SlideShare uma empresa Scribd logo
1 de 221
Baixar para ler offline
i



      UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO – UFMT
      INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS – ICHS
        PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA
            HISTÓRIA, TERRITÓRIO E FRONTEIRAS




             QUILOMBO MATA CAVALO:
TERRA, CONFLITO E OS CAMINHOS DA IDENTIDADE NEGRA




            SILVÂNIO PAULO DE BARCELOS




           Orientador: Prof. Dr. Marcus Silva da Cruz




                          Cuiabá/MT
                          Março/2011
ii



             QUILOMBO MATA CAVALO:
TERRA, CONFLITO E OS CAMINHOS DA IDENTIDADE NEGRA




            SILVÂNIO PAULO DE BARCELOS




                            Dissertação apresentada à banca de defesa do
                            Programa de Pós-graduação Mestrado em História
                            do Instituto de Ciências Humanas e Sociais da
                            Universidade Federal de Mato Grosso, para a
                            obtenção do grau de mestre em História.




           Orientador: Prof. Dr. Marcus Silva da Cruz




                          Cuiabá/MT
                          Março/2011
FICHA CATALOGRÁFICA

B242q   Barcelos, Silvânio Paulo de.
            Quilombo Mata Cavalo: terra, conflito e os caminhos da identidade negra. –
        2011.
           ix, 211 f. : il. color.

           Orientador: Prof. Dr. Marcus Silva da Cruz.
           Dissertação (mestrado) – Universidade Federal de Mato Grosso, Instituto de
        Ciências Humanas e Sociais, Programa de Pós-Graduação em História. Cuiabá,
        2011.

           Bibliografia: p. 192-195.
           Inclui anexos.

           1. Escravidão – Mato Grosso – História. 2. Identidade negra. 3. Quilombo
        Mata Cavalo – Mato Grosso. 4. Identidade quilombola. 5. Quilombo –
        Identidade social. I. Título.

                                                                  CDU – 94(817.2)
        Ficha elaborada por: Rosângela Aparecida Vicente Söhn – CRB-1/931
iii



             QUILOMBO MATA CAVALO:
TERRA, CONFLITO E OS CAMINHOS DA IDENTIDADE NEGRA



              SILVÂNIO PAULO DE BARCELOS



        Dissertação de mestrado avaliada em 05 de Maio de 2011



                         Banca examinadora



            ________________________________________
                   Prof. Dr. Marcus Silva da Cruz
      Programa de Pós-graduação Mestrado em História – UFMT
                             Presidente



           ________________________________________
                  Prof. Dr. Paulo Staudt Moreira
        Programa de Pós-graduação em História – UNISINOS
                        Examinador externo




           _________________________________________
            Prof. Dra. Leonice Aparecida de Fátima Alves
      Programa de Pós-graduação Mestrado em História – UFMT
                        Examinadora interna




           _________________________________________
                 Prof. Dr. Ernesto Cerveira de Sena
      Programa de Pós-graduação Mestrado em História – UFMT
                              Suplente
iv



DEDICATÓRIA




        Aos meus queridos netos Gabriel, Thor,
     Ohana e Helena, mestres incondicionais do
     companheirismo e da alegria.
v



                                  AGRADECIMENTOS




       A Deus, sempre presente.




       Ao Professor Dr. Marcus Silva da Cruz, pelo profissionalismo, segurança e amizade
demonstrados em todos os momentos da nossa pesquisa, revelando, para além do exercício da
orientação, um profundo respeito ao processo da construção de saberes.




       À Professora Dra. Leonice Aparecida de Fátima Alves, por sua simpatia e desvelada
dedicação à leitura de nosso trabalho, contribuindo de forma inestimável para uma nova visão
acerca da comunidade do Mata Cavalo.




       Aos nossos pares acadêmicos, companheiros na gratificante jornada em busca de
conhecimentos, com os quais compartilho essa história.
vi




Resumo:


       A identidade negra na Comunidade de remanescentes do Quilombo Mata Cavalo, localizada
no município de Livramento, em Mato Grosso, está ancorada conceitualmente a dois pilares bem
definidos: “terra e memória” dos escravos da Sesmaria Boa Vida, seus ancestrais. As terras que
foram doadas por D. Anna da Silva Tavares a seus escravos, forros e cativos, em 1883, foram
responsáveis pela própria origem desse Quilombo, criando-se um modo de vida baseado nas relações
de reciprocidade e trabalho comunal. Reminiscências do imaginário fértil e da herança escrava
largamente difundida entre os povos negros na diáspora. Por licença do acaso e da fortuna, já
proprietários das terras que bem conheciam, coube-lhes a tarefa maior de expandir seus ideais de
liberdade reterritorializando aquele espaço como um lugar de negros, concebido a partir do
intercâmbio das memórias e das experiências coletivas. Assentados naquela localidade há mais de
cento e vinte anos, os descendentes dos escravos resistem, ainda hoje, à pressão de alguns fazendeiros
daquela região pela disputa em torno da sua propriedade. A questão quilombola, surgida a partir da
Constituição Federal de 1988, possibilita pelas vias jurídicas acessar novas formas de lutas por suas
terras, ao mesmo tempo em que contribui para o surgimento de dissensões internas no Mata Cavalo.
Essa alternativa equivale para os que lá permaneceram, enfrentando toda sorte de violência e conflito,
a negação de sua própria história. Paradoxalmente, os remanescentes envolvidos diretamente na luta
pelas terras, como protagonistas sociais dessa trama singular, também se apropriam do conceito
“quilombola” buscando um possível desfecho favorável ao processo jurídico em trâmite na Justiça
Federal. Desta forma, em pleno século XXI os integrantes dessa comunidade tradicional lutam pela
preservação de uma memória afro-referenciada enquanto sonham conquistar o reconhecimento do seu
espaço primordial, um espaço de negro, numa sociedade marcada por interesses difusos e pelo estigma
da globalização.




Palavras-chave: Terra, identidade negra, tradição e diáspora.
vii




Abstract:



        The specifically black identity in the remnants Comunidade de remanescentes do Quilombo
Mata Cavalo, located in the town of Livramento, in Mato Grosso, are anchored conceptually well-
defined two pillars: “land and the memory” of Sesmaria Boa Vida slaves, his ancestors. The lands that
were donated by D. Anna da Silva Tavares liners to their slaves and captives in 1883 were responsible
for their own source of Quilombo, creating a way of live based on relations of reciprocity and
communal work, reminiscent of the fertile imagination and the legacy of slavery widespread black
people in the diaspora. Why leave to chance and the fortune as owner of the lands they knew well, it
was up to than the task of the expanding the higher ideal of freedom reterritorialized that space as a
place for black, designed from the exchanged of memories and collectives experiences. Settler in that
area to more then one hundred and twenty years, the descendant of slaves to resist, even today, to
pressure from farmers in the region by the dispute over its ownership. The question maroon, arising
from the Constitution of 1988 provides legal access routes for new ways of fighting for they lands,
while contributing to the emergence of internal dissent in the Mata Cavalo. This alternative is
equivalent, for those who remained in those lands facing all sorts of violence and the conflict, denial
of they own history. Paradoxically, those remaining directly     involved in the struggle for lands as
protagonists of social weft singular, also appropriated the concept of “maroon” seeking a favorable
outcome to the possible legal proceedings underway in the Federal Court. Thus in the XXI century the
members of the community traditional fight for the preservation of a memory African-referenced
while they dream to win recognition of their primordial, an area of black in a society marked by
diffuse interest and the stigma of globalization.




Key-word: Earth, black identity, tradition and diaspora.
viii




                                       LISTA DE FIGURAS E TABELAS




                                                                                                                Página



Imagem 1. Engenho na residência de Antonio Mulato..........................................03

Mapa 1. Localização da Fazenda Cocais.................................................................72

Gráfico 1. Atividades produtivas área central no lustro 1790/94...........................81

Gráfico 2. Dados estatísticos do índice de retração demográfica da
           população escrava no ano de 1872..........................................................82

Imagem 2. Cópia do original da página 42, livro da Câmara de
          Livramento.............................................................................................102

Mapa 2. Planta da Sesmaria Boa Vida/Mata Cavalo............................................104

Mapa 3. Perímetro da área do Mata Cavalo, revisado.........................................105

Tabela 1. Quadro socioeconômico do Mata Cavalo..............................................133

Gráfico 3. Renda familiar........................................................................................134

Gráfico 4. Grau de alfabetização............................................................................134

Gráfico 5. Religiões..................................................................................................136

Imagem 3. Detalhe da festa da banana quilombola..............................................147

Imagem 4. Rosa Domingas de Jesus e seu neto.....................................................164

Imagem 5. Rosa Domingas de Jesus recepciona membros do
          Fundo Canadá.......................................................................................169
ix




                                                            SUMÁRIO

                                                                                                                       Página

1. INTRODUÇÃO...........................................................................................................01

2. Capítulo 1: ESCRAVIDÃO RACIAL DA ERA MODERNA...........................                                                    10

2.1   Escravidão e modernidade..................................................................................... 11
2.2   Escravidão racial: uma contradição da modernidade.........................................16
2.3   Escravidão no Brasil................................................................................................23
2.4   Escravidão em Mato Grosso...................................................................................34
2.5   Escravidão no Mata Cavalo....................................................................................41
2.6   Remanescentes de quilombo: Conceitos................................................................42
2.7   A Política dos “homens bons”................................................................................45
2.8   No centenário da abolição, novas possibilidades................................................. 48
2.9   Identidade quilombola.............................................................................................50

3. Capítulo 2: TERRAS CATIVAS:............................................................................58

3.1 Sesmarialismo no Brasil.........................................................................................61
3.2 Mata Cavalo: Origens............................................................................................64
3.3 A Carta de Sesmaria, 1751.....................................................................................66
3.4 Do “auto de medição e posse da Sesmaria Boa Vida”. .......................................69
3.5 Inventário de Custódia de Arruda e Silva........................................................ ...74
3.6 Testamento de Ricardo José Alves Bastos...........................................................75
3.7 Inventário de Ricardo José Alves Bastos.............................................................78
3.8 As declarações de vontade de D. Anna da Silva Tavares............................... ...85
3.9 A doação da Sesmaria Boa Vida...........................................................................88
3.10 A doação do Ribeirão Mutuca............................................................................90
3.11 Uma dura realidade.............................................................................................91
3.12 Decadência............................................................................................................94
3.13 A trama.................................................................................................................97
3.14 Fênix Negra........................................................................................................103

4. Capitulo 3: DESIDERATO...................................................................................109

4.1   História oral e memória, breves conceitos.........................................................113
4.2   Terras do Quilombo.............................................................................................125
4.3   Fragmentos da memória negra...........................................................................141
4.4   Mulheres do Mata Cavalo: A resistência negra................................................154
4.5   Conflitos de memórias: a negação da história...................................................170


5. CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................188

Bibliografia..................................................................................................................192
Anexos documentais...................................................................................................196
1. INTRODUÇÃO


        Em 15 de junho de 2008, participamos dos festejos em comemoração ao aniversário de
Antonio Mulato, um homem respeitável que acabava de completar seus bem vividos 103 anos
de idade, a convite de seu sobrinho-neto José Gregório de Almeida1. Naquele dia especial
entramos em contato, pela primeira vez, com o fascinante universo sociocultural da
Comunidade de remanescentes do Quilombo2 Mata Cavalo. Não precisa muito esforço para
compreender a emoção de estar-se em um lugar prenhe de estórias e histórias, um mundo
permeado por lembranças, sempre presentes, do tempo das senzalas e dos senhores, dos
sonhos de uma liberdade sempre adiada e os pesadelos da escravidão racial. Hoje, em pleno
século XXI - quase cento e vinte anos após o ato de doação da Sesmaria Boa Vida realizada
por D. Anna da Silva Tavares aos seus escravos forros e cativos - os homens e mulheres do
Quilombo ainda lutam pelo direito de permanecer em suas próprias terras. A tradição herdada
dos ancestrais, que aqui chegaram provenientes de Minas Gerais, segundo depoimento de
Antonio Mulato, possui valor simbólico de alta relevância para o ethos cultural e também para
o imaginário dos afro-descendentes do Mata Cavalo. Mesmo para as pessoas que migraram
para outras regiões, como o caso de José Gregório de Almeida e família, aquele território
representa bem mais que lugar de memória, configura-se como espaço sagrado, e também
profano, permeado sempre pela esperança do possível retorno.


                  A terra no Quilombo Mata Cavalo, como passaremos a partir de agora a
designar sem que se altere sua condição de lugar de remanescentes, constitui-se como
catalisadora do sentimento de pertença de seu território. No percurso da história, seus
ancestrais fincaram ali suas raízes, construindo através delas os elementos culturais de suas
identidades marcadas pela singularidade do ser negro e quilombola. Os costumes, a
religiosidade, a vida comunitária, as tradições e o esforço na manutenção de suas identidades
produzem uma territorialidade única, edificando-a enquanto espaço vital, real e simbólico,

1
  José Gregório de Almeida é uma das lideranças das, aproximadamente, 30 famílias oriundas do Mata Cavalo
que transferiram-se para a cidade de Cuiabá em meados do século XX, assentando-se na antiga localidade
conhecida por Gleba Despraiado, atual bairro Ribeirão da Ponte.
2
  De acordo com o senso comum a palavra “quilombo” de imediato implicaria a ideia de um lugar longínquo e
de difícil acesso, um espaço de fuga. Na realidade, existem inúmeras outras formas de classificação dos
quilombos e entre elas a resultante de atos de doação, como foi o caso no Mata Cavalo. Trataremos desse assunto
de forma pormenorizada ainda neste capítulo, no subitem “remanescentes de quilombo – conceitos”.
2



simultaneamente. Para além do significado do sentimento de pertença, a questão essencial na
história dos remanescentes do Mata Cavalo consiste no fato da existência dessa comunidade
em função da terra. Foi a partir da doação de parte da [antiga] Sesmaria Boa Vida aos
escravos e ex-escravos de D. Anna da Silva Tavares, que passou a existir de forma concreta o
próprio Quilombo. Tendo como ponto de partida o território ressignificado na diáspora, os
descendentes daqueles escravos perpetuaram a memória de seus ancestrais, fazendo daquele
lugar seu espaço de liberdade, sem ao menos imaginar que precisariam lutar nas malhas do
tempo pela “libertação” de suas terras. Ironia.


         O chão, expressão de sonhos e possibilidades, muitas vezes irrigado com o vermelho
tom da intolerância, testemunha o vigor e a determinação dos homens, mulheres e crianças
que foram moldados na têmpera precisa dos ideais da resistência, criando e recriando
constantemente um modo de vida peculiar. Esse mundo, dividido entre o velho e o novo,
conserva a “aura da negritude” de seu universo cultural, cultivando tradições que vão se
modificando, no interior de uma sociedade que se quer moderna, sem, contudo, perder sua
essência fundamental, uma essência que não é somente africana, mas afro-brasileira,
resultante do encontro de povos diferentes e do caráter híbrido de sua população.


           O trânsito constante entre geografia e memória, cultura e imaginário, faz do
território do Quilombo Mata Cavalo um campo aberto a constantes reconfigurações de ordem
material     e    simbólica.      Segundo       Haesbaert,      “teríamos      vivido     sempre      uma
multiterritorialidade”3, onde percebemos que em toda relação social há uma implicação, uma
interação territorial, um entrecruzamento de diferentes territórios. Nesse quadro sociocultural,
o indivíduo vive ao mesmo tempo ao seu nível particular, bem como de seus familiares, do
grupo social, e da própria comunidade. A dinâmica das transformações, em conseqüência do
estado de conflito pela disputa da propriedade das terras do Mata Cavalo, determinam, num
certo grau, a própria constituição da identidade do grupo, como Bauman aponta em seus
tratados teóricos. Para ele o próprio conceito “identidade” nasce em função da crise de
pertencimento e da necessidade de se adaptar a um mundo em constantes mudanças. 4 Toda

3
  Haesbaert, Rogério. O mito da desterritorialização: do “fim dos territórios” à multiterritorialidade. 2ª.
Ed. – Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2006. p. 344.
4
  Ainda sobre identidade devemos referir as contribuições de Max Weber, para o qual a identidade resulta
sempre da implementação de uma variável de ordem política, sendo, pois instrumentalizada, já que os sujeitos
acessarão determinados caracteres em razão da necessidade momentânea da coletividade. Nesta perspectiva
sociológica da identidade cada indivíduo representa um papel atuante no meio onde vive, estando este
condicionado à função por ele exercida em sua organização social. Numa visão um pouco simplista das
3



uma tradição herdada das senzalas reflete no cotidiano dessa comunidade, criando
territorialidades diversas que ora convergem, ora divergem confrontando interesses no seu
interior. Ao rebuscar os elementos culturais a partir da memória de seus antepassados recriam
seus territórios na diáspora, ressignificando seu espaço e delimitando-o como um território de
negros.


          Numa entrevista gravada em 28 de novembro de 2009, Antonio Mulato fala, com
profunda nostalgia, de um tempo que ficou somente na memória. Tempo da fartura marcado
pelo modo de vida coletivo, onde a maioria das casas contavam com engenhos, criações de
animais domésticos, plantações de mandioca, milho, arroz, feijão e a cana de açúcar.
Rebuscando antigas recordações,              relembra os dias felizes de uma vida comunitária:
muxiruns5, trabalhos no campo e as festas em comemorações aos dias santos. Quando lhe
perguntamos como se sentia nessa altura de sua vida respondeu que: “to alegre porque ainda
to vivo, mas hoje cada um faz por si. Esse é o atraso da vida, né? Não existe mais a união,
acabou a união. Fazer o que? To alegre por que ainda to vivo.”


          Imagem 1 = engenho na residência de Antonio Mulato




formulações weberianas alusivas aos processos identitários, podemos concluir que o conjunto do que somos e
pensamos, nossas expectativas de vida, percepções de nós mesmos e do mundo em que vivemos constituem, isso
não é relativo, os padrões sociais que norteiam nossas condutas e comportamentos. Desta forma, assevera
Weber, a identidade, tais quais os processos dinâmicos da ação, é criada e recriada continuamente nas estruturas
sociais onde os atores se identificam ao mesmo tempo em que são identificados.
5
  O trabalho realizado em sistema de mutirão, ou muxirum como é mais conhecido na região, muito utilizado no
período do Brasil Colônia, consistia na execução de tarefas coletivas e também particulares, onde o contratante
se obrigava a servir o almoço, feito pelas mulheres, enquanto os homens executavam o serviço braçal.
4


        Fotografia de Antonio Mulato junto ao seu antigo engenho
        Formato JPEG, tirada em 28/novembro/2009, modelo da câmera DMC-FX07
        Acervo particular de Silvânio Paulo de Barcelos

        Na fotografia acima, onde o anfitrião faz questão de nos mostrar o funcionamento do
seu antigo engenho, percebe-se a atmosfera nostálgica, naquele ambiente calmo, provocada
pelas lembranças de outros tempos. Tempos que por contingência ou capricho, na visão para
quem a vida se fez obstinadamente tenaz, pertence mais à memória que à possibilidade do
devir e o homem acostumado a se expressar com intensa determinação parece perder a noção
da fala. Sua voz, quase um sussurro, no limite da expressão se torna simples lamento. Com
certeza, para ele, mesmo não admitindo tal hipótese, a impossibilidade do retorno àquele
tempo se torna tão real quanto o seu presente alimentado por memórias e recordações.

        Essas preocupações, reveladas na fala simples de Antonio Mulato, indicam problemas
que preocupa grande parte dos moradores do Mata Cavalo. A tradição6 e os costumes
herdados dos seus antepassados constituem-se para essa comunidade a possibilidade de
perpetuação da memória escrava, um dos elos formadores de suas identidades. Entretanto,
para os jovens dessa comunidade, a tradição possui outras configurações que respondem a
seus próprios anseios e às necessidades de afirmação em um mundo marcado pela
modernidade, por constantes transformações e pelas incertezas que delas se originam. Apesar
dessas perspectivas um tanto nebulosas, a terra, testemunha viva da história do Mata Cavalo,
ainda possui o mesmo valor material e simbólico capaz de conformar identidades singulares.
No confronto das gerações, nessa comunidade, o velho e o novo se entrecruzam e, apesar da
aparente contradição, a tensão social, sempre presente, assume novas dimensões quando todos
se reúnem em torno dos festejos nos dias santos. Nessa ocasião festiva, a alegria reforça os
elos da solidariedade ao mesmo tempo em que cultiva o ideal da negritude, uma herança de
resistência ao regime escravista, que se revela maior que as querelas de suas vidas sociais e
seus aparentes antagonismos.



6
  De acordo com o Dicionário de Ciências Sociais do Instituto de Documentação da Fundação Getúlio Vargas,
publicado pela Editora FGV em 1986, na cidade do Rio de Janeiro, o termo “tradição, em sentido restrito, é um
termo neutro, empregado para designar a transmissão, geralmente oral, por meio da qual modos de atividade,
gosto ou crença são passados (entregues) de uma geração para a seguinte, perpetuando-se dessa forma. Assim,
aplicando o termo às ciências sociais, tradição é o veículo através do qual cada criança aprende de seus
antepassados alguma coisa dos seus costumes e do conjunto de conhecimentos e preconceitos acumulados. [...] O
termo tradição também se aplica a alguns dos elementos culturais assim transmitidos, mas não a todos. Os
elementos escolhidos e que recebem o status de tradições são geralmente considerados de valor, e está
fortemente implícito que são especialmente dignos de serem aceitos. Assim, uma tradição é um modo de
comportamento ou padrão produzido por um grupo como tal, distinto de um indivíduo; e serve para intensificar a
consciência de grupo e sua coesão”. P. 1254.
5



       Como objetivo geral de nossa investigação apontamos o propósito de entender como
essas pessoas, e também os grupos aos quais pertencem, puderam experimentar o próprio
passado, recuperado por suas memórias de vida, dotando de significado a trama de suas
próprias histórias. Cabe ainda mencionar a importância de conhecer o contexto de estudo,
além de problematizar as relações sociais, jurídicas e políticas que permitiram e permitem a
constituição daquele grupo em seu espaço.

       A partir dessas reflexões preliminares passamos agora a apontar alguns aspectos
relevantes no que tange a procedimentos metodológicos utilizados nessa pesquisa.

       Inicialmente devemos referir sobre o uso da “pesquisa bibliográfica”, especialmente
no que diz respeito à apropriação dos principais conceitos e categorias que balizaram nossa
pesquisa, merecendo destaque o conceito de identidade, tradição, afro-referenciamento, além
de categorias de natureza jurídica, em razão da especificidade do tema de investigação. Aqui
destacamos uma importante          reflexão que norteou nossas investigações: as teorias
desenvolvidas pelo sociólogo Paul Gilroy na obra “O Atlântico negro”.

       Apontamos ainda a utilização sistemática dos pressupostos da “pesquisa documental”,
uma vez que a compreensão da comunidade do Mata Cavalo implica no manuseio e
problematização de documentos de natureza pública. Entre estes documentos destacam-se,
por suas relevâncias, aqueles que instruem o processo judicial que discute a titularidade das
terras da comunidade, além de uma série de documentos de natureza administrativa oriundos
do INCRA, Fundação Cultural Palmares, INTERMAT, bem como acervos do NDHIR e do
APMT7 além de documentos de natureza cartorial.

       Por fim utilizamos da “pesquisa de campo”, tendo sido realizado inúmeras visitas aos
locais de estudo, sendo importante referir que durante essas incursões utilizamos daquilo que
a bibliografia denomina de observação direta e na maioria das vezes “observação
participante”. Além da observação direta cujos principais elementos foram registrados num
diário de campo, devemos referir a realização de entrevistas semi-estruturadas e não
estruturadas, utilizando-se dos pressupostos da história oral. A escolha dos depoentes atentou
para alguns pressupostos que julgamos pertinente e elucidadores de nossas premissas de
trabalho. Assim sendo, optamos pelas entrevistas com a atual presidente do quilombo, bem
7
 INCRA: Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária; INTERMAT: Instituto de Terras de Mato
Grosso; NDHIR: Núcleo de Documentação Histórica e Regional da Universidade Federal de Mato Grosso;
APMT: Arquivo Público do Estado de Mato Grosso.
6



como algumas pessoas mais idosas que possuem, em suas narrativas de vida, memórias muito
expressivas herdadas de seus ancestrais o que, via de regra, fornece elementos importantes da
trajetória social e política da comunidade como um todo. Utilizamos também dos relatos de
algumas pessoas de destaque entre as famílias que migraram para as cidades de Cuiabá e
Várzea Grande que guardam forte ligação com o Mata Cavalo e, também, lutam pela
possibilidade de retorno ao lugar de onde vieram. Através dos relatos de vida e da
recuperação das memórias das pessoas mais velhas que, de uma forma ou de outra, lutam pela
legitimação da propriedade daquelas terras, será possível viabilizar a narrativa em torno da
história da cadeia dominial, onde os atores utilizam-se da própria trama jurídica envolvida no
processo litigioso para conquistar definitivamente suas terras. Em contrapartida, realizamos
também entrevistas com pessoas mais jovens da comunidade do Mutuca (uma das associações
que integram o complexo do Mata Cavalo) que se destacam no interior da comunidade por
estarem sintonizadas com os movimentos de resistência e luta pela causa quilombola.

        Trabalhando com essas múltiplas memórias, presente e passado serão analisados, no
afã da identificação dos elementos que permitirão questionar interpretações e visões de
mundo, a partir das falas dos entrevistados e seus conseqüentes posicionamentos quanto à
própria constituição do presente vivido no interior do Mata Cavalo. Obviamente, os relatos
biográficos trazem consigo uma intencionalidade específica de quem procura dar sentido à
sua narrativa, escolhendo e classificando os fatos do seu passado, que podem ou não
apresentarem-se de forma cronológica. De acordo com Pierre Bourdieu, o relato propõe
“acontecimentos que, sem terem se desenrolado sempre em sua estrita sucessão cronológica,
tendem ou pretendem organizar-se em seqüências ordenadas segundo relações inteligíveis”.8
Não obstante, há que considerar-se que a história de vida e seus relatos podem conter sim, e
isso não é pouco, descrições bastante coerentes das ações cotidianas de um determinado
grupo, principalmente quando confrontadas com outras histórias de vida, delineando-se, por
assim dizer, os fios condutores de uma realidade presente. Essa conjuntura constitui-se, no
dizer de Verena Alberti, “histórias dentro da história”9.

        Em razão das impressões iniciais, e da análise dos depoimentos colhidos no decurso
dessa pesquisa, podemos levantar uma questão explicativa do processo de constituição da


8
  Bourdieu, Pierre. A ilusão biográfica. In: Ferreira, Marieta de Moraes; Amado, Janaína (coords.). Usos &
abusos da história oral. Rio de Janeiro: FGV 1996. P. 184.
9
  Alberti, Verena. Histórias dentro da história. IN: Pinsky, Carla Bassanezi (org.). Fontes históricas. – São
Paulo: Contexto, 2005. P. 166.
7



identidade no Mata Cavalo, tendo como seus elementos principais a terra e a memória afro-
referenciada, construída pelas vias do imaginário, no período em que os ancestrais do Mata
Cavalo ainda se encontravam em cativeiro. Para além de local de subsistência, do conforto de
uma moradia e a segurança do espaço de pertencimento, a terra, para os descendentes dos ex-
escravos da Sesmaria Boa Vida, possui valores simbólicos plenos de subjetividades. Via de
regra, constitui-se na fronteira entre o “nós” e os “outros”, possibilitando, na interface com a
memória escrava, a edificação dos pilares de uma identidade singular: o ser negro e também
quilombola.    Essa constatação nos leva a trilhar caminhos de busca dos elementos que
possibilitarão a escrita da narrativa proposta.

