1. O ATLÂNTICO NEGRO: MODERNIDADE E DUPLA
CONSCIÊNCIA. 2001
Paul Gilroy
“Uma nova leitura”
Apresentado por:
Prof. silvânio barcelos
2. O Atlântico Negro
O texto busca definir a modernidade a
partir dos conceitos de diáspora negra e
suas narrativas de perda, exílio e viagens.
Para Gilroy o Atlântico Negro é:
“Um conjunto cultural irredutivelmente
moderno, excêntrico, instável e
assimétrico, que escapa à lógica estreita
das simplificações étnicas, e se manifesta
tanto nos escritos de W.E.B. Du Bois como
nas letras dos rappers do século XXI.”
3. Considerações iniciais
• No mundo do Atlântico Negro o Brasil ocupa o
epicentro da escravidão racial da era moderna.
• Importante debate: O fracasso brasileiro (e também
mundial) em abalar o edifício da desigualdade
social, econômica e racial.
• Perigo constante da generalização: o essencialismo,
a hiper-similaridade racial e o absolutismo étnico
que enquadra as comunidades afro-descendentes na
categoria “negro”.
• Identidade na diáspora em confronto com a suposta
identidade de base territorial. (a identidade na
diáspora é contingente, indeterminada e conflitante).
4. Considerações iniciais (cont.)
• Segundo Gilroy: “Como uma alternativa à
metafísica da raça, da nação e de uma
cultura territorial fechada, codificada no
corpo, a diáspora é um conceito que
ativamente perturba a mecânica cultural e
histórica do pertencimento. Uma vez que a
simples seqüência dos laços explicativos
entre lugar, posição e consciência é rompido,
o poder fundamental do território para
determinar a identidade pode também ser
rompido”. P. 18
5. NOVA TENDÊNCIA
HISTORIOGRÁFICA NO BRASIL
• Alguns historiadores contemporâneos
discutem a escravidão à partir do Atlântico
Sul e não pela perspectiva do comércio
triangular (América do Norte, Europa e
África). Exemplos: Luís Felipe Alencastro,
Roquinaldo Ferreira, Jaime Rodrigues, John
Manuel Monteiro, Katia Mattoso, João José
Reis, Eduardo Silva, Manolo Florentino,
Lilian Schwartz, entre outros... (grifos do
apresentador)
6. 1. O ATLÂNTICO NEGRO COMO
CONTRACULTURA DA MODERNIDADE
• Navio negreiro (precursor da modernidade):
“Deve-se enfatizar que os navios eram os meios vivos pelos quais
se uniam os pontos naquele mundo atlântico. Eles eram
elementos móveis que representavam os espaços de mudança
entre os lugares fixos que eles conectavam”. P. 60
• A MÚSICA NEGRA:
• Mistura de elementos culturais
• Concentração da intimidade diaspórica lúdica
“O disco e sua extraordinária popularidade proclamavam os laços
de filiação e afeto que articulavam as histórias descontínuas de
colonos negros no novo mundo”. P. 59
7. CONTINUAÇÃO...
• Política da transfiguração:
• “Aponta especificamente para a formação de uma
comunidade de necessidades e solidariedade, que é
magicamente tornada audível na música em si e
palpável nas relações sociais de sua utilidade e
reprodução culturais”. P. 96
• Música negra como forma de resistência subliminar
(“criada debaixo do nariz dos feitores”).
• Segundo Gilroy, a expressão artística possibilita a
afirmação do indivíduo ao mesmo tempo que
“liberta” a comunidade dos pesados grilhões do
terror racial.
8. 2. Senhores, senhoras, escravos e as antinomias da
modernidade
Pensadores modernos e pós-modernos não consideram a História e a
cultura da diáspora africana.
O terror racial da escravidão consiste na antinomia da própria pós-
modernidade:
“pode-se argumentar que grande parte da suposta novidade do pós-
moderno se evapora quando vista à luz histórica inexorável dos
encontros brutais entre europeus e aqueles que eles conquistaram,
mataram e escravizaram”. P. 106.
Racismo científico: produto mais durável da modernidade
Modernidade: não discute a dominação racial, mas sim a inocência da
vida pós-iluminismo em Paris, Berlim ou Londres.
Montesquieu: Como pode alguém ser persa? Essa pergunta permanece
obstinadamente sem resposta.
9. Continuação...
A ESCRAVIDÃO E O PROJETO ILUMINISTA
Jürgen Habermas: Fé no potencial democrático da
modernidade.
