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SOCIALISMO     olivio dutra
   DISCU
EM DISCUSSÃO   maria victoria benevides




               orçamento
               participativo
               e socialismo
O SEGUNDO CICLO DO SEMINÁRIO SOCIALISMO
E DEMOCRACIA DEDICOU-SE AO EXAME DE
QUESTÕES CONCRETAS QUE ESTÃO SENDO
POSTAS PARA AS ESQUERDAS NO BRASIL.
A ABORDAGEM DESSAS QUESTÕES JUNTOU
AS URGÊNCIAS DE CURTO PRAZO COM A
PERSPECTIVA HISTÓRICA MAIS LARGA DO
FUTURO. POR ISSO, OS VÁRIOS TEMAS FORAM
TRABALHADOS, SEMPRE, PERGUNTANDO-SE QUAIS
SÃO SUAS INTERAÇÕES COM O SOCIALISMO.
FORAM ABORDADOS TEMAS COMO A RICA
EXPERIÊNCIA – QUE A VÁRIOS TÍTULOS
REPRESENTA UMA ENORME INOVAÇÃO POLÍTICA –
DO ORÇAMENTO PARTICIPATIVO,
O PLANEJAMENTO URBANO, A REFORMA AGRÁRIA
E O MOVIMENTO DOS TRABALHADORES
SEM-TERRA, AS FORMAS CONTEMPORÂNEAS
DA LUTA SOCIAL, A DECISIVA REVOLUÇÃO
MOLECULAR-DIGITAL E A VIRADA DA
INFORMAÇÃO, E, POR ÚLTIMO, AS COMPLEXAS
RELAÇÕES ECONÔMICAS INTERNACIONAIS NA ERA
DA CHAMADA GLOBALIZAÇÃO.
O EXAME TRAVEJOU, SEMPRE, A EXPERIÊNCIA
DAS LUTAS COM A REFLEXÃO QUE PROCURAVA
PROJETÁ-LAS E ENTENDÊ-LAS NO QUADRO DA
TRANSFORMAÇÃO URGENTE E RADICAL.
NÃO PARA UM DIA QUALQUER POSTERIOR
À REVOLUÇÃO, MAS DIUTURNAMENTE.


                     FRANCISCO DE OLIVEIRA
Socialismo em discussão




ORÇAMENTO PARTICIPATIVO
      E SOCIALISMO
        Olívio Dutra
   Maria Victoria Benevides




      EDITORA FUNDAÇÃO PERSEU ABRAMO
Fundação Perseu Abramo
                         Instituída pelo Diretório Nacional
                   do Partido dos Trabalhadores em maio de 1996

                                     Diretoria
                               Luiz Dulci – presidente
                           Zilah Abramo – vice-presidente
                             Hamilton Pereira – diretor
                            Ricardo de Azevedo – diretor

                       Editora Fundação Perseu Abramo

                              Coordenação Editorial
                                 Flamarion Maués

                               Assistente Editorial
                             Candice Quinelato Baptista

                                    Revisão
                            Márcio Guimarães de Araújo
                             Maurício Balthazar Leal

                             Capa e Projeto Gráfico
                               Gilberto Maringoni

                                Ilustração da Capa
                                Rodolfo Pizzignacco

                              Editoração Eletrônica
                               Enrique Pablo Grande

                                    Impressão
                                 Cromosete Gráfica
                 1a edição: outubrode 2001 – Tiragem: 4 mil exemplares
                              Todos os direitos reservados à
                             Editora Fundação Perseu Abramo
         Rua Francisco Cruz, 234 – CEP 04117-091 – São Paulo – SP – Brasil
                    Telefone: (11) 5571-4299 – Fax: (11) 5571-0910
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   Copyright © 2001 by Editora Fundação Perseu Abramo — ISBN 85-86469-57-2
Apresentação
Francisco de Oliveira ..................................................................... 5

O orçamento participativo e a questão do socialismo
Olívio Dutra .................................................................................... 7
Ética e luta de classes ........................................................................................ 12
Na contramão do neoliberalismo ........................................................................ 13