       Por fim, cabe referir que essa pesquisa pode ser identificada como “participante” em
vista dos interesses pessoais e acadêmicos que consolidamos em torno do destino desta
comunidade. As pessoas que se interessam pela história dos que se colocaram em posição
antagônica na trama social aqui explorada – a saber, alguns fazendeiros da região - não
encontrarão neste trabalho nenhuma forma de expressão a não ser aquelas que entraram, de
alguma forma, no contexto da disputa litigiosa em questão. Importa frisar que nosso esforço
historiográfico expande-se além do limite da simples especulação retórica de fatos ocorridos,
pois sensibilizamo-nos pelas causas sociais ainda não resolvidas, e nesta vertente percebemos
o movimento quilombola para além da necessidade de conquista de suas próprias terras,
constituindo-se em reparação histórica aos desterrados pela violência da escravidão racial da
era moderna. Nosso lugar da enunciação, em alusão a Michel de Certeau, de onde falamos e
escrevemos, pode ser referido metaforicamente a partir dos terreiros da senzala da Sesmaria
Boa Vida, privilegiando-se os interesses e anseios mais elementares daquela gente simples
para as quais a terra é bem mais que possibilidade de trabalho, é vida.

       Feitas essas considerações de ordem metodológica, passaremos agora a descrever a
forma escolhida para organizar essa dissertação.

       O propósito central do primeiro capítulo, denominado “A escravidão racial da era
moderna”, é o estudo da própria escravidão enquanto objeto histórico. Para dar conta de
nosso propósito utilizamos nesse capítulo prioritariamente da pesquisa bibliográfica. Através
da contextualização da escravidão racial da era moderna, e tudo que ela trás de novidade e
mudança para a própria modernidade ocidental, buscaremos os elementos constitutivos da
cultura, bem como dos aspectos sociais do grupo aqui estudado. Isso se torna relevante na
medida em que fornecem as bases teóricas, e também práticas, capazes de dotar de
8



racionalidade os processos distintos da formação da identidade negra no seio desta
comunidade tradicional. Para entender quem são os homens, mulheres e crianças que
constituem, nos dias atuais, o Mata Cavalo, torna-se imprescindível a análise dos processos
que levaram o africano, em resposta à pressão do sistema escravocrata, a criar os mecanismos
de defesa e, também, de sobrevivência dentro do universo marcado pela violência
característica das relações senhor/escravo. O escravo foi considerado, equivocadamente, pelo
senso comum e pela historiografia, que tradicionalmente trabalhou essa questão, como um
simples objeto do sistema, um feixe de músculos pronto a impulsionar, de forma passiva e
amorfa, as engrenagens do próprio sistema capitalista em boa parte do ocidente.

         De acordo com trabalhos historiográficos recentes10, o escravo localizou-se não nas
extremidades dicotômicas reducionistas das relações entre opressor e oprimido, mas, sim na
posição intermediária da negociação. Colocado no vértice e no limite da tensão, oriunda do
próprio sistema que o aprisionou, os africanos na diáspora negociaram o seu modo de vida, o
seu cotidiano, da melhor forma possível, resgatando sua dignidade e sua condição de sujeito
de sua própria história. Por analogia a condição dos remanescentes do Mata Cavalo segue a
mesma orientação. Pressionados duplamente pelo sistema que oprime e os colocam como
objetos passivos de suas histórias, os descendentes dos escravos da Sesmaria Boa Vida
criaram, com imaginação, as formas do seu viver tornando-se senhores de si mesmo. Neste
processo de recuperação histórica, eles edificaram uma identidade singular em um cotidiano
expressivo marcado pela herança ancestral africana, numa feliz combinação entre passado e
presente, tradição e modernidade.

         No segundo capítulo, denominado “Terras cativas”, desenvolvemos uma análise mais
aprofundada da questão agrária, envolvendo a disputa das terras no Mata Cavalo tendo por
conseqüência o estado de conflito e de conflitividade, que perdura até aos dias atuais. A
releitura da farta documentação disponível, relativa a essa comunidade, tais como relatórios
produzidos pelo INTERMAT, pelo Ministério da Cultura, Fundação Cultural Palmares,
inventários e testamentos diversos que se encontram no Arquivo Público do Estado de Mato
Grosso, no NDHIR e de alguns documentos jurídicos11, permitirá a construção da narrativa
histórica da questão agrária no Mata Cavalo. Essa documentação consiste no corpo principal

10
   Conferir algumas das obras historiográficas que representam essa nova tendência na citação número 42, ainda
neste capítulo.
11
  Entre os documentos jurídicos destacamos: Informe ao X Congresso de Direito Agrário: Quilombos, produzido
pelo defensor público José Orlando Muraro Silva; Ação Civil Pública empreendida pelo Ministério Público
Federal contra a União, Fundação Palmares, INCRA e Carlos Campos Maciel.
9



na elaboração e reinterpretação desta questão, que por sua vez possibilitará uma análise mais
abrangente quanto à própria história deste Quilombo.

        Em resposta às pressões impostas pelo estado litigioso, essa comunidade de
remanescentes criou mecanismos próprios de defesa e auto-afirmação, através do cultivo da
tradição que tem suas origens nas senzalas e da manutenção, via cultural, do universo
simbólico que a identifica como descendentes de escravos.           Cientes de sua condição
fundamental de estar ocupando uma área que receberam a título de doação, os representantes
dessa comunidade tradicional lutaram, como puderam, pela preservação de suas terras, local
de subsistência, de memória e de auto-afirmação étnica específica. Uma terra quilombola.
Sem dúvida, a questão subjetiva da identificação étnica, possibilitada pela memória da
escravidão, possui peso e densidade relevantes no processo de manutenção das tradições
ancestrais africanas, constituídas a partir dos relatos orais repassados de geração a geração no
interior da comunidade. Toda uma memória específica, constituída no imaginário afro-
descendente, é insistentemente preservada em prol da conservação dos elos de solidariedade
do grupo permitindo assim, no limite, a própria existência do Mata Cavalo.

       Tendo a diáspora negra como pano de fundo, trataremos no terceiro capítulo
denominado “Desiderato” dos processos de construção da identidade negra no interior desta
comunidade. Confrontando a trajetória da luta pela posse da terra e a questão subjetiva da
tradição ancestral afro-referenciada, constituída pelas vias do imaginário, tendo por
testemunho os depoimentos dos integrantes do Mata Cavalo, será possível comprovar nossas
afirmações acerca da formação desta identidade singular. Nesse contexto, mostraremos como
as manifestações artísticas e culturais da comunidade constituem-se em reflexo do próprio
movimento da diáspora negra, da forma como o entende Paul Gilroy em seu “Atlântico
negro”. A terra como meio e fim, objetivo e destinação, o desiderato primordial, constitui-se,
nas tramas de sua história, em local privilegiado da conformação da identidade negra, que por
sua vez, juridicamente, permitirá a legitimação da sua propriedade, através da questão
quilombola.
10



                   2. Capítulo 1 - ESCRAVIDÃO RACIAL DA ERA MODERNA

                                                   Senhor Deus dos desgraçados! Dizei-me vós, Senhor Deus!
                                                     Se é loucura... se é verdade tanto horror perante os céus?!
                              Ó mar, por que não apagas co’a esponja de tuas vagas de teu manto este borrão?...
                                                                                  Astros! Noites! Tempestades!
                                                                                         Rolai das imensidades!
                                                                                         Varrei os mares, tufão!

                                                                               (Navio Negreiro – Castro Alves)




          De acordo com a convenção sobre a escravatura assinada em Genebra, no dia 25 de
setembro de 1926, e emendada pelo protocolo aberto à assinatura ou à aceitação na sede da
Organização das Nações Unidas, realizada em 7 de Dezembro de 1953 na cidade de Nova
York, em seu artigo primeiro, parágrafo primeiro: “A escravidão é o estado ou condição de
um indivíduo sobre o qual se exercem, total ou parcialmente, os atributos do direito de
propriedade”.12 Ainda tratando da mesma temática em seu parágrafo segundo do mesmo
artigo:




                           O tráfico de escravos compreende todo ato de captura, aquisição ou cessão
                           de um indivíduo com o propósito de escravizá-lo; todo ato de aquisição de
                           um escravo com o propósito de vendê-lo ou trocá-lo; todo ato de cessão, por
                           meio de venda ou troca, de um escravo adquirido para ser vendido ou
                           trocado; assim como em geral todo ato de comércio ou de transportes de
                           escravos. 13




          Paul Lovejoy aprofunda ainda mais esses conceitos ao apontar as características
específicas da escravidão incluindo a idéia de que os escravos eram, em termos absolutos,
uma propriedade, e que também: “ eram estrangeiros, alienados pela origem ou dos quais, por
sanções judiciais ou outras, se retirara a herança social que lhes coubera ao nascer; que a
coerção podia ser usada à vontade; que a sua força de trabalho estava à completa disposição


12
   Em nossa qualificação fomos informados que as Convenções antes referidas são utilizadas como os
instrumentos jurídicos mais antigos quando do trato da denominada escravidão contemporânea. Para maiores
esclarecimentos acerca dos tratados relativos à escravidão negra vide: Tratados de paz de Paris de 1814 e 1815;
Declarações do Congresso de Viena de 1815; Declaração de Verona de 1822; Tratados de 1831 e 1833 entre
França e Inglaterra; Tratado de Londres de 1841; Tratado de Washington de 1862; Ato Geral da Conferência de
Berlin de 1885 e o Ato Geral da Conferência de Bruxelas de 1890.
13
   Disponível em: http://www.onu-brasil.org.br/doc_escravatura.php , acesso em 22 de Junho de 2010.
11



de um senhor”14. Uma observação mais acurada desses conceitos permite entender, de alguma
forma, a transformação do africano escravizado em “coisa”, em mero “feixe de músculos” a
serviço do regime que o oprime. Essa visão estereotipada do escravo como res, no limite,
como um ser desprovido de história, contribui (isso não é pouco!) para a configuração atual
da posição social dos negros no interior das sociedades contemporâneas. Pode-se, com
relativa facilidade, relacionar os processos socioculturais excludentes a partir de premissas
raciais - a racialização do negro, portanto, no interior de sociedades marcadas profundamente
pelo predomínio e pela hegemonia das populações brancas – à própria construção, no âmbito
da história, da condição do escravo como um mero instrumento de produção de bens
capitalistas. No entanto, o que nos interessa aqui são, exatamente, as condições contrárias a
esses conceitos. Atribuindo-lhe a condição de ator na história, como já afirmamos
anteriormente, nos aproximamos da realidade cotidiana desse sujeito que se viu obrigado a
construir sua vida em terras estrangeiras estigmatizadas pelo contexto violento da dominação.
Compreender essa condição singular, marcada sempre pelo imperativo da negociação
constante, é fundamental para o entendimento da cultura e da sociedade híbrida resultante dos
movimentos da diáspora negra. No limite da expressão, não há como analisar a própria
modernidade ocidental sem considerar os processos inerentes à escravidão racial da era
moderna. Essa questão é altamente relevante, ao que nos interessa, na medida em que
possibilita interpretar o mundo constituído pela comunidade do Mata Cavalo, ela mesma uma
conseqüência do entrecruzamento entre o antigo e o moderno, a tradição e a mudança.15



2.1 Escravidão e modernidade



         Paul Gilroy, sociólogo e um dos expoentes do movimento negro mundial, ao focalizar
a questão da modernidade a partir do convés dos navios negreiros, percebe o absurdo e a
contradição nas vastas obras de intelectuais que tratam da modernidade sem, ao menos,
considerar a hipótese da interação dos africanos escravizados com a formação do mundo
capitalista, condição relevante à sua própria existência. Para ele, torna-se necessário um
esforço no sentido de fazer com que a cultura e a história negras “sejam levadas a sério nos
círculos acadêmicos, em lugar de serem atribuídas, via a idéia de relações raciais, à

14
   Lovejoy, Paul E. A escravidão na África: uma história de suas transformações. Tradução Regina A. R.
Bhering e Luiz Guilherme B. Chaves. – Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002. P. 29.
15
   Cabe aqui referir que o conceito de mudança pode ser melhor compreendido tomando como pressuposto as
investigações desenvolvidas por Bauman quando da referência acerca da “liquidez”da sociedade contemporânea.
12



sociologia, e, daí, abandonadas ao cemitério de elefantes no qual as questões políticas
intratáveis vão aguardar seu falecimento”16.


        Esse autor ao buscar os elementos que possibilitem o rompimento dos diques, muito
bem instalados na política cultural eurocêntrica nacionalista, que coloca o negro ora como
não-humano ora como não-cidadão, procura os meios que possam ativar os códigos re-
interpretativos da condição do negro na modernidade. Assim, a diáspora responde o debate e
ancora o caráter híbrido meta-nacional17 da condição cultural desse negro: “sob a idéia-chave
da diáspora, nós poderemos então ver não a raça, e sim formas geopolíticas e geo-culturais de
vida que são resultantes da interação entre sistemas comunicativos e contextos que elas não só
incorporam, mas também modificam e transcendem”18.


          Stuart Hall19 utiliza o conceito “diáspora negra” para explicar a experiência dos
Africanos desterritorializados em função da escravidão racial. Afro-caribenho, vivendo em
Londres, Hall entendeu sua condição de ser-no-mundo: conhecendo intimamente os dois
lugares [Jamaica e Inglaterra] percebeu que na verdade não pertencia a nenhum deles, “e esta
é exatamente a experiência diaspórica, longe o suficiente para experimentar o sentimento de
exílio e perda, perto o suficiente para entender o enigma de uma chegada sempre adiada” 20.
Esse autor aponta que “de uma forma curiosa, o pós-colonial prepara o indivíduo para viver
uma relação pós-moderna ou diaspórica com a identidade”21.                      De acordo com Hall a
experiência da diáspora origina-se na bíblia ao narrar a recuperação de uma terra ocupada por
outros povos. No esforço de aproximação entre a diáspora bíblica e a diáspora negra ele
aponta a experiência de sofrimento, exílio, cultura do livramento e da redenção como alguns
dos seus fatores comuns. Essa condição explica, de alguma forma, porque os adeptos do




16
   Gilroy, Paul, 1956. O Atlântico Negro: Modernidade e dupla consciência. São Paulo; Ed. 34; Rio de
Janeiro: Universidade Cândido Mendes, Centro de Estudos Afro-Asiáticos, 2001. P. 40.
17
   Acerca dessa denominação devemos referir que o autor aponta a possibilidade de identidades supra-nacionais,
marcadas por caracteres resultantes da aproximação de diferentes traços, daí seu caráter hibrido.
18
   Gilroy, Paul. Op. Cit. P. 25.
19
   Esse jamaicano de classe média viveu as contradições culturais e sociais no contexto colonizado da Jamaica,
uma sociedade marcada por políticas de branqueamento racial. Na sua infância foi chamado de “coolie” uma
espécie de pária entre os seus, por ser de todos os membros de sua família o mais negro. Em 1951 mudou-se
para a Inglaterra onde mais tarde filiou-se à “Nova Esquerda Inglesa”.
20
   Hall, Stuart. Da diáspora: identidades e mediações culturais. Organização Liv Sovik; tradução Adelaine La
Guardia Resende... [et. al.]. – Belo Horizonte: Ed. UFMG; Brasília: Representação da UNESCO no Brasil, 2003.
P. 415.
21
   Hall, Stuart. Op. Cit. P. 416.
13



Movimento Rastafári22 utilizam com freqüência a bíblia, pois ela “Conta a história de um
povo no exílio dominado por um poder estrangeiro, distante de casa e do poder simbólico do
mito redentor”23. Conforme conclusões desse autor, o que marcou definitivamente o
rastafarianismo foi o fato de ter tornado definitivamente negra a Jamaica, descolonizando as
mentes. “Como todos os movimentos, o rastafarianismo se representou como um retorno.
Mas, aquilo a que ele nos retornou foi a nós mesmos. Ao fazê-lo produziu a África,
novamente, na diáspora”24.


        A análise das estruturas políticas, sociais e culturais no interior das fazendas que
utilizavam o regime de escravidão Plantation25 revela dados impressionantes de
particularismos e concentração de poderes num regime fechado, longe dos olhos e do alcance
das instituições estatais. Foi nesse ambiente que o terror racial se desenvolveu. Entretanto, foi
também nesse espaço “permitido”26 que os escravos, absorvendo os elementos culturais da
sociedade dominante, criaram mecanismos de defesa e auto-afirmação como forma de
subsistência numa terra distante e desconhecida, recriando seu espaço primordial,
analogamente pequenas porções da África reterritorializadas pelas vias da recordação.
Expressando-se através do corpo os africanos, na diáspora, recriaram padrões estéticos que
conformaram a própria noção de contracultura da modernidade. A música, um dos elementos
culturais permitidos e/ou até incentivados pelos senhores da Plantation, expressando
pensamentos e desejos inefáveis, colocava para os escravos um mundo idealizado, tal qual

22
    Na década de 1960, excluídos do sistema capitalista, muitos Rastas procuraram formas de subsistência
através da arte, entre elas o artesanato, esculpindo peças inspiradas em motivos africanos. Entretanto, onde a
cultura Rasta desenvolveu-se, tanto na Jamaica quanto fora dela, foi na música, com o surgimento do Reggae,
um estilo musical inovador . No começo o Reggae é o Ska, ritmado ao som de instrumentos metálicos que
foram inspirados na Black music norte-americana. Mais tarde o Ska que ficara mais lento, originou o
Rocksteady. Acrescido das percussões africanas e batidas da guitarra ao estilo Rock nos anos 1970 o antigo
Rocksteady passa a denominar-se Reggae
23
   Hall, Stuart. Op. Cit. P. 417.
24
   Id Ibidem.
25
    O conceito de plantation utilizado aqui refere-se às fazendas de monocultura do algodão encontradas no sul
dos Estados Unidos no século XVIII e início do XIX, que utilizavam mão de obra escrava.
26
   Utilizamos essas aspas para chamar a atenção do leitor para o fato da questão subjetiva intrínseca ao próprio
termo por nós utilizado. O sentido de apropriação, como o entende Roger Chartier, explica bem toda dinâmica
envolvida nos espaços controlados das senzalas, onde os escravos gozando de relativas e momentâneas
liberdades expressavam seus modos de vida característicos, manifestando a resistência natural ao regime da
escravidão através dos sincretismos religiosos, das manifestações culturais e lúdicas. Obviamente, as pequenas
liberdades aconteciam em um nível elevado de negociação subliminar em resposta à necessidade sempre
constante da utilização de meios para aliviar a pressão do próprio sistema. Esses recursos foram largamente
utilizados pela elite escravocrata que também se viam obrigadas a negociar seus interesses. Desta forma, as
concessões de privilégios colaboravam para a manutenção do próprio regime da escravidão. Por outro lado se os
espaços de relativa liberdade lhes eram “permitido” isso ocorria também em função da pressão interna, de dentro
da senzala para fora, tendo por conseqüência o medo sempre presente de revoltas ou sublevações incontroláveis.
Considerado neste contexto o espaço “permitido” existe em função do espaço “negociado”.
14



gostariam que fosse, em oposição à realidade do vivido, fornecendo-lhes a necessária dose de
coragem para prosseguirem suas vidas. Essa concepção utópica de um mundo perfeito,
recriado ludicamente através da música, é denominada por Gilroy de “política de
transfiguração” que enfatiza desejos novos no interior da comunidade racial. Segundo ele a
política de transfiguração “Aponta especificamente para a formação de uma comunidade de
necessidades e solidariedades, que é magicamente tornada audível na música em si e palpável
nas relações sociais de sua utilidade e reprodução cultural”27.


           É notável o valor e a centralidade que a música e as manifestações artísticas possuem
para a cultura e a sociedade no interior do Mata Cavalo. Elo espiritual importantíssimo,
considerando-se a licença poética, a arte concentra o poder simbólico capaz de conformar
parte da cultura e das estruturas sociais desta comunidade tradicional. Nas ocasiões festivas
desta comunidade, arte e vida se misturam de forma a dotar de sentido as hierarquias de poder
no seu interior.


           A evasão lúdica do mundo real constitui-se numa espécie de resistência ao presente
opressor dilatando, poeticamente, as esperanças num amanhã glorioso. Obviamente, transitar
no espaço “permitido” no interior das fazendas no regime da escravidão exige exercício
laborioso de audácia e inteligência buscando no espaço do subliminar o escopo de suas ações.
Desenvolvida debaixo do nariz dos senhores, os desejos utópicos que alimentam a política
complementar da transfiguração, como espaços de transgressões, só podem tomar forma por
meios mais sutis, situando-se em regiões de difícil acesso aos olhos de quem domina e
oprime, pois:


                                Essa política existe em uma freqüência mais baixa, onde é executada,
                                dançada e encenada; além de cantada e decantada, pois as palavras, mesmo
                                as palavras prolongadas por melisma e complementadas ou transformadas
                                pelos gritos que ainda indicam o poder compíscuo do sublime escravo,
                                jamais serão suficientes para comunicar seus direitos indizíveis à verdade. 28


           Não se trata de um contra discurso, como o afirma Gilroy, mas sim de uma
contracultura capaz de reconstruir, de forma desafiadora, sua própria genealogia crítica,
intelectual e moral recriando seu espaço “permitido” numa esfera pública particular e pouco
perceptível, porém totalmente dotada de singular personalidade. No centro dinâmico dessa
27
     Gilroy, Paul. Op. Cit. P. 96.
28
     Id Ibidem.
15



contracultura29 encontram-se as expressões artísticas da música negra, que embora não
excluindo as desigualdades sociais sua ética bem estabelecida oferece as condições para o
debate em torno das questões de dominação que determinam a sua própria existência.
Conclusivamente, as expressões artísticas possibilitam meios plausíveis para a afirmação do
indivíduo, bem como para a libertação da comunidade como um todo. “Poiésis e poética
começam a coexistir em formas inéditas – literatura autobiográfica, maneiras criativas
especiais e exclusivas de manipular a linguagem falada e, acima de tudo, a música. As três
transbordaram os vasilhames que o estado-nação moderno forneceu a elas”30.


        A discussão do caráter poético da música negra, e sua notável influência na cultura e
nas sociedades negras estabelecidas no movimento da diáspora, no entorno do oceano
Atlântico, são importantes para o entendimento do universo negro aqui estudado, na medida
em que fornece elementos teóricos explicativos de alguns aspectos                         da cultura e da
comunidade do Mata Cavalo. Não precisa muito esforço para entender que, ao menos, boa
parte das manifestações sócio-culturais percebidas no Mata Cavalo tem sua origem no período
em que seus ancestrais ainda se encontravam no cativeiro. Obviamente, essas manifestações
culturais sofreram, no curso da história, as influências externas nas zonas de contato, por
assim dizer, com outras culturas. O que se percebe hoje é que as manifestações artísticas
obedecem aos imperativos da conformação de identidades específicas recriadas no panelão da
cultura afro-americana como um todo. Em Mato Grosso, assim como em inúmeras outras
regiões do Brasil e do “Atlântico negro”, as manifestações artístico-culturais são resultantes
do confronto direto entre povos africanos, europeus e ameríndios.


        De acordo com a pesquisadora Julieta de Andrade, o siriri “é uma suíte de danças de
expressão hispano-lusitana, fortemente aculturada no ritmo e no andamento, com expressão
africana”31. Uma dança que lembra os divertimentos indígenas, conforme nos aponta João


29
   De acordo com a socióloga Marília Quentel Corrêa, “a contracultura é um movimento que tem seu auge na
década de 60, quando teve lugar um estilo de mobilização e contestação sociais e com ele novos meios de
comunicação em massa. Jovens inovando estilos, voltando-se mais para o anti-social aos olhos das famílias mais
conservadoras, com um espírito mais libertário, resumindo como uma cultura alternativa ou cultura marginal,
focada principalmente nas transformações da consciência, dos valores e do comportamento, na busca de outros
espaços e novos canais de expressão para o indivíduo e pequenas realidades do cotidiano.” Ainda segundo sua
análise “a contracultura pode ser definida como um ideário alternador que questiona valores centrais e vigentes
instituídos               na            cultura            ocidental”.             Disponível              em:
http://estudossociologicos.blogspot.com/2009/06/contracultura.html acesso em 12 de Fevereiro de 2011.
30
   Gilroy, Paul. Op. Cit. P. 100.
31
   Ferreira, João Carlos Vicente. Mato Grosso e seus municípios. – Cuiabá: Secretaria de Estado da Educação,
2001. P. 210.
16



Carlos Vicente Ferreira, o siriri provavelmente tem sua origem na palavra “otiriri” no
vocabulário da língua lusitana, na Portugal do século XVIII. Ou, como revela a crença
popular, significa um tipo de formigão com asas. Um dos instrumentos utilizados na dança do
siriri é o “mocho” ou “tamboril”, um banco revestido com couro de boi geralmente tocado por
homens e cujos ritmos sincopados, provavelmente lembram os tambores largamente
utilizados por diversas etnias e povos da África. Enfatizamos aqui o exemplo da expressão
cultural do “siriri” para destacar a influência do encontro de culturas resultantes do
movimento de colonização européia e da diáspora africana para a sociedade mato-grossense.
O cururu, rasqueado, dança do congo, festa do Divino Espírito Santo, Cavalhada, dança dos
mascarados, festa de São Benedito e a dança do chorado compõem o universo cultural desta
região do Brasil que influencia diretamente o caldo de cultura da comunidade do Mata
Cavalo. Importante frisar que      essas expressões artísticas e culturais resultantes dos
movimentos de diáspora no Atlântico negro, de alguma forma, influenciaram as culturas
locais sendo por elas também influenciadas, como é o caso de algumas regiões do Estado de
Mato Grosso notavelmente marcadas pela influência indígena e africana.


       Todo o movimento atual de ressignificação da tradição cultural no interior do Mata
Cavalo sofre a influência direta de várias forças, que ora divergem ora convergem no bojo das
profundas transformações da sociedade envolvente estigmatizada pela globalização. A seguir
delinearemos algumas questões importantes acerca da modernidade e globalização para
buscar os elementos com os quais será possível explicar, de alguma forma, o universo cultural
da comunidade do Mata Cavalo no que respeita aos processos de construção da identidade
negra e os esforços da afirmação enquanto grupo tradicional no interior de uma sociedade
convulsionada e pós-moderna.


2.2 Escravidão racial: Uma contradição da modernidade


       É latente a necessidade de se repensar historiograficamente todas as periodizações
simples do moderno e do pós-moderno, sob uma nova orientação que privilegie a história da
escravidão racial enquanto elo importante na conformação do próprio conceito de
modernidade. Tudo que se produziu, e diríamos até que se produz em termos de trabalhos
historiográficos acerca desta temática desconsidera simplesmente a presença atuante, em
escala nada desprezível, dos africanos na diáspora, salvo honrosas exceções. Se considerados,
por exemplo, a porcentagem de afro-descendentes na população brasileira, cujas estimativas
17



apontam um índice superior a cinqüenta por cento, natural seria sua presença também no
âmbito historiográfico. A escravidão racial da era moderna demanda, portanto, uma nova
leitura despida de idéias eurocêntricas pré-concebidas, em prol de um nível mais elevado de
entendimento da nossa sociedade atual. Essa questão primordial parece adormecida nos
ânimos de pensadores ocidentais, embora o aparecimento de expressivos críticos que,
exasperadamente, tentam dotar de significado suas vozes no interior de uma sociedade
marcada por interesses difusos, em um mundo pressionado pela globalização.


