interesse do aluno [...]
para o professor desempenhar sua função de ensinar de forma
satisfatória, o vínculo afetivo é imprescindível para tornar a sala de aula
um ambiente mais humanizado, mais próximo às características e
necessidades dos alunos. [...] Isso conduz à afetividade saudável,
necessária ao convívio e à redução da tensão (2006, p. 22-23)
Chamamos a atenção também para o fato de que nas respostas de nossos entrevistados
muitas vezes foi mencionada a necessidade do diálogo, do ouvir os alunos (como
destacado acima na fala da professora Sabrina). Esse aspecto converge com os
apontamentos de Freire (1996) quando pondera que ensinar exige saber escutar e ter
disponibilidade para o diálogo. A presença do diálogo nos processos de ensino e de
aprendizagem também nos remete à amizade, à compaixão, à compreensão do outro, ao
reconhecimento de que são seres humanos os sujeitos desses processos – portanto
detentores de sentimentos e de carências (FERNANDES, 2008).
Outro aspecto que surgiu em torno das relações sócio-emocionais dos professores com
os estudantes foi a proximidade de idade e de tempo escolar entre uns e outros, como
destaca este professor: “Tenho uma relação muito boa com os estudantes, talvez por não
estar muito longe deles, tanto na idade quanto em tempo como docente. Também era
aluno há não muito tempo atrás, o que faz com que eu entenda bem suas angústias,
inseguranças, anseios e comportamentos.” (Ricardo). Esse professor, assim como a
maioria dos outros colaboradores do estudo, não teve preparação ou formação específica
para ser/se formar professor, mas revelou que as muitas horas de observação enquanto
estudante contribuíram para a construção de suas referências acerca do ensino e lhe
ajudaram a interpretar suas experiências (MARCELO GARCIA, 2009). Freire nos auxilia a
entender essas referências que o professor faz ao seu tempo de estudante, quando
escreve que:
É interessante observar que a minha experiência discente é fundamental
para a prática docente que terei amanhã ou que estou tendo agora
simultaneamente com aquela. É vivendo criticamente a minha liberdade
8. de aluno que, em grande parte, me preparo para assumir ou refazer o
exercício de minha autoridade de professor. (1996, p. 100)
Por outro lado, esse mesmo fator de proximidade de idade e de tempo escolar entre
professor e alunos foi destacado por uma professora como um desafio para sua atuação
docente, como relatado: “Minha maior dificuldade, no início, era lidar com os alunos mais
velhos do que eu, com mais experiência de vida e posições menos flexíveis. A
proximidade de idade entre eu e eles ora é facilidade ora dificuldade na relação.” (Greici).
Percebemos na fala acima que essa dificuldade vem sendo superada; e que por mais
que o professor tente (ou consiga) aproximar-se dos alunos, as interações estabelecidas
entre esses sujeitos não estarão livres de conflitos ou contradições.
Relações entre professores iniciantes e estudantes: alguns apontamentos finais
Neste texto buscamos conhecer e analisar as relações estabelecidas entre professores
iniciantes e seus alunos, partindo do pressuposto de que os “primeros años de docencia
no sólo representan un momento de aprendizaje del ‘oficio’ de la enseñanza,
especialmente en contacto con los alumnos en las clases. Significan también un
momento de socialización profesional” (MARCELO GARCIA, 2009, p. 6). Nossos
achados revelaram que os professores iniciantes colaboradores desse estudo estão, no
exercício da docência, aprendendo a ser professores, estão aprendendo o ofício,
estabelecendo relações com os alunos e socializando-se profissionalmente. Alguns dos
princípios que nossos respondentes estabeleceram para a boa relação com os
estudantes foram: preocupação com a aprendizagem dos alunos, reconhecimento de que
o ensino não é unidirecional, planejamento das aulas, entendimento de que são sujeitos
aprendentes, aproximação afetiva com seus alunos, valorização dos conhecimentos dos
alunos e estímulo ao diálogo em sala de aula.
Esses profissionais são iniciantes na profissão docente e já possuem sensibilidade para
instigar a aprendizagem e estabelecer uma comunicação efetiva com os alunos. Ou,
como explicado por Veiga (2006), esses professores já percebem que ensinar “significa
interagir, compartilhar”, “exprime afetividade”; “pressupõe construção de conhecimento” e
“exige planejamento didático” (p. 21-27 passim).
Um destaque que fazemos entre nossos achados é a menção de que esses professores
iniciantes, por serem novos também quanto à idade, muitas vezes recorrem ao seu
tempo de estudante e às práticas de seus antigos professores para configurar as suas
formas de ser professor e de estabelecer relações com os estudantes. Assim, copiam
bons modelos ou exemplos e distanciam-se de modelos e exemplos que consideram
ruins nos professores que tiveram e nas práticas escolares que vivenciaram.
Apesar de a maioria dos professores iniciantes haver destacado ter uma boa relação com
os estudantes, eles também enfrentam desafios nesse início de carreira como, por
exemplo, o desinteresse dos alunos, sua resistência a novas metodologias, as limitações
da sua escrita e suas dificuldades para aprender. Ante esses aspectos apontamos que os
professores iniciantes também percebem que a profissão docente é desafiadora e,
portanto, exige dedicação, interesse para com a aprendizagem dos alunos e formação
contínua. A partir dos desafios apontados pelos nossos interlocutores, também
concordamos com Marcelo Garcia (2009) quando pondera que a inserção profissional
docente é “un periodo de tensiones y aprendizajes intensivos en contextos generalmente
desconocidos y durante el cual los profesores principiantes deben adquirir conocimiento
profesional además de conseguir mantener un cierto equilibrio personal” (p. 5).
Nossos achados confirmam que o ensino “é carregado de razão e emoção, é o espaço
para a vida, para a vivência das relações entre professores e alunos, para a aplicação da
convivência socioafetiva e cultural dos alunos” (VEIGA, 2006, p. 32). Além disso,
podemos concluir que essas relações estabelecidas entre professor e estudantes podem
9. configurar a organização do trabalho docente, bem como fazem parte do processo
formativo e do processo de socialização desse profissional.
Referências
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Magis: Revista Internacional de Investigación en Educación. n. 2. p.317-328. Bogotá,
Colombia, Enero-Junio de 2009.
FERNANDES, Cleoni Maria Barboza. A procura da senha da vida – de-senha a aula
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princípios e práticas. Campinas, Papirus, 2008. p. 145-165.
FREIRE. Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários da prática educativa.
São Paulo: Paz e Terra, 1996.
LIBÂNEO, José Carlos. Didática. São Paulo: Cortez, 1993.
MARCELO GARCÍA, Carlos. Formação de professores: para uma mudança educativa.
Tradução: Isabel Monteiro. Porto: Porto Editora, 1999.
MARCELO GARCIA, Carlos. Los comienzos en la docencia: un profesorado con buenos
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1, 2009. p. 1-25. Disponível em: <http://www.ugr.es/~recfpro/rev131ART1.pdf>. Acesso
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RIOS, Terezinha de Azevedo. A dimensão ética da aula ou o que fazemos com eles? In:
VEIGA, Ilma Passos de Alencastro. (Org.) Aula: gênese, dimensões, princípios e
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VEIGA, Ilma Passos de Alencastro. Ensinar: uma atividade complexa e laboriosa. In:
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