Comentários
Orçamento participativo e democracia direta
Maria Victoria Benevides .............................................................. 19
Democracia direta como parte da construção do socialismo ............................. 21
Radicalização da democracia e socialismo democrático ..................................... 24
Controle público do Estado ............................................................................... 26
Debate com o público
    Armelindo Passoni ....................................................................................... 31
    Paulo Rubens ............................................................................................... 31
    Roberto Gouveia .......................................................................................... 32
    Pedro Pontual ............................................................................................... 33
    Olívio Dutra ................................................................................................ 35
    Maria Victoria Benevides ........................................................................... 40
    Paul Singer ................................................................................................... 43
    Anísio Homem ............................................................................................. 44
    Juliana Piccoli Agati ..................................................................................... 45
    Paulo Vannuchi ............................................................................................ 46
    José Reinaldo Braga ..................................................................................... 47
    Olívio Dutra ................................................................................................ 47
    Maria Victoria Benevides ........................................................................... 54
    Zilah Abramo ............................................................................................... 59
    Alencar Santana Braga ................................................................................ 59
    Gustavo Venturi ........................................................................................... 59
    Antônio Lanzetti .......................................................................................... 61
    Sebastião Marcelo Sobrinho ........................................................................ 62
    Olívio Dutra ................................................................................................ 63


    Sobre os autores ..................................................................... 69


4                                                              ORÇAMENTO PARTICIPATIVO E SOCIALISMO
Apresentação
Francisco de Oliveira

   O segundo ciclo do seminário Socialismo e Democracia – reproduzido na
coleção Socialismo em Discussão –, que o Instituto Cidadania, a Fundação
Perseu Abramo e a Secretaria de Formação Política do Partido dos Traba-
lhadores realizaram no primeiro semestre de 2001, dedicou-se, desta vez,
ao exame de questões concretas que estão sendo postas para o movimento
das esquerdas no Brasil com urgência, particularmente a partir das expressi-
vas vitórias nas eleições municipais de outubro de 2000. O Partido dos Tra-
balhadores, para não usurparmos a fala das outras formações da esquerda
brasileira, foi chamado a dar soluções concretas aos já dramáticos proble-
mas das cidades, herança de um longo ciclo histórico, agravados pelas polí-
ticas ou antipolíticas neoliberais dos últimos dez anos.
   Entendeu-se que a votação cidadã optou pelo PT não apenas pela ur-
gência da conjuntura, mas como uma orientação de outra perspectiva de
desenvolvimento econômico, social, político e cultural, caucionada pela
trajetória do partido desde sua criação e pela exemplaridade das admi-
nistrações petistas ali onde a cidadania lhe tem entregue a gestão do
Estado, em municípios e estados.
   A abordagem das questões concretas juntou as urgências de curto prazo
com a perspectiva histórica mais ampla do futuro. Por isso, os vários

SOCIALISMO EM DISCUSSÃO                                                        5
temas foram trabalhados, sempre, perguntando-se quais são suas
    interações com o socialismo. De modo que as gestões da esquerda não
    devem ser apenas o breve ciclo de uma administração, mas precisam
    também realizar, concretamente, na vida cotidiana das cidades, das cida-
    dãs e cidadãos, uma mudança cujo nome histórico é socialismo. Não
    para um dia qualquer posterior à revolução, mas diuturnamente. Desse
    modo, a perspectiva histórica do socialismo ajuda, orienta e valoriza me-
    didas simples, ao alcance da cidadania, sem a grandiloqüência dos gran-
    des eventos, mas preparando-a para seu autogoverno.
      Foram abordados o recado das urnas de 2000, a rica experiência, que
    a vários títulos representa uma enorme inovação política, do orçamento
    participativo, o planejamento urbano, a reforma agrária e o movimento
    dos trabalhadores sem-terra, as formas contemporâneas da luta social, a
    decisiva revolução molecular-digital e a virada da informação, e, por
    último, as complexas relações econômicas internacionais na era da cha-
    mada globalização. O exame travejou, sempre, a experiência das lutas
    com a reflexão que procurava projetá-las e entendê-las no quadro da
    transformação urgente e radical. Destacados militantes do Partido dos
    Trabalhadores, desde seu presidente de honra, novos dirigentes munici-
    pais, calejados quadros políticos, governadores e prefeitos, especialistas,
    reputados professores universitários, apoiados, discutidos e contestados
    por um público sempre numeroso e participante, dedicaram o tempo ne-
    cessário para arejar o pensamento, desafiando o entendimento da nova
    complexidade. Assim, o PT busca juntar ação e reflexão, não apenas
    para preparar quadros, mas para assumir o mandato da transformação –
    como disse uma já clássica canção petista – “sem medo de ser feliz”.