       Zygmunt Bauman, em suas análises sociológicas, percebe as transformações sociais
por que passam as sociedades atuais em conseqüência da globalização. Em sua obra
Modernidade Líquida, publicada em 2001,            observa o homem enquanto ator social em
processo contínuo de individualização, tendo como agravante as mudanças nas suas formas de
relacionamento e de percepção do mundo que o rodeia. Utilizando-se da metáfora
“liquefação” consegue captar a dinâmica das mudanças socioculturais de um mundo
reestruturado pela velocidade da comunicação e pela inversão dos valores éticos. No interior
dessa sociedade convulsionada as instituições sociais, descritas como estados de solidez,
obliteram-se acentuadamente desestruturando antigas formas de convivências humanas dos
espaços familiares e do mundo do trabalho. Na nova conformação social o estado de fluidez e
flexibilidade molda a plasticidade com a qual os indivíduos interagem com o meio envolvente.
Nessa perspectiva, o estado de liquefação dos sólidos metaforicamente demarca o tempo da
provisoriedade provocando a sensação de uma falsa liberdade, que traz em conseqüência o
desconforto e o desamparo social.      Subjetivamente, Bauman relaciona o desprendimento do
homem, individualizado pela modernidade, das suas redes de pertencimento social e familiar,
localizando-o num terreno movediço onde as estruturas do individual se sobrepõem às do
coletivo.


       O estado de contínuo movimento em que o mundo se encontra, produz desequilíbrios e
alarga o fosso que separa ricos de pobres. “Todos nós estamos, a contragosto, por desígnio ou
à revelia, em movimento. Estamos em movimento mesmo que fisicamente estejamos
imóveis.”32. Essa noção de movimento polariza a balança do poder aumentando a capacidade
de operação dos que são globalizados, estendendo as fronteiras de seus domínios ao mesmo
tempo em que aumentam o nível de exclusão social dos localizados. “Ser local num mundo

32
   Bauman, Zygmunt. Globalização: as conseqüências humanas. Tradução Marcus Penchel. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar Ed., 1999. P. 8.
18



globalizado é sinal de privação e degradação social”33. Nesse contexto globalizado a
mobilidade constitui-se na peça chave com a qual os privilegiados da sociedade combinam os
fatores essenciais hegemônicos dominando o mundo dos negócios, das finanças, comércio e
controle dos fluxos de informações. A falta da mobilidade estratégica, a redução à condição de
“local” são os fatores que determinam a exclusão social de pobres no mundo contemporâneo
promovendo um estado de insegurança e incertezas, sendo importante articular as dimensões
do local e global como forma dos grupos sociais garantirem efetivamente a sua identidade
num mundo cada vez mais marcado pela homogeneização.


           Por analogia, podemos comparar a condição da questão fundiária no Mata Cavalo com
o universo conceitual criado por Baumam acerca da modernidade e das vantagens de quem
possui a capacidade de estar em movimento, mobilizando as forças no jogo do poder a seu
favor, como bem o perceberam os movimentos sociais. Inicialmente, trata-se da verificação
de condições muito simples de manipulação do poder realizada pela elite composta por
fazendeiros no confronto com os remanescentes do Mata Cavalo, visando à legitimação das
terras em litígio. De forma resumida, a questão gira em torno da capacidade de se mover entre
signos e códigos jurídicos visando manobras políticas, nem sempre lícitas, que possibilitam
momentaneamente alterar a realidade no que respeita aos processos de titulação de terras
naquela região. Essa condição privilegiada demanda certo grau de escolaridade e capacidade
de influenciar os meios onde localizam-se as estruturas de poder, tais como cartórios de
registros e até mesmo alguns setores representativos da força política e também policial. Não
precisa muito esforço para entender que esse não é o caso dessa comunidade, composta em sua
maioria por gente simples, acostumada à vida no campo, fator que originou, na maioria das
vezes, uma postura pacífica frente a uma realidade incomum no confronto entre esses e os
fazendeiros envolvidos naquela disputa. Como veremos nos capítulos subseqüentes, esses
remanescentes, salvo algumas exceções, encontravam-se         relativamente isolados em seu
próprio território, estando, em função do baixo nível de conhecimento acerca das questões
jurídicas, entregues à própria sorte.


           Objetivamente, o estado de incertezas percebido por Bauman constitui-se em um
problema a mais na configuração social e cultural das comunidades negras trans-atlânticas,
embora, de acordo com o pensamento de Paul Gilroy, não representar o cerne da questão aqui


33
     Id. Ibidem.
19



discutida. Agravante sim, mas não determinante no contexto histórico mais amplo que estuda
e analisa a modernidade sob a ótica da escravidão racial. Gilroy alerta para a questão de que
“tanto os defensores como os críticos da modernidade parecem não atentar para o fato de que a
história e a cultura expressivas da diáspora africana, a prática da escravidão racial ou as
narrativas de conquista imperial européia podem exigir que todas as periodizações simples do
moderno e do pós-moderno sejam drasticamente repensadas”34.


         Argumentando sobre o impacto violento da escravidão racial na sociedade marcada
pela modernidade, Gilroy afirma que uma parte muito expressiva da novidade que representa o
pós-moderno se oblitera, se desfaz, quando analisada sob a ótica da luz histórica inexorável
que representou os encontros entre europeus e aqueles que eles conquistaram, mataram e
escravizaram, de uma forma brutal e inconseqüente.           Daí a importância da periodização do
moderno e do pós-moderno para a história do negro no ocidente e da sua narrativa histórica
das relações de dominação e subordinação entre povos da Europa e o resto do mundo. Assim,
a periodização “é essencial para nossa compreensão da categoria de ‘raça’ em si mesma e da
gênese do desenvolvimento das formas sucessivas da ideologia racista. É pertinente acima de
tudo, na elaboração de uma interpretação das origens e da evolução da política negra.”35.


         Gilroy se preocupa com a evolução do racismo científico para formas culturais novas,
um tipo mais complexo de racismo gestado no pós-guerra, em lugar da hierarquia biológica
simples tratada pela cientificidade do século da razão. Para ele o racismo científico,
propugnado em meados do século XIX, foi o produto intelectual mais durável da
modernidade. Como vimos, a questão da dominação racial e suas conseqüências não faz parte
da agenda de debates da modernidade. Em seu lugar, afirma ele, aparece uma modernidade
inocente que discute a vida feliz pós-iluminista em Paris, Berlim ou Londres.


                              Esses lugares europeus são prontamente purgados de qualquer traço dos
                              povos sem história, cujas vidas degredadas poderiam levantar questões
                              incômodas sobre os limites do humanismo burguês. A famosa pergunta de
                              Montesquieu ‘como pode alguém ser persa?’ permanece obstinada e
                              deliberadamente sem resposta. 36.




34
   Gilroy, Paul. Op. Cit. P. 103.
35
   Gilroy, Paul. Op. Cit. P. 106.
36
   Gilroy, Paul. Op. Cit. P. 107.
20



        Um fator que explica a atmosfera conflituosa na região compreendida pela
comunidade do Mata Cavalo, sem dúvida, é a questão da racialização e tudo que ela trás de
problemas inerentes aos processos do estranhamento em relação ao “outro”, à alteridade. Sob
esse prisma, a pergunta de Montesquieu certamente não encontrará resposta satisfatória,
constituindo mesmo talvez uma impossibilidade. Apesar de estarem na região há quase um
século e meio, os remanescentes desta comunidade são vistos como os outros, os estrangeiros
e em certo nível até como “exóticos”. Essa condição singular, que foi percebida por Stuart
Hall com relação às comunidades na diáspora, é fundamental para o entendimento dos
processos de edificação da própria identidade em seus interiores. Numa visão um pouco
simplista das formulações deste pensador, quando saímos de nosso lugar de origem, perdemos
a condição do retorno a ele ao mesmo tempo em que no local de destino somos considerados
estrangeiros.37 Apanágio dos tempos pós-modernos, em função dos intensos movimentos
migratórios, a identidade nesta condição única só poderia ser constantemente conformada
pelas vias do conceito da diáspora. Desterritorializados de seus lugares de origem os
remanescentes do Mata Cavalo recriaram, na diáspora, o seu território conformando-o como
uma territorialidade única clivada pela tradição herdada de seus ancestrais. Isso explica o alto
valor simbólico que a terra possui para essa comunidade, para além de simples lugar de
recolhimento e subsistência, o que ocorre também com outras populações tradicionais. Numa
consideração minimalista constitui-se como lugar de fronteira entre o “eu” e o “outro”.


        Jürgen Habermas, filósofo, eminente representante da Escola de Frankfurt e assistente
do também filósofo e sociólogo Theodor Adorno, em suas obras, foi hábil defensor do
potencial democrático da modernidade. No entanto Habermas não atenta para o fato de que
os ideais iluministas não consideravam a questão da raça, central no pensamento de Gilroy em
cujos conceitos acerca da escravidão racial destaca-se uma profunda contradição: “Há uma
tênue percepção, por exemplo, de que a universalidade e a racionalidade da Europa e da
América iluminista foram usadas mais para sustentar e transplantar do que para erradicar uma
ordem de diferença racial herdada da era pré-moderna.”38. Como vimos, os pensadores da
modernidade em sua grande maioria não observaram, em suas numerosas formulações, a
importante questão da escravidão racial como um dos elementos que a constituem e lhe

37
   Durante nossa qualificação fomos questionados acerca da afirmação referida. Naquela oportunidade a
avaliadora destacou que essa afirmação não pode ser extensiva a todos os grupos sociais, em especial levando-se
em conta a denominada ‘diáspora gaucha’ no norte de Mato Grosso, ainda que para o contexto de investigação
dessa pesquisa essa afirmação seja procedente.
38
   Gilroy, Paul. Op. Cit. P. 114.
21



conferem sua condição privilegiada nas vias das grandes inovações do mundo pós-guerras.
Desta forma, contribuem com os continuísmos históricos, presentes nas políticas sócio-
culturais, capazes de fazer sombra à importante movimentação das comunidades negras ao
mesmo tempo em que legitima as relações de poder no seu interior.


       Na região onde se encontra a comunidade do Mata Cavalo, são visíveis as práticas
racistas principalmente se considerarmos que aquelas terras constituem objeto de disputa entre
ela e alguns fazendeiros que ali se instalaram ao longo do tempo. Obviamente, o contexto
violento do litígio acrescenta um elemento de instabilidade a mais nas complexas relações
sociais entre os remanescentes e representantes da sociedade circunvizinha. Em resposta às
pressões do meio envolvente, alguns membros dessa comunidade tradicional, principalmente
aqueles ligados à comunidade do Mutuca, empenham-se na participação dos movimentos
negros na região e também no país. Cientes de sua condição singular, procuram da melhor
forma possível edificar o seu espaço como um território de negros, um local decantado pela
história como remanescentes de quilombo. Conectados à vanguarda desses movimentos
negros integram-se, de alguma forma, ao mundo do “Atlântico negro” e tudo que ele
representa de possibilidades e afirmação no interior da sociedade globalizada, pelas vias da
valorização da negritude. Portanto, embora presos à sua condição econômica, social e política
enquanto “locais” conseguem ideologicamente transitar por algumas esferas delimitadas pelo
mundo globalizado. Essa condição representa certo avanço, mas não modifica
substancialmente o status quo desta comunidade tradicional que luta, cotidianamente, por sua
própria sobrevivência enquanto tal.


       Na verdade, apesar da integração de alguns segmentos da comunidade do Mata Cavalo
aos movimentos negros globalizados, a realidade do cotidiano no seu interior é marcado pela
política de continuísmos históricos colaborando para a manutenção das estruturas de poder
vigente, como aponta Gilroy. Isso reforça, sobremaneira, a necessidade de se protegerem em
uma comunidade estruturada fortemente nos imperativos da tradição e do modo de vida
comunal, que por sua vez alimenta os elos de solidariedade entre os membros do grupo, ainda
que existam no seu interior, coletividades que tenham outra perspectiva acerca de sua inserção
no mundo. Esse é exatamente o grande desafio a ser enfrentado pela comunidade como um
todo: como manter a tradição e as práticas sócio-culturais, arraigadas num período de longa
duração, em um mundo marcado por instabilidade, insegurança e profundamente
estigmatizado pela globalização?
22




        Paul Gilroy utiliza-se da obra e do pensamento de Frederick Douglass, intelectual e
ativista político em meados do século XIX, um forte candidato a ser o pai do “nacionalismo
negro”, pois entre grandes expressões do universo de pensadores do Atlântico negro [tais
como: Martin Delany, Edward Wilmot Blyden e Alexander Crummell] foi o único marcado
por sua condição de ex-escravo, fator que lhe confere uma posição privilegiada no estudo da
escravidão. Em sua complexa relação com a modernidade, evocava o iluminismo maior que
supostamente traria um pouco de luz para a escuridão ética da escravidão. Para ele a
Plantation escravista era marcada pelo arcaísmo e por sua condição anti-modernista. Gilroy
cita uma passagem de Douglass na sua clássica obra My bondage and my freedom (Minha
escravidão e minha liberdade), “[...] A Plantation é uma pequena nação em si mesma, tendo
seu idioma próprio, suas regras, regulamentos e costumes. As leis e instituições do Estado
aparentemente não a afetam em parte alguma. As dificuldades que surgem aqui não são
resolvidas pelo poder civil do Estado”39. Reiteradamente, Douglass entendia a Plantation
escravista como uma própria antinomia da modernidade, um sistema atrasado, pré-capitalista
e comparável às relações de trabalho pré-modernas da Europa feudal. Ele ia mais além ao
afirmar que, junto ao cristianismo que não fez outra coisa senão servir à causa burguesa, com
seus aparatos ideológicos da sujeição escrava, a Plantation significava estagnação, quando
não recuo, que encerrava a civilização na parte externa do mundo iluminista.


        Considerando-se o panorama político e social na arena de conflito entre a comunidade
do Mata Cavalo e seus opositores, o pensamento de Frederick Douglass continua muito atual.
Comparando a Plantation escravista, do Sul dos Estados Unidos da América, com seu
arcaísmo das relações de trabalho e a política “coronelesca”, característica do Brasil do final
do século XIX e boa parte do século XX, encontramos, sem muito esforço, os resquícios dos
sistemas de dominação concentrado na idéia da superioridade da raça40 branca. A política dos
coronéis, o paternalismo às avessas, a estigmatização do negro em coisa e a facilidade com
que as elites dominantes lançam mão de subterfúgios, muitas vezes de forma ilícita,
evidenciam um problema ainda não resolvido ao mesmo tempo em que revela a herança de
39
  Gilroy, Paul. Op. Cit. P. 49.
40
   Utilizamos aqui o conceito de superioridade da raça branca para referenciar práticas ainda arraigadas na
mentalidade política de nossa sociedade de forma coletiva. Embora estudos recentes nas áreas das ciências
biológicas afirmarem sua inexistência comprovada em laboratório, a questão da racialização ainda é um
problema não resolvido. Através desse prisma não faz o menor sentido fingir que essa delicada questão já não
faz parte da nossa agenda de debates acadêmicos. Enquanto persistir na prática os processos de racialização e
suas nefastas conseqüências para as comunidades negras torna-se eticamente relevante a manutenção dos
esforços em torno de sua resolução, principalmente nos meios intelectuais em nossa sociedade.
23



mais de três séculos de escravidão racial no Brasil. Apesar dos aparentes avanços nas relações
sociais entre negros e brancos em nossa sociedade, o que se verifica na prática, nessas
mesmas relações, entre as comunidades do Mata Cavalo e seus vizinhos é uma realidade
profundamente marcada por antagonismos e interesses difusos. Nessa delicada teia de
relações sociais, o preconceito racial determina o ritmo e a dinâmica turbulenta do convívio,
sempre difícil, de ambas as partes. Certamente, o interesse econômico envolvido na disputa da
terra explica, mantidas as devidas proporções, o contexto de instabilidade política naquela
região, mas não constitui a peça chave capaz de elucidar os problemas resultantes da
dificuldade na aceitação da alteridade, do diferente, do outro. Tanto nos Estados Unidos da
América, como aponta Douglass, como aqui, os ideais do iluminismo não consideraram a
posição dos negros africanos, cujo trabalho e herança cultural contribuíram inexoravelmente
para a constituição da própria modernidade ocidental.




2.3 Escravidão no Brasil


    Na palestra de abertura do I Simpósio Internacional de Estudos sobre a Escravidão
Africana no Brasil, realizada em Junho de 2010 na cidade de Natal – RN, Luis Felipe de
Alencastro, cientista político e historiador, professor titular da cátedra de História do Brasil da
Universidade de Paris IV Sorbonne, alerta para a defasagem dos estudos da história atlântica
que atribui pouco valor à história do Atlântico Sul. De acordo com suas formulações, esse
silêncio na produção historiográfica escamoteia, parcialmente, a própria história do Brasil no
que se refere aos movimentos de migração forçada de africanos às terras brasileiras. Os dados
estatísticos divulgados pelo IPEA em 2010 confirmam o caráter da colonização africana no
Brasil, ao revelar que mais da metade da população brasileira é afro descendente. Outros
pesquisadores apontam defasagens ainda mais amplas que denotam silêncios quanto à história
da escravidão no interior da própria história da humanidade, como é o caso de Mary Del
Priore.

     Priore, no prefácio à primeira edição de “Escravidão e Universo Cultural na Colônia:
Minas Gerais, 1716-1789” de Eduardo França Paiva, publicada pela Editora UFMG em 2001,
utiliza-se com muita propriedade da metáfora do “buraco negro” para descrever o vazio na
história da humanidade em função da escravidão racial moderna, uma história ainda não
resolvida, um devir à espera de reparações e resgates. Ainda segundo ela, no bojo das
24



transformações provocadas pelas comemorações em torno do Centenário da Abolição,
trabalhos inéditos caminham no sentido de resgatar nossa dívida histórica aos africanos que
ajudaram a construir a imensa nação brasileira. A idéia do africano escravizado desprovido de
qualquer conhecimento e de capacidade intelectual, totalmente impregnado por crendices e
costumes degenerados, foi cultivada com muito esmero na memória coletiva do Brasil
Colônia e seus efeitos ainda se fazem presentes nos dias atuais. Conforme Paiva esta “é uma
marca facilmente identificável em práticas e representações culturais corriqueiras e, até
mesmo, nos mais recentes programas curriculares de História, desde o ensino fundamental até
os cursos de graduação universitária e de pós-graduação”.41 Posicionando-se em terreno
favorável, alguns setores da historiografia brasileira contemporânea, que trabalham com a
questão da escravidão racial da era moderna, privilegiam não mais os dualismos de natureza
reducionista, antagonismos que opunham à África bárbara a “civilização”                           da Europa
iluminista, mas sim, os esforços no resgate do cotidiano de homens e mulheres que, vivendo
no limite entre cativeiro e liberdade construíram imaginativamente seus modos de vidas
peculiares. Fluxos e refluxos de suas historias, os dois lados de uma mesma moeda,
entendimento e negociação. (Vide citação 42).

     Como temos enfaticamente insistido ao longo deste capítulo, as relações sociais e
culturais da comunidade do Mata Cavalo com seus vizinhos próximos e também com os
habitantes das cidades no seu entorno são marcadas por antagonismos e idéias preconcebidas
por parte de quem enxerga os remanescentes como “outros”, “exóticos”, “diferentes”.
Conforme Paiva esta é uma característica de fácil identificação no caldo de cultura originado
no panelão do Brasil Colônia, estando, pois, profundamente arraigado na mentalidade coletiva
como um todo. Essa questão nodal possibilita o entendimento dessas complicadas relações,
não só no âmbito da comunidade aqui estudada, mas também no que se refere às comunidades
negras em geral. No entanto, de acordo com a nova tendência da historiografia que trata da
escravidão racial da era moderna, uma nova linha de pensamento desenvolve-se com grande
expressão, resgatando a dignidade do negro como ator de sua própria história42. No Mata
Cavalo, observamos o esforço sempre contínuo na manutenção de uma tradição afro-


41
   Paiva, Eduardo França. Escravidão e universo cultural na colônia: Minas Gerais, 1716-1789. – Belo
Horizonte: Editora UFMG, 2001. p. 218.
42
   Entre os representantes dessa nova tendência historiográfica destaca-se: Eduardo França Paiva (Bateias,
carumbés, tabuleiros: mineração africana e mestiçagens no novo mundo); Luíza Rios Ricci Volpato (Cativos do
sertão: vida cotidiana e escravidão em Cuiabá: 1850/1888); Robert Slenes (Família escrava e trabalho); Manolo
Florentino (A paz das senzalas: Famílias escravas e tráfico atlântico, Rio de Janeiro: 1790/1850); Eduardo Silva
e João José Reis (Negociação e conflito: A resistência negra no Brasil escravista).
25



referenciada, através do culto à memória ancestral herdada das senzalas o que, de forma
bastante intensa, recupera a posição de seus integrantes como sujeitos ativos frente à suas
próprias histórias. Como veremos a seguir, os descendentes de africanos no Brasil negociaram
da melhor forma possível os seus modos de vida. Na seqüência da investigação, buscaremos
os elementos que corroboram com a idéia central, proposta inicialmente, nos caminhos de
construção da identidade negra, tendo como parâmetro a memória escrava e,
substancialmente, o valor da terra, como meio e fim de todo processo. Para tanto, torna-se
necessário entender como se processou, ao longo da história dos afro-descendentes na
diáspora em terras brasileiras, os caminhos de uma identidade negra específica, conformando
aspectos sócio-culturais relevantes às comunidades tradicionais que se formaram deste lado
do Atlântico.

      Segundo Florentino “[...] 40% dos quase 10 milhões de africanos importados pelas
Américas desembarcaram em portos brasileiros”43. Não constitui grande problema identificar
no fluxo contínuo externo da oferta de mão de obra escrava barata a própria permanência do
sistema escravista. Não podemos desconsiderar os cálculos econômicos da empresa colonial,
que certamente faziam parte das preocupações de todos que se envolveram de alguma forma
no rentável negócio da escravidão. Certamente, os comerciantes da empresa escravista
colonial perceberam que à reprodução física dos homens correspondia, na escala dos cálculos
econômicos, a reprodução da própria oferta de mão de obra e da força disponível para o
trabalho.

     Analisando a empresa escravista sob esse prisma, Florentino assevera que nos momentos
de expansão dessa economia verificava-se a necessidade de ampliação do plantel de escravos:
“Ao aumento do volume das exportações de produtos tropicais correspondia o da importação
de mercadorias muito especiais – os homens”.44 Afastando-se da questão da ética e do
politicamente correto, o comércio e a utilização do escravo africano condicionou-se à própria
lógica do mercado e do capital. Por um lado o baixo preço da mercadoria em si – o africano
escravizado – permitia o contínuo fluxo de reabastecimento da mão de obra requerida, ao
mesmo tempo em que alimentava o vetor principal dessa economia: o próprio tráfico. Uma
lógica perversa. Isso explica as condições insalubres a que os escravos eram submetidos, ao
menos no longo período compreendido entre o início da empresa escravista e meados do

43
   Florentino, Manolo. Em costas negras: uma história do tráfico de escravos entre a África e o Rio de
Janeiro: séculos XVIII e XIX. – São Paulo: Companhia das Letras, 1997. P. 23.
44
   Florentino, Manolo. Op. Cit. P. 24.
26



século XIX com o recrudescimento em torno das campanhas abolicionistas. Não havia,
aparentemente, uma grande preocupação na manutenção da longevidade da escravaria, como
explica Florentino: “Mas a alta mortalidade escrava daí derivada tramaria para a constância da
incapacidade colonial em suprir, internamente, de braços as empresas exportadoras. Desse
ponto de vista, a perenidade do comércio de almas deveria remeter paradoxalmente, ao
próprio tráfico.”45 Conclui-se, portanto, que a mão de obra indígena só foi substituída pela do
africano devido à perspectiva da alta lucratividade que o tráfico negreiro propiciaria à
economia colonial, como já o afirmava Fernando Novais na sua obra “Portugal e Brasil na
crise do antigo sistema colonial” publicada em 1983. De fato, como percebe Florentino o
comércio de escravos africanos firmou-se “como um dos mais importantes setores de
acumulação para o capital comercial europeu”.46

      Essa lógica capitalista desarticula alguns conceitos cristalizados na historiografia, tais
como o da inadaptação do índio à cultura da lavoura, por um lado, e a suposta necessidade de
se povoar o Novo Mundo, por outro. Não que não fosse necessário tal povoamento se
considerada as questões de ordem geopolítica de ocupação das colônias, no contexto das
conquistas de além-mar. Discute-se, nesse momento, o motivo da preferência pela mão de
obra do africano escravizado. Quaisquer outras formas de trabalho se não a compulsória
também não interessava à Metrópole “pois não impediriam a dispersão dos recursos coloniais
na produção para a subsistência, possibilidade real caso o trabalho fosse livre (do europeu ou
de qualquer outro).”47

        O peso da economia do tráfico e sua dinâmica comercial explicam como, apesar da
oposição do maior império europeu da época, foi possível a manutenção e a sobrevivência do
comércio transatlântico de escravos até o ano de 1830 oficialmente e, de acordo com
Florentino “de maneira ilegal até meados do século XIX”.48 No entanto, para esse período de
eminente crise do sistema escravocrata no Brasil, o valor do escravo alcançou índices
elevados desestabilizando a relação custo/benefício para o senhoriato que necessitava da sua
mão de obra. Com a supervalorização do preço do escravo, a sua possível perda por morte ou
qualquer outro motivo significava prejuízos imensos, o que levou os empresários escravistas a
utilizarem de seguros contra morte, como comprova a apólice de seguro nº 5032 que favorecia


45
   Florentino, Manolo. Op. Cit. P. 25.
46
   Florentino, Manolo. Op. Cit. P. 26.
47
   Florentino, Manolo. Op. Cit. P. 72.
48
   Florentino, Manolo. Op. Cit. P. 211.
27



o Sr. Antonio Joaquim Pereira Borges, encontrada no acervo documental da Biblioteca
Nacional do Rio de Janeiro.49 (Vide anexos).

        Essa apólice de seguro revela dados impressionantes acerca das práticas comerciais
relativas à escravidão na cidade do Rio de Janeiro. Possivelmente a empresa seguradora
dedicava-se com exclusividade ao ramo de seguros de escravos conforme atesta o seu próprio
nome “Companhia Mútua de Seguro de Vida dos Escravos”. O número 2920 referente a esse
segurado revela uma grande demanda por esse tipo de operação financeira. Isto significa que
quase três mil escravos já haviam sido segurados por essa empresa até a data de assinatura da
referida apólice, 6 de agosto de 1860. O valor do seguro a ser pago por ocasião da morte do
escravo segurado ultrapassa a cifra de um conto de reis, um valor considerável se comparado
a outros bens nesse período histórico. Segundo se pode apurar em documentos de inventários
datados de 1851, Eduardo Campos apontou o valor de 360 mil reis referente a 30 vacas, 35
mil reis atribuídos a um cavalo castanho novo e 150 mil reis por uma escrava mulata com
idade de 50 anos50. Confrontando esses dados, o valor do premio do seguro estipulado em
mais de hum conto de reis equivaleria ao preço de 86 vacas, uma cifra sem dúvida nenhuma
considerável.

