Posse e conflito pela terra em Jauru-MT: 1980-1990
1. “Posse e conflito pela terra em
Jauru – MT: 1980-1990”
(Análise do texto de José Carlos Leite, IN: Barrozo, João
Carlos (org). Mato Grosso: do sonho à utopia da terra.
´Cuiabá: EdUFMT/Carlini & Caniato Editorial, 2008. pp.
231-260)
Apresentado por:
Prof. silvânio
barcelos
2. Município de JAURÚ
Mesorregião Sudoeste Mato-Grossense
Microrregião Jaurú
Região metropolitana Cáceres
Municípios limítrofes Ao norte:
Barra do Bugres, ao Sul: Porto Esperidião, a
Leste: Figueirópolis d'Oeste, Indiavaí e
Araputanga e, a Oeste:
Vale de São Domingos e Pontes e Lacerda
Distância até a capital 420 quilômetros
3. Características geográficas
Conforme estimativas do IBGE em 2008
Área 1.217,480 km²
População 10.972 hab.
Densidade 8,9 hab./km²
Altitude 450 metros
Clima Tropical subúmido
4. Breve histórico
O nome Jauru é referência ao rio do mesmo nome que percorre o município no
sentido nordeste/sudeste.
Em 1953, Francisco Ângelo Montalar e outros membros da família adquiriram terras e
instalaram-se na região. Estas terras foram divididas em quatro glebas. Uma das
partes formou a área urbana nomeada de Gleba Paulista, posteriormente alterada
para Cidade de Deus e mais tarde Jauru. Em 1979 é criado oficialmente o município
de Jauru pela Lei Estadual nº 4.164.
A igreja teve especial participação no desenvolvimento do município, através
da atuação dos padres José Riva e Nazareno Lanciotte.
Possui várias usinas hidrelétricas localizadas no rio Jauru, sendo que na época da
construção dessas usinas foi construído uma pista de pouso asfaltada em parceria
com os órgãos governamentais do município e estado.
O acesso à cidade pode ser feito por diversas rodovias estaduais e municipais. As
principais são: MT-250 (pavimentada, ligando Jauru à Figueirópolis D'Oeste), MT-248
(não-pavimentada, ligando Jauru à BR-174), MT-247 (não-pavimentada, ligando
Jauru ao Vale do São Domingos) e MT-388 (não-pavimentada, ligando Jauru ao
distrito de Lucialva).
10. Posse e conflito pela terra em Jauru-MT: 1980-
1990
- Durante a década de 80 do século XX, na região Sudoeste de Mato
Grosso (as microrregiões do Alto Guaporé e Jauru) houveram vários
conflitos ocasionados pela posse da terra.
- Agropecuária Mirassol, localizada no município de Jauru, entre a BR-
174 e a sede do município, este espaço foi palco dos conflitos que
envolveram, de um lado, produtores familiares (posseiros) e, do outro,
agentes armados a serviço da empresa (jagunços), e policiais estaduais
que foram acionados pela Agropecuária, no início dos anos 80.
- A Agropecuária Mirassol, possuía uma vistosa sede, na altura do km
180, ao lado da BR-174, próximo à sede havia casas utilizadas pelos
proprietários, pelos empregados ligados à administração e pelos
trabalhadores braçais, uma pista de pouso, currais e galpões. Seu
território compreendia cerca de 30.000 ha.
11. Características físicas e utilização do
espaço pela Agropecuária Mirassol
80 % era coberto de mata, 10 % de cerrado, 10 % de campo
Recursos hídricos: Não há nenhum rio, mas existem inúmeros
córregos; os mais conhecidos são Bagre ( cerca de 25 km ) Buriti (22
km ) Salvação ( 13 km ).
7.750 ha formado com capim colonião e braquiária.
60 ha, que estavam sendo cultivado com lavouras de milho, arroz e
feijão.
A atividade principal da Agropecuária Mirassol estava voltada para
cria,recria e engorda de bovinos de raça nelore. Com um rebanho de
4.400 cabeças. A fazenda ainda possuía mais de 350 animais de
grande porte: eqüinos, asininos e muares.