                                       Em nome da Comissão Organizadora,
                                                   Francisco de Oliveira


6                                         ORÇAMENTO PARTICIPATIVO E SOCIALISMO
O orçamento participativo e a
questão do socialismo
Olívio Dutra

Prezados companheiros e companheiras, é com imenso prazer que ve-
nho debater com vocês “O orçamento participativo e a questão do socia-
lismo”. Um encontro deste tipo, com esse tema, revigora o nosso parti-
do, por mostrar que ele não se pauta pelo pragmatismo, nem pelo
imediatismo político. A implementação do orçamento participativo exige
de todos nós uma permanente reflexão sobre seus limites e desafios.
   Nossa experiência no Rio Grande do Sul começou em 1989, quando
conquistamos a prefeitura de Porto Alegre. Hoje, além do espaço federado
estadual, também estamos governando importantes cidades gaúchas.
Governamos, além da capital, cidades como Caxias do Sul, Pelotas, San-
ta Maria, Bagé, Viamão, Alvorada, Gravataí, Estância Velha e Cachoei-
rinha. No total, o Partido dos Trabalhadores governa 35 municípios e tem
a vice-prefeitura de seis cidades.
   Este inegável avanço do nosso projeto no Rio Grande do Sul tem no
orçamento participativo um referencial importante. Governamos o Rio
Grande há pouco mais de dois anos e administramos Porto Alegre há 12
anos. O controle público sobre o Estado é a essência e o diferencial de
nosso projeto em relação aos projetos adversários.


SOCIALISMO EM DISCUSSÃO                                                    7
Não reinventamos a roda. Nosso projeto é fruto das lutas históricas da
    classe trabalhadora, da resistência democrática e de experiências go-
    vernamentais desenvolvidas pelo campo popular em várias partes do
    planeta em diferentes situações e circunstâncias históricas, especialmente
    na nossa América Latina. Por meio do orçamento participativo, a popu-
    lação protagoniza a construção da proposta orçamentária. Nesse pro-
    cesso, invertem-se as prioridades, o que provoca mudanças importantes
    na concepção estrutural da proposta.
      Com a implantação do orçamento participativo, revigoram-se outras
    vias de participação popular nas áreas de saúde, assistência social, habi-
    tação, ensino, interpondo barreiras às práticas tradicionais das elites do-
    minantes em nosso país, como o clientelismo e a corrupção. Floresce
    com ele uma nova cultura, na qual o cidadão passa a ser sujeito, e não
    mais objeto da política.
      O orçamento participativo possibilita uma modificação substancial nas
    relações das pessoas com o Estado e o poder público. A proposta orça-
    mentária deixa de ser um arranjo de interesses entre governo, grupos
    empresariais, especialistas e técnicos para se tornar uma decisão assu-
    mida pelo povo na sua dimensão verdadeiramente política e cultural.
    Começa a se democratizar radicalmente a relação do Estado com a
    sociedade civil; as pessoas não mais limitam sua participação política ao
    ato de votar em dia de eleição.
      E não se trata de um “ovo de Colombo”, de uma fórmula mágica,
    mas de um processo longo e árduo, de um aprendizado comum envol-
    vendo muita gente. O governo, junto com sua base de sustentação – os
    partidos que compõem a Frente Popular –, tem um papel importante,
    mas a população tem o protagonismo principal. Com ela, o significado
    desta alternativa radical de cidadania vai adquirindo contornos mais
    nítidos. O governo vai se descentralizando e aprendendo a dividir o


