3. Orçamento Participativo
e gestão democrática
Um instrumento democrático de gestão que assegura
a participação da população na definição das
prioridades dos investimentos públicos para Porto
Alegre, onde foi implantado em 1989. Essa é a proposta
do Orçamento Participativo (OP), que tornou-se um
exemplo mundial de ação conjunta entre governo
e sociedade, e, na capital gaúcha, vem somando
forças, desde 2005, com a Governança Solidária Local
(GSL). Para fortalecer e qualificar ainda mais o OP, é
preciso conhecer seu funcionamento, sua estrutura e
suas instâncias governamentais e sociais. O objetivo
do CapacitaPOA - sistema permanente de ensino é
contribuir para o entendimento desse processo, a fim
de preparar os participantes para atuarem de forma
cada vez mais integrada, cooperativa e solidária,
propícia à consolidação de um modelo de participação
e governança. Bom aprendizado!
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4. Orçamento Participativo
Mas e a novela, Lurdes? Termina semana que vem, tudo vai
acontecer agora.
A Lurdes, uma das líderes da
comunidade, já conhecia essa desculpa:
as pessoas inventam qualquer coisa pra
ficar em casa, pra não ter que ir a uma
reunião, pra não sair do sossego e de
perto da família, sabe como é. Além do mais,
reuniões são em geral chatas, as pessoas falam, falam, falam e
nem sempre as coisas se resolvem. A Lurdes sabia como era,
estava há 30 anos nessa.
Mas a Lurdes sabia também que não tinha outro jeito de
conseguir as coisas a não ser indo à luta. Sabia disso aos
mesmos 30 anos, quando fez a primeira greve – na época em
que era operária. Não era fácil, pois a democracia ainda não
havia sido conquistada novamente no país, e o governo não
era nada tolerante com quem se metia a reivindicar salário ou
eleição pra presidente.
Da militância por direitos políticos para a luta por moradia foi
um pulo. Em 1983, ela ajudou a organizar a Uampa – a União
das Associações de Moradores de Porto Alegre. Tinha história
a dona Lurdes, sempre na linha de frente. Quando começou o
Orçamento Participativo em Porto Alegre, lá no final dos anos
1980, adivinha quem saiu na foto? Pois é, a dona Lurdes.
– Deixa que eu gravo aqui em casa e depois tu vê, Ernestina.
Botar luz aqui na comunidade e tirar esse “gatos” da rua não é
mais importante não?
– É claro que é, mas vocês não conseguem isso sem mim? Se
eu for, vai fazer diferença? Se eu não for, vai fazer diferença?
Eu li que hoje tem o casamento da Dorinha na novela...
– Deixa de ser boba, Tina. Novela tem uma atrás da outra.
Assembleia do OP não é todo dia. Tem que aproveitar.
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5. – Ah, tá bom. Vamos lá.
No ônibus.
– Não entendo, Lu. Não são os políticos que fazem as leis?
Não são eles que decidem as coisas? A gente não vota neles
pra isso?
– Claro que sim, Tina. Isso é a democracia. A gente vota,
escolhe os representantes e eles fazem as leis, aplicam o
dinheiro dos nossos impostos, governam. É pra isso que a
gente vota.
– Então?
– Então que não chega, né? Quando a gente voltou a eleger
prefeito em Porto Alegre, lá nos anos 1980, eu fui fiscal de
comunidade.
– Sério?
A cara da Tina indicava que ela não tinha a menor ideia do
que se tratava.
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6. Orçamento Participativo
– Sério. Na época, acho que era 1986, 1987, foram criados os
conselhos populares. E tinha umas pessoas que foram ser os
fiscais do governo nas comunidades. Era um negócio bacana,
tanto que alguns existem até hoje. A gente começou a
pensar em outras formas da população participar, para decidir
coisas como orçamento da cidade. Ali começou a nascer a
ideia do OP.
– E depois? Conta mais
– Bom, o Orçamento Participativo mesmo
a gente só conseguiu criar em 1989. A
participação popular está prevista na
Constituição de 1988, vê só, mas com
o OP a gente começou a fazer isso na
prática. De reunião em reunião, a gente
foi discutindo o que era mais importante
pra cada bairro e pra cada comunidade.
Era uma peleia daquelas, mas um negócio legal, que vem se
fortalecendo a cada ano.
– Mas não é complicado? Sei lá, cada cabeça uma sentença, né?
– Claro, no início é. Cada um quer saber de priorizar as coisas na
sua comunidade, na sua rua, de preferência na frente da sua casa.
A Ernestina riu.
– Começou pequeninho, com só quatro regiões. Mas aos
poucos a coisa foi se ajeitando, crescendo. Agora a cidade
está organizada em 17 regiões.