12. Os conflitos pela terra em torno de
Jauru
- O município de Jauru está localizado em uma área onde eclodiram vários conflitos
sociais, com destaques para aqueles pela disputa da terra. Principalmente a partir da
década de 70, com a expansão das atividades econômicas, especialmente a
pecuária, vindo produtores familiares do Centro-Sul e Nordeste do país, que
passariam a disputar o chamado “espaço vazio da região.
- São Domingos foi uma dessas áreas (naquele momento no município de Pontes e
Lacerda), ficava bem próximo da Agropecuária Mirassol.
- Na Amazônia legal como um todo, nas décadas de 70 e até meados de 80, o
movimento social, tendo os camponeses posseiros como protagonistas, traziam para
o cotidiano daquele momento da história brasileira, a discutida “reforma agrária.”
Com relação a essa questão, Carvalho (1989, p.4) diz: “os movimentos sociais
populares no campo não só reivindicavam a terra como executavam molecularmente
o processo redistributivista de terras”. ( não era uma luta ideológica )
13. A Ocupação e a Origem dos Camponeses da Gleba
Mirassolzinho
- Em levantamento realizado, em 1984, por técnicos do INCRA,
apontaram aproximadamente 80 camponeses na maioria oriundas de
Jauru e Araputanga, o restante dos municípios de Quatro Marcos,
Mirassol d’Oeste e Pontes e Lacerda.
- Os primeiros ocupantes entravam em grupos que variavam de 3 a 20
pessoas; só trabalhavam nas posses os adultos masculinos,
principalmente chefes de família.
- O fato de os posseiros serem “ os donos do terreno”, possibilitou-
lhes escapar ilesos das primeiras “batidas” dos “fiscais” e dos policiais
que tentavam surpreendê-los.
14. Os primeiros conflitos na Gleba Mirassolzinho:
Em meados de 1983, já chegavam a 500 o número de famílias que
trabalhavam e/ou fixavam sua residência na Gleba. O STR de Jauru, fez
várias denúncias à imprensa, alertando as autoridades para a iminência de
uma convulsão social de grandes proporções
- Como era difícil surpreender os posseiros dentro da mata, uma vez que os
mesmos a conheciam melhor do que seus oponentes, os posseiros eram
abordados nas estradas que davam acesso às suas posses.
- O senhor Ventoir de Oliveira, vulgo Vandinho, foi espancado com
coronhadas de revolver e carabina, por dez elementos que andavam numa
D10 vermelha de propriedade da fazenda. Os espancamentos e seqüestros
dos trabalhadores, assim como o confisco de suas armas de caça, por parte
dos jagunços, não impediu que os posseiros continuassem a fazer suas
roçadas.
15. Os primeiros conflitos na Gleba Mirassolzinho:
(Continuação)
- A primeira vítima fatal foi um sitiante morador nas proximidades das posses, o senhor
Custódio Fidélis de Lana.
- A impunidade dos executores e dos mandantes dos crimes praticados contra
trabalhadores do campo tem sido uma constante em nosso país. Nos últimos 7 anos de
1984 a 1991 somente 25 de um total de 1.684 homicídios de trabalhadores rurais, índios,
camponeses e agentes ligados ( advogados, religiosos, entre outros) foram a julgamento.
Destes apenas 14 foram condenados.
- A partir do assassinato de Fidelis de Lana, e da impunidade, a disputa passou a ser
como o jogo da caça e do caçador. Dias após a soltura dos assassinos de Fidelis houve
confronto e morreram cinco jagunços.
- Em 22/05/1984, o jornal O Estado de São Paulo traz novamente cenas do conflito,
informando que na referida data, a polícia militar -46 soldados, espancou lavradores,
incendiando seus barracos.
- Relato da p.243
- Os posseiros revoltados diante de tanta humilhação resolveram enfrentar os bandidos.
No dia 22/10, houve confronto dos posseiros, policiais e jagunços-: 2 mortos e 7 feridos. A
violência e insegurança no interior da Gleba tornaram-se insuportáveis para os posseiros.
