1. A RELAÇÃO ENTRE CULTURA E EDUCAÇÃO EM BOURDIEU
Israel Serique dos Santos
Educação e Cultura
Pierre Bourdieu
Israel Serique
2. A RELAÇÃO ENTRE CULTURA E EDUCAÇÃO EM BOURDIEU
Israel Serique dos Santos
Para Veiga-Neto (2003) tratar sobre o conceito de cultura não é tarefa simples de realizar visto que tais
vocábulos estão envolvidos por uma complexa teia conceitual, na qual não há unanimidade.
Segundo Wilhiams (1992, p. 3), a cultura seria um conjunto de significações através das quais certa ordem
social é comunicada, reproduzida, vivenciada e estudada.
A cultura é elemento importante para a análise dos fenômenos sociais e tem se mostrado relevante na
problematização de questões de caráter especificamente educacional e pedagógico.
A cultura como fator preponderante à análise das questões educativas, se dá, segundo Hall (apud VEIGA-
NETO, 2003, p. 6), não pelo entendimento que a cultura seja um elemento central ou que ela ocupe uma
posição singular e de destaque, todavia porque ela perpassa todas as construções e relações e as
representações das mesmas.
E foi no contexto, de reflexões sobre a educação como atividade humana e as suas mais variadas formas
de existir nos espaços sociais e sua relação com a cultura, que o sociólogo francês Pierre Bourdieu deu sua
contribuição à educação.
Segundo Nogueira, a contribuição de Bourdieu se deu especialmente em suas pesquisas e teorizações
sobre os mecanismos das relações de poder no campo cultural.
Os estudos produzidos por ele são hoje referências, dada à fertilidade de instrumentos conceituais para a
compreensão das estratégias de reprodução da sociedade, das lutas simbólicas travadas pela apropriação de
bens que, no plano cultural, são realizadas por agentes sociais visando ao monopólio da competência e poder.
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O “propósito obstinado de desvendar, de maneira fértil, os mecanismos de poder que permeiam as
intrincadas redes de relações sociais” (GUIMARÃES, 2002, p. 86), conduziu Bourdieu a realizar análises críticas
à educação tendo como foco as relações de poder oriundas do complexo mundo do capital cultural e sua
relação direta com o êxito e reprovação no sistema educacional.
O sistema escolar, longe de ser um fator de mobilidade social, é representado como um dos componentes
sociais mais eficazes na tarefa de perpetuação das relações sociais de poder. E a justificativa para isto, segundo
Bourdieu, é que o sistema escolar oferece toda aparência e argumentos legitimadores das diferenças sociais,
além do que, confirma a herança cultural, e o status social é posto como pertencente à esfera do natural
(BOURDIEU apud NOGUEIRA, CATANI, 1998, p. 41).
Estas diferenças, contudo, não são nem primárias, nem unicamente reforçadas pelo sistema escolar. O
primeiro espaço social no qual os indivíduos são postos em diferenciação como outra coletividade é a família.
Segundo Bourdieu, “Na realidade, cada família transmite a seus filhos mais por vias indiretas que diretas,
um certo capital cultural e um certo ethos, sistema de valores implícitos e profundamente interiorizados que
contribuem para definir, entre coisas, as atitudes face ao capital cultural e à instituição escolar. A herança
cultural, que difere, sob dois aspectos, segundo as classes sociais, é a responsável pela diferença inicial das
crianças diante da experiência escolar e, consequentemente, pelas taxas de êxito” (apud NOGUEIRA, CATANI,
1998, p. 41,42).
Para Bourdieu o capital cultural está presente na vida dos indivíduos sob três formas:
No estado incorporado sua presença se mostra por meio das disposições duráveis do
organismo, presentes nos gostos, na habilidade maior ou menor de verbalização ou escrita da
língua culta e nas informações sobre o mundo escolar. Tais caracteres na vida dos indivíduos
atual de maneira marcante no delineamento do futuro acadêmico.
No estado objetivado, este capital cultural se evidencia na posse de bens culturais tais como
livros, artefatos antigos, instrumentos musicais, esculturas, pinturas etc.
No estado institucionalizado, o capital cultural materializa-se através da posse dos diplomas
escolares. Contudo, as qualificações e status conferidos por estes diplomas dependem de quem
os chancela.
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Para Bourdieu, em sua estrutura de análise das relações de poder, o conceito de capital cultural emerge
da necessidade de se entender as discrepâncias do desempenho escolar existente entre indivíduos provindos
de diferentes grupos sociais.
O fator cultural é um elemento significativo na construção e legitimação das desigualdades escolares.
A cultura é tanto uma forma tanto de identificação de uma coletividade, como, também, de perpetuação
das estruturas vigentes de êxito na vida.
Presente e fomentada tanto na família como no sistema escolar, a cultura é o conjunto complexo de
significações que, por sua hierarquização e relação direta com determinada classe social, estão distribuídas de
forma desigual pelos agentes sociais, dentro da estrutura social desejável por estes.
O aspecto valorativo destas significações torna-se meio através do qual as classificações e
hierarquizações sociais se fazem e se perpetuam.
Segundo Almeida (2011, p. 46) “para Bourdieu, a classificação dos valores é objeto de uma luta entre
grupos sociais que ocupam posições diferentes num espaço social hierarquizado”. Ou seja, quanto mais um
grupo social engendra meios para que suas práticas, criações, formação e conceitos sejam valorizados, ainda
mais ele alcançará eficácia na elevação de seus status quo diante de uma coletividade.
Na visão bourdieusiana, o grupo que vence a luta pela definição dos valores legítimos consegue impor
para o conjunto da sociedade uma justificativa moral para a sua própria posição dominante.