8                                         ORÇAMENTO PARTICIPATIVO E SOCIALISMO
poder, eliminando os resquícios autoritários que pretendem substituir o
protagonismo do povo e os preconceitos tecnocráticos que menospre-
zam a sabedoria popular.
  Por esse processo, receita e despesa definitivamente deixam de ser
misteriosas fórmulas aritméticas ou arranjos políticos e passam a ser de
domínio público. Já percorremos um bom trecho dessa caminhada, mas
ainda há um longo percurso pela frente. Para vencer os obstáculos ma-
teriais e subjetivos que surgem pelo caminho, há que avançar na demo-
cratização desse processo.
  Criar essa nova cultura – a do protagonismo – é um dos pontos cen-
trais do projeto que estamos implementando no estado, com todas as
dificuldades decorrentes da complexidade de uma estrutura desse porte,
distorcida em suas finalidades e em fase adiantada de privatização. O
governo que nos antecedeu seguiu à risca a lógica do pensamento
neoliberal, atribuindo ao tamanho do Estado a razão maior de seus pro-
blemas, e tratou de torná-lo mais reduzido para a população e concentra-
do para o benefício de poucos.
  Para o nosso projeto, a democracia pressupõe participação popular
direta e uma nova forma de administração e planejamento, na qual cida-
dãs e cidadãos se apropriam de dados e informações e exercem o direito
soberano de influir nas decisões sobre a aplicação dos recursos públicos.
O governo tem o compromisso de executar um programa e, além da
obrigação formal e institucional de prestar contas aos poderes constituí-
dos sobre a execução da Lei Orçamentária, precisa também regular-
mente se explicar sobre os encaminhamentos das decisões tomadas pe-
las assembléias do orçamento participativo.
  Assim, política e culturalmente, o orçamento participativo é também a
negação da ideologia neoliberal e da hegemonia do pensamento único:
prega e pratica o controle público sobre o Estado e se efetiva desde o


SOCIALISMO EM DISCUSSÃO                                                     9
início, de modo aberto e pluralista. Dessa forma, as 22 regiões do orça-
     mento participativo no Rio Grande do Sul vão se tornando espaços fe-
     cundos nos quais se desenvolve uma verdadeira opinião pública inde-
     pendente. Espaços que não podem ser instrumentalizados nem pelos
     partidos, nem pelo governo.
       Com a experiência e o aprofundamento dos debates, esses espaços
     públicos acabam por superar os corporativismos egoístas e os particu-
     larismos limitadores, que aliás brotam inevitavelmente num primeiro
     momento, em razão de uma longa história de exclusão e de ausência de
     decisões e de projetos coletivos. Assim, as pessoas lutam não apenas
     pelas demandas de suas ruas e de seus bairros, mas adquirem uma visão
     integral de sua cidade, de seu estado e de seu país. Portanto, tornam-se
     cidadãs e cidadãos solidários, com consciência crítica e preocupação
     social, entendendo os processos de dominação, combatendo-os e se re-
     conhecendo como construtores de uma nova sociedade.
       Aqui, penso, reside a principal crítica ao socialismo que conhecemos e
     a maior contribuição à construção do socialismo democrático que quere-
     mos. Refiro-me ao protagonismo das pessoas no processo de transfor-
     mação social enquanto atividade permanente e cotidiana, ponto em que
     as experiências de socialismo até aqui fracassaram. O orçamento
     participativo é um espaço propiciador do exercício pleno da cidadania
     por parte de milhares de pessoas do povo.
       Assumimos, portanto, o desafio de reconstruir o Rio Grande como um
     estado participativo sob o controle público. Para isso, não poderíamos
     fazer a mera transposição do orçamento participativo aplicado em âmbi-
     to municipal para a esfera mais ampla e complexa do estado. Era preci-
     so levar em consideração um leque maior de forças e estruturas políti-
     cas, como as prefeituras, os conselhos regionais de desenvolvimento, as
     representações políticas locais, as diferenças regionais e as relações


10                                        ORÇAMENTO PARTICIPATIVO E SOCIALISMO
político-institucionais com os demais poderes. A Coordenadoria de Re-
lações Comunitárias (CRC) e o Gabinete de Orçamento e Finanças (GOF)
foram importantes ferramentas forjadas para tratar dessas relações.
  Os desafios estão sendo encarados e equacionados nas assembléias
locais e regionais, e nas reuniões do Conselho do Orçamento Participativo
(COP), consolidando o processo, como revelam os números de seu cres-
cimento: no primeiro ano, tivemos a participação de 190 mil pessoas; no
segundo ano, 280 mil e, em 2001, 430 mil. Esse crescimento, porém, não
foi apenas quantitativo, mas também na diversidade da participação, na
riqueza e na qualidade dos debates. Apesar das manobras jurídicas de
nossos adversários, que obtiveram uma liminar – derrubada um ano e
meio depois – que impedia o Executivo de promover a organização e a
convocação do orçamento participativo, o processo foi assumido pelo
movimento social e resultou na elaboração de uma proposta de orça-
mento com inversão de prioridades encaminhada, em tempo hábil, à
Assembléia Legislativa, o poder legítimo e insubstituível que a transfor-
ma em lei.
  Buscamos, assim, a gestão descentralizada de recursos, com a partici-
pação universal, direta e voluntária da cidadania. Como já salientei, é óbvio
que se trata de um processo, que vai progressivamente se aperfeiçoando
e fazendo desabrochar a consciência crítica da população e, com ela, a
noção de responsabilidade coletiva de cada um com a coisa pública.
  Nesse contexto, o conceito de hegemonia assume igualmente uma
dimensão concreta, pois o orçamento participativo é, também, um espa-
ço de disputa, no qual coexistem as diversas crenças e ideologias e em
que são preservadas as múltiplas especificidades regionais de nosso es-
tado em suas características econômicas, sociais e culturais. Mesmo os
nossos adversários mais ferrenhos aos poucos estão vindo debater pro-
postas neste espaço construído paulatinamente pela cidadania.