– Bah, 17?
Veja mais sobre – É. O OP também achou melhor criar reuniões por temas, sabe?
o funcionamento
Transporte numa reunião, saúde na outra, educação e assim por
da prefeitura
na cartilha diante. Fica mais fácil, né? Além disso, as pessoas que cuidam lá
Conhecendo a do processo organizaram três bases de participação: regional,
PMPA.
temática e institucional. Nessa última aí se inserem as secretarias
da prefeitura que vão fazer as obras decididas pela população,
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7. Base legal do OP
- Constituição Federal de 1988 - prevê participação
popular no processo decisório orçamentário a partir de
mecanismos como o Orçamento Participativo (OP).
Artigo 5º, Inciso 33 – “Todos têm direito a receber dos órgãos
públicos informações de seu interesse particular, ou de
interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei,
sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo
seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado”.
No âmbito dos municípios há um dispositivo específico
na CF/88 que ampara a participação da sociedade civil na
elaboração dos orçamentos e no planejamento da gestão
municipal.
Inciso XII do artigo 29 – “Estabelece, como preceito a ser
seguido pelos Municípios, a cooperação das associações
representativas no planejamento municipal.”
- Lei Orgânica de Porto Alegre - define um marco
normativo para o OP, estabelecendo que população pode
conhecer e decidir sobre o orçamento anual do município
de forma direta, em encontros por região e por tema.
Artigo 116, parágrafo 1 – “Fica garantida a participação da
comunidade, a partir das regiões do município, nas etapas
de elaboração, definição e acompanhamento da execução
do Plano Plurianual, das diretrizes orçamentárias e do
orçamento anual”.
- Lei de Responsabilidade Fiscal: entre os seus objetivos,
está aumentar a transparência nos processos ligados ao
orçamento, o que inclui a participação popular:
O Artigo 48, parágrafo único, prevê que o Orçamento
Anual do município, do estado e da União seja feito
através de audiências públicas, consultando a população
sobre onde os recursos devem ser gastos. Depois de
aprovado o orçamento, no momento de sua execução,
os governos devem prestar contas do que estão fazendo
com o dinheiro público, na forma de publicação.
7
8. Orçamento Participativo
entende? Nós decidimos nas bases regionais, aquelas 17 regiões
que te falei, e nas discussões por temas, que sáo os Fóruns
Temáticos. A prefeitura se reúne na base institucional e decide
como tirar as coisas do papel e transformar em obras. É fácil.
Base temática
Circulação, Transporte e Mobilidade Urbana
Saúde e Assistência Social
Educação, Esporte e Lazer
Cultura
Desenvolvimento Econômico, Tributação e Turismo
Habitação, Organização da Cidade e
Desenvolvimento Urbano e Ambiental
– É, parece. Mas pra mim ainda tá confuso, Lu.
– Pra quem vai a primeira vez, pode levar um susto mesmo.
Aquele monte de gente votando isso e aquilo, debatendo, se
informando.
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9. – Votando? Mas é eleição? Nós não votamos o ano passado?
A Lurdes dava risada da amiga.
– Não é isso, Tina. Olha só: agora estamos na fase de eleger
as prioridades. É assim: cada um que vai na assembleia do
OP escolhe, em ordem de importância, quatro prioridades
temáticas que quer na sua região. Assim: tem uma baita
lista, com vários temas. Lá eu te mostro. Deixa eu lembrar:
tem saúde, pavimentação, habitação, saneamento
básico. Ih, é um monte de coisa. Depois que a gente
vota, a prefeitura faz a apuração dos votos e anuncia as
prioridades que ganharam.
– A prefeitura é que apura? Mas e se não gostar do resultado?
– Ah, a gente fica em cima, apura os votos junto. Tem que fiscalizar.
– E eu vou poder votar? Nunca fui lá.
Os conselheiros (as)
– É claro que pode. Quanto mais gente estiver lá, do nosso são os representantes
lado, melhor. Mais delegados a gente pode eleger. Aí os das Regiões ou
das Temáticas, que
delegados ajudam a organizar as reuniões com os conselheiros
compõem o Conselho
do OP, recolhem as propostas temáticas e fazem o meio de do Orçamento
campo com a prefeitura, né? São 34 conselheiros titulares para Participativo (COP),
órgão que planeja,
as 17 regiões e 12 para as seis temáticas. Isso dá 46 – e ainda
propõe, fiscaliza
têm outros 46 que são suplentes. Têm dois representantes e decide sobre o
(titular e suplente) da Uampa e outros dois do sindicato dos conjunto de receitas
e despesas do
funcionários da prefeitura – mesma coisa, um titular e um
orçamento municipal.
suplente. Aí já tem 96 pessoas, além de mais quatro carinhas da
prefeitura. Mas eles não têm direito a voto, só observam. Eu sou
uma das delegadas da nossa comunidade.