16. A ocupação da sede do município pelos posseiros
• 22/outubro/1984 os posseiros ocupam a sede do município de Jauru:
• Carta aberta dos posseiros de Mirassolzinho à população de Jauru,
divulgada pelos serviços de auto-falante da prefeitura: “Os posseiros
das posses da Fazenda Mirassolzinho comunicam a esta população
que no dia 19/04/84 fomos agredidos em nossos barracos, mataram
criações, agrediram nossas mulheres e filhas, deram tiros em
posseiros, espancaram e nos expulsaram da terra onde tiramos o
sustento para nossos filhos, e ainda roubaram os nossos cereais.
Queremos esclarecer a esta população que estamos reunidos no
sindicato, de forma ordeira para negociar a nossa volta às posses pra
que possamos trabalhar. Por que a terra deve ser para quem nela
trabalha. Queremos documento de direito na terra.”
• O grande apoio da população de Jauru à causa dos posseiros (20%
aproximadamente) não foram suficientes para evitar o surto de
violências que se seguiram.
17. A ocupação da sede do município pelos posseiros
(continuação)
Diante da gravidade dos fatos o prefeito de Jauru solicita o envio de uma
autoridade para intermediar o conflito. Chega à região 60 policiais fortemente
armados.
(Parágrafo 2º do artigo 1º da Lei 4.504, Estatuto da Terra): Entende-se por
Política Agrícola o conjunto de providências de amparo à propriedade da
terra, que se destinem a orientar, no interesse da economia rural, as atividades
agropecuárias, seja no sentido de garantir-lhes o pleno emprego, seja no de
harmonizá-las com o processo de industrialização do país.
24/outubro/1984: Jauru vive momentos de pânico e terror, uma terra sem
Lei e sem justiça:
Na ação os policiais confrontam os posseiros desarmados: Três pessoas
morreram, nove ficaram feridas e dez posseiros foram presos. No dia 26 os
policiais e jagunços vasculharam o mato próximo a Jauru e houve novo
tiroteio culminando com a morte de mais 10 pessoas.
18. O acordo para tentar acabar com o conflito
• Após a abertura do diálogo entre as partes conflitantes um acordo foi assinado envolvendo a
FETAGRI (representando os interesses dos posseiros) e a Agropecuária Mirassol S/A.
• O acordo foi conseqüência da forte pressão a que estavam submetidos a FETAGRI e o STR de
Jauru resultando no que Leite chamou de “encurralamento” dos organismos de representação
dos trabalhadores.
• A cláusula “C” do acordo revela manobras bem sucedidas de engodo e imposição arbitrária de
interesses escusos: “Que os posseiros pagarão à Agropecuária Mirassol S/A, por alqueire de
terra alienada, 30 (trinta) sacas de arroz ou seu equivalente em outras espécies, anuais e
sucessivas, após a colheita, pelo prazo de cinco anos, a partir do ano de 1986...”
• PANOS QUENTES: Isso é o que o autor do texto afirma com relação à prática deste acordo,
pois na verdade os posseiros, por vias legais, assinaram um contrato de compra e venda
imposto unilateralmente.
• Pereira da Silva afirma que “A atuação do movimento sindical diante dos conflitos de terra, de
um modo geral no Brasil, e em Mato Grosso em particular, se pautou pelo cumprimento estrito
da lei e pela dubiedade”
• O INCRA, com relação ao acordo, numa posição mais cômoda de “mediador”, assumiu
sem “papel de Pilatos” repassando à FETAGRI e ao STR a responsabilidade pelo
remanejamento e seleção dos posseiros que ocupariam a pequena área de 3910 ha.
19. Segunda fase: 1985 a 1987 – A chacina dos posseiros
• O acordo não resolveu os problemas dos posseiros e a cada dia que passava mais a
situação se tornava insuportável. O conflito era inevitável na Gleba Mirassolzinho.
• Os posseiros continuaram ocupando a área remanescente do acordo e outras famílias
continuaram adentrar nas matas virgens da fazenda.
• A dupla proximidade das posses com a sede da fazenda e a BR-174 facilitaram a ação dos
vigilantes, tanto pela facilidade da locomoção como pela distância da cidade de Jauru
(cerca de 25 km).