        Obviamente, esses números revelam o alto valor que a mercadoria representada pelo
africano escravizado alcançou na segunda metade do século XIX, em decorrência das
pressões em torno das políticas abolicionistas e a conseqüente redução da oferta e
disponibilidade dessa mão de obra. O que mais chama a atenção nesse documento são os
“silêncios” que demandam uma leitura mais atenciosa de suas “entrelinhas”. O artigo 22 da
regulamentação constante no anexo desta apólice de seguro, intitulada “Condições extrahidas
dos estatutos”, é particularmente emblemático revelando práticas de resistência por parte dos
escravos ao regime da escravidão racial. Segundo o artigo, “A companhia se responsabiliza
por qualquer gênero de morte, menos a que resultar de sevícias ou suicídio, quando este for
originado por acto forçado, castigo bárbaro ou tortura por parte do segurado”. Por um lado,


49
  Para maiores detalhes, conferir a cópia do original da referida apólice de seguro, que se encontra nos anexos
desta dissertação.

50 De acordo com o inventário e partilha de bens dos falecidos Capitão Manoel Maria de Oliveira Bastos e sua
mulher Joana Joaquina Caídas na cidade de Saboeiro (Ceará), em 3 de janeiro de 1851, documento número 80 do
Arquivo Público do Estado do Ceará, levantado pelo pesquisador Eduardo Campos, em sua obra “Revelações: da
condição de vida dos cativos do ceará”. Disponível em: http://www.eduardocampos.jor.br/_livros/e27.pdf ,
acesso em 30 de Junho de 2010.
28



está bastante clara a preocupação geral na preservação da integridade do escravo num
contexto diferente dos séculos anteriores, onde o preço muito inferior e a oferta abundante
possibilitava sua substituição sem maiores dificuldades. Por outro lado, o simples fato desse
artigo existir em uma apólice de seguro da época pressupõe que o suicídio do escravo ocorria
em quantidade tal que justificava a própria ressalva no pagamento do prêmio do seguro.
Segundo pesquisas de Oda e Oliveira o suicídio entre escravos constituía uma forma de
resistência ao regime da escravidão.51 De acordo com eles, foi a partir dos relatos de viajantes
estrangeiros no Brasil que essas práticas tornaram-se conhecidas apontando um alto índice de
suicídios entre os cativos, normalmente relacionados a fatores de ordem psicológica, tal como
o banzo – uma forma passiva de suicídio verificada na recusa de alimentos e profundo
abatimento provocado por tristeza e melancolia. Segundo dados estatísticos levantados
durante essa pesquisa:


                           No período entre 1847-1882, entre as 295 ocorrências em que se pôde saber
                           a condição do suicida, 160 (54,2%) foram de escravos e 9 (3%) de libertos,
                           sendo os restantes 131 (44,4%) de pessoas livres. Se reagruparmos os dados,
                           veremos que no período compreendido entre os anos de 1847 e 1860, os
                           escravos (134) constituem a maior parte do total de suicidas (222), ou seja
                           60,4%.




        Esses números não podem ser desprezados, pois evidencia no limite da tensão uma
trágica forma de negociação centrada no próprio conflito, características intrínsecas da
contrapartida ao regime, a resistência em sua fórmula mais nua. Pensando em termos de
negociações, torna-se relevante desfazer a imagem, que se pretende naturalizada, do escravo
enquanto suicida. O artifício do suicídio não era a regra, mas sim a exceção, uma resultante,
elevada ao extremo, do próprio fim da possibilidade de negociação. No contexto das relações
entre escravos e senhores predominavam os imperativos da conformação à uma nova ordem,
sob a perspectiva do africano que se viu obrigado a viver no contexto da diáspora, em terras
estrangeiras, distantes de casa e de suas próprias culturas. Negociar significava viver no
espaço do possível. No decorrer da longa experiência histórica da escravidão racial no Brasil,
uma forma dicotômica de relacionamento sintetizou-se na mentalidade coletiva: “De um lado,
Zumbí de Palmares, a ira sagrada, o treme-terra; de outro, Pai João, a submissão
51
  Dados provenientes da apresentação de trabalho de pesquisas ao 3º. Encontro Escravidão e liberdade no Brasil
Meridional, realizado de 2 a 4 de maio de 2007 na Universidade Federal de Santa Catarina, sob o título:
“Registros de suicídios entre escravos em São Paulo e na Bahia (1847 – 1888): notas de pesquisas”, realizadas
por Ana Maria Galdini, Raimundo Oda e Saulo Veiga Oliveira.
Quilombo mata cavalo
Quilombo mata cavalo
Quilombo mata cavalo
Quilombo mata cavalo
Quilombo mata cavalo
Quilombo mata cavalo
Quilombo mata cavalo
Quilombo mata cavalo
Quilombo mata cavalo
Quilombo mata cavalo
Quilombo mata cavalo
Quilombo mata cavalo
Quilombo mata cavalo
Quilombo mata cavalo
Quilombo mata cavalo
Quilombo mata cavalo
Quilombo mata cavalo
Quilombo mata cavalo
Quilombo mata cavalo
Quilombo mata cavalo
Quilombo mata cavalo
Quilombo mata cavalo
Quilombo mata cavalo
Quilombo mata cavalo
Quilombo mata cavalo
Quilombo mata cavalo
Quilombo mata cavalo
Quilombo mata cavalo
Quilombo mata cavalo
Quilombo mata cavalo
Quilombo mata cavalo
Quilombo mata cavalo
Quilombo mata cavalo
Quilombo mata cavalo
Quilombo mata cavalo
Quilombo mata cavalo
Quilombo mata cavalo
Quilombo mata cavalo
Quilombo mata cavalo
Quilombo mata cavalo
Quilombo mata cavalo
Quilombo mata cavalo
Quilombo mata cavalo
Quilombo mata cavalo
Quilombo mata cavalo
Quilombo mata cavalo
Quilombo mata cavalo
Quilombo mata cavalo
Quilombo mata cavalo
Quilombo mata cavalo
Quilombo mata cavalo
Quilombo mata cavalo
Quilombo mata cavalo
Quilombo mata cavalo
Quilombo mata cavalo
Quilombo mata cavalo
Quilombo mata cavalo
Quilombo mata cavalo
Quilombo mata cavalo
Quilombo mata cavalo
Quilombo mata cavalo
Quilombo mata cavalo
Quilombo mata cavalo
Quilombo mata cavalo
Quilombo mata cavalo
Quilombo mata cavalo
Quilombo mata cavalo
Quilombo mata cavalo
Quilombo mata cavalo
Quilombo mata cavalo
Quilombo mata cavalo
Quilombo mata cavalo
Quilombo mata cavalo
Quilombo mata cavalo
Quilombo mata cavalo
Quilombo mata cavalo
Quilombo mata cavalo
Quilombo mata cavalo
Quilombo mata cavalo
Quilombo mata cavalo
Quilombo mata cavalo
Quilombo mata cavalo
Quilombo mata cavalo
Quilombo mata cavalo
Quilombo mata cavalo
Quilombo mata cavalo
Quilombo mata cavalo
Quilombo mata cavalo
Quilombo mata cavalo
Quilombo mata cavalo
Quilombo mata cavalo
Quilombo mata cavalo
Quilombo mata cavalo
Quilombo mata cavalo
Quilombo mata cavalo
Quilombo mata cavalo
Quilombo mata cavalo
Quilombo mata cavalo
Quilombo mata cavalo
Quilombo mata cavalo
Quilombo mata cavalo
Quilombo mata cavalo
Quilombo mata cavalo
Quilombo mata cavalo
Quilombo mata cavalo
Quilombo mata cavalo
Quilombo mata cavalo
Quilombo mata cavalo
Quilombo mata cavalo
Quilombo mata cavalo
Quilombo mata cavalo
Quilombo mata cavalo
Quilombo mata cavalo
Quilombo mata cavalo
Quilombo mata cavalo
Quilombo mata cavalo
Quilombo mata cavalo
Quilombo mata cavalo
Quilombo mata cavalo
Quilombo mata cavalo
Quilombo mata cavalo
Quilombo mata cavalo
Quilombo mata cavalo
Quilombo mata cavalo
Quilombo mata cavalo
Quilombo mata cavalo
Quilombo mata cavalo
Quilombo mata cavalo
Quilombo mata cavalo
Quilombo mata cavalo
Quilombo mata cavalo
Quilombo mata cavalo
Quilombo mata cavalo
Quilombo mata cavalo
Quilombo mata cavalo
Quilombo mata cavalo
Quilombo mata cavalo
Quilombo mata cavalo
Quilombo mata cavalo
Quilombo mata cavalo
Quilombo mata cavalo
Quilombo mata cavalo
Quilombo mata cavalo
Quilombo mata cavalo
Quilombo mata cavalo
Quilombo mata cavalo
Quilombo mata cavalo
Quilombo mata cavalo
Quilombo mata cavalo
Quilombo mata cavalo
Quilombo mata cavalo
Quilombo mata cavalo
Quilombo mata cavalo
Quilombo mata cavalo
Quilombo mata cavalo
Quilombo mata cavalo
Quilombo mata cavalo
Quilombo mata cavalo
Quilombo mata cavalo
Quilombo mata cavalo
Quilombo mata cavalo
Quilombo mata cavalo
Quilombo mata cavalo
Quilombo mata cavalo
Quilombo mata cavalo
Quilombo mata cavalo
Quilombo mata cavalo
Quilombo mata cavalo
Quilombo mata cavalo
Quilombo mata cavalo
Quilombo mata cavalo
Quilombo mata cavalo
Quilombo mata cavalo
Quilombo mata cavalo
Quilombo mata cavalo
Quilombo mata cavalo
Quilombo mata cavalo
Quilombo mata cavalo
Quilombo mata cavalo
Quilombo mata cavalo
Quilombo mata cavalo
Quilombo mata cavalo
Quilombo mata cavalo

Mais conteúdo relacionado

Mais procurados

Quilombolas
QuilombolasQuilombolas
Quilombolasediqueli
 
Shirlei Marly Alves: Fuga de negros em anúncios de jornal do século XVIII - O...
Shirlei Marly Alves: Fuga de negros em anúncios de jornal do século XVIII - O...Shirlei Marly Alves: Fuga de negros em anúncios de jornal do século XVIII - O...
Shirlei Marly Alves: Fuga de negros em anúncios de jornal do século XVIII - O...Geraa Ufms
 
Bastide, Roger - As-Americas-Negras
Bastide, Roger - As-Americas-NegrasBastide, Roger - As-Americas-Negras
Bastide, Roger - As-Americas-NegrasMarcelo Lopes
 
Gilberto Freyre Casa Grande & Senzala
Gilberto Freyre Casa Grande & SenzalaGilberto Freyre Casa Grande & Senzala
Gilberto Freyre Casa Grande & SenzalaJorge Miklos
 
Ricardo Cesar Costa - Pensam social brasileiro e questão racial - Rev África ...
Ricardo Cesar Costa - Pensam social brasileiro e questão racial - Rev África ...Ricardo Cesar Costa - Pensam social brasileiro e questão racial - Rev África ...
Ricardo Cesar Costa - Pensam social brasileiro e questão racial - Rev África ...Ricardo Costa
 
Educacao Quilombola
Educacao QuilombolaEducacao Quilombola
Educacao Quilombolaculturaafro
 
Módulo Avulso - LITERATURA MARGINAL: A RELAÇÃO COM O SOCIAL E O NEGO
Módulo Avulso - LITERATURA MARGINAL: A RELAÇÃO COM O SOCIAL E O NEGOMódulo Avulso - LITERATURA MARGINAL: A RELAÇÃO COM O SOCIAL E O NEGO
Módulo Avulso - LITERATURA MARGINAL: A RELAÇÃO COM O SOCIAL E O NEGOMonalisa Barboza
 
Hebe Mattos: Remanescentes das comunidades dos quilombos
Hebe Mattos: Remanescentes das comunidades dos quilombosHebe Mattos: Remanescentes das comunidades dos quilombos
Hebe Mattos: Remanescentes das comunidades dos quilombosGeraa Ufms
 
História em movimento vol. 01
História em movimento vol. 01História em movimento vol. 01
História em movimento vol. 01marcosfm32
 
Itu no circuito afro-atlântico: a Irmandade da Senhora do Rosário em Itu
Itu no circuito afro-atlântico: a Irmandade da Senhora do Rosário em ItuItu no circuito afro-atlântico: a Irmandade da Senhora do Rosário em Itu
Itu no circuito afro-atlântico: a Irmandade da Senhora do Rosário em ItuAndré Santos Luigi
 
Módulo - LITERATURA MARGINAL: A RELAÇÃO COM O SOCIAL E O NEGRO
Módulo - LITERATURA MARGINAL: A RELAÇÃO COM O SOCIAL E O NEGROMódulo - LITERATURA MARGINAL: A RELAÇÃO COM O SOCIAL E O NEGRO
Módulo - LITERATURA MARGINAL: A RELAÇÃO COM O SOCIAL E O NEGROMonalisa Barboza
 
Historia da america, josé miguel arias neto
Historia da america, josé miguel arias netoHistoria da america, josé miguel arias neto
Historia da america, josé miguel arias netoVlademir Luft
 
A assunção quilombola e os limites entre memória e história SILVÂNIO BARCELOS
A assunção quilombola e os limites entre memória e história SILVÂNIO BARCELOSA assunção quilombola e os limites entre memória e história SILVÂNIO BARCELOS
A assunção quilombola e os limites entre memória e história SILVÂNIO BARCELOSSilvânio Barcelos
 
Identidades Brasileiras
Identidades BrasileirasIdentidades Brasileiras
Identidades BrasileirasHelio Fagundes
 
Educação quilombola
Educação quilombolaEducação quilombola
Educação quilombolaGeraa Ufms
 
Gilberto freyre
Gilberto freyreGilberto freyre
Gilberto freyreadsilvas
 
Aspectos socio-históricos dos povos !kung (khoisan) de Angola
Aspectos socio-históricos dos povos !kung (khoisan) de AngolaAspectos socio-históricos dos povos !kung (khoisan) de Angola
Aspectos socio-históricos dos povos !kung (khoisan) de AngolaREVISTANJINGAESEPE
 

Mais procurados (20)

Quilombolas
QuilombolasQuilombolas
Quilombolas
 
Shirlei Marly Alves: Fuga de negros em anúncios de jornal do século XVIII - O...
Shirlei Marly Alves: Fuga de negros em anúncios de jornal do século XVIII - O...Shirlei Marly Alves: Fuga de negros em anúncios de jornal do século XVIII - O...
Shirlei Marly Alves: Fuga de negros em anúncios de jornal do século XVIII - O...
 
Casa-Grande e Senzala
Casa-Grande e SenzalaCasa-Grande e Senzala
Casa-Grande e Senzala
 
Bastide, Roger - As-Americas-Negras
Bastide, Roger - As-Americas-NegrasBastide, Roger - As-Americas-Negras
Bastide, Roger - As-Americas-Negras
 
Casa grande __senzala_-_gilberto_freyre
Casa grande __senzala_-_gilberto_freyreCasa grande __senzala_-_gilberto_freyre
Casa grande __senzala_-_gilberto_freyre
 
Gilberto Freyre Casa Grande & Senzala
Gilberto Freyre Casa Grande & SenzalaGilberto Freyre Casa Grande & Senzala
Gilberto Freyre Casa Grande & Senzala
 
Ricardo Cesar Costa - Pensam social brasileiro e questão racial - Rev África ...
Ricardo Cesar Costa - Pensam social brasileiro e questão racial - Rev África ...Ricardo Cesar Costa - Pensam social brasileiro e questão racial - Rev África ...
Ricardo Cesar Costa - Pensam social brasileiro e questão racial - Rev África ...
 
Educacao Quilombola
Educacao QuilombolaEducacao Quilombola
Educacao Quilombola
 
Módulo Avulso - LITERATURA MARGINAL: A RELAÇÃO COM O SOCIAL E O NEGO
Módulo Avulso - LITERATURA MARGINAL: A RELAÇÃO COM O SOCIAL E O NEGOMódulo Avulso - LITERATURA MARGINAL: A RELAÇÃO COM O SOCIAL E O NEGO
Módulo Avulso - LITERATURA MARGINAL: A RELAÇÃO COM O SOCIAL E O NEGO
 
Hebe Mattos: Remanescentes das comunidades dos quilombos
Hebe Mattos: Remanescentes das comunidades dos quilombosHebe Mattos: Remanescentes das comunidades dos quilombos
Hebe Mattos: Remanescentes das comunidades dos quilombos
 
História em movimento vol. 01
História em movimento vol. 01História em movimento vol. 01
História em movimento vol. 01
 
Itu no circuito afro-atlântico: a Irmandade da Senhora do Rosário em Itu
Itu no circuito afro-atlântico: a Irmandade da Senhora do Rosário em ItuItu no circuito afro-atlântico: a Irmandade da Senhora do Rosário em Itu
Itu no circuito afro-atlântico: a Irmandade da Senhora do Rosário em Itu
 
Módulo - LITERATURA MARGINAL: A RELAÇÃO COM O SOCIAL E O NEGRO
Módulo - LITERATURA MARGINAL: A RELAÇÃO COM O SOCIAL E O NEGROMódulo - LITERATURA MARGINAL: A RELAÇÃO COM O SOCIAL E O NEGRO
Módulo - LITERATURA MARGINAL: A RELAÇÃO COM O SOCIAL E O NEGRO
 
Historia da america, josé miguel arias neto
Historia da america, josé miguel arias netoHistoria da america, josé miguel arias neto
Historia da america, josé miguel arias neto
 
A assunção quilombola e os limites entre memória e história SILVÂNIO BARCELOS
A assunção quilombola e os limites entre memória e história SILVÂNIO BARCELOSA assunção quilombola e os limites entre memória e história SILVÂNIO BARCELOS
A assunção quilombola e os limites entre memória e história SILVÂNIO BARCELOS
 
Identidades Brasileiras
Identidades BrasileirasIdentidades Brasileiras
Identidades Brasileiras
 
Revista Mujimbo vol1 n1
Revista Mujimbo vol1 n1Revista Mujimbo vol1 n1
Revista Mujimbo vol1 n1
 
Educação quilombola
Educação quilombolaEducação quilombola
Educação quilombola
 
Gilberto freyre
Gilberto freyreGilberto freyre
Gilberto freyre
 
Aspectos socio-históricos dos povos !kung (khoisan) de Angola
Aspectos socio-históricos dos povos !kung (khoisan) de AngolaAspectos socio-históricos dos povos !kung (khoisan) de Angola
Aspectos socio-históricos dos povos !kung (khoisan) de Angola
 

Destaque

Globalização e pós modernidade aula de geografia prof. silvânio barcelos
Globalização e pós modernidade aula de geografia prof. silvânio barcelosGlobalização e pós modernidade aula de geografia prof. silvânio barcelos
Globalização e pós modernidade aula de geografia prof. silvânio barcelosSilvânio Barcelos
 
Colonos, migrantes e projetos de colonização em mato grosso
Colonos, migrantes e projetos de colonização em mato grossoColonos, migrantes e projetos de colonização em mato grosso
Colonos, migrantes e projetos de colonização em mato grossoSilvânio Barcelos
 
A hegemonia do latifundio na regiao norte de mato grosso 1
A hegemonia do latifundio na regiao norte de mato grosso 1A hegemonia do latifundio na regiao norte de mato grosso 1
A hegemonia do latifundio na regiao norte de mato grosso 1Silvânio Barcelos
 
Cuiabá antiga "um novo olhar" prof. silvânio barcelos
Cuiabá antiga "um novo olhar" prof. silvânio barcelosCuiabá antiga "um novo olhar" prof. silvânio barcelos
Cuiabá antiga "um novo olhar" prof. silvânio barcelosSilvânio Barcelos
 
A sociedade de corte considerações gerais
A sociedade de corte considerações geraisA sociedade de corte considerações gerais
A sociedade de corte considerações geraisSilvânio Barcelos
 
O latifúndio e a hegemonia do capital no contexto da história agrária da regi...
O latifúndio e a hegemonia do capital no contexto da história agrária da regi...O latifúndio e a hegemonia do capital no contexto da história agrária da regi...
O latifúndio e a hegemonia do capital no contexto da história agrária da regi...Silvânio Barcelos
 
Posse e conflito pela terra em jaurú mt
Posse e conflito pela terra em jaurú   mtPosse e conflito pela terra em jaurú   mt
Posse e conflito pela terra em jaurú mtSilvânio Barcelos
 
Globalização releitura da obra de zigmunt bauman
Globalização releitura da obra de zigmunt baumanGlobalização releitura da obra de zigmunt bauman
Globalização releitura da obra de zigmunt baumanSilvânio Barcelos
 
O atlântico negro, uma releitura da obra de paul gilroy
O atlântico negro, uma releitura da obra de paul gilroyO atlântico negro, uma releitura da obra de paul gilroy
O atlântico negro, uma releitura da obra de paul gilroySilvânio Barcelos
 
Educação na pós modernidade
Educação na pós modernidade Educação na pós modernidade
Educação na pós modernidade Silvânio Barcelos
 
Cidadania, inclusão e ética na educação de jovens e adultos
Cidadania, inclusão e ética na educação de jovens e adultosCidadania, inclusão e ética na educação de jovens e adultos
Cidadania, inclusão e ética na educação de jovens e adultosSilvânio Barcelos
 
A arte como princípio educativo
A arte como princípio educativo A arte como princípio educativo
A arte como princípio educativo Silvânio Barcelos
 
RevoluçãO Francesa Power Point
RevoluçãO Francesa Power PointRevoluçãO Francesa Power Point
RevoluçãO Francesa Power PointSilvânio Barcelos
 
Quilombos em mato grosso - VPMT
Quilombos em mato grosso - VPMTQuilombos em mato grosso - VPMT
Quilombos em mato grosso - VPMTlucavao2010
 
Quilombo Mata Cavalo: O negro e a identidade quilombola no mundo globalizado
Quilombo Mata Cavalo: O negro e a identidade quilombola no mundo globalizadoQuilombo Mata Cavalo: O negro e a identidade quilombola no mundo globalizado
Quilombo Mata Cavalo: O negro e a identidade quilombola no mundo globalizadoSilvânio Barcelos
 
ApresentaçãO Do Projeto Quilombola
ApresentaçãO Do Projeto QuilombolaApresentaçãO Do Projeto Quilombola
ApresentaçãO Do Projeto QuilombolaPaulo de Oliveira
 
Plano anual de ensino 1 ano 2014
Plano anual de ensino 1 ano 2014Plano anual de ensino 1 ano 2014
Plano anual de ensino 1 ano 2014Andreia Dias
 
O maior mandamento
O maior mandamentoO maior mandamento
O maior mandamentoLorena Dias
 
OcupaçãO De Mato Grosso
OcupaçãO De Mato GrossoOcupaçãO De Mato Grosso
OcupaçãO De Mato GrossoPaticx
 
Amor , o maior mandamento
Amor , o maior mandamentoAmor , o maior mandamento
Amor , o maior mandamentoRenato Lopes
 

Destaque (20)

Globalização e pós modernidade aula de geografia prof. silvânio barcelos
Globalização e pós modernidade aula de geografia prof. silvânio barcelosGlobalização e pós modernidade aula de geografia prof. silvânio barcelos
Globalização e pós modernidade aula de geografia prof. silvânio barcelos
 
Colonos, migrantes e projetos de colonização em mato grosso
Colonos, migrantes e projetos de colonização em mato grossoColonos, migrantes e projetos de colonização em mato grosso
Colonos, migrantes e projetos de colonização em mato grosso
 
A hegemonia do latifundio na regiao norte de mato grosso 1
A hegemonia do latifundio na regiao norte de mato grosso 1A hegemonia do latifundio na regiao norte de mato grosso 1
A hegemonia do latifundio na regiao norte de mato grosso 1
 
Cuiabá antiga "um novo olhar" prof. silvânio barcelos
Cuiabá antiga "um novo olhar" prof. silvânio barcelosCuiabá antiga "um novo olhar" prof. silvânio barcelos
Cuiabá antiga "um novo olhar" prof. silvânio barcelos
 
A sociedade de corte considerações gerais
A sociedade de corte considerações geraisA sociedade de corte considerações gerais
A sociedade de corte considerações gerais
 
O latifúndio e a hegemonia do capital no contexto da história agrária da regi...
O latifúndio e a hegemonia do capital no contexto da história agrária da regi...O latifúndio e a hegemonia do capital no contexto da história agrária da regi...
O latifúndio e a hegemonia do capital no contexto da história agrária da regi...
 