– Tu foi eleita? O que tu faz?
– Delegado é uma figura no OP que atua na base das Estabelece metas
e diretrizes gerais
comunidades. A gente é que faz o leva e traz de decisões que orientam
e demandas de um lado e de outro nos Fóruns Regionais as ações do
e temáticos. Os conselheiros não, eles estão mais ligados à governo para
cada quatro anos.
elaboração do orçamento municipal, do plano plurianual, essas
coisas que fazem lá no Conselho do Orçamento Participativo
9
10. Orçamento Participativo
Plano de (COP). E são responsáveis por colocar o plano de investimentos
investimentos é a
do OP lá dentro. Tu não votava em mim pra delegada?
publicação anual
que contém todas – Votava. Mas tinha mais gente concorrendo? Não conheço
as demandas de
serviços e obras ninguém lá da comunidade que participa do OP.
definidas pela
– Da comunidade tinha pouca gente, mas tem uma
população nos
Fóruns Regionais e comunidade do lado da nossa, outra mais pra cima, duas
Temáticos lá na subida do morro, outra perto do colégio. Assim foi
10
11. juntando gente. Além de mim, tem mais cinco pessoas
Os delegados
que representam a nossa comunidade no OP. Quanto (as) são os
mais gente, mais representantes pode colocar lá. Os representantes
diretos da
delegados representam o que a comunidade decidiu,
população no
não tem erro. É um delegado pra cada dez pessoas que processo de
forem nas assembleias. participação
popular.
– Quer dizer que 60 pessoas da nossa comunidade foram na
assembleia regional?
– É por aí. Mas tem que estar identificado, tem que mostrar
de alguma forma que é de lá mesmo. O negócio é sério, não
tem fantasma lá.
A Tina riu.
– Isso tá melhor que novela. Tem até fantasma...
– Não tem fantasma, Tina. Não tem!!!
– Tá, mas e isso dura o ano todo? Eu te vejo indo a um monte
de reuniões, quase todo o mês.
– Só para em fevereiro, que ninguém é de ferro. Tem carnaval,
Grande encontro
piscina... Mas em março já começou, lá com as reuniões que da população
vão preparar as assembleias, aí começam também as reuniões para empossar
os(as) novos(as)
dos Fóruns Regionais (FROPs) e Temáticos do OP que reúnem
conselheiros(as)
os delegados. Essas reuniões acontecem durante todo o ano, do OP e entregar
de quinze em quinze dias, geralmente. Um momento legal ao governo a
hierarquização das
é a assembleia municipal, mas essa só em julho. É quando obras e serviços
a gente entrega as demandas hierarquizadas para o prefeito, demandados para
todo mundo junto, as 17 regiões e as seis temáticas. Aí é uma toda a cidade.
Na assembleia
maravilha, tem a posse dos novos conselheiros, debates sobre municipal é
temas, é uma baita de uma reunião. reservado espaço à
discussão de temas
– Julho? Bah, tá pertinho. de caráter geral.
– É. Agora nós estamos decidindo as prioridades regionais e
temáticas nas reuniões dos Fóruns de Delegados. São dois
meses nessa.
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12. Orçamento Participativo
Calendário do OP
MARÇO/ABRIL
Reuniões preparatórias
ABRIL/MAIO/JUNHO
Assembleias regionais e temáticas e hierarquização das
obras e serviços (Fórum de Delegados)
JULHO
Assembleia municipal
JULHO/AGOSTO/SETEMBRO
Análise das propostas dos investimentos
AGOSTO/SETEMBRO
Discussão e votação da Matriz Orçamentária
OUTUBRO/DEZEMBRO
Detalhamento do Plano de Investimentos e Serviços
(Hierarquização das demandas)
NOVEMBRO/DEZEMBRO
Discussão do Regimento Interno nas regiões e temáticas
DEZEMBRO/JANEIRO
Discussão e votação do Regimento Interno
FEVEREIRO
Recesso
– Tu não cansa, Lu?
– Às vezes dá vontade de ficar em casa, sim. Às vezes a
discussão fica complicada. Mas tem que respeitar, democracia
é assim mesmo, a gente aprende a conviver com as diferenças,
aprende a aceitar os defeitos dos outros, aprende a admirar as
qualidades. É um negócio muito bom pra todo mundo. Depois
que a gente decide as prioridades, pra onde vai o dinheiro
dos investimentos e tal, o GPO cadastra as propostas...
– GPO? Que é isso, Lu? Já me perdi de novo.