• No final do ano de 1986 os representantes da Agropecuária Mirassol S/A requereram por
vias legais a manutenção de posse da área recém-ocupada. O juiz Sebastião Barbosa de
Farias (Comarca de Pontes e Lacerda) arbitrou em favor da Agropecuária. Polícia e
jagunços da fazenda deflagraram mais uma vez a violência generalizada contra os
posseiros.
• Chacina, suplicio e ocultação de cadáveres ocorreu em represália à morte e ferimentos de
policiais durante o confronto. (Requintes de crueldade).
20. Segunda fase: 1985 a 1987 – A chacina dos posseiros
(continuação)
• Para intimidação dos posseiros foi utilizado o que se conhecia como “castigo exemplar”,
aplicado ao posseiro conhecido por Chapéu de Couro (um ícone do movimento de
resistência à ordem estabelecida destacando-se por sua performance na defesa armada):
Ele foi amarrado à uma montaria e arrastado pelos campos.
• CRIMES SELETIVOS: segundo hipótese corrente entre analistas dos conflitos pela terra a
violência praticada não era aleatória, havendo uma seleção das pessoas que deveriam
morrer, via de regra responsáveis por famílias e líderes políticos.
• Essas práticas, segundo Almeida (1990, p.15), não derivam de impulsos irracionais, mas
sim de planejamentos bem concebidos, refletidos, visando desestabilizar e desagregar
movimentos de resistência.
• Contabilidade do terror: Só no ano de 1986 cerca de 15 camponeses foram mortos, sem
contar a morte de jagunços, pistoleiros e policiais.
• A população de Jauru também sofreu seqüelas psicológicas pelo terror vivido naqueles
dias.
21. Final do conflito e desapropriação da parte da
Agropecuária Mirassol S/A
• As denúncias do final de 1986, pelo seu amplo espectro, ganhou foros internacionais, ao
contrário das denúncias de 1984 de alcance regional e limitado. Essa diferença foi
decisiva na sensibilização do grande público e na conseqüente pressão aos órgãos
públicos para a solução dos conflitos em Jauru.
• Cedendo à enorme pressão externa (Igreja e órgãos de apoio e defesa dos direitos
humanos) o MIRAD desapropriou cerca de um terço (20.000 ha) da Agropecuária Mirassol
S/A. Já em 1987 a posse foi regularizada em nome do INCRA.
• GENEROSIDADE entre aspas: O estado disponibilizou recursos para a manutenção do
desenvolvimento da área pertencente aos posseiros, tendo como foco a produção e
comercialização agrícola
22. Considerações finais: “Do sonho à utopia da terra”
A cifra de 1% de condenações registradas em fórum, num total de 1684
homicídios de trabalhadores rurais e de pessoas ligadas ao movimento pela
posse de terras no campo, entre os anos de 1984 a 1991, constitui-se em dados
reveladores das políticas voltadas aos interesses da elite dominante.
Neste contexto sócio-político e econômico a figura do “coronel” se reveste de
uma aura de modernidade: O cavalo foi trocado por jatos executivos de luxo, seu
habitat natural já não é mais a “casa grande da fazenda”, mas suntuosos
escritórios em áreas urbanas de grande valor imobiliário. Poder, ostentação e
riqueza.
Se por um lado a rusticidade de outrora, agora travestida em regras sociais de
convívio ao sabor de modas e modismos urbanos, característica daqueles
homens poderosos de outrora já não traduz seu perfil, por outro lado, na contra-
balança do poder pouca coisa mudou. Capatazes zelosos ainda reproduzem
velhas práticas de imposição e coerção pelo uso da força bruta visando a
manutenção do modo de produção capitalista, via de regra legitimada pelos
sistemas de policiamento estatais.
O grande capital na torrente de mutações econômicas descarta aos poucos o
elemento humano no campo: As máquinas tomam o lugar dos braços na produção
de riquezas, minando assim o último quinhão de esperança de grande parcela da
população rural do Brasil, cujos trabalhadores despojados do direito moral do uso
da terra vão perdendo, também, o direito à semi-escravidão que constitui-se na
infinitesimal parcela de sua sobrevivência desumana.
Porém, e isso é crucial para o futuro da nação, junto aos milhões de
despossuídos coabitam inconteste outra parcela igual de crianças que,
inocentemente, brincam compassivas à espera de dias melhores.