Posse e conflito pela terra em jaurú mt
Posse e conflito pela terra em jaurú   mtPosse e conflito pela terra em jaurú   mt
Posse e conflito pela terra em jaurú mt
 
Globalização releitura da obra de zigmunt bauman
Globalização releitura da obra de zigmunt baumanGlobalização releitura da obra de zigmunt bauman
Globalização releitura da obra de zigmunt bauman
 
O atlântico negro, uma releitura da obra de paul gilroy
O atlântico negro, uma releitura da obra de paul gilroyO atlântico negro, uma releitura da obra de paul gilroy
O atlântico negro, uma releitura da obra de paul gilroy
 
Educação na pós modernidade
Educação na pós modernidade Educação na pós modernidade
Educação na pós modernidade
 
Cidadania, inclusão e ética na educação de jovens e adultos
Cidadania, inclusão e ética na educação de jovens e adultosCidadania, inclusão e ética na educação de jovens e adultos
Cidadania, inclusão e ética na educação de jovens e adultos
 
A arte como princípio educativo
A arte como princípio educativo A arte como princípio educativo
A arte como princípio educativo
 
RevoluçãO Francesa Power Point
RevoluçãO Francesa Power PointRevoluçãO Francesa Power Point
RevoluçãO Francesa Power Point
 
Quilombos em mato grosso - VPMT
Quilombos em mato grosso - VPMTQuilombos em mato grosso - VPMT
Quilombos em mato grosso - VPMT
 
Quilombo Mata Cavalo: O negro e a identidade quilombola no mundo globalizado
Quilombo Mata Cavalo: O negro e a identidade quilombola no mundo globalizadoQuilombo Mata Cavalo: O negro e a identidade quilombola no mundo globalizado
Quilombo Mata Cavalo: O negro e a identidade quilombola no mundo globalizado
 
ApresentaçãO Do Projeto Quilombola
ApresentaçãO Do Projeto QuilombolaApresentaçãO Do Projeto Quilombola
ApresentaçãO Do Projeto Quilombola
 
Plano anual de ensino 1 ano 2014
Plano anual de ensino 1 ano 2014Plano anual de ensino 1 ano 2014
Plano anual de ensino 1 ano 2014
 
O maior mandamento
O maior mandamentoO maior mandamento
O maior mandamento
 
OcupaçãO De Mato Grosso
OcupaçãO De Mato GrossoOcupaçãO De Mato Grosso
OcupaçãO De Mato Grosso
 
Amor , o maior mandamento
Amor , o maior mandamentoAmor , o maior mandamento
Amor , o maior mandamento
 

Semelhante a Quilombo mata cavalo

Mata cavalo a fênix negra (revista documento monumento)
Mata cavalo  a fênix negra (revista documento monumento)Mata cavalo  a fênix negra (revista documento monumento)
Mata cavalo a fênix negra (revista documento monumento)Silvânio Barcelos
 
Quilombo anastacia silva
Quilombo anastacia silvaQuilombo anastacia silva
Quilombo anastacia silvaavisaassociacao
 
Lenilton tese-corrigida
Lenilton tese-corrigidaLenilton tese-corrigida
Lenilton tese-corrigidaportaldomar
 
Trabalho conclusão curso ufmt silvânio paulo de barcelos
Trabalho conclusão curso ufmt silvânio paulo de barcelosTrabalho conclusão curso ufmt silvânio paulo de barcelos
Trabalho conclusão curso ufmt silvânio paulo de barcelosguest322cf8
 
Uma historia do negro no brasil
Uma historia do negro no brasilUma historia do negro no brasil
Uma historia do negro no brasilnatielemesquita
 
A etnicidade entre os kaimbé de massacará
A etnicidade entre os kaimbé de massacaráA etnicidade entre os kaimbé de massacará
A etnicidade entre os kaimbé de massacaráMarlos Martins
 
Os Arikêmes e o SPI a Luta Pela Reelaboração Cultural Sob Tutela do Estado Br...
Os Arikêmes e o SPI a Luta Pela Reelaboração Cultural Sob Tutela do Estado Br...Os Arikêmes e o SPI a Luta Pela Reelaboração Cultural Sob Tutela do Estado Br...
Os Arikêmes e o SPI a Luta Pela Reelaboração Cultural Sob Tutela do Estado Br...Washington Heleno
 
Quinzena Da Consciencia Negra
Quinzena Da Consciencia NegraQuinzena Da Consciencia Negra
Quinzena Da Consciencia Negraculturaafro
 
Colcha de retalhos étnica_Alessandra Portugal.pdf
Colcha de retalhos étnica_Alessandra Portugal.pdfColcha de retalhos étnica_Alessandra Portugal.pdf
Colcha de retalhos étnica_Alessandra Portugal.pdfRenildaMirandaCebalh
 
O quilombo mata cavalo territorialidade negra no mundo globalizado
O quilombo mata cavalo   territorialidade negra no mundo globalizadoO quilombo mata cavalo   territorialidade negra no mundo globalizado
O quilombo mata cavalo territorialidade negra no mundo globalizadoSilvânio Barcelos
 
Os mitos e lendas na dinâmica das religiões de matriz africana.
Os mitos e lendas na dinâmica das religiões de matriz africana.Os mitos e lendas na dinâmica das religiões de matriz africana.
Os mitos e lendas na dinâmica das religiões de matriz africana.Aline Sesti Cerutti
 
Polêmica sobre cotas na Folha
Polêmica sobre cotas na FolhaPolêmica sobre cotas na Folha
Polêmica sobre cotas na FolhaArtur Araujo
 
Resenha: Aprender, ensinar e relações étnico-raciais no Brasil
Resenha: Aprender, ensinar e relações étnico-raciais no BrasilResenha: Aprender, ensinar e relações étnico-raciais no Brasil
Resenha: Aprender, ensinar e relações étnico-raciais no BrasilWaleska Medeiros de Souza
 
História e cultura afro brasileira e indígena
História e cultura afro brasileira e indígenaHistória e cultura afro brasileira e indígena
História e cultura afro brasileira e indígenaValeria Santos
 
O quilombo mata cavalo territorialidade negra no mundo globalizado subme...
O quilombo mata cavalo  territorialidade negra no mundo globalizado     subme...O quilombo mata cavalo  territorialidade negra no mundo globalizado     subme...
O quilombo mata cavalo territorialidade negra no mundo globalizado subme...Silvânio Barcelos
 

Semelhante a Quilombo mata cavalo (20)

Mata cavalo a fênix negra (revista documento monumento)
Mata cavalo  a fênix negra (revista documento monumento)Mata cavalo  a fênix negra (revista documento monumento)
Mata cavalo a fênix negra (revista documento monumento)
 
De olho na cultura
De olho na culturaDe olho na cultura
De olho na cultura
 
Quilombo anastacia silva
Quilombo anastacia silvaQuilombo anastacia silva
Quilombo anastacia silva
 
Lenilton tese-corrigida
Lenilton tese-corrigidaLenilton tese-corrigida
Lenilton tese-corrigida
 
Trabalho conclusão curso ufmt silvânio paulo de barcelos
Trabalho conclusão curso ufmt silvânio paulo de barcelosTrabalho conclusão curso ufmt silvânio paulo de barcelos
Trabalho conclusão curso ufmt silvânio paulo de barcelos
 
Racismo
RacismoRacismo
Racismo
 
Uma historia do negro no brasil
Uma historia do negro no brasilUma historia do negro no brasil
Uma historia do negro no brasil
 
federal reserve
federal reservefederal reserve
federal reserve
 
federal reserve
federal reservefederal reserve
federal reserve
 
federal reserve
federal reservefederal reserve
federal reserve
 
A etnicidade entre os kaimbé de massacará
A etnicidade entre os kaimbé de massacaráA etnicidade entre os kaimbé de massacará
A etnicidade entre os kaimbé de massacará
 
Os Arikêmes e o SPI a Luta Pela Reelaboração Cultural Sob Tutela do Estado Br...
Os Arikêmes e o SPI a Luta Pela Reelaboração Cultural Sob Tutela do Estado Br...Os Arikêmes e o SPI a Luta Pela Reelaboração Cultural Sob Tutela do Estado Br...
Os Arikêmes e o SPI a Luta Pela Reelaboração Cultural Sob Tutela do Estado Br...
 
Quinzena Da Consciencia Negra
Quinzena Da Consciencia NegraQuinzena Da Consciencia Negra
Quinzena Da Consciencia Negra
 
Colcha de retalhos étnica_Alessandra Portugal.pdf
Colcha de retalhos étnica_Alessandra Portugal.pdfColcha de retalhos étnica_Alessandra Portugal.pdf
Colcha de retalhos étnica_Alessandra Portugal.pdf
 
O quilombo mata cavalo territorialidade negra no mundo globalizado
O quilombo mata cavalo   territorialidade negra no mundo globalizadoO quilombo mata cavalo   territorialidade negra no mundo globalizado
O quilombo mata cavalo territorialidade negra no mundo globalizado
 
Os mitos e lendas na dinâmica das religiões de matriz africana.
Os mitos e lendas na dinâmica das religiões de matriz africana.Os mitos e lendas na dinâmica das religiões de matriz africana.
Os mitos e lendas na dinâmica das religiões de matriz africana.
 
Polêmica sobre cotas na Folha
Polêmica sobre cotas na FolhaPolêmica sobre cotas na Folha
Polêmica sobre cotas na Folha
 
Resenha: Aprender, ensinar e relações étnico-raciais no Brasil
Resenha: Aprender, ensinar e relações étnico-raciais no BrasilResenha: Aprender, ensinar e relações étnico-raciais no Brasil
Resenha: Aprender, ensinar e relações étnico-raciais no Brasil
 
História e cultura afro brasileira e indígena
História e cultura afro brasileira e indígenaHistória e cultura afro brasileira e indígena
História e cultura afro brasileira e indígena
 
O quilombo mata cavalo territorialidade negra no mundo globalizado subme...
O quilombo mata cavalo  territorialidade negra no mundo globalizado     subme...O quilombo mata cavalo  territorialidade negra no mundo globalizado     subme...
O quilombo mata cavalo territorialidade negra no mundo globalizado subme...
 

Mais de Silvânio Barcelos

Adolescência a complexidade do ser na visão espírita
Adolescência a complexidade do ser na visão espíritaAdolescência a complexidade do ser na visão espírita
Adolescência a complexidade do ser na visão espíritaSilvânio Barcelos
 
Não se pode servir a deus e a mamon ppt
Não se pode servir a deus e a mamon pptNão se pode servir a deus e a mamon ppt
Não se pode servir a deus e a mamon pptSilvânio Barcelos
 
A lei de deus cap. 16 e 17 ppt
A lei de deus cap. 16 e 17 pptA lei de deus cap. 16 e 17 ppt
A lei de deus cap. 16 e 17 pptSilvânio Barcelos
 
Os dragões (apresentação Power Point)
Os dragões (apresentação Power Point)Os dragões (apresentação Power Point)
Os dragões (apresentação Power Point)Silvânio Barcelos
 
Dragões (baseado na obra de wanderley oliveira)
Dragões (baseado na obra de wanderley oliveira)Dragões (baseado na obra de wanderley oliveira)
Dragões (baseado na obra de wanderley oliveira)Silvânio Barcelos
 
A lei de deus (revisitando pietro ubaldi 4)
A lei de deus (revisitando pietro ubaldi   4)A lei de deus (revisitando pietro ubaldi   4)
A lei de deus (revisitando pietro ubaldi 4)Silvânio Barcelos
 
A lei de deus (pietro ubaldi revisitado 3)
A lei de deus (pietro ubaldi revisitado   3)A lei de deus (pietro ubaldi revisitado   3)
A lei de deus (pietro ubaldi revisitado 3)Silvânio Barcelos
 
A lei de deus (revisitando pietro ubaldi 2)
A lei de deus (revisitando pietro ubaldi   2)A lei de deus (revisitando pietro ubaldi   2)
A lei de deus (revisitando pietro ubaldi 2)Silvânio Barcelos
 
A grande síntese (revisitando pietro ubaldi)
A grande síntese (revisitando pietro ubaldi)A grande síntese (revisitando pietro ubaldi)
A grande síntese (revisitando pietro ubaldi)Silvânio Barcelos
 
A lei de deus revisitando pietro ubaldi 1
A lei de deus revisitando pietro ubaldi 1A lei de deus revisitando pietro ubaldi 1
A lei de deus revisitando pietro ubaldi 1Silvânio Barcelos
 
A educação da nova era silvânio barcelos
A educação da nova era silvânio barcelosA educação da nova era silvânio barcelos
A educação da nova era silvânio barcelosSilvânio Barcelos
 
Mata cavalo o sagrado e a identidade quilombola
Mata cavalo    o sagrado e a identidade quilombolaMata cavalo    o sagrado e a identidade quilombola
Mata cavalo o sagrado e a identidade quilombolaSilvânio Barcelos
 
Escravidão atlântica uma nova leitura (artigo publicado rea abril 2011).mht
Escravidão atlântica uma nova leitura (artigo publicado rea abril 2011).mhtEscravidão atlântica uma nova leitura (artigo publicado rea abril 2011).mht
Escravidão atlântica uma nova leitura (artigo publicado rea abril 2011).mhtSilvânio Barcelos
 
Assine aventuras na história saladino
Assine aventuras na história saladinoAssine aventuras na história saladino
Assine aventuras na história saladinoSilvânio Barcelos
 

Mais de Silvânio Barcelos (20)

Adolescência a complexidade do ser na visão espírita
Adolescência a complexidade do ser na visão espíritaAdolescência a complexidade do ser na visão espírita
Adolescência a complexidade do ser na visão espírita
 
Não se pode servir a deus e a mamon ppt
Não se pode servir a deus e a mamon pptNão se pode servir a deus e a mamon ppt
Não se pode servir a deus e a mamon ppt
 
A lei de deus cap's 21 à 25
A lei de deus cap's 21 à 25A lei de deus cap's 21 à 25
A lei de deus cap's 21 à 25
 
A lei de deus cap. 16 e 17 ppt
A lei de deus cap. 16 e 17 pptA lei de deus cap. 16 e 17 ppt
A lei de deus cap. 16 e 17 ppt
 
Os dragões cap. 12 ppt
Os dragões cap. 12 pptOs dragões cap. 12 ppt
Os dragões cap. 12 ppt
 
Os dragões (apresentação Power Point)
Os dragões (apresentação Power Point)Os dragões (apresentação Power Point)
Os dragões (apresentação Power Point)
 
A lei de amor ppt
A lei de amor pptA lei de amor ppt
A lei de amor ppt
 
Dragões (baseado na obra de wanderley oliveira)
Dragões (baseado na obra de wanderley oliveira)Dragões (baseado na obra de wanderley oliveira)
Dragões (baseado na obra de wanderley oliveira)
 
A lei de deus (revisitando pietro ubaldi 4)
A lei de deus (revisitando pietro ubaldi   4)A lei de deus (revisitando pietro ubaldi   4)
A lei de deus (revisitando pietro ubaldi 4)
 
A lei de deus (pietro ubaldi revisitado 3)
A lei de deus (pietro ubaldi revisitado   3)A lei de deus (pietro ubaldi revisitado   3)
A lei de deus (pietro ubaldi revisitado 3)
 
A lei de deus (revisitando pietro ubaldi 2)
A lei de deus (revisitando pietro ubaldi   2)A lei de deus (revisitando pietro ubaldi   2)
A lei de deus (revisitando pietro ubaldi 2)
 
A grande síntese (revisitando pietro ubaldi)
A grande síntese (revisitando pietro ubaldi)A grande síntese (revisitando pietro ubaldi)
A grande síntese (revisitando pietro ubaldi)
 
A lei de deus revisitando pietro ubaldi 1
A lei de deus revisitando pietro ubaldi 1A lei de deus revisitando pietro ubaldi 1
A lei de deus revisitando pietro ubaldi 1
 
A educação da nova era silvânio barcelos
A educação da nova era silvânio barcelosA educação da nova era silvânio barcelos
A educação da nova era silvânio barcelos
 
Mata cavalo o sagrado e a identidade quilombola
Mata cavalo    o sagrado e a identidade quilombolaMata cavalo    o sagrado e a identidade quilombola
Mata cavalo o sagrado e a identidade quilombola
 
Mulheres do mata cavalo
Mulheres do mata cavaloMulheres do mata cavalo
Mulheres do mata cavalo
 
Escravidão atlântica uma nova leitura (artigo publicado rea abril 2011).mht
Escravidão atlântica uma nova leitura (artigo publicado rea abril 2011).mhtEscravidão atlântica uma nova leitura (artigo publicado rea abril 2011).mht
Escravidão atlântica uma nova leitura (artigo publicado rea abril 2011).mht
 
Assine aventuras na história saladino
Assine aventuras na história saladinoAssine aventuras na história saladino
Assine aventuras na história saladino
 
Catedral de chartres
Catedral de chartresCatedral de chartres
Catedral de chartres
 
Artigo publicado rea
Artigo publicado reaArtigo publicado rea
Artigo publicado rea
 

Último

A Arte de Escrever Poemas - Dia das Mães
A Arte de Escrever Poemas - Dia das MãesA Arte de Escrever Poemas - Dia das Mães
A Arte de Escrever Poemas - Dia das MãesMary Alvarenga
 
Grupo Tribalhista - Música Velha Infância (cruzadinha e caça palavras)
Grupo Tribalhista - Música Velha Infância (cruzadinha e caça palavras)Grupo Tribalhista - Música Velha Infância (cruzadinha e caça palavras)
Grupo Tribalhista - Música Velha Infância (cruzadinha e caça palavras)Mary Alvarenga
 
AULA SOBRE AMERICA LATINA E ANGLO SAXONICA.pptx
AULA SOBRE AMERICA LATINA E ANGLO SAXONICA.pptxAULA SOBRE AMERICA LATINA E ANGLO SAXONICA.pptx
AULA SOBRE AMERICA LATINA E ANGLO SAXONICA.pptxLaurindo6
 
PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: COMUNICAÇÃO ASSERTIVA E INTERPESS...
PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: COMUNICAÇÃO ASSERTIVA E INTERPESS...PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: COMUNICAÇÃO ASSERTIVA E INTERPESS...
PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: COMUNICAÇÃO ASSERTIVA E INTERPESS...azulassessoria9
 
Bullying - Atividade com caça- palavras
Bullying   - Atividade com  caça- palavrasBullying   - Atividade com  caça- palavras
Bullying - Atividade com caça- palavrasMary Alvarenga
 
Bullying - Texto e cruzadinha
Bullying        -     Texto e cruzadinhaBullying        -     Texto e cruzadinha
Bullying - Texto e cruzadinhaMary Alvarenga
 
Ácidos Nucleicos - DNA e RNA (Material Genético).pdf
Ácidos Nucleicos - DNA e RNA (Material Genético).pdfÁcidos Nucleicos - DNA e RNA (Material Genético).pdf
Ácidos Nucleicos - DNA e RNA (Material Genético).pdfJonathasAureliano1
 
GÊNERO TEXTUAL - TIRINHAS - Charges - Cartum
GÊNERO TEXTUAL - TIRINHAS - Charges - CartumGÊNERO TEXTUAL - TIRINHAS - Charges - Cartum
GÊNERO TEXTUAL - TIRINHAS - Charges - CartumAugusto Costa
 
PROGRAMA DE AÇÃO 2024 - MARIANA DA SILVA MORAES.pdf
PROGRAMA DE AÇÃO 2024 - MARIANA DA SILVA MORAES.pdfPROGRAMA DE AÇÃO 2024 - MARIANA DA SILVA MORAES.pdf
PROGRAMA DE AÇÃO 2024 - MARIANA DA SILVA MORAES.pdfMarianaMoraesMathias
 
Pedologia- Geografia - Geologia - aula_01.pptx
Pedologia- Geografia - Geologia - aula_01.pptxPedologia- Geografia - Geologia - aula_01.pptx
Pedologia- Geografia - Geologia - aula_01.pptxleandropereira983288
 
o ciclo do contato Jorge Ponciano Ribeiro.pdf
o ciclo do contato Jorge Ponciano Ribeiro.pdfo ciclo do contato Jorge Ponciano Ribeiro.pdf
o ciclo do contato Jorge Ponciano Ribeiro.pdfCamillaBrito19
 
Noções de Farmacologia - Flávia Soares.pdf
Noções de Farmacologia - Flávia Soares.pdfNoções de Farmacologia - Flávia Soares.pdf
Noções de Farmacologia - Flávia Soares.pdflucassilva721057
 
Música Meu Abrigo - Texto e atividade
Música   Meu   Abrigo  -   Texto e atividadeMúsica   Meu   Abrigo  -   Texto e atividade
Música Meu Abrigo - Texto e atividadeMary Alvarenga
 
CRUZADINHA - Leitura e escrita dos números
CRUZADINHA   -   Leitura e escrita dos números CRUZADINHA   -   Leitura e escrita dos números
CRUZADINHA - Leitura e escrita dos números Mary Alvarenga
 
PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: LEITURA DE IMAGENS, GRÁFICOS E MA...
PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: LEITURA DE IMAGENS, GRÁFICOS E MA...PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: LEITURA DE IMAGENS, GRÁFICOS E MA...
PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: LEITURA DE IMAGENS, GRÁFICOS E MA...azulassessoria9
 
Slides Lição 04, Central Gospel, O Tribunal De Cristo, 1Tr24.pptx
Slides Lição 04, Central Gospel, O Tribunal De Cristo, 1Tr24.pptxSlides Lição 04, Central Gospel, O Tribunal De Cristo, 1Tr24.pptx
Slides Lição 04, Central Gospel, O Tribunal De Cristo, 1Tr24.pptxLuizHenriquedeAlmeid6
 
activIDADES CUENTO lobo esta CUENTO CUARTO GRADO
activIDADES CUENTO  lobo esta  CUENTO CUARTO GRADOactivIDADES CUENTO  lobo esta  CUENTO CUARTO GRADO
activIDADES CUENTO lobo esta CUENTO CUARTO GRADOcarolinacespedes23
 
PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: LEITURA DE IMAGENS, GRÁFICOS E MA...
PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: LEITURA DE IMAGENS, GRÁFICOS E MA...PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: LEITURA DE IMAGENS, GRÁFICOS E MA...
PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: LEITURA DE IMAGENS, GRÁFICOS E MA...azulassessoria9
 
Aula de História Ensino Médio Mesopotâmia.pdf
Aula de História Ensino Médio Mesopotâmia.pdfAula de História Ensino Médio Mesopotâmia.pdf
Aula de História Ensino Médio Mesopotâmia.pdfFernandaMota99
 
Dicionário de Genealogia, autor Gilber Rubim Rangel
Dicionário de Genealogia, autor Gilber Rubim RangelDicionário de Genealogia, autor Gilber Rubim Rangel
Dicionário de Genealogia, autor Gilber Rubim RangelGilber Rubim Rangel
 

Último (20)

A Arte de Escrever Poemas - Dia das Mães
A Arte de Escrever Poemas - Dia das MãesA Arte de Escrever Poemas - Dia das Mães
A Arte de Escrever Poemas - Dia das Mães
 
Grupo Tribalhista - Música Velha Infância (cruzadinha e caça palavras)
Grupo Tribalhista - Música Velha Infância (cruzadinha e caça palavras)Grupo Tribalhista - Música Velha Infância (cruzadinha e caça palavras)
Grupo Tribalhista - Música Velha Infância (cruzadinha e caça palavras)
 
AULA SOBRE AMERICA LATINA E ANGLO SAXONICA.pptx
AULA SOBRE AMERICA LATINA E ANGLO SAXONICA.pptxAULA SOBRE AMERICA LATINA E ANGLO SAXONICA.pptx
AULA SOBRE AMERICA LATINA E ANGLO SAXONICA.pptx
 
PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: COMUNICAÇÃO ASSERTIVA E INTERPESS...
PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: COMUNICAÇÃO ASSERTIVA E INTERPESS...PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: COMUNICAÇÃO ASSERTIVA E INTERPESS...
PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: COMUNICAÇÃO ASSERTIVA E INTERPESS...
 
Bullying - Atividade com caça- palavras
Bullying   - Atividade com  caça- palavrasBullying   - Atividade com  caça- palavras
Bullying - Atividade com caça- palavras
 
Bullying - Texto e cruzadinha
Bullying        -     Texto e cruzadinhaBullying        -     Texto e cruzadinha
Bullying - Texto e cruzadinha
 
Ácidos Nucleicos - DNA e RNA (Material Genético).pdf
Ácidos Nucleicos - DNA e RNA (Material Genético).pdfÁcidos Nucleicos - DNA e RNA (Material Genético).pdf
Ácidos Nucleicos - DNA e RNA (Material Genético).pdf
 
GÊNERO TEXTUAL - TIRINHAS - Charges - Cartum
GÊNERO TEXTUAL - TIRINHAS - Charges - CartumGÊNERO TEXTUAL - TIRINHAS - Charges - Cartum
GÊNERO TEXTUAL - TIRINHAS - Charges - Cartum
 
PROGRAMA DE AÇÃO 2024 - MARIANA DA SILVA MORAES.pdf
PROGRAMA DE AÇÃO 2024 - MARIANA DA SILVA MORAES.pdfPROGRAMA DE AÇÃO 2024 - MARIANA DA SILVA MORAES.pdf
PROGRAMA DE AÇÃO 2024 - MARIANA DA SILVA MORAES.pdf
 
Pedologia- Geografia - Geologia - aula_01.pptx
Pedologia- Geografia - Geologia - aula_01.pptxPedologia- Geografia - Geologia - aula_01.pptx
Pedologia- Geografia - Geologia - aula_01.pptx
 
o ciclo do contato Jorge Ponciano Ribeiro.pdf
o ciclo do contato Jorge Ponciano Ribeiro.pdfo ciclo do contato Jorge Ponciano Ribeiro.pdf
o ciclo do contato Jorge Ponciano Ribeiro.pdf
 
Noções de Farmacologia - Flávia Soares.pdf
Noções de Farmacologia - Flávia Soares.pdfNoções de Farmacologia - Flávia Soares.pdf
Noções de Farmacologia - Flávia Soares.pdf
 
Música Meu Abrigo - Texto e atividade
Música   Meu   Abrigo  -   Texto e atividadeMúsica   Meu   Abrigo  -   Texto e atividade
Música Meu Abrigo - Texto e atividade
 
CRUZADINHA - Leitura e escrita dos números
CRUZADINHA   -   Leitura e escrita dos números CRUZADINHA   -   Leitura e escrita dos números
CRUZADINHA - Leitura e escrita dos números
 
PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: LEITURA DE IMAGENS, GRÁFICOS E MA...
PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: LEITURA DE IMAGENS, GRÁFICOS E MA...PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: LEITURA DE IMAGENS, GRÁFICOS E MA...
PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: LEITURA DE IMAGENS, GRÁFICOS E MA...
 
Slides Lição 04, Central Gospel, O Tribunal De Cristo, 1Tr24.pptx
Slides Lição 04, Central Gospel, O Tribunal De Cristo, 1Tr24.pptxSlides Lição 04, Central Gospel, O Tribunal De Cristo, 1Tr24.pptx
Slides Lição 04, Central Gospel, O Tribunal De Cristo, 1Tr24.pptx
 
activIDADES CUENTO lobo esta CUENTO CUARTO GRADO
activIDADES CUENTO  lobo esta  CUENTO CUARTO GRADOactivIDADES CUENTO  lobo esta  CUENTO CUARTO GRADO
activIDADES CUENTO lobo esta CUENTO CUARTO GRADO
 
PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: LEITURA DE IMAGENS, GRÁFICOS E MA...
PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: LEITURA DE IMAGENS, GRÁFICOS E MA...PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: LEITURA DE IMAGENS, GRÁFICOS E MA...
PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: LEITURA DE IMAGENS, GRÁFICOS E MA...
 