SOCIALISMO EM DISCUSSÃO                                                         11
Ética e luta de classes – O orçamento participativo revigora o con-
     teúdo ético da atividade política, contrastando com o mar de corrupção
     que assusta e revolta os brasileiros neste início do século XXI. Nossa
     experiência de democracia participativa prova que a gestão transparen-
     te dos recursos é a melhor maneira de se evitar a corrupção e o mau uso
     do dinheiro público.
       Entretanto, não encaramos essas conquistas nem de forma meramen-
     te administrativa, nem de maneira idílica, como se tudo estivesse funcio-
     nando às mil maravilhas. Ao contrário, temos plena consciência de que
     esse processo revolucionário situa-se em um contexto de exacerbada
     luta entre dois projetos distintos. As elites tradicionais sabem perfeita-
     mente que esta prática dá um conteúdo real à democracia, acabando
     com os privilégios, com o clientelismo e, em última análise, com o poder
     do capital sobre o conjunto da sociedade. Trata-se, pois, de uma luta
     política com nítido conteúdo de classe (ou de bloco de classes) que vai se
     desenvolver ainda por um longo período.
       Por isso, se alguém afirmar – alguns o fazem – que o orçamento
     participativo é apenas uma forma mais organizada de os pobres disputa-
     rem entre si as migalhas do capitalismo ou, no máximo, uma ligeira pri-
     mavera democrática, mas sem qualquer relação com o socialismo, esta-
     rá inteiramente equivocado. Além de ser um aprofundamento e uma
     radicalização da democracia, também se constitui num vigoroso impulso
     socialista, se encaramos o socialismo como um processo, para o qual a
     democracia direta e participativa é elemento essencial, pois possibilita o
     fortalecimento da consciência crítica e dos laços solidários entre os ex-
     plorados e os oprimidos, abrindo caminho para a apropriação pública do
     Estado e a construção de uma nova sociedade.
       Nossos adversários de projeto de sociedade sabem bem disso, tanto
     que os partidos alinhados com a ideologia neoliberal buscam nos sub-


12                                         ORÇAMENTO PARTICIPATIVO E SOCIALISMO
meter, no parlamento, a um cerco raivoso e irracional, enquanto os
principais meios de comunicação distorcem os fatos e assumem aber-
tamente o combate a esse processo democrático. Eles percebem, tal-
vez por instinto de classe, que o orçamento participativo é um instru-
mento de protagonismo do nosso povo para a formulação ampliada da
socialização da política; é o surgimento de estruturas que levam à luta
pela hegemonia democrático-popular, sinalizando a superação da soci-
edade de exploração, apontando para a possibilidade de criação de
uma sociedade autogestionária, humanista, democrática e libertária – a
sociedade socialista.
  O orçamento participativo, e não só ele, mas também os conselhos
municipais de saúde consolidados no processo de municipalização soli-
dária, a Constituinte Escolar, os comitês de gerenciamento das bacias
hidrográficas e os diversos canais de participação popular em proces-
so de construção ou de aperfeiçoamento em todas as áreas da esfera
pública referenciam um projeto efetivamente democrático no Rio Gran-
de do Sul, em que o ser humano é o centro e o protagonista das políti-
cas de governo.

  Na contramão do neoliberalismo – Caminhamos na contramão
do neoliberalismo e da globalização controlada pelos grandes mono-
pólios e centros financeiros internacionais. O neoliberalismo, na sua
fase globalizada, devastou continentes inteiros, e o Brasil não esca-
pou aos efeitos dessa devastação: agravaram-se em nosso país as
práticas históricas de exploração. A inserção no mundo globalizado
foi apresentada como uma panacéia para todos os graves problemas
que enfrentamos e um passo inevitável rumo à modernidade e ao
progresso. Mas essa ilusão vendida pelo pensamento hegemônico se
esvaneceu rapidamente.