Os valores podem, então, se constituir em instrumentos de dominação e, assim, relações de opressão e
de exploração podem ser disfarçadas, passando a ser percebidas como princípios de distinção e hierarquização
naturais, isto é, inscritos naquilo que é percebido como a ordem natural das coisas (ALMEIDA, 2011, p. 47).
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Este ocultamento das relações de opressão e exploração, além de ser fomentado no seio familiar e por
meio das instituições religiosas, encontra sua materialização orgânica e socialmente justiçada e legitimada nos
estabelecimentos de ensino.
Tal escolarização obrigatória, sob a égide da busca do bem comum e elevação do nível cultural do povo,
camufla perversamente os conflitos sociais existentes na sociedade, na medida em que incute nos educandos
os valores da classe dominante sem, contudo, dar-lhes as condições necessárias para alcançar tais valores.
Este é o caso da supervalorização concedida aos cursos de medicina, direito e engenharia, culturalmente
reconhecidos como símbolos de status, e que estão à disposição de apenas uma pequena parcela da população
brasileira que tem o capital financeiro adequado para se formar em tais especialidades.
Embora ser ensinada a valorizar determinadas áreas do saber e campos de trabalho, a maior parte da
população brasileira não possui recursos suficientes para conceder aos seus filhos uma boa formação no ensino
fundamental e médio, ao ponto de torná-los adequadamente competitivos como aqueles outros jovens da classe
média e alta.
Neste contexto, ideologicamente é repassado o valor da classe dominante e a aparente oferta igualitária
de aceso ao conhecimento. Contudo, as condições reais de acesso a esse capital cultural, de fato, são parcos e,
em certas situações, quase nulas. Além do que, parte significativa deste também se herda e aprende no recesso
do lar.
E somada a esta questão, aqueles que conseguem adentrar ao nível superior de ensino, naqueles cursos
ideologicamente valorizados, ao término dos estudos, padecem do constrangimento público e não possuírem a
chancela deste ou daquele estabelecimento de ensino superior reconhecido socialmente pela classe dominante.
Por esta conjuntura fica evidente que o sistema educacional não é neutro. Este está comprometido como
determinada classe social, que ao mesmo tempo incute seus valores às massas e lhes restringe as condições
mais básicas de ascensão social.
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Embora Considerar a escola como pertencente à esfera das relações de poder, o pensamento
bourdieusiano vê no espaço escolar um ponto de tensão contínuo, no qual a subversão torna-se possível e a
transformação histórica palpável.
Para Bourdieu todos os espaços socais estão em contínua tensão. Os vários indivíduos de um dado
campo estão em constantes conflitos pelo capital cultural e social, e os campos igualmente se imbricam através
da busca por reafirmarem seus interesses e valores. Isto, aplicado ao espaço escolar, aponta para o fato que as
contradições no sistema de ensino podem ser meios conducentes para mudanças, tanto em sua esfera de
influência e ação, bem como, também, no espaço social para além de seus muros institucionais.
Sendo assim, pode-se concluir que as instituições escolares são aparelhos reacionários envolvidos em
uma contínua tensão entre aquilo que o poder hegemônico deseja perpetuar e aquela realidade transformadora
que advém de uma prática educativa e pedagógica reflexiva a respeito das relações de poder, dominação e
reprodução das subjetividades e objetividades históricas.
A autonomia relativa do sistema de ensino quer dizer que a educação formal sempre está associada às
relações de poder, à valorização do capital cultural de uma determinada coletividade de status elevado, às
necessidades do mercado etc.
Todavia, o espaço escolar pode ser um local democrático no qual os alunos podem ser valorizados como
sujeitos que potencialmente podem romper com as amarras do sistema de alienação e abrir novas possiblidades
de ser, ter e produzir no mundo.
Nisto, cabe aos sujeitos da instituição escolar o papel de trabalhar a fim de que os jovens das classes não
privilegiadas com o capital cultural legitimado, desde o seu nascimento, venham a obter mais êxito na vida
escolar.
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Tal prática deve ocorrer, dentre outros momentos do processo educativo, na avaliação, pois é por esta que
o sistema educacional toma para si a complexa e suspeita tarefa de considerar qualificados ou desqualificados
os indivíduos, a partir de um conjunto de ações, habilidades intelectuais e conhecimentos que foram
previamente delineados por uma classe seleta de pessoas que já possuem desde o nascimento estes
elementos fazendo parte de suas vidas.
A separação, discriminação e qualificação dos indivíduos, tendo como base certos aspectos culturais
elitistas, tornam o processo educativo um esquema mau, de cartas marcadas e chancelado por aqueles que
deveriam usá-lo como forma de libertação das marras sociais injustas e condicionantes.
Para que tal conjuntura seja modificada é preciso:
a. Que os educadores tenham consciência a respeito das questões ideológicas e relações de poder que
subjazem à escolha dos elementos culturais (conhecimentos, habilidades, disposições etc.) a serem
transmitidos e reforçados pelo sistema de ensino.
b. Que aqueles que possuem a tarefa de avaliar o grau de rendimento e absorção do capital cultural
legitimado, tenham sensibilidade para usar o processo de avaliação como meio de estímulo às
qualidades individuais, valorizem o capital cultural que cada sujeito trás para a sala de aula e
considerem atentamente que este capital incorporado desde a infância, ou a sua falta, influencia
diretamente tanto no processo ensino-aprendizagem como na ação avaliativa, visto que os indivíduos
tendem a obterem melhores desempenhos naquilo com o qual já estão familiarizados.