Aula de História Ensino Médio Mesopotâmia.pdf
Aula de História Ensino Médio Mesopotâmia.pdfAula de História Ensino Médio Mesopotâmia.pdf
Aula de História Ensino Médio Mesopotâmia.pdf
 
Dicionário de Genealogia, autor Gilber Rubim Rangel
Dicionário de Genealogia, autor Gilber Rubim RangelDicionário de Genealogia, autor Gilber Rubim Rangel
Dicionário de Genealogia, autor Gilber Rubim Rangel
 

Quilombo mata cavalo

  • 1. i UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO – UFMT INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS – ICHS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA HISTÓRIA, TERRITÓRIO E FRONTEIRAS QUILOMBO MATA CAVALO: TERRA, CONFLITO E OS CAMINHOS DA IDENTIDADE NEGRA SILVÂNIO PAULO DE BARCELOS Orientador: Prof. Dr. Marcus Silva da Cruz Cuiabá/MT Março/2011
  • 2. ii QUILOMBO MATA CAVALO: TERRA, CONFLITO E OS CAMINHOS DA IDENTIDADE NEGRA SILVÂNIO PAULO DE BARCELOS Dissertação apresentada à banca de defesa do Programa de Pós-graduação Mestrado em História do Instituto de Ciências Humanas e Sociais da Universidade Federal de Mato Grosso, para a obtenção do grau de mestre em História. Orientador: Prof. Dr. Marcus Silva da Cruz Cuiabá/MT Março/2011
  • 3. FICHA CATALOGRÁFICA B242q Barcelos, Silvânio Paulo de. Quilombo Mata Cavalo: terra, conflito e os caminhos da identidade negra. – 2011. ix, 211 f. : il. color. Orientador: Prof. Dr. Marcus Silva da Cruz. Dissertação (mestrado) – Universidade Federal de Mato Grosso, Instituto de Ciências Humanas e Sociais, Programa de Pós-Graduação em História. Cuiabá, 2011. Bibliografia: p. 192-195. Inclui anexos. 1. Escravidão – Mato Grosso – História. 2. Identidade negra. 3. Quilombo Mata Cavalo – Mato Grosso. 4. Identidade quilombola. 5. Quilombo – Identidade social. I. Título. CDU – 94(817.2) Ficha elaborada por: Rosângela Aparecida Vicente Söhn – CRB-1/931
  • 4. iii QUILOMBO MATA CAVALO: TERRA, CONFLITO E OS CAMINHOS DA IDENTIDADE NEGRA SILVÂNIO PAULO DE BARCELOS Dissertação de mestrado avaliada em 05 de Maio de 2011 Banca examinadora ________________________________________ Prof. Dr. Marcus Silva da Cruz Programa de Pós-graduação Mestrado em História – UFMT Presidente ________________________________________ Prof. Dr. Paulo Staudt Moreira Programa de Pós-graduação em História – UNISINOS Examinador externo _________________________________________ Prof. Dra. Leonice Aparecida de Fátima Alves Programa de Pós-graduação Mestrado em História – UFMT Examinadora interna _________________________________________ Prof. Dr. Ernesto Cerveira de Sena Programa de Pós-graduação Mestrado em História – UFMT Suplente
  • 5. iv DEDICATÓRIA Aos meus queridos netos Gabriel, Thor, Ohana e Helena, mestres incondicionais do companheirismo e da alegria.
  • 6. v AGRADECIMENTOS A Deus, sempre presente. Ao Professor Dr. Marcus Silva da Cruz, pelo profissionalismo, segurança e amizade demonstrados em todos os momentos da nossa pesquisa, revelando, para além do exercício da orientação, um profundo respeito ao processo da construção de saberes. À Professora Dra. Leonice Aparecida de Fátima Alves, por sua simpatia e desvelada dedicação à leitura de nosso trabalho, contribuindo de forma inestimável para uma nova visão acerca da comunidade do Mata Cavalo. Aos nossos pares acadêmicos, companheiros na gratificante jornada em busca de conhecimentos, com os quais compartilho essa história.
  • 7. vi Resumo: A identidade negra na Comunidade de remanescentes do Quilombo Mata Cavalo, localizada no município de Livramento, em Mato Grosso, está ancorada conceitualmente a dois pilares bem definidos: “terra e memória” dos escravos da Sesmaria Boa Vida, seus ancestrais. As terras que foram doadas por D. Anna da Silva Tavares a seus escravos, forros e cativos, em 1883, foram responsáveis pela própria origem desse Quilombo, criando-se um modo de vida baseado nas relações de reciprocidade e trabalho comunal. Reminiscências do imaginário fértil e da herança escrava largamente difundida entre os povos negros na diáspora. Por licença do acaso e da fortuna, já proprietários das terras que bem conheciam, coube-lhes a tarefa maior de expandir seus ideais de liberdade reterritorializando aquele espaço como um lugar de negros, concebido a partir do intercâmbio das memórias e das experiências coletivas. Assentados naquela localidade há mais de cento e vinte anos, os descendentes dos escravos resistem, ainda hoje, à pressão de alguns fazendeiros daquela região pela disputa em torno da sua propriedade. A questão quilombola, surgida a partir da Constituição Federal de 1988, possibilita pelas vias jurídicas acessar novas formas de lutas por suas terras, ao mesmo tempo em que contribui para o surgimento de dissensões internas no Mata Cavalo. Essa alternativa equivale para os que lá permaneceram, enfrentando toda sorte de violência e conflito, a negação de sua própria história. Paradoxalmente, os remanescentes envolvidos diretamente na luta pelas terras, como protagonistas sociais dessa trama singular, também se apropriam do conceito “quilombola” buscando um possível desfecho favorável ao processo jurídico em trâmite na Justiça Federal. Desta forma, em pleno século XXI os integrantes dessa comunidade tradicional lutam pela preservação de uma memória afro-referenciada enquanto sonham conquistar o reconhecimento do seu espaço primordial, um espaço de negro, numa sociedade marcada por interesses difusos e pelo estigma da globalização. Palavras-chave: Terra, identidade negra, tradição e diáspora.
  • 8. vii Abstract: The specifically black identity in the remnants Comunidade de remanescentes do Quilombo Mata Cavalo, located in the town of Livramento, in Mato Grosso, are anchored conceptually well- defined two pillars: “land and the memory” of Sesmaria Boa Vida slaves, his ancestors. The lands that were donated by D. Anna da Silva Tavares liners to their slaves and captives in 1883 were responsible for their own source of Quilombo, creating a way of live based on relations of reciprocity and communal work, reminiscent of the fertile imagination and the legacy of slavery widespread black people in the diaspora. Why leave to chance and the fortune as owner of the lands they knew well, it was up to than the task of the expanding the higher ideal of freedom reterritorialized that space as a place for black, designed from the exchanged of memories and collectives experiences. Settler in that area to more then one hundred and twenty years, the descendant of slaves to resist, even today, to pressure from farmers in the region by the dispute over its ownership. The question maroon, arising from the Constitution of 1988 provides legal access routes for new ways of fighting for they lands, while contributing to the emergence of internal dissent in the Mata Cavalo. This alternative is equivalent, for those who remained in those lands facing all sorts of violence and the conflict, denial of they own history. Paradoxically, those remaining directly involved in the struggle for lands as protagonists of social weft singular, also appropriated the concept of “maroon” seeking a favorable outcome to the possible legal proceedings underway in the Federal Court. Thus in the XXI century the members of the community traditional fight for the preservation of a memory African-referenced while they dream to win recognition of their primordial, an area of black in a society marked by diffuse interest and the stigma of globalization. Key-word: Earth, black identity, tradition and diaspora.
  • 9. viii LISTA DE FIGURAS E TABELAS Página Imagem 1. Engenho na residência de Antonio Mulato..........................................03 Mapa 1. Localização da Fazenda Cocais.................................................................72 Gráfico 1. Atividades produtivas área central no lustro 1790/94...........................81 Gráfico 2. Dados estatísticos do índice de retração demográfica da população escrava no ano de 1872..........................................................82 Imagem 2. Cópia do original da página 42, livro da Câmara de Livramento.............................................................................................102 Mapa 2. Planta da Sesmaria Boa Vida/Mata Cavalo............................................104 Mapa 3. Perímetro da área do Mata Cavalo, revisado.........................................105 Tabela 1. Quadro socioeconômico do Mata Cavalo..............................................133 Gráfico 3. Renda familiar........................................................................................134 Gráfico 4. Grau de alfabetização............................................................................134 Gráfico 5. Religiões..................................................................................................136 Imagem 3. Detalhe da festa da banana quilombola..............................................147 Imagem 4. Rosa Domingas de Jesus e seu neto.....................................................164 Imagem 5. Rosa Domingas de Jesus recepciona membros do Fundo Canadá.......................................................................................169
  • 10. ix SUMÁRIO Página 1. INTRODUÇÃO...........................................................................................................01 2. Capítulo 1: ESCRAVIDÃO RACIAL DA ERA MODERNA........................... 10 2.1 Escravidão e modernidade..................................................................................... 11 2.2 Escravidão racial: uma contradição da modernidade.........................................16 2.3 Escravidão no Brasil................................................................................................23 2.4 Escravidão em Mato Grosso...................................................................................34 2.5 Escravidão no Mata Cavalo....................................................................................41 2.6 Remanescentes de quilombo: Conceitos................................................................42 2.7 A Política dos “homens bons”................................................................................45 2.8 No centenário da abolição, novas possibilidades................................................. 48 2.9 Identidade quilombola.............................................................................................50 3. Capítulo 2: TERRAS CATIVAS:............................................................................58 3.1 Sesmarialismo no Brasil.........................................................................................61 3.2 Mata Cavalo: Origens............................................................................................64 3.3 A Carta de Sesmaria, 1751.....................................................................................66 3.4 Do “auto de medição e posse da Sesmaria Boa Vida”. .......................................69 3.5 Inventário de Custódia de Arruda e Silva........................................................ ...74 3.6 Testamento de Ricardo José Alves Bastos...........................................................75 3.7 Inventário de Ricardo José Alves Bastos.............................................................78 3.8 As declarações de vontade de D. Anna da Silva Tavares............................... ...85 3.9 A doação da Sesmaria Boa Vida...........................................................................88 3.10 A doação do Ribeirão Mutuca............................................................................90 3.11 Uma dura realidade.............................................................................................91 3.12 Decadência............................................................................................................94 3.13 A trama.................................................................................................................97 3.14 Fênix Negra........................................................................................................103 4. Capitulo 3: DESIDERATO...................................................................................109 4.1 História oral e memória, breves conceitos.........................................................113 4.2 Terras do Quilombo.............................................................................................125 4.3 Fragmentos da memória negra...........................................................................141 4.4 Mulheres do Mata Cavalo: A resistência negra................................................154 4.5 Conflitos de memórias: a negação da história...................................................170 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................188 Bibliografia..................................................................................................................192 Anexos documentais...................................................................................................196
  • 11. 1. INTRODUÇÃO Em 15 de junho de 2008, participamos dos festejos em comemoração ao aniversário de Antonio Mulato, um homem respeitável que acabava de completar seus bem vividos 103 anos de idade, a convite de seu sobrinho-neto José Gregório de Almeida1. Naquele dia especial entramos em contato, pela primeira vez, com o fascinante universo sociocultural da Comunidade de remanescentes do Quilombo2 Mata Cavalo. Não precisa muito esforço para compreender a emoção de estar-se em um lugar prenhe de estórias e histórias, um mundo permeado por lembranças, sempre presentes, do tempo das senzalas e dos senhores, dos sonhos de uma liberdade sempre adiada e os pesadelos da escravidão racial. Hoje, em pleno século XXI - quase cento e vinte anos após o ato de doação da Sesmaria Boa Vida realizada por D. Anna da Silva Tavares aos seus escravos forros e cativos - os homens e mulheres do Quilombo ainda lutam pelo direito de permanecer em suas próprias terras. A tradição herdada dos ancestrais, que aqui chegaram provenientes de Minas Gerais, segundo depoimento de Antonio Mulato, possui valor simbólico de alta relevância para o ethos cultural e também para o imaginário dos afro-descendentes do Mata Cavalo. Mesmo para as pessoas que migraram para outras regiões, como o caso de José Gregório de Almeida e família, aquele território representa bem mais que lugar de memória, configura-se como espaço sagrado, e também profano, permeado sempre pela esperança do possível retorno. A terra no Quilombo Mata Cavalo, como passaremos a partir de agora a designar sem que se altere sua condição de lugar de remanescentes, constitui-se como catalisadora do sentimento de pertença de seu território. No percurso da história, seus ancestrais fincaram ali suas raízes, construindo através delas os elementos culturais de suas identidades marcadas pela singularidade do ser negro e quilombola. Os costumes, a religiosidade, a vida comunitária, as tradições e o esforço na manutenção de suas identidades produzem uma territorialidade única, edificando-a enquanto espaço vital, real e simbólico, 1 José Gregório de Almeida é uma das lideranças das, aproximadamente, 30 famílias oriundas do Mata Cavalo que transferiram-se para a cidade de Cuiabá em meados do século XX, assentando-se na antiga localidade conhecida por Gleba Despraiado, atual bairro Ribeirão da Ponte. 2 De acordo com o senso comum a palavra “quilombo” de imediato implicaria a ideia de um lugar longínquo e de difícil acesso, um espaço de fuga. Na realidade, existem inúmeras outras formas de classificação dos quilombos e entre elas a resultante de atos de doação, como foi o caso no Mata Cavalo. Trataremos desse assunto de forma pormenorizada ainda neste capítulo, no subitem “remanescentes de quilombo – conceitos”.
  • 12. 2 simultaneamente. Para além do significado do sentimento de pertença, a questão essencial na história dos remanescentes do Mata Cavalo consiste no fato da existência dessa comunidade em função da terra. Foi a partir da doação de parte da [antiga] Sesmaria Boa Vida aos escravos e ex-escravos de D. Anna da Silva Tavares, que passou a existir de forma concreta o próprio Quilombo. Tendo como ponto de partida o território ressignificado na diáspora, os descendentes daqueles escravos perpetuaram a memória de seus ancestrais, fazendo daquele lugar seu espaço de liberdade, sem ao menos imaginar que precisariam lutar nas malhas do tempo pela “libertação” de suas terras. Ironia. O chão, expressão de sonhos e possibilidades, muitas vezes irrigado com o vermelho tom da intolerância, testemunha o vigor e a determinação dos homens, mulheres e crianças que foram moldados na têmpera precisa dos ideais da resistência, criando e recriando constantemente um modo de vida peculiar. Esse mundo, dividido entre o velho e o novo, conserva a “aura da negritude” de seu universo cultural, cultivando tradições que vão se modificando, no interior de uma sociedade que se quer moderna, sem, contudo, perder sua essência fundamental, uma essência que não é somente africana, mas afro-brasileira, resultante do encontro de povos diferentes e do caráter híbrido de sua população. O trânsito constante entre geografia e memória, cultura e imaginário, faz do território do Quilombo Mata Cavalo um campo aberto a constantes reconfigurações de ordem material e simbólica. Segundo Haesbaert, “teríamos vivido sempre uma multiterritorialidade”3, onde percebemos que em toda relação social há uma implicação, uma interação territorial, um entrecruzamento de diferentes territórios. Nesse quadro sociocultural, o indivíduo vive ao mesmo tempo ao seu nível particular, bem como de seus familiares, do grupo social, e da própria comunidade. A dinâmica das transformações, em conseqüência do estado de conflito pela disputa da propriedade das terras do Mata Cavalo, determinam, num certo grau, a própria constituição da identidade do grupo, como Bauman aponta em seus tratados teóricos. Para ele o próprio conceito “identidade” nasce em função da crise de pertencimento e da necessidade de se adaptar a um mundo em constantes mudanças. 4 Toda 3 Haesbaert, Rogério. O mito da desterritorialização: do “fim dos territórios” à multiterritorialidade. 2ª. Ed. – Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2006. p. 344. 4 Ainda sobre identidade devemos referir as contribuições de Max Weber, para o qual a identidade resulta sempre da implementação de uma variável de ordem política, sendo, pois instrumentalizada, já que os sujeitos acessarão determinados caracteres em razão da necessidade momentânea da coletividade. Nesta perspectiva sociológica da identidade cada indivíduo representa um papel atuante no meio onde vive, estando este condicionado à função por ele exercida em sua organização social. Numa visão um pouco simplista das
  • 13. 3 uma tradição herdada das senzalas reflete no cotidiano dessa comunidade, criando territorialidades diversas que ora convergem, ora divergem confrontando interesses no seu interior. Ao rebuscar os elementos culturais a partir da memória de seus antepassados recriam seus territórios na diáspora, ressignificando seu espaço e delimitando-o como um território de negros. Numa entrevista gravada em 28 de novembro de 2009, Antonio Mulato fala, com profunda nostalgia, de um tempo que ficou somente na memória. Tempo da fartura marcado pelo modo de vida coletivo, onde a maioria das casas contavam com engenhos, criações de animais domésticos, plantações de mandioca, milho, arroz, feijão e a cana de açúcar. Rebuscando antigas recordações, relembra os dias felizes de uma vida comunitária: muxiruns5, trabalhos no campo e as festas em comemorações aos dias santos. Quando lhe perguntamos como se sentia nessa altura de sua vida respondeu que: “to alegre porque ainda to vivo, mas hoje cada um faz por si. Esse é o atraso da vida, né? Não existe mais a união, acabou a união. Fazer o que? To alegre por que ainda to vivo.” Imagem 1 = engenho na residência de Antonio Mulato formulações weberianas alusivas aos processos identitários, podemos concluir que o conjunto do que somos e pensamos, nossas expectativas de vida, percepções de nós mesmos e do mundo em que vivemos constituem, isso não é relativo, os padrões sociais que norteiam nossas condutas e comportamentos. Desta forma, assevera Weber, a identidade, tais quais os processos dinâmicos da ação, é criada e recriada continuamente nas estruturas sociais onde os atores se identificam ao mesmo tempo em que são identificados. 5 O trabalho realizado em sistema de mutirão, ou muxirum como é mais conhecido na região, muito utilizado no período do Brasil Colônia, consistia na execução de tarefas coletivas e também particulares, onde o contratante se obrigava a servir o almoço, feito pelas mulheres, enquanto os homens executavam o serviço braçal.
  • 14. 4 Fotografia de Antonio Mulato junto ao seu antigo engenho Formato JPEG, tirada em 28/novembro/2009, modelo da câmera DMC-FX07 Acervo particular de Silvânio Paulo de Barcelos Na fotografia acima, onde o anfitrião faz questão de nos mostrar o funcionamento do seu antigo engenho, percebe-se a atmosfera nostálgica, naquele ambiente calmo, provocada pelas lembranças de outros tempos. Tempos que por contingência ou capricho, na visão para quem a vida se fez obstinadamente tenaz, pertence mais à memória que à possibilidade do devir e o homem acostumado a se expressar com intensa determinação parece perder a noção da fala. Sua voz, quase um sussurro, no limite da expressão se torna simples lamento. Com certeza, para ele, mesmo não admitindo tal hipótese, a impossibilidade do retorno àquele tempo se torna tão real quanto o seu presente alimentado por memórias e recordações. Essas preocupações, reveladas na fala simples de Antonio Mulato, indicam problemas que preocupa grande parte dos moradores do Mata Cavalo. A tradição6 e os costumes herdados dos seus antepassados constituem-se para essa comunidade a possibilidade de perpetuação da memória escrava, um dos elos formadores de suas identidades. Entretanto, para os jovens dessa comunidade, a tradição possui outras configurações que respondem a seus próprios anseios e às necessidades de afirmação em um mundo marcado pela modernidade, por constantes transformações e pelas incertezas que delas se originam. Apesar dessas perspectivas um tanto nebulosas, a terra, testemunha viva da história do Mata Cavalo, ainda possui o mesmo valor material e simbólico capaz de conformar identidades singulares. No confronto das gerações, nessa comunidade, o velho e o novo se entrecruzam e, apesar da aparente contradição, a tensão social, sempre presente, assume novas dimensões quando todos se reúnem em torno dos festejos nos dias santos. Nessa ocasião festiva, a alegria reforça os elos da solidariedade ao mesmo tempo em que cultiva o ideal da negritude, uma herança de resistência ao regime escravista, que se revela maior que as querelas de suas vidas sociais e seus aparentes antagonismos. 6 De acordo com o Dicionário de Ciências Sociais do Instituto de Documentação da Fundação Getúlio Vargas, publicado pela Editora FGV em 1986, na cidade do Rio de Janeiro, o termo “tradição, em sentido restrito, é um termo neutro, empregado para designar a transmissão, geralmente oral, por meio da qual modos de atividade, gosto ou crença são passados (entregues) de uma geração para a seguinte, perpetuando-se dessa forma. Assim, aplicando o termo às ciências sociais, tradição é o veículo através do qual cada criança aprende de seus antepassados alguma coisa dos seus costumes e do conjunto de conhecimentos e preconceitos acumulados. [...] O termo tradição também se aplica a alguns dos elementos culturais assim transmitidos, mas não a todos. Os elementos escolhidos e que recebem o status de tradições são geralmente considerados de valor, e está fortemente implícito que são especialmente dignos de serem aceitos. Assim, uma tradição é um modo de comportamento ou padrão produzido por um grupo como tal, distinto de um indivíduo; e serve para intensificar a consciência de grupo e sua coesão”. P. 1254.
  • 15. 5 Como objetivo geral de nossa investigação apontamos o propósito de entender como essas pessoas, e também os grupos aos quais pertencem, puderam experimentar o próprio passado, recuperado por suas memórias de vida, dotando de significado a trama de suas próprias histórias. Cabe ainda mencionar a importância de conhecer o contexto de estudo, além de problematizar as relações sociais, jurídicas e políticas que permitiram e permitem a constituição daquele grupo em seu espaço. A partir dessas reflexões preliminares passamos agora a apontar alguns aspectos relevantes no que tange a procedimentos metodológicos utilizados nessa pesquisa. Inicialmente devemos referir sobre o uso da “pesquisa bibliográfica”, especialmente no que diz respeito à apropriação dos principais conceitos e categorias que balizaram nossa pesquisa, merecendo destaque o conceito de identidade, tradição, afro-referenciamento, além de categorias de natureza jurídica, em razão da especificidade do tema de investigação. Aqui destacamos uma importante reflexão que norteou nossas investigações: as teorias desenvolvidas pelo sociólogo Paul Gilroy na obra “O Atlântico negro”. Apontamos ainda a utilização sistemática dos pressupostos da “pesquisa documental”, uma vez que a compreensão da comunidade do Mata Cavalo implica no manuseio e problematização de documentos de natureza pública. Entre estes documentos destacam-se, por suas relevâncias, aqueles que instruem o processo judicial que discute a titularidade das terras da comunidade, além de uma série de documentos de natureza administrativa oriundos do INCRA, Fundação Cultural Palmares, INTERMAT, bem como acervos do NDHIR e do APMT7 além de documentos de natureza cartorial. Por fim utilizamos da “pesquisa de campo”, tendo sido realizado inúmeras visitas aos locais de estudo, sendo importante referir que durante essas incursões utilizamos daquilo que a bibliografia denomina de observação direta e na maioria das vezes “observação participante”. Além da observação direta cujos principais elementos foram registrados num diário de campo, devemos referir a realização de entrevistas semi-estruturadas e não estruturadas, utilizando-se dos pressupostos da história oral. A escolha dos depoentes atentou para alguns pressupostos que julgamos pertinente e elucidadores de nossas premissas de trabalho. Assim sendo, optamos pelas entrevistas com a atual presidente do quilombo, bem 7 INCRA: Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária; INTERMAT: Instituto de Terras de Mato Grosso; NDHIR: Núcleo de Documentação Histórica e Regional da Universidade Federal de Mato Grosso; APMT: Arquivo Público do Estado de Mato Grosso.
  • 16. 6 como algumas pessoas mais idosas que possuem, em suas narrativas de vida, memórias muito expressivas herdadas de seus ancestrais o que, via de regra, fornece elementos importantes da trajetória social e política da comunidade como um todo. Utilizamos também dos relatos de algumas pessoas de destaque entre as famílias que migraram para as cidades de Cuiabá e Várzea Grande que guardam forte ligação com o Mata Cavalo e, também, lutam pela possibilidade de retorno ao lugar de onde vieram. Através dos relatos de vida e da recuperação das memórias das pessoas mais velhas que, de uma forma ou de outra, lutam pela legitimação da propriedade daquelas terras, será possível viabilizar a narrativa em torno da história da cadeia dominial, onde os atores utilizam-se da própria trama jurídica envolvida no processo litigioso para conquistar definitivamente suas terras. Em contrapartida, realizamos também entrevistas com pessoas mais jovens da comunidade do Mutuca (uma das associações que integram o complexo do Mata Cavalo) que se destacam no interior da comunidade por estarem sintonizadas com os movimentos de resistência e luta pela causa quilombola. Trabalhando com essas múltiplas memórias, presente e passado serão analisados, no afã da identificação dos elementos que permitirão questionar interpretações e visões de mundo, a partir das falas dos entrevistados e seus conseqüentes posicionamentos quanto à própria constituição do presente vivido no interior do Mata Cavalo. Obviamente, os relatos biográficos trazem consigo uma intencionalidade específica de quem procura dar sentido à sua narrativa, escolhendo e classificando os fatos do seu passado, que podem ou não apresentarem-se de forma cronológica. De acordo com Pierre Bourdieu, o relato propõe “acontecimentos que, sem terem se desenrolado sempre em sua estrita sucessão cronológica, tendem ou pretendem organizar-se em seqüências ordenadas segundo relações inteligíveis”.8 Não obstante, há que considerar-se que a história de vida e seus relatos podem conter sim, e isso não é pouco, descrições bastante coerentes das ações cotidianas de um determinado grupo, principalmente quando confrontadas com outras histórias de vida, delineando-se, por assim dizer, os fios condutores de uma realidade presente. Essa conjuntura constitui-se, no dizer de Verena Alberti, “histórias dentro da história”9. Em razão das impressões iniciais, e da análise dos depoimentos colhidos no decurso dessa pesquisa, podemos levantar uma questão explicativa do processo de constituição da 8 Bourdieu, Pierre. A ilusão biográfica. In: Ferreira, Marieta de Moraes; Amado, Janaína (coords.). Usos & abusos da história oral. Rio de Janeiro: FGV 1996. P. 184. 9 Alberti, Verena. Histórias dentro da história. IN: Pinsky, Carla Bassanezi (org.). Fontes históricas. – São Paulo: Contexto, 2005. P. 166.