SOCIALISMO EM DISCUSSÃO                                                   13
Na prática, o neoliberalismo globalizante só tem concentrado renda e dis-
     tribuído a miséria, agravando as desigualdades sociais e regionais, aumen-
     tando o desemprego e promovendo crescente empobrecimento dos povos.
        A abertura comercial e financeira feita de forma indiscriminada e
     irresponsável torpedeou os projetos nacionais; parque industrial brasi-
     leiro foi abandonado à própria sorte, numa competição desigual com
     empresas estrangeiras que para aqui foram atraídas praticamente sem
     riscos e com muito dinheiro público. Muitas fábricas pequenas e médi-
     as fecharam, indústrias tradicionais foram compradas por grupos es-
     trangeiros, setores importantes de nossa economia desapareceram e
     presenciamos a desorganização de importantes cadeias produtivas. No
     caso brasileiro, desde 1994, o patrimônio controlado por multinacionais
     cresceu 80%. O desemprego e a exclusão social constituem a face
     mais perversa desse modelo.
        Nas grandes cidades brasileiras, pelo menos 20% das pessoas econo-
     micamente ativas estão sem emprego. As decisões econômicas que afe-
     tam milhões de brasileiros são cada vez mais tomadas fora de nossas
     fronteiras, a partir do Fundo Monetário Internacional (FMI), uma espécie
     de cooperativa dos grandes banqueiros, muito mais preocupado em de-
     fender os interesses de credores e investidores estrangeiros do que em
     resolver a crise social que este modelo agrava a cada dia em nosso país
     e em diversos países do globo.
        Mas, ao contrário do que pretendiam os teóricos neoliberais, a história
     não acabou e os povos do mundo inteiro começam a perceber o engodo
     desse modelo perverso. As manifestações de Seattle contra a Organiza-
     ção Mundial do Comércio (OMC), em Washington, em Praga e, recente-
     mente, em Buenos Aires contra a Área de Livre Comércio das Améri-
     cas (ALCA) demonstram o vigor do crescente movimento de contesta-
     ção ao pensamento único que o neoliberalismo tentou nos impor.


14                                          ORÇAMENTO PARTICIPATIVO E SOCIALISMO
A realização do Fórum Social Mundial em Porto Alegre, em janeiro de
2001, é uma prova da rearticulação das emergentes forças sociais pro-
gressistas do mundo, ao mesmo tempo que referencia nossa experiência de
democracia participativa como um luzeiro importante. Em nosso país, as
eleições municipais de 2000 registraram expressivas vitórias de nosso parti-
do e do campo progressista e de esquerda, sinalizando um início de rejeição
ao neoliberalismo e demonstrando as possibilidades de crescimento de um
projeto popular e participativo em todas as regiões brasileiras.
  É preciso, pois, que avancemos na construção de um projeto comum
do campo de esquerda, democrático e progressista, que cada vez mais
mobilize os agentes sociais na disputa sindical, na luta pela terra, na pro-
dução cultural e na arquitetura de projetos de governo democráticos,
populares e participativos que tenham a qualidade de vida e a dignidade
do ser humano como centro das políticas públicas. Nesse sentido, as
cidades e os estados que governamos devem se tornar espaços de espe-
rança e de redenção para milhões de brasileiros. Permitam-me mais
uma vez falar sobre o Rio Grande do Sul, que é a nossa experiência
concreta. Assumimos o desafio de transformar um estado em adiantado
processo de privatização num estado participativo, por meio de mecanis-
mos democráticos de controle público sobre as ações do governo. Aca-
bamos com a política de anistias e privilégios fiscais, que incentivam a
sonegação e a inadimplência. Revisamos os benefícios já concedidos e
adotamos novos critérios seletivos para concessões de incentivos, discu-
tidos com a sociedade. Criamos organismos executores de políticas pú-
blicas fundamentais, como a Secretaria de Habitação, a Secretaria do
Meio Ambiente e a Secretaria Especial de Reforma Agrária. Na educa-
ção, queremos garantir o acesso universal a um ensino público qualifica-
do, debatido com a comunidade, por meio da Constituinte Escolar. Por
isso somos o estado que mais investe por aluno na rede pública estadual.