12
13. – É uma sigla, guria. Gabinete de Programação Orçamentária. É
onde a prefeitura encaixa as prioridades do OP pra incluir nos
gastos do próximo ano. Antes de aprovar o que a gente decidiu,
tem que fazer uma análise técnica e de viabilidade, para ver se
dá para fazer. As três primeiras prioridades que somarem mais
pontos vão ser incluídas no orçamento da prefeitura. É o que a
gente chama de matriz orçamentária.
Mais informações
– Bah, que difícil. sobre a Câmara
de Vereadores
– É, é uma parte difícil mesmo. Mas a gente tem que aprender na cartilha
pra poder ganhar com isso, né? Depois que a matriz é Democracia e
aprovada, a prefeitura manda pra Câmara de Vereadores e Participação.
eles têm que aprovar a execução pro próximo ano.
– Execução? Bah, que tri. Já apareceu fantasma, execução...
– Não é isso, Tina. Não é executar alguém, é aplicar o orçamento.
Aplicar o que a gente decidiu nas assembleias e nos FROPs.
– Dã, eu sei. Tava só tirando onda contigo...
– Sei. Mas ainda não acabou. Pra melhorar a
qualidade do OP, a prefeitura examina e usa três
critérios para distribuir os recursos, que são
escassos: população, carência e prioridade.
– Como assim?
– As prioridades mais votadas ganham mais
pontos. E quanto mais gente uma região tiver,
mais peso na hora de ganhar recursos. Assim, até
25 mil habitantes é um ponto. Mais de 90 mil, quatro
pontos. É justo, né? As prioridades devem atingir sempre
mais pessoas, que são as que precisam mais.
– É, é justo. E depois?
– Por último, a carência do serviço ou da
infraestrutura proposta: quanto mais necessário,
mais peso na hora de incluir na matriz. Lembra da
matriz orçamentária, né?
13
14. Orçamento Participativo
– Sim!!!!!
– Então. O cálculo de pontuação vai ser transformado em valor
de investimento no ano que vem. É complicadinho, mas é
democrático. No ano passado, a nossa região ganhou R$ 400
mil em investimento porque fez uma pontuação bem boa.
– Bah, que dinheirama.
– É pouco pro tanto que a gente precisa, mas é um
investimento que a gente sabe que vai ficar aqui. Que vai
beneficiar quem batalhou por ele. Por isso que quanto mais
gente nas assembleias, melhor.
A Ernestina deitou a cabeça no ombro da Lu. Dormiu
um pouquinho e sonhou com uma comunidade de ruas
calçadas, de casinhas pintadas, com crianças nas escolas. Mas
foi só um tantinho de tempo, porque o ônibus chegou.
– Acorda, mulher. Chegamos. Tava sonhando – disse a Lu.
– Pior que tava. Mas vamos entrar que já sei que o sonho tá lá
dentro, pertinho da mão.
Dica!
Se você gostou de acompanhar a jornada de Ernestina
e Lurdes rumo à assembleia do OP, é hora de embarcar
em outra viagem, agora pela internet. No site www2.
portoalegre.rs.gov.br/op/ você encontra informações
sobre as prioridades da cidade e as prestações de contas
dos últimos anos, o que inclui o acompanhamento das
obras e serviços decididos pela população. Também
confere o calendário atualizado das assembleias
regionais e temáticas, assim como os nomes dos
conselheiros de todas as regiões e temas, além de outros
dados sobre a atuação do OP em Porto Alegre.
Gerência do Orçamento Participativo:
(51) 3289.6661 / 3289.6691
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15. Expediente
Prefeitura Municipal de Porto Alegre
Secretaria de Coordenação Política e Governança Local
Produção: Signi - Estratégias para Sustentabilidade
Coordenação: Cristiane Ostermann (MTb 8256)
e Karen Mendes Santos (MTb 7816)
Edição: Carol Lopes
Textos: Flávio Ilha
Conselho Editorial: Adriana Burger, Adriana Furtado,
Ana Paula Dixon, Beatriz Rosane Lang, Cézar Busatto,
Débora Balzan Fleck, Eloisa Strehlau, Francesco Conti, Ilmo Wilges,
Jandira Feijó, Jorge Barcellos, Júlio Pujol, Lisandro Wottrich,
Luciano Fedozzi, Plinio Alexandre Zalewski Vargas, Ricardo Erig,
Rodrigo Puggina, Simone Dani, Themis Regina Barreto Krumenauer
e Valéria Bassani.
Projeto gráfico: Carolina Fillmann | Design de Maria
Diagramação: Daniela Olmos
Ilustrações: Marcelo Germano
Revisão: Press Revisão
Impressão: Hotprint
Tiragem: 1.500 exemplares
Apoio à produção das cartilhas: Departamento Municipal de Água e
Esgotos - DMAE
Novembro | 2010
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