  • 17. 7 identidade no Mata Cavalo, tendo como seus elementos principais a terra e a memória afro- referenciada, construída pelas vias do imaginário, no período em que os ancestrais do Mata Cavalo ainda se encontravam em cativeiro. Para além de local de subsistência, do conforto de uma moradia e a segurança do espaço de pertencimento, a terra, para os descendentes dos ex- escravos da Sesmaria Boa Vida, possui valores simbólicos plenos de subjetividades. Via de regra, constitui-se na fronteira entre o “nós” e os “outros”, possibilitando, na interface com a memória escrava, a edificação dos pilares de uma identidade singular: o ser negro e também quilombola. Essa constatação nos leva a trilhar caminhos de busca dos elementos que possibilitarão a escrita da narrativa proposta. Por fim, cabe referir que essa pesquisa pode ser identificada como “participante” em vista dos interesses pessoais e acadêmicos que consolidamos em torno do destino desta comunidade. As pessoas que se interessam pela história dos que se colocaram em posição antagônica na trama social aqui explorada – a saber, alguns fazendeiros da região - não encontrarão neste trabalho nenhuma forma de expressão a não ser aquelas que entraram, de alguma forma, no contexto da disputa litigiosa em questão. Importa frisar que nosso esforço historiográfico expande-se além do limite da simples especulação retórica de fatos ocorridos, pois sensibilizamo-nos pelas causas sociais ainda não resolvidas, e nesta vertente percebemos o movimento quilombola para além da necessidade de conquista de suas próprias terras, constituindo-se em reparação histórica aos desterrados pela violência da escravidão racial da era moderna. Nosso lugar da enunciação, em alusão a Michel de Certeau, de onde falamos e escrevemos, pode ser referido metaforicamente a partir dos terreiros da senzala da Sesmaria Boa Vida, privilegiando-se os interesses e anseios mais elementares daquela gente simples para as quais a terra é bem mais que possibilidade de trabalho, é vida. Feitas essas considerações de ordem metodológica, passaremos agora a descrever a forma escolhida para organizar essa dissertação. O propósito central do primeiro capítulo, denominado “A escravidão racial da era moderna”, é o estudo da própria escravidão enquanto objeto histórico. Para dar conta de nosso propósito utilizamos nesse capítulo prioritariamente da pesquisa bibliográfica. Através da contextualização da escravidão racial da era moderna, e tudo que ela trás de novidade e mudança para a própria modernidade ocidental, buscaremos os elementos constitutivos da cultura, bem como dos aspectos sociais do grupo aqui estudado. Isso se torna relevante na medida em que fornecem as bases teóricas, e também práticas, capazes de dotar de
  • 18. 8 racionalidade os processos distintos da formação da identidade negra no seio desta comunidade tradicional. Para entender quem são os homens, mulheres e crianças que constituem, nos dias atuais, o Mata Cavalo, torna-se imprescindível a análise dos processos que levaram o africano, em resposta à pressão do sistema escravocrata, a criar os mecanismos de defesa e, também, de sobrevivência dentro do universo marcado pela violência característica das relações senhor/escravo. O escravo foi considerado, equivocadamente, pelo senso comum e pela historiografia, que tradicionalmente trabalhou essa questão, como um simples objeto do sistema, um feixe de músculos pronto a impulsionar, de forma passiva e amorfa, as engrenagens do próprio sistema capitalista em boa parte do ocidente. De acordo com trabalhos historiográficos recentes10, o escravo localizou-se não nas extremidades dicotômicas reducionistas das relações entre opressor e oprimido, mas, sim na posição intermediária da negociação. Colocado no vértice e no limite da tensão, oriunda do próprio sistema que o aprisionou, os africanos na diáspora negociaram o seu modo de vida, o seu cotidiano, da melhor forma possível, resgatando sua dignidade e sua condição de sujeito de sua própria história. Por analogia a condição dos remanescentes do Mata Cavalo segue a mesma orientação. Pressionados duplamente pelo sistema que oprime e os colocam como objetos passivos de suas histórias, os descendentes dos escravos da Sesmaria Boa Vida criaram, com imaginação, as formas do seu viver tornando-se senhores de si mesmo. Neste processo de recuperação histórica, eles edificaram uma identidade singular em um cotidiano expressivo marcado pela herança ancestral africana, numa feliz combinação entre passado e presente, tradição e modernidade. No segundo capítulo, denominado “Terras cativas”, desenvolvemos uma análise mais aprofundada da questão agrária, envolvendo a disputa das terras no Mata Cavalo tendo por conseqüência o estado de conflito e de conflitividade, que perdura até aos dias atuais. A releitura da farta documentação disponível, relativa a essa comunidade, tais como relatórios produzidos pelo INTERMAT, pelo Ministério da Cultura, Fundação Cultural Palmares, inventários e testamentos diversos que se encontram no Arquivo Público do Estado de Mato Grosso, no NDHIR e de alguns documentos jurídicos11, permitirá a construção da narrativa histórica da questão agrária no Mata Cavalo. Essa documentação consiste no corpo principal 10 Conferir algumas das obras historiográficas que representam essa nova tendência na citação número 42, ainda neste capítulo. 11 Entre os documentos jurídicos destacamos: Informe ao X Congresso de Direito Agrário: Quilombos, produzido pelo defensor público José Orlando Muraro Silva; Ação Civil Pública empreendida pelo Ministério Público Federal contra a União, Fundação Palmares, INCRA e Carlos Campos Maciel.
  • 19. 9 na elaboração e reinterpretação desta questão, que por sua vez possibilitará uma análise mais abrangente quanto à própria história deste Quilombo. Em resposta às pressões impostas pelo estado litigioso, essa comunidade de remanescentes criou mecanismos próprios de defesa e auto-afirmação, através do cultivo da tradição que tem suas origens nas senzalas e da manutenção, via cultural, do universo simbólico que a identifica como descendentes de escravos. Cientes de sua condição fundamental de estar ocupando uma área que receberam a título de doação, os representantes dessa comunidade tradicional lutaram, como puderam, pela preservação de suas terras, local de subsistência, de memória e de auto-afirmação étnica específica. Uma terra quilombola. Sem dúvida, a questão subjetiva da identificação étnica, possibilitada pela memória da escravidão, possui peso e densidade relevantes no processo de manutenção das tradições ancestrais africanas, constituídas a partir dos relatos orais repassados de geração a geração no interior da comunidade. Toda uma memória específica, constituída no imaginário afro- descendente, é insistentemente preservada em prol da conservação dos elos de solidariedade do grupo permitindo assim, no limite, a própria existência do Mata Cavalo. Tendo a diáspora negra como pano de fundo, trataremos no terceiro capítulo denominado “Desiderato” dos processos de construção da identidade negra no interior desta comunidade. Confrontando a trajetória da luta pela posse da terra e a questão subjetiva da tradição ancestral afro-referenciada, constituída pelas vias do imaginário, tendo por testemunho os depoimentos dos integrantes do Mata Cavalo, será possível comprovar nossas afirmações acerca da formação desta identidade singular. Nesse contexto, mostraremos como as manifestações artísticas e culturais da comunidade constituem-se em reflexo do próprio movimento da diáspora negra, da forma como o entende Paul Gilroy em seu “Atlântico negro”. A terra como meio e fim, objetivo e destinação, o desiderato primordial, constitui-se, nas tramas de sua história, em local privilegiado da conformação da identidade negra, que por sua vez, juridicamente, permitirá a legitimação da sua propriedade, através da questão quilombola.
  • 20. 10 2. Capítulo 1 - ESCRAVIDÃO RACIAL DA ERA MODERNA Senhor Deus dos desgraçados! Dizei-me vós, Senhor Deus! Se é loucura... se é verdade tanto horror perante os céus?! Ó mar, por que não apagas co’a esponja de tuas vagas de teu manto este borrão?... Astros! Noites! Tempestades! Rolai das imensidades! Varrei os mares, tufão! (Navio Negreiro – Castro Alves) De acordo com a convenção sobre a escravatura assinada em Genebra, no dia 25 de setembro de 1926, e emendada pelo protocolo aberto à assinatura ou à aceitação na sede da Organização das Nações Unidas, realizada em 7 de Dezembro de 1953 na cidade de Nova York, em seu artigo primeiro, parágrafo primeiro: “A escravidão é o estado ou condição de um indivíduo sobre o qual se exercem, total ou parcialmente, os atributos do direito de propriedade”.12 Ainda tratando da mesma temática em seu parágrafo segundo do mesmo artigo: O tráfico de escravos compreende todo ato de captura, aquisição ou cessão de um indivíduo com o propósito de escravizá-lo; todo ato de aquisição de um escravo com o propósito de vendê-lo ou trocá-lo; todo ato de cessão, por meio de venda ou troca, de um escravo adquirido para ser vendido ou trocado; assim como em geral todo ato de comércio ou de transportes de escravos. 13 Paul Lovejoy aprofunda ainda mais esses conceitos ao apontar as características específicas da escravidão incluindo a idéia de que os escravos eram, em termos absolutos, uma propriedade, e que também: “ eram estrangeiros, alienados pela origem ou dos quais, por sanções judiciais ou outras, se retirara a herança social que lhes coubera ao nascer; que a coerção podia ser usada à vontade; que a sua força de trabalho estava à completa disposição 12 Em nossa qualificação fomos informados que as Convenções antes referidas são utilizadas como os instrumentos jurídicos mais antigos quando do trato da denominada escravidão contemporânea. Para maiores esclarecimentos acerca dos tratados relativos à escravidão negra vide: Tratados de paz de Paris de 1814 e 1815; Declarações do Congresso de Viena de 1815; Declaração de Verona de 1822; Tratados de 1831 e 1833 entre França e Inglaterra; Tratado de Londres de 1841; Tratado de Washington de 1862; Ato Geral da Conferência de Berlin de 1885 e o Ato Geral da Conferência de Bruxelas de 1890. 13 Disponível em: http://www.onu-brasil.org.br/doc_escravatura.php , acesso em 22 de Junho de 2010.
  • 21. 11 de um senhor”14. Uma observação mais acurada desses conceitos permite entender, de alguma forma, a transformação do africano escravizado em “coisa”, em mero “feixe de músculos” a serviço do regime que o oprime. Essa visão estereotipada do escravo como res, no limite, como um ser desprovido de história, contribui (isso não é pouco!) para a configuração atual da posição social dos negros no interior das sociedades contemporâneas. Pode-se, com relativa facilidade, relacionar os processos socioculturais excludentes a partir de premissas raciais - a racialização do negro, portanto, no interior de sociedades marcadas profundamente pelo predomínio e pela hegemonia das populações brancas – à própria construção, no âmbito da história, da condição do escravo como um mero instrumento de produção de bens capitalistas. No entanto, o que nos interessa aqui são, exatamente, as condições contrárias a esses conceitos. Atribuindo-lhe a condição de ator na história, como já afirmamos anteriormente, nos aproximamos da realidade cotidiana desse sujeito que se viu obrigado a construir sua vida em terras estrangeiras estigmatizadas pelo contexto violento da dominação. Compreender essa condição singular, marcada sempre pelo imperativo da negociação constante, é fundamental para o entendimento da cultura e da sociedade híbrida resultante dos movimentos da diáspora negra. No limite da expressão, não há como analisar a própria modernidade ocidental sem considerar os processos inerentes à escravidão racial da era moderna. Essa questão é altamente relevante, ao que nos interessa, na medida em que possibilita interpretar o mundo constituído pela comunidade do Mata Cavalo, ela mesma uma conseqüência do entrecruzamento entre o antigo e o moderno, a tradição e a mudança.15 2.1 Escravidão e modernidade Paul Gilroy, sociólogo e um dos expoentes do movimento negro mundial, ao focalizar a questão da modernidade a partir do convés dos navios negreiros, percebe o absurdo e a contradição nas vastas obras de intelectuais que tratam da modernidade sem, ao menos, considerar a hipótese da interação dos africanos escravizados com a formação do mundo capitalista, condição relevante à sua própria existência. Para ele, torna-se necessário um esforço no sentido de fazer com que a cultura e a história negras “sejam levadas a sério nos círculos acadêmicos, em lugar de serem atribuídas, via a idéia de relações raciais, à 14 Lovejoy, Paul E. A escravidão na África: uma história de suas transformações. Tradução Regina A. R. Bhering e Luiz Guilherme B. Chaves. – Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002. P. 29. 15 Cabe aqui referir que o conceito de mudança pode ser melhor compreendido tomando como pressuposto as investigações desenvolvidas por Bauman quando da referência acerca da “liquidez”da sociedade contemporânea.
  • 22. 12 sociologia, e, daí, abandonadas ao cemitério de elefantes no qual as questões políticas intratáveis vão aguardar seu falecimento”16. Esse autor ao buscar os elementos que possibilitem o rompimento dos diques, muito bem instalados na política cultural eurocêntrica nacionalista, que coloca o negro ora como não-humano ora como não-cidadão, procura os meios que possam ativar os códigos re- interpretativos da condição do negro na modernidade. Assim, a diáspora responde o debate e ancora o caráter híbrido meta-nacional17 da condição cultural desse negro: “sob a idéia-chave da diáspora, nós poderemos então ver não a raça, e sim formas geopolíticas e geo-culturais de vida que são resultantes da interação entre sistemas comunicativos e contextos que elas não só incorporam, mas também modificam e transcendem”18. Stuart Hall19 utiliza o conceito “diáspora negra” para explicar a experiência dos Africanos desterritorializados em função da escravidão racial. Afro-caribenho, vivendo em Londres, Hall entendeu sua condição de ser-no-mundo: conhecendo intimamente os dois lugares [Jamaica e Inglaterra] percebeu que na verdade não pertencia a nenhum deles, “e esta é exatamente a experiência diaspórica, longe o suficiente para experimentar o sentimento de exílio e perda, perto o suficiente para entender o enigma de uma chegada sempre adiada” 20. Esse autor aponta que “de uma forma curiosa, o pós-colonial prepara o indivíduo para viver uma relação pós-moderna ou diaspórica com a identidade”21. De acordo com Hall a experiência da diáspora origina-se na bíblia ao narrar a recuperação de uma terra ocupada por outros povos. No esforço de aproximação entre a diáspora bíblica e a diáspora negra ele aponta a experiência de sofrimento, exílio, cultura do livramento e da redenção como alguns dos seus fatores comuns. Essa condição explica, de alguma forma, porque os adeptos do 16 Gilroy, Paul, 1956. O Atlântico Negro: Modernidade e dupla consciência. São Paulo; Ed. 34; Rio de Janeiro: Universidade Cândido Mendes, Centro de Estudos Afro-Asiáticos, 2001. P. 40. 17 Acerca dessa denominação devemos referir que o autor aponta a possibilidade de identidades supra-nacionais, marcadas por caracteres resultantes da aproximação de diferentes traços, daí seu caráter hibrido. 18 Gilroy, Paul. Op. Cit. P. 25. 19 Esse jamaicano de classe média viveu as contradições culturais e sociais no contexto colonizado da Jamaica, uma sociedade marcada por políticas de branqueamento racial. Na sua infância foi chamado de “coolie” uma espécie de pária entre os seus, por ser de todos os membros de sua família o mais negro. Em 1951 mudou-se para a Inglaterra onde mais tarde filiou-se à “Nova Esquerda Inglesa”. 20 Hall, Stuart. Da diáspora: identidades e mediações culturais. Organização Liv Sovik; tradução Adelaine La Guardia Resende... [et. al.]. – Belo Horizonte: Ed. UFMG; Brasília: Representação da UNESCO no Brasil, 2003. P. 415. 21 Hall, Stuart. Op. Cit. P. 416.
  • 23. 13 Movimento Rastafári22 utilizam com freqüência a bíblia, pois ela “Conta a história de um povo no exílio dominado por um poder estrangeiro, distante de casa e do poder simbólico do mito redentor”23. Conforme conclusões desse autor, o que marcou definitivamente o rastafarianismo foi o fato de ter tornado definitivamente negra a Jamaica, descolonizando as mentes. “Como todos os movimentos, o rastafarianismo se representou como um retorno. Mas, aquilo a que ele nos retornou foi a nós mesmos. Ao fazê-lo produziu a África, novamente, na diáspora”24. A análise das estruturas políticas, sociais e culturais no interior das fazendas que utilizavam o regime de escravidão Plantation25 revela dados impressionantes de particularismos e concentração de poderes num regime fechado, longe dos olhos e do alcance das instituições estatais. Foi nesse ambiente que o terror racial se desenvolveu. Entretanto, foi também nesse espaço “permitido”26 que os escravos, absorvendo os elementos culturais da sociedade dominante, criaram mecanismos de defesa e auto-afirmação como forma de subsistência numa terra distante e desconhecida, recriando seu espaço primordial, analogamente pequenas porções da África reterritorializadas pelas vias da recordação. Expressando-se através do corpo os africanos, na diáspora, recriaram padrões estéticos que conformaram a própria noção de contracultura da modernidade. A música, um dos elementos culturais permitidos e/ou até incentivados pelos senhores da Plantation, expressando pensamentos e desejos inefáveis, colocava para os escravos um mundo idealizado, tal qual 22 Na década de 1960, excluídos do sistema capitalista, muitos Rastas procuraram formas de subsistência através da arte, entre elas o artesanato, esculpindo peças inspiradas em motivos africanos. Entretanto, onde a cultura Rasta desenvolveu-se, tanto na Jamaica quanto fora dela, foi na música, com o surgimento do Reggae, um estilo musical inovador . No começo o Reggae é o Ska, ritmado ao som de instrumentos metálicos que foram inspirados na Black music norte-americana. Mais tarde o Ska que ficara mais lento, originou o Rocksteady. Acrescido das percussões africanas e batidas da guitarra ao estilo Rock nos anos 1970 o antigo Rocksteady passa a denominar-se Reggae 23 Hall, Stuart. Op. Cit. P. 417. 24 Id Ibidem. 25 O conceito de plantation utilizado aqui refere-se às fazendas de monocultura do algodão encontradas no sul dos Estados Unidos no século XVIII e início do XIX, que utilizavam mão de obra escrava. 26 Utilizamos essas aspas para chamar a atenção do leitor para o fato da questão subjetiva intrínseca ao próprio termo por nós utilizado. O sentido de apropriação, como o entende Roger Chartier, explica bem toda dinâmica envolvida nos espaços controlados das senzalas, onde os escravos gozando de relativas e momentâneas liberdades expressavam seus modos de vida característicos, manifestando a resistência natural ao regime da escravidão através dos sincretismos religiosos, das manifestações culturais e lúdicas. Obviamente, as pequenas liberdades aconteciam em um nível elevado de negociação subliminar em resposta à necessidade sempre constante da utilização de meios para aliviar a pressão do próprio sistema. Esses recursos foram largamente utilizados pela elite escravocrata que também se viam obrigadas a negociar seus interesses. Desta forma, as concessões de privilégios colaboravam para a manutenção do próprio regime da escravidão. Por outro lado se os espaços de relativa liberdade lhes eram “permitido” isso ocorria também em função da pressão interna, de dentro da senzala para fora, tendo por conseqüência o medo sempre presente de revoltas ou sublevações incontroláveis. Considerado neste contexto o espaço “permitido” existe em função do espaço “negociado”.
  • 24. 14 gostariam que fosse, em oposição à realidade do vivido, fornecendo-lhes a necessária dose de coragem para prosseguirem suas vidas. Essa concepção utópica de um mundo perfeito, recriado ludicamente através da música, é denominada por Gilroy de “política de transfiguração” que enfatiza desejos novos no interior da comunidade racial. Segundo ele a política de transfiguração “Aponta especificamente para a formação de uma comunidade de necessidades e solidariedades, que é magicamente tornada audível na música em si e palpável nas relações sociais de sua utilidade e reprodução cultural”27. É notável o valor e a centralidade que a música e as manifestações artísticas possuem para a cultura e a sociedade no interior do Mata Cavalo. Elo espiritual importantíssimo, considerando-se a licença poética, a arte concentra o poder simbólico capaz de conformar parte da cultura e das estruturas sociais desta comunidade tradicional. Nas ocasiões festivas desta comunidade, arte e vida se misturam de forma a dotar de sentido as hierarquias de poder no seu interior. A evasão lúdica do mundo real constitui-se numa espécie de resistência ao presente opressor dilatando, poeticamente, as esperanças num amanhã glorioso. Obviamente, transitar no espaço “permitido” no interior das fazendas no regime da escravidão exige exercício laborioso de audácia e inteligência buscando no espaço do subliminar o escopo de suas ações. Desenvolvida debaixo do nariz dos senhores, os desejos utópicos que alimentam a política complementar da transfiguração, como espaços de transgressões, só podem tomar forma por meios mais sutis, situando-se em regiões de difícil acesso aos olhos de quem domina e oprime, pois: Essa política existe em uma freqüência mais baixa, onde é executada, dançada e encenada; além de cantada e decantada, pois as palavras, mesmo as palavras prolongadas por melisma e complementadas ou transformadas pelos gritos que ainda indicam o poder compíscuo do sublime escravo, jamais serão suficientes para comunicar seus direitos indizíveis à verdade. 28 Não se trata de um contra discurso, como o afirma Gilroy, mas sim de uma contracultura capaz de reconstruir, de forma desafiadora, sua própria genealogia crítica, intelectual e moral recriando seu espaço “permitido” numa esfera pública particular e pouco perceptível, porém totalmente dotada de singular personalidade. No centro dinâmico dessa 27 Gilroy, Paul. Op. Cit. P. 96. 28 Id Ibidem.
  • 25. 15 contracultura29 encontram-se as expressões artísticas da música negra, que embora não excluindo as desigualdades sociais sua ética bem estabelecida oferece as condições para o debate em torno das questões de dominação que determinam a sua própria existência. Conclusivamente, as expressões artísticas possibilitam meios plausíveis para a afirmação do indivíduo, bem como para a libertação da comunidade como um todo. “Poiésis e poética começam a coexistir em formas inéditas – literatura autobiográfica, maneiras criativas especiais e exclusivas de manipular a linguagem falada e, acima de tudo, a música. As três transbordaram os vasilhames que o estado-nação moderno forneceu a elas”30. A discussão do caráter poético da música negra, e sua notável influência na cultura e nas sociedades negras estabelecidas no movimento da diáspora, no entorno do oceano Atlântico, são importantes para o entendimento do universo negro aqui estudado, na medida em que fornece elementos teóricos explicativos de alguns aspectos da cultura e da comunidade do Mata Cavalo. Não precisa muito esforço para entender que, ao menos, boa parte das manifestações sócio-culturais percebidas no Mata Cavalo tem sua origem no período em que seus ancestrais ainda se encontravam no cativeiro. Obviamente, essas manifestações culturais sofreram, no curso da história, as influências externas nas zonas de contato, por assim dizer, com outras culturas. O que se percebe hoje é que as manifestações artísticas obedecem aos imperativos da conformação de identidades específicas recriadas no panelão da cultura afro-americana como um todo. Em Mato Grosso, assim como em inúmeras outras regiões do Brasil e do “Atlântico negro”, as manifestações artístico-culturais são resultantes do confronto direto entre povos africanos, europeus e ameríndios. De acordo com a pesquisadora Julieta de Andrade, o siriri “é uma suíte de danças de expressão hispano-lusitana, fortemente aculturada no ritmo e no andamento, com expressão africana”31. Uma dança que lembra os divertimentos indígenas, conforme nos aponta João 29 De acordo com a socióloga Marília Quentel Corrêa, “a contracultura é um movimento que tem seu auge na década de 60, quando teve lugar um estilo de mobilização e contestação sociais e com ele novos meios de comunicação em massa. Jovens inovando estilos, voltando-se mais para o anti-social aos olhos das famílias mais conservadoras, com um espírito mais libertário, resumindo como uma cultura alternativa ou cultura marginal, focada principalmente nas transformações da consciência, dos valores e do comportamento, na busca de outros espaços e novos canais de expressão para o indivíduo e pequenas realidades do cotidiano.” Ainda segundo sua análise “a contracultura pode ser definida como um ideário alternador que questiona valores centrais e vigentes instituídos na cultura ocidental”. Disponível em: http://estudossociologicos.blogspot.com/2009/06/contracultura.html acesso em 12 de Fevereiro de 2011. 30 Gilroy, Paul. Op. Cit. P. 100. 31 Ferreira, João Carlos Vicente. Mato Grosso e seus municípios. – Cuiabá: Secretaria de Estado da Educação, 2001. P. 210.
  • 26. 16 Carlos Vicente Ferreira, o siriri provavelmente tem sua origem na palavra “otiriri” no vocabulário da língua lusitana, na Portugal do século XVIII. Ou, como revela a crença popular, significa um tipo de formigão com asas. Um dos instrumentos utilizados na dança do siriri é o “mocho” ou “tamboril”, um banco revestido com couro de boi geralmente tocado por homens e cujos ritmos sincopados, provavelmente lembram os tambores largamente utilizados por diversas etnias e povos da África. Enfatizamos aqui o exemplo da expressão cultural do “siriri” para destacar a influência do encontro de culturas resultantes do movimento de colonização européia e da diáspora africana para a sociedade mato-grossense. O cururu, rasqueado, dança do congo, festa do Divino Espírito Santo, Cavalhada, dança dos mascarados, festa de São Benedito e a dança do chorado compõem o universo cultural desta região do Brasil que influencia diretamente o caldo de cultura da comunidade do Mata Cavalo. Importante frisar que essas expressões artísticas e culturais resultantes dos movimentos de diáspora no Atlântico negro, de alguma forma, influenciaram as culturas locais sendo por elas também influenciadas, como é o caso de algumas regiões do Estado de Mato Grosso notavelmente marcadas pela influência indígena e africana. Todo o movimento atual de ressignificação da tradição cultural no interior do Mata Cavalo sofre a influência direta de várias forças, que ora divergem ora convergem no bojo das profundas transformações da sociedade envolvente estigmatizada pela globalização. A seguir delinearemos algumas questões importantes acerca da modernidade e globalização para buscar os elementos com os quais será possível explicar, de alguma forma, o universo cultural da comunidade do Mata Cavalo no que respeita aos processos de construção da identidade negra e os esforços da afirmação enquanto grupo tradicional no interior de uma sociedade convulsionada e pós-moderna. 2.2 Escravidão racial: Uma contradição da modernidade É latente a necessidade de se repensar historiograficamente todas as periodizações simples do moderno e do pós-moderno, sob uma nova orientação que privilegie a história da escravidão racial enquanto elo importante na conformação do próprio conceito de modernidade. Tudo que se produziu, e diríamos até que se produz em termos de trabalhos historiográficos acerca desta temática desconsidera simplesmente a presença atuante, em escala nada desprezível, dos africanos na diáspora, salvo honrosas exceções. Se considerados, por exemplo, a porcentagem de afro-descendentes na população brasileira, cujas estimativas
  • 27. 17 apontam um índice superior a cinqüenta por cento, natural seria sua presença também no âmbito historiográfico. A escravidão racial da era moderna demanda, portanto, uma nova leitura despida de idéias eurocêntricas pré-concebidas, em prol de um nível mais elevado de entendimento da nossa sociedade atual. Essa questão primordial parece adormecida nos ânimos de pensadores ocidentais, embora o aparecimento de expressivos críticos que, exasperadamente, tentam dotar de significado suas vozes no interior de uma sociedade marcada por interesses difusos, em um mundo pressionado pela globalização. Zygmunt Bauman, em suas análises sociológicas, percebe as transformações sociais por que passam as sociedades atuais em conseqüência da globalização. Em sua obra Modernidade Líquida, publicada em 2001, observa o homem enquanto ator social em processo contínuo de individualização, tendo como agravante as mudanças nas suas formas de relacionamento e de percepção do mundo que o rodeia. Utilizando-se da metáfora “liquefação” consegue captar a dinâmica das mudanças socioculturais de um mundo reestruturado pela velocidade da comunicação e pela inversão dos valores éticos. No interior dessa sociedade convulsionada as instituições sociais, descritas como estados de solidez, obliteram-se acentuadamente desestruturando antigas formas de convivências humanas dos espaços familiares e do mundo do trabalho. Na nova conformação social o estado de fluidez e flexibilidade molda a plasticidade com a qual os indivíduos interagem com o meio envolvente. Nessa perspectiva, o estado de liquefação dos sólidos metaforicamente demarca o tempo da provisoriedade provocando a sensação de uma falsa liberdade, que traz em conseqüência o desconforto e o desamparo social. Subjetivamente, Bauman relaciona o desprendimento do homem, individualizado pela modernidade, das suas redes de pertencimento social e familiar, localizando-o num terreno movediço onde as estruturas do individual se sobrepõem às do coletivo. O estado de contínuo movimento em que o mundo se encontra, produz desequilíbrios e alarga o fosso que separa ricos de pobres. “Todos nós estamos, a contragosto, por desígnio ou à revelia, em movimento. Estamos em movimento mesmo que fisicamente estejamos imóveis.”32. Essa noção de movimento polariza a balança do poder aumentando a capacidade de operação dos que são globalizados, estendendo as fronteiras de seus domínios ao mesmo tempo em que aumentam o nível de exclusão social dos localizados. “Ser local num mundo 32 Bauman, Zygmunt. Globalização: as conseqüências humanas. Tradução Marcus Penchel. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1999. P. 8.