SOCIALISMO EM DISCUSSÃO                                                        15
Devemos, pois, trabalhar cotidianamente para a construção do espaço
     público, em que devem surgir e se desenvolver novas instituições, e bro-
     tar viçoso o conceito vivo de república. Paralelamente, começam a ser
     alicerçados os fundamentos de um Estado verdadeiramente democráti-
     co, com o objetivo principal e essencial de garantir a cidadania. Um
     Estado que socialize o poder, que seja transparente e controlado pela
     sociedade civil, que caminhe em sentido oposto ao do neoliberalismo e
     promova a mais ampla inclusão social.
       Não queremos um Estado que seja maior do que a sociedade, mas
     também rejeitamos o Estado mínimo pretendido e arquitetado pelos
     neoliberais sob as cinzas das conquistas sociais e das lutas de várias
     décadas dos trabalhadores.
       Nessa luta pela hegemonia, o conteúdo da crítica socialista ao capitalismo
     permanece vivo e atual. Não se confunda o conteúdo do socialismo com o
     que se convencionou chamar abusivamente de “socialismo real”, para ca-
     racterizar os regimes burocráticos do Leste Europeu. A desintegração da
     União Soviética, em dezembro de 1991, assinala o fim de um ciclo e abre
     uma nova etapa, marcada pelo absoluto domínio militar norte-americano e
     por uma hegemonia indiscutível do hemisfério Norte na economia, na políti-
     ca e na cultura. Entretanto, na Rússia, o encantamento com a vitória do
     capitalismo durou pouco e logo desabaram os sonhos de consumismo gene-
     ralizado. Em menos de dez anos, o chamado mercado livre só fez gerar
     miséria, desemprego e constituir grupos mafiosos como órgãos de poder
     político e econômico não institucionalizados; uma assustadora desagregação
     ética faz hoje em dia parte do cotidiano russo em tempos neoliberais.
       Mas a alternativa – e não existe outra, não há capitalismo com justiça
     social – ao sistema capitalista neoliberal no qual estamos inseridos é,
     digamos claramente, o socialismo. O socialismo democrático e libertário,
     renovado permanentemente, mas sem se descaracterizar; um movimen-


16                                          ORÇAMENTO PARTICIPATIVO E SOCIALISMO
to de oposição radical à exploração do homem pelo homem, à guerra e
aos preconceitos. A desintegração dos regimes burocráticos não deixa
saudades, mas muitas lições. Hoje e sempre precisamos pensar o socia-
lismo como uma questão prática, integrá-lo em nossa vida cotidiana. Em
última análise, pensá-lo como um processo, como luta pela hegemonia,
sem jamais colocar em plano secundário os conceitos de liberdade, de-
mocracia, justiça e igualdade.
   Nessa luta pela hegemonia, nos estados e cidades que governamos,
estamos demonstrando na vida cotidiana que a história não terminou e
que um outro caminho é possível e viável. Porém, não temos qualquer
ilusão: não somos ilhas perdidas em um imenso oceano neoliberal. Nos-
sas conquistas influirão e, ao mesmo tempo, dependerão de outras lutas
e de outras conquistas na América Latina e no resto do mundo. Lutas
que, felizmente, estão sendo retomadas e começam a ganhar força e
sinalizar a esperança de que um mundo novo é possível.
   Por isso, vamos batalhar para que os acúmulos dessa experiência pos-
sam contribuir para um projeto nacional do PT e dos partidos do campo
popular na campanha do companheiro Lula para a presidência da Repú-
blica em 2002. Temos certeza de que um outro Brasil é possível. É pre-
ciso lutar por ele.

                                            Muito obrigado e boa luta!




SOCIALISMO EM DISCUSSÃO                                                   17
18   ORÇAMENTO PARTICIPATIVO E SOCIALISMO
Comentários
Maria Victoria Benevides