Crítica de Gilroy: “Há uma tênue percepção de que a
universalidade e a racionalidade da Europa e da América
iluminista foram usadas mais para sustentar e transplantar
do que para erradicar uma ordem de diferença racial
herdada da era pré-moderna”. P. 114.
Gilroy refuta a dicotomia dominante/dominado:
Escravidão = modernidade.
Plantation (EUA) era mais que simples sistema de mão-de-
obra: Fundação de uma rede de relações econômicas,
sociais e políticas.
10. Continuação...
Gilroy: repensar a racionalidade ocidental pela ótica do
escravo e do terror racial.
A música e a dança oferecida aos escravos como
substitutos à sua liberdade sobreviveu ao tempo:
“As culturas expressivas desenvolvidas na escravidão
continuam a preservar em forma artística as necessidades
e desejos que vão muito além da mera satisfação de
desejos materiais”. P. 128.
As culturas negras superam o paradigma iluminista:
1. Assimetria entre o cientificismo e a subjetividade
2. Separação entre arte e vida
3. CULTURA NEGRA: permitiu a continuidade entre arte
e vida buscando emancipação rumo à cidadania e
autonomia.
11. Continuação...
SENHOR E ESCRAVO EM UM IDIOMA NEGRO:
http://www.buycelebrityposters.com/posters.php?item=1253077
12. Continuação...
Livro: My bondage and my freedom, publicado em 1855.
13. Continuação...
Frederick Douglass, ex-escravo, intelectual e ativista negro,
abolicionista, jornalista e orador, autor de três livros entre
eles o My bondage and my freedom, uma profunda
meditação sobre a escravidão e o papel da alfabetização no
despertar das consciências.
Segundo Douglass:
“A plantation é uma pequena nação em sí mesma, tendo
seu idioma próprio, suas regras, regulamentos e costumes
próprios. As leis e instituições do Estado aparentemente
não a afetam em parte alguma. As dificuldades que surgem
aqui não são resolvidas pelo poder civil do Estado.” p. 132
14. Continuação...
A PLANTATION, SEGUNDO DOUGLASS:
Sistema atrasado e pré-capitalista
Profundamente anti-modernista
Comparável com as relações pré-modernas da Europa
Feudal.
Situada numa região neutra em relação aos códigos e ao
alcance das Leis
Recuo histórico e estagnação por mais de 300 anos
Encerrava a “civilização” na sua parte externa.
O Cristianismo na forma utilizada pelos “senhores” não
passava de mero instrumento de sujeição.
15. Continuação...
Douglass subverte a ordem na alegoria de Hegel sobre “O
senhor e o escravo” ao preferir a morte.
“Eu não era mais um covarde servil, tremendo sob a carranca
de um verme irmão da poeira, mas meu espírito havia
muito acovardado foi despertado para uma atitude de
máscula independência. Eu havia alcançado um ponto no
qual não tinha medo de morrer” p. 139.
No Brasil, uma das formas extremadas de resistência ao
regime da escravidão consistia no suicídio, sendo este um
dano irreparável à economia de seu senhor, um prejuízo.
16. 3. JÓIAS TRAZIDAS DA SERVIDÃO: MÚSICA
NEGRA E A POLÍTICA DA AUTENTICIDADE
Numa sociedade praticamente ágrafa, as expressões
artísticas são poderosos instrumentos de
comunicação e disseminação cultural.
Segundo Edouard Glissant:
“Não é nada novo declarar que para nós a música, o
gesto e a dança são formas de comunicação, com a
mesma importância que o dom do discurso. Foi
assim que inicialmente conseguimos emergir da
plantation: a forma estética em nossas culturas deve
ser moldada a partir dessas estruturas orais”. P. 162
17. Continuação...
INFLUÊNCIA DA ARTE NEGRA:
Hegemonia da música negra
Pioneirismo dos Jubilée Singers (final do XIX)
Disseminação popular: rádio, televisão, internet
Revolução cultural: hip hop, rappers, jazz, blues,
reggae, samba...
Culto ao corpo: a estética e resistência
Consolidação identidade afro-referenciadas
PRODUZIDAS A PARTIR DA ESCRAVIDÃO RACIAL,
QUE POSSIBILITOU A PRÓPRIA MODERNIDADE,
DOMINA NOS DIAS ATUAIS O CENÁRIO CULTURAL
NO MUNDO OCIDENTAL.
18. 4. ANIME O VIAJANTE CANSADO:
W. E. B. Du Bois
W.E.B. Du Bois: “Ser negro ou tornar-se
negro?”:
Du Bois estudou na Fisk: contato com os
Singers
Outra visão de si mesmo. De sua condição.