  • 28. 18 globalizado é sinal de privação e degradação social”33. Nesse contexto globalizado a mobilidade constitui-se na peça chave com a qual os privilegiados da sociedade combinam os fatores essenciais hegemônicos dominando o mundo dos negócios, das finanças, comércio e controle dos fluxos de informações. A falta da mobilidade estratégica, a redução à condição de “local” são os fatores que determinam a exclusão social de pobres no mundo contemporâneo promovendo um estado de insegurança e incertezas, sendo importante articular as dimensões do local e global como forma dos grupos sociais garantirem efetivamente a sua identidade num mundo cada vez mais marcado pela homogeneização. Por analogia, podemos comparar a condição da questão fundiária no Mata Cavalo com o universo conceitual criado por Baumam acerca da modernidade e das vantagens de quem possui a capacidade de estar em movimento, mobilizando as forças no jogo do poder a seu favor, como bem o perceberam os movimentos sociais. Inicialmente, trata-se da verificação de condições muito simples de manipulação do poder realizada pela elite composta por fazendeiros no confronto com os remanescentes do Mata Cavalo, visando à legitimação das terras em litígio. De forma resumida, a questão gira em torno da capacidade de se mover entre signos e códigos jurídicos visando manobras políticas, nem sempre lícitas, que possibilitam momentaneamente alterar a realidade no que respeita aos processos de titulação de terras naquela região. Essa condição privilegiada demanda certo grau de escolaridade e capacidade de influenciar os meios onde localizam-se as estruturas de poder, tais como cartórios de registros e até mesmo alguns setores representativos da força política e também policial. Não precisa muito esforço para entender que esse não é o caso dessa comunidade, composta em sua maioria por gente simples, acostumada à vida no campo, fator que originou, na maioria das vezes, uma postura pacífica frente a uma realidade incomum no confronto entre esses e os fazendeiros envolvidos naquela disputa. Como veremos nos capítulos subseqüentes, esses remanescentes, salvo algumas exceções, encontravam-se relativamente isolados em seu próprio território, estando, em função do baixo nível de conhecimento acerca das questões jurídicas, entregues à própria sorte. Objetivamente, o estado de incertezas percebido por Bauman constitui-se em um problema a mais na configuração social e cultural das comunidades negras trans-atlânticas, embora, de acordo com o pensamento de Paul Gilroy, não representar o cerne da questão aqui 33 Id. Ibidem.
  • 29. 19 discutida. Agravante sim, mas não determinante no contexto histórico mais amplo que estuda e analisa a modernidade sob a ótica da escravidão racial. Gilroy alerta para a questão de que “tanto os defensores como os críticos da modernidade parecem não atentar para o fato de que a história e a cultura expressivas da diáspora africana, a prática da escravidão racial ou as narrativas de conquista imperial européia podem exigir que todas as periodizações simples do moderno e do pós-moderno sejam drasticamente repensadas”34. Argumentando sobre o impacto violento da escravidão racial na sociedade marcada pela modernidade, Gilroy afirma que uma parte muito expressiva da novidade que representa o pós-moderno se oblitera, se desfaz, quando analisada sob a ótica da luz histórica inexorável que representou os encontros entre europeus e aqueles que eles conquistaram, mataram e escravizaram, de uma forma brutal e inconseqüente. Daí a importância da periodização do moderno e do pós-moderno para a história do negro no ocidente e da sua narrativa histórica das relações de dominação e subordinação entre povos da Europa e o resto do mundo. Assim, a periodização “é essencial para nossa compreensão da categoria de ‘raça’ em si mesma e da gênese do desenvolvimento das formas sucessivas da ideologia racista. É pertinente acima de tudo, na elaboração de uma interpretação das origens e da evolução da política negra.”35. Gilroy se preocupa com a evolução do racismo científico para formas culturais novas, um tipo mais complexo de racismo gestado no pós-guerra, em lugar da hierarquia biológica simples tratada pela cientificidade do século da razão. Para ele o racismo científico, propugnado em meados do século XIX, foi o produto intelectual mais durável da modernidade. Como vimos, a questão da dominação racial e suas conseqüências não faz parte da agenda de debates da modernidade. Em seu lugar, afirma ele, aparece uma modernidade inocente que discute a vida feliz pós-iluminista em Paris, Berlim ou Londres. Esses lugares europeus são prontamente purgados de qualquer traço dos povos sem história, cujas vidas degredadas poderiam levantar questões incômodas sobre os limites do humanismo burguês. A famosa pergunta de Montesquieu ‘como pode alguém ser persa?’ permanece obstinada e deliberadamente sem resposta. 36. 34 Gilroy, Paul. Op. Cit. P. 103. 35 Gilroy, Paul. Op. Cit. P. 106. 36 Gilroy, Paul. Op. Cit. P. 107.
  • 30. 20 Um fator que explica a atmosfera conflituosa na região compreendida pela comunidade do Mata Cavalo, sem dúvida, é a questão da racialização e tudo que ela trás de problemas inerentes aos processos do estranhamento em relação ao “outro”, à alteridade. Sob esse prisma, a pergunta de Montesquieu certamente não encontrará resposta satisfatória, constituindo mesmo talvez uma impossibilidade. Apesar de estarem na região há quase um século e meio, os remanescentes desta comunidade são vistos como os outros, os estrangeiros e em certo nível até como “exóticos”. Essa condição singular, que foi percebida por Stuart Hall com relação às comunidades na diáspora, é fundamental para o entendimento dos processos de edificação da própria identidade em seus interiores. Numa visão um pouco simplista das formulações deste pensador, quando saímos de nosso lugar de origem, perdemos a condição do retorno a ele ao mesmo tempo em que no local de destino somos considerados estrangeiros.37 Apanágio dos tempos pós-modernos, em função dos intensos movimentos migratórios, a identidade nesta condição única só poderia ser constantemente conformada pelas vias do conceito da diáspora. Desterritorializados de seus lugares de origem os remanescentes do Mata Cavalo recriaram, na diáspora, o seu território conformando-o como uma territorialidade única clivada pela tradição herdada de seus ancestrais. Isso explica o alto valor simbólico que a terra possui para essa comunidade, para além de simples lugar de recolhimento e subsistência, o que ocorre também com outras populações tradicionais. Numa consideração minimalista constitui-se como lugar de fronteira entre o “eu” e o “outro”. Jürgen Habermas, filósofo, eminente representante da Escola de Frankfurt e assistente do também filósofo e sociólogo Theodor Adorno, em suas obras, foi hábil defensor do potencial democrático da modernidade. No entanto Habermas não atenta para o fato de que os ideais iluministas não consideravam a questão da raça, central no pensamento de Gilroy em cujos conceitos acerca da escravidão racial destaca-se uma profunda contradição: “Há uma tênue percepção, por exemplo, de que a universalidade e a racionalidade da Europa e da América iluminista foram usadas mais para sustentar e transplantar do que para erradicar uma ordem de diferença racial herdada da era pré-moderna.”38. Como vimos, os pensadores da modernidade em sua grande maioria não observaram, em suas numerosas formulações, a importante questão da escravidão racial como um dos elementos que a constituem e lhe 37 Durante nossa qualificação fomos questionados acerca da afirmação referida. Naquela oportunidade a avaliadora destacou que essa afirmação não pode ser extensiva a todos os grupos sociais, em especial levando-se em conta a denominada ‘diáspora gaucha’ no norte de Mato Grosso, ainda que para o contexto de investigação dessa pesquisa essa afirmação seja procedente. 38 Gilroy, Paul. Op. Cit. P. 114.
  • 31. 21 conferem sua condição privilegiada nas vias das grandes inovações do mundo pós-guerras. Desta forma, contribuem com os continuísmos históricos, presentes nas políticas sócio- culturais, capazes de fazer sombra à importante movimentação das comunidades negras ao mesmo tempo em que legitima as relações de poder no seu interior. Na região onde se encontra a comunidade do Mata Cavalo, são visíveis as práticas racistas principalmente se considerarmos que aquelas terras constituem objeto de disputa entre ela e alguns fazendeiros que ali se instalaram ao longo do tempo. Obviamente, o contexto violento do litígio acrescenta um elemento de instabilidade a mais nas complexas relações sociais entre os remanescentes e representantes da sociedade circunvizinha. Em resposta às pressões do meio envolvente, alguns membros dessa comunidade tradicional, principalmente aqueles ligados à comunidade do Mutuca, empenham-se na participação dos movimentos negros na região e também no país. Cientes de sua condição singular, procuram da melhor forma possível edificar o seu espaço como um território de negros, um local decantado pela história como remanescentes de quilombo. Conectados à vanguarda desses movimentos negros integram-se, de alguma forma, ao mundo do “Atlântico negro” e tudo que ele representa de possibilidades e afirmação no interior da sociedade globalizada, pelas vias da valorização da negritude. Portanto, embora presos à sua condição econômica, social e política enquanto “locais” conseguem ideologicamente transitar por algumas esferas delimitadas pelo mundo globalizado. Essa condição representa certo avanço, mas não modifica substancialmente o status quo desta comunidade tradicional que luta, cotidianamente, por sua própria sobrevivência enquanto tal. Na verdade, apesar da integração de alguns segmentos da comunidade do Mata Cavalo aos movimentos negros globalizados, a realidade do cotidiano no seu interior é marcado pela política de continuísmos históricos colaborando para a manutenção das estruturas de poder vigente, como aponta Gilroy. Isso reforça, sobremaneira, a necessidade de se protegerem em uma comunidade estruturada fortemente nos imperativos da tradição e do modo de vida comunal, que por sua vez alimenta os elos de solidariedade entre os membros do grupo, ainda que existam no seu interior, coletividades que tenham outra perspectiva acerca de sua inserção no mundo. Esse é exatamente o grande desafio a ser enfrentado pela comunidade como um todo: como manter a tradição e as práticas sócio-culturais, arraigadas num período de longa duração, em um mundo marcado por instabilidade, insegurança e profundamente estigmatizado pela globalização?
  • 32. 22 Paul Gilroy utiliza-se da obra e do pensamento de Frederick Douglass, intelectual e ativista político em meados do século XIX, um forte candidato a ser o pai do “nacionalismo negro”, pois entre grandes expressões do universo de pensadores do Atlântico negro [tais como: Martin Delany, Edward Wilmot Blyden e Alexander Crummell] foi o único marcado por sua condição de ex-escravo, fator que lhe confere uma posição privilegiada no estudo da escravidão. Em sua complexa relação com a modernidade, evocava o iluminismo maior que supostamente traria um pouco de luz para a escuridão ética da escravidão. Para ele a Plantation escravista era marcada pelo arcaísmo e por sua condição anti-modernista. Gilroy cita uma passagem de Douglass na sua clássica obra My bondage and my freedom (Minha escravidão e minha liberdade), “[...] A Plantation é uma pequena nação em si mesma, tendo seu idioma próprio, suas regras, regulamentos e costumes. As leis e instituições do Estado aparentemente não a afetam em parte alguma. As dificuldades que surgem aqui não são resolvidas pelo poder civil do Estado”39. Reiteradamente, Douglass entendia a Plantation escravista como uma própria antinomia da modernidade, um sistema atrasado, pré-capitalista e comparável às relações de trabalho pré-modernas da Europa feudal. Ele ia mais além ao afirmar que, junto ao cristianismo que não fez outra coisa senão servir à causa burguesa, com seus aparatos ideológicos da sujeição escrava, a Plantation significava estagnação, quando não recuo, que encerrava a civilização na parte externa do mundo iluminista. Considerando-se o panorama político e social na arena de conflito entre a comunidade do Mata Cavalo e seus opositores, o pensamento de Frederick Douglass continua muito atual. Comparando a Plantation escravista, do Sul dos Estados Unidos da América, com seu arcaísmo das relações de trabalho e a política “coronelesca”, característica do Brasil do final do século XIX e boa parte do século XX, encontramos, sem muito esforço, os resquícios dos sistemas de dominação concentrado na idéia da superioridade da raça40 branca. A política dos coronéis, o paternalismo às avessas, a estigmatização do negro em coisa e a facilidade com que as elites dominantes lançam mão de subterfúgios, muitas vezes de forma ilícita, evidenciam um problema ainda não resolvido ao mesmo tempo em que revela a herança de 39 Gilroy, Paul. Op. Cit. P. 49. 40 Utilizamos aqui o conceito de superioridade da raça branca para referenciar práticas ainda arraigadas na mentalidade política de nossa sociedade de forma coletiva. Embora estudos recentes nas áreas das ciências biológicas afirmarem sua inexistência comprovada em laboratório, a questão da racialização ainda é um problema não resolvido. Através desse prisma não faz o menor sentido fingir que essa delicada questão já não faz parte da nossa agenda de debates acadêmicos. Enquanto persistir na prática os processos de racialização e suas nefastas conseqüências para as comunidades negras torna-se eticamente relevante a manutenção dos esforços em torno de sua resolução, principalmente nos meios intelectuais em nossa sociedade.
  • 33. 23 mais de três séculos de escravidão racial no Brasil. Apesar dos aparentes avanços nas relações sociais entre negros e brancos em nossa sociedade, o que se verifica na prática, nessas mesmas relações, entre as comunidades do Mata Cavalo e seus vizinhos é uma realidade profundamente marcada por antagonismos e interesses difusos. Nessa delicada teia de relações sociais, o preconceito racial determina o ritmo e a dinâmica turbulenta do convívio, sempre difícil, de ambas as partes. Certamente, o interesse econômico envolvido na disputa da terra explica, mantidas as devidas proporções, o contexto de instabilidade política naquela região, mas não constitui a peça chave capaz de elucidar os problemas resultantes da dificuldade na aceitação da alteridade, do diferente, do outro. Tanto nos Estados Unidos da América, como aponta Douglass, como aqui, os ideais do iluminismo não consideraram a posição dos negros africanos, cujo trabalho e herança cultural contribuíram inexoravelmente para a constituição da própria modernidade ocidental. 2.3 Escravidão no Brasil Na palestra de abertura do I Simpósio Internacional de Estudos sobre a Escravidão Africana no Brasil, realizada em Junho de 2010 na cidade de Natal – RN, Luis Felipe de Alencastro, cientista político e historiador, professor titular da cátedra de História do Brasil da Universidade de Paris IV Sorbonne, alerta para a defasagem dos estudos da história atlântica que atribui pouco valor à história do Atlântico Sul. De acordo com suas formulações, esse silêncio na produção historiográfica escamoteia, parcialmente, a própria história do Brasil no que se refere aos movimentos de migração forçada de africanos às terras brasileiras. Os dados estatísticos divulgados pelo IPEA em 2010 confirmam o caráter da colonização africana no Brasil, ao revelar que mais da metade da população brasileira é afro descendente. Outros pesquisadores apontam defasagens ainda mais amplas que denotam silêncios quanto à história da escravidão no interior da própria história da humanidade, como é o caso de Mary Del Priore. Priore, no prefácio à primeira edição de “Escravidão e Universo Cultural na Colônia: Minas Gerais, 1716-1789” de Eduardo França Paiva, publicada pela Editora UFMG em 2001, utiliza-se com muita propriedade da metáfora do “buraco negro” para descrever o vazio na história da humanidade em função da escravidão racial moderna, uma história ainda não resolvida, um devir à espera de reparações e resgates. Ainda segundo ela, no bojo das
  • 34. 24 transformações provocadas pelas comemorações em torno do Centenário da Abolição, trabalhos inéditos caminham no sentido de resgatar nossa dívida histórica aos africanos que ajudaram a construir a imensa nação brasileira. A idéia do africano escravizado desprovido de qualquer conhecimento e de capacidade intelectual, totalmente impregnado por crendices e costumes degenerados, foi cultivada com muito esmero na memória coletiva do Brasil Colônia e seus efeitos ainda se fazem presentes nos dias atuais. Conforme Paiva esta “é uma marca facilmente identificável em práticas e representações culturais corriqueiras e, até mesmo, nos mais recentes programas curriculares de História, desde o ensino fundamental até os cursos de graduação universitária e de pós-graduação”.41 Posicionando-se em terreno favorável, alguns setores da historiografia brasileira contemporânea, que trabalham com a questão da escravidão racial da era moderna, privilegiam não mais os dualismos de natureza reducionista, antagonismos que opunham à África bárbara a “civilização” da Europa iluminista, mas sim, os esforços no resgate do cotidiano de homens e mulheres que, vivendo no limite entre cativeiro e liberdade construíram imaginativamente seus modos de vidas peculiares. Fluxos e refluxos de suas historias, os dois lados de uma mesma moeda, entendimento e negociação. (Vide citação 42). Como temos enfaticamente insistido ao longo deste capítulo, as relações sociais e culturais da comunidade do Mata Cavalo com seus vizinhos próximos e também com os habitantes das cidades no seu entorno são marcadas por antagonismos e idéias preconcebidas por parte de quem enxerga os remanescentes como “outros”, “exóticos”, “diferentes”. Conforme Paiva esta é uma característica de fácil identificação no caldo de cultura originado no panelão do Brasil Colônia, estando, pois, profundamente arraigado na mentalidade coletiva como um todo. Essa questão nodal possibilita o entendimento dessas complicadas relações, não só no âmbito da comunidade aqui estudada, mas também no que se refere às comunidades negras em geral. No entanto, de acordo com a nova tendência da historiografia que trata da escravidão racial da era moderna, uma nova linha de pensamento desenvolve-se com grande expressão, resgatando a dignidade do negro como ator de sua própria história42. No Mata Cavalo, observamos o esforço sempre contínuo na manutenção de uma tradição afro- 41 Paiva, Eduardo França. Escravidão e universo cultural na colônia: Minas Gerais, 1716-1789. – Belo Horizonte: Editora UFMG, 2001. p. 218. 42 Entre os representantes dessa nova tendência historiográfica destaca-se: Eduardo França Paiva (Bateias, carumbés, tabuleiros: mineração africana e mestiçagens no novo mundo); Luíza Rios Ricci Volpato (Cativos do sertão: vida cotidiana e escravidão em Cuiabá: 1850/1888); Robert Slenes (Família escrava e trabalho); Manolo Florentino (A paz das senzalas: Famílias escravas e tráfico atlântico, Rio de Janeiro: 1790/1850); Eduardo Silva e João José Reis (Negociação e conflito: A resistência negra no Brasil escravista).
  • 35. 25 referenciada, através do culto à memória ancestral herdada das senzalas o que, de forma bastante intensa, recupera a posição de seus integrantes como sujeitos ativos frente à suas próprias histórias. Como veremos a seguir, os descendentes de africanos no Brasil negociaram da melhor forma possível os seus modos de vida. Na seqüência da investigação, buscaremos os elementos que corroboram com a idéia central, proposta inicialmente, nos caminhos de construção da identidade negra, tendo como parâmetro a memória escrava e, substancialmente, o valor da terra, como meio e fim de todo processo. Para tanto, torna-se necessário entender como se processou, ao longo da história dos afro-descendentes na diáspora em terras brasileiras, os caminhos de uma identidade negra específica, conformando aspectos sócio-culturais relevantes às comunidades tradicionais que se formaram deste lado do Atlântico. Segundo Florentino “[...] 40% dos quase 10 milhões de africanos importados pelas Américas desembarcaram em portos brasileiros”43. Não constitui grande problema identificar no fluxo contínuo externo da oferta de mão de obra escrava barata a própria permanência do sistema escravista. Não podemos desconsiderar os cálculos econômicos da empresa colonial, que certamente faziam parte das preocupações de todos que se envolveram de alguma forma no rentável negócio da escravidão. Certamente, os comerciantes da empresa escravista colonial perceberam que à reprodução física dos homens correspondia, na escala dos cálculos econômicos, a reprodução da própria oferta de mão de obra e da força disponível para o trabalho. Analisando a empresa escravista sob esse prisma, Florentino assevera que nos momentos de expansão dessa economia verificava-se a necessidade de ampliação do plantel de escravos: “Ao aumento do volume das exportações de produtos tropicais correspondia o da importação de mercadorias muito especiais – os homens”.44 Afastando-se da questão da ética e do politicamente correto, o comércio e a utilização do escravo africano condicionou-se à própria lógica do mercado e do capital. Por um lado o baixo preço da mercadoria em si – o africano escravizado – permitia o contínuo fluxo de reabastecimento da mão de obra requerida, ao mesmo tempo em que alimentava o vetor principal dessa economia: o próprio tráfico. Uma lógica perversa. Isso explica as condições insalubres a que os escravos eram submetidos, ao menos no longo período compreendido entre o início da empresa escravista e meados do 43 Florentino, Manolo. Em costas negras: uma história do tráfico de escravos entre a África e o Rio de Janeiro: séculos XVIII e XIX. – São Paulo: Companhia das Letras, 1997. P. 23. 44 Florentino, Manolo. Op. Cit. P. 24.
  • 36. 26 século XIX com o recrudescimento em torno das campanhas abolicionistas. Não havia, aparentemente, uma grande preocupação na manutenção da longevidade da escravaria, como explica Florentino: “Mas a alta mortalidade escrava daí derivada tramaria para a constância da incapacidade colonial em suprir, internamente, de braços as empresas exportadoras. Desse ponto de vista, a perenidade do comércio de almas deveria remeter paradoxalmente, ao próprio tráfico.”45 Conclui-se, portanto, que a mão de obra indígena só foi substituída pela do africano devido à perspectiva da alta lucratividade que o tráfico negreiro propiciaria à economia colonial, como já o afirmava Fernando Novais na sua obra “Portugal e Brasil na crise do antigo sistema colonial” publicada em 1983. De fato, como percebe Florentino o comércio de escravos africanos firmou-se “como um dos mais importantes setores de acumulação para o capital comercial europeu”.46 Essa lógica capitalista desarticula alguns conceitos cristalizados na historiografia, tais como o da inadaptação do índio à cultura da lavoura, por um lado, e a suposta necessidade de se povoar o Novo Mundo, por outro. Não que não fosse necessário tal povoamento se considerada as questões de ordem geopolítica de ocupação das colônias, no contexto das conquistas de além-mar. Discute-se, nesse momento, o motivo da preferência pela mão de obra do africano escravizado. Quaisquer outras formas de trabalho se não a compulsória também não interessava à Metrópole “pois não impediriam a dispersão dos recursos coloniais na produção para a subsistência, possibilidade real caso o trabalho fosse livre (do europeu ou de qualquer outro).”47 O peso da economia do tráfico e sua dinâmica comercial explicam como, apesar da oposição do maior império europeu da época, foi possível a manutenção e a sobrevivência do comércio transatlântico de escravos até o ano de 1830 oficialmente e, de acordo com Florentino “de maneira ilegal até meados do século XIX”.48 No entanto, para esse período de eminente crise do sistema escravocrata no Brasil, o valor do escravo alcançou índices elevados desestabilizando a relação custo/benefício para o senhoriato que necessitava da sua mão de obra. Com a supervalorização do preço do escravo, a sua possível perda por morte ou qualquer outro motivo significava prejuízos imensos, o que levou os empresários escravistas a utilizarem de seguros contra morte, como comprova a apólice de seguro nº 5032 que favorecia 45 Florentino, Manolo. Op. Cit. P. 25. 46 Florentino, Manolo. Op. Cit. P. 26. 47 Florentino, Manolo. Op. Cit. P. 72. 48 Florentino, Manolo. Op. Cit. P. 211.
  • 37. 27 o Sr. Antonio Joaquim Pereira Borges, encontrada no acervo documental da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.49 (Vide anexos). Essa apólice de seguro revela dados impressionantes acerca das práticas comerciais relativas à escravidão na cidade do Rio de Janeiro. Possivelmente a empresa seguradora dedicava-se com exclusividade ao ramo de seguros de escravos conforme atesta o seu próprio nome “Companhia Mútua de Seguro de Vida dos Escravos”. O número 2920 referente a esse segurado revela uma grande demanda por esse tipo de operação financeira. Isto significa que quase três mil escravos já haviam sido segurados por essa empresa até a data de assinatura da referida apólice, 6 de agosto de 1860. O valor do seguro a ser pago por ocasião da morte do escravo segurado ultrapassa a cifra de um conto de reis, um valor considerável se comparado a outros bens nesse período histórico. Segundo se pode apurar em documentos de inventários datados de 1851, Eduardo Campos apontou o valor de 360 mil reis referente a 30 vacas, 35 mil reis atribuídos a um cavalo castanho novo e 150 mil reis por uma escrava mulata com idade de 50 anos50. Confrontando esses dados, o valor do premio do seguro estipulado em mais de hum conto de reis equivaleria ao preço de 86 vacas, uma cifra sem dúvida nenhuma considerável. Obviamente, esses números revelam o alto valor que a mercadoria representada pelo africano escravizado alcançou na segunda metade do século XIX, em decorrência das pressões em torno das políticas abolicionistas e a conseqüente redução da oferta e disponibilidade dessa mão de obra. O que mais chama a atenção nesse documento são os “silêncios” que demandam uma leitura mais atenciosa de suas “entrelinhas”. O artigo 22 da regulamentação constante no anexo desta apólice de seguro, intitulada “Condições extrahidas dos estatutos”, é particularmente emblemático revelando práticas de resistência por parte dos escravos ao regime da escravidão racial. Segundo o artigo, “A companhia se responsabiliza por qualquer gênero de morte, menos a que resultar de sevícias ou suicídio, quando este for originado por acto forçado, castigo bárbaro ou tortura por parte do segurado”. Por um lado, 49 Para maiores detalhes, conferir a cópia do original da referida apólice de seguro, que se encontra nos anexos desta dissertação. 50 De acordo com o inventário e partilha de bens dos falecidos Capitão Manoel Maria de Oliveira Bastos e sua mulher Joana Joaquina Caídas na cidade de Saboeiro (Ceará), em 3 de janeiro de 1851, documento número 80 do Arquivo Público do Estado do Ceará, levantado pelo pesquisador Eduardo Campos, em sua obra “Revelações: da condição de vida dos cativos do ceará”. Disponível em: http://www.eduardocampos.jor.br/_livros/e27.pdf , acesso em 30 de Junho de 2010.
  • 38. 28 está bastante clara a preocupação geral na preservação da integridade do escravo num contexto diferente dos séculos anteriores, onde o preço muito inferior e a oferta abundante possibilitava sua substituição sem maiores dificuldades. Por outro lado, o simples fato desse artigo existir em uma apólice de seguro da época pressupõe que o suicídio do escravo ocorria em quantidade tal que justificava a própria ressalva no pagamento do prêmio do seguro. Segundo pesquisas de Oda e Oliveira o suicídio entre escravos constituía uma forma de resistência ao regime da escravidão.51 De acordo com eles, foi a partir dos relatos de viajantes estrangeiros no Brasil que essas práticas tornaram-se conhecidas apontando um alto índice de suicídios entre os cativos, normalmente relacionados a fatores de ordem psicológica, tal como o banzo – uma forma passiva de suicídio verificada na recusa de alimentos e profundo abatimento provocado por tristeza e melancolia. Segundo dados estatísticos levantados durante essa pesquisa: No período entre 1847-1882, entre as 295 ocorrências em que se pôde saber a condição do suicida, 160 (54,2%) foram de escravos e 9 (3%) de libertos, sendo os restantes 131 (44,4%) de pessoas livres. Se reagruparmos os dados, veremos que no período compreendido entre os anos de 1847 e 1860, os escravos (134) constituem a maior parte do total de suicidas (222), ou seja 60,4%. Esses números não podem ser desprezados, pois evidencia no limite da tensão uma trágica forma de negociação centrada no próprio conflito, características intrínsecas da contrapartida ao regime, a resistência em sua fórmula mais nua. Pensando em termos de negociações, torna-se relevante desfazer a imagem, que se pretende naturalizada, do escravo enquanto suicida. O artifício do suicídio não era a regra, mas sim a exceção, uma resultante, elevada ao extremo, do próprio fim da possibilidade de negociação. No contexto das relações entre escravos e senhores predominavam os imperativos da conformação à uma nova ordem, sob a perspectiva do africano que se viu obrigado a viver no contexto da diáspora, em terras estrangeiras, distantes de casa e de suas próprias culturas. Negociar significava viver no espaço do possível. No decorrer da longa experiência histórica da escravidão racial no Brasil, uma forma dicotômica de relacionamento sintetizou-se na mentalidade coletiva: “De um lado, Zumbí de Palmares, a ira sagrada, o treme-terra; de outro, Pai João, a submissão 51 Dados provenientes da apresentação de trabalho de pesquisas ao 3º. Encontro Escravidão e liberdade no Brasil Meridional, realizado de 2 a 4 de maio de 2007 na Universidade Federal de Santa Catarina, sob o título: “Registros de suicídios entre escravos em São Paulo e na Bahia (1847 – 1888): notas de pesquisas”, realizadas por Ana Maria Galdini, Raimundo Oda e Saulo Veiga Oliveira.