A identidade é uma construção social
Aos 95 anos muda pra Gana e renuncia à
cidadania dos EUA
Presenciou o linchamento de Sam Hose,
quando ia pra faculdade em Atlanta, onde
lecionava.
“ Ninguem poderia ser um cientista, calmo, frio e
distante enquanto os negros eram linchados,
assassinados e submetidos à morte pela fome”.
19. Continuação...
A DUPLA CONSCIÊNCIA:
“ Todos sentem alguma vez sua dualidade – um
lado americano, um lado negro; duas almas,
dois pensamentos, dois esforços inconciliáveis;
dois ideais em guerra em um só corpo escuro,
cuja força tenaz é apenas o que a impede de se
dilacerar”. P. 248
20. 5. SEM O CONSOLO DAS LÁGRIMAS
► Pensamento de Richard Wright, escritor negro
mais famoso nos anos 1940-50:
► Entendia o conceito “negro” como uma
construção social criado nos EUA.
► Para Wright o espírito americano da divisão
igualitária só se aplicava à parte branca de sua
sociedade.
► Apesar de Adventista entendia os dogmas como
veículos de sujeição racial.
► Não entendia o conceito da felicidade no devir
escatológico
► Refuta os mecanismos da “culpa” impostas aos
negros no regime da Plantation
21. Continuação...
► A TEORIA DA MODERNIDADE DE WRIGHT:
► No livro OUTSIDER Wright explica a modernidade
a partir da quebra do paradigma da moralidade
religiosa ocidental.
► Conceito NEGRITUDE: condição metafísica da
existência do mundo moderno.
► Modernidade, modernização e modernismo são
produtos da mediação da escravidão e a ordem
do terror racial no sul dos EUA.
22. 6. UMA HISTÓRIA PARA NÃO SE PASSAR
ADIANTE: A memória viva e o sublime escravo
A TRADIÇÃO:
De acordo com Gilroy: “a idéia de tradição possui
um estranho poder hipnótico no discurso político
negro”. P. 351.
Gilroy critica os conceitos de “pureza racial”, “eu
racial” e o “projeto afrocentrista”.
Para Gilroy recorrer à tradição anterior à escravidão
racial, ou seja, à uma suposta essência africana
(afrocentrismo) constitui uma impossibilidade para
entender a cultura do Atlântico Negro.
Projeto afrocêntrico encerra idéia de progresso
linear da civilização africana (interrompida pela
escravidão racial)
23. Continuação...
A ideologia do afrocentrismo encerra uma maneira
desesperada de inversão ideologizada. No caso, os
negros se tornam dominantes em virtude da biologia
ou da cultura. Gilroy entende que esse não é o
caminho.
Dessa forma, o próprio pensamento afrocentrista
enquadra a escravidão como antinomia da
modernidade. INVERSÃO RETÓRICA
Boa parte dos pensadores negros vê a escravidão
como um período insidioso de sua história.
Gilroy reafirma a necessidade de se pensar a
tradição centrada na própria diáspora. Desta forma
salienta a simetria entre escravidão e modernidade.
24. Continuação...
A tradição na diáspora:
Simetria com a modernidade
Assimetria com a “pureza africana”
Segundo Gilroy:
“A circulação e a mutação da música pelo Atlântico
negro explode a estrutura dualista que coloca a
África, a autenticidade, a pureza e a origem em crua
oposição às Américas, à hibridez, à crioulização e ao
desenraizamento”. P. 371
A música negra assume o papel de griot (contadores
de estórias e histórias): influência da cultura
vernácula e nos processos de identidades.
25. Continuação...
As músicas negras: origem de uma nova história
Jubilée Singers (cultura do sofrimento e redenção)
em fins do XIX e início XX ) cederam lugar à uma
nova narrativa:
Culto ao ideal da negritude
Supervalorização do poder da cultura
Elaboradas no limite entre subordinação e
insubordinação
“ AS CULTURAS DOS GUETOS ROMPERAM COM A
TRADIÇÃO DAS SENZALAS”.
26. Considerações finais
A essencial obra de Paul Gilroy, objeto desta
apresentação, desloca o papel do africano na
diáspora negra, pelas vias culturais e políticas,
enfatizando a ostensiva e atuante presença dos
povos negros na própria constituição da
modernidade ocidental. Desta forma,
possibilitando uma saída para fora dos vínculos
do racismo, constitui-se em possibilidades de
auto-afirmação dos povos negros no mundo
globalizado. (Prof. Silvânio Barcelos,
doutorando em história – UFMT)