  É uma grande satisfação participar dos seminários Socialismo e De-
mocracia, organizados pela Fundação Perseu Abramo, pela Secretaria
Nacional de Formação Política do PT e pelo Instituto Cidadania.
  Participei como entusiasmada ouvinte da primeira fase do projeto* e
estou convencida de que essas discussões têm sido muito importantes
para revigorar a reflexão no partido. E o tema do orçamento participativo,
que está no âmbito da temática mais ampla da democracia direta, pare-
ce-me especialmente importante. Considero que é uma marca de refe-
rência importantíssima para o Partido dos Trabalhadores, para uma
nova e verdadeira esquerda democrática, propositora de um socialis-
mo, como diz o governador Olívio Dutra, democrático e libertário.
  Estou à vontade para comentar a exposição do companheiro Olívio
pelo fato de ter uma concordância plena com suas idéias, além de              * O primeiro ciclo dos seminá-
uma grande admiração por seu trabalho, por suas lutas, desde que o            rios Socialismo e Democracia
conheci por ocasião da fundação do partido, em 1980, e antes por sua          foi realizado em 2000. Veja
atividade como líder sindical. E, ainda, por ser um dos principais instiga-   na página 72 os livros da
                                                                              Editora Fundação Perseu
dores e promotores dessa experiência que tem em Porto Alegre o                Abramo que reproduzem
seu principal exemplo.                                                        esses debates.


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Em relação à sua brilhante exposição, gostaria de tecer algumas con-
     siderações a partir de sua avaliação e de sua análise do processo den-
     tro do partido, da experiência do Rio Grande do Sul, da temática do
     socialismo e da democracia. Concordo com suas frases finais, no sen-
     tido de que a experiência do orçamento participativo, e toda a discus-
     são que é feita sobre suas dificuldades e suas possibilidades de
     aprofundamento, de ampliação, de levá-lo para outros municípios do
     país, pode realmente configurar um projeto nacional do partido, que
     faça parte da discussão e da especificidade programática de um parti-
     do que aspira chegar à presidência da República.
       Quando discutimos a democracia, num momento como o atual, em
     que todos se dizem democratas, em que todos os partidos se afirmam
     democratas, em que todas as lideranças no país se afirmam valentes,
     vigorosos democratas, temos de afirmar esse traço fundante da de-
     mocracia para o Partido dos Trabalhadores, que é a soberania popu-
     lar verdadeira, autêntica. Autônoma das peias de um sindicalismo
     tutelado pelo Estado; autônoma de um partido entendido como van-
     guarda, de dirigentes entendidos como elites iluminadas, de um
     sindicalismo populista e trabalhista como o da nossa experiência his-
     tórica anterior a 1964. Ou seja, essa especificidade do PT, indepen-
     dentemente de eventuais alianças partidárias que ele possa fazer, deve
     estar muito clara.
       Não devemos ter medo de falar em democracia direta, mesmo diante
     de prováveis ambigüidades que cercam a expressão. O PT é, sim, o
     partido da democracia participativa, da democracia direta, embora isso
     não signifique o desprezo pelas formas institucionais da democracia
     representativa, muito pelo contrário. Pela democracia representativa
     temos companheiros ilustres, valorosos e combativos em governos, como
     Olívio Dutra; em prefeituras, como Tarso Genro, Marta Suplicy, nos-


20                                       ORÇAMENTO PARTICIPATIVO E SOCIALISMO
sos companheiros do Norte e do Nordeste e nossos excelentes parla-
mentares municipais, estaduais e federais.

  Democracia direta como parte da construção do socialismo –
Gostaria de esclarecer algumas premissas que marcam minha posição
como militante, mas também como socióloga que tem trabalhado com
essas questões. Essas premissas independem de uma avaliação da ex-
posição do Olívio, mas não entram em choque com o que ele falou.
  A primeira premissa é uma convicção muito profunda sobre a incom-
patibilidade radical entre democracia e capitalismo, no sentido de que o
capitalismo é cada vez mais, nesse modelo globalizado e neoliberal, o
inimigo principal da democracia.
  O que entendemos por democracia? De vez em quando eu brinco com
o companheiro Carlos Nelson Coutinho1, dizendo que, no meio acadêmi-
co, essa crença na soberania popular ficou tão fora de moda que daqui a
pouco, só nós dois estaremos falando em democracia como soberania
popular. Temos várias definições de democracia em que não aparece
essa expressão tão simples e tão antiga, tão clássica até, de entendê-la
como soberania popular.
  Nesse sentido, entendo democracia como o regime político da sobera-
nia popular, com respeito integral aos direitos humanos.
  Trata-se de uma definição singela, que tem a vantagem de agregar
as nossas convicções e os nossos princípios sobre a democracia políti-
ca, que inclui a democracia participativa, é óbvio, as formas de partici-
pação indireta e direta da cidadania, a liberdade – as liberdades públi-    1. Professor titular de teoria
                                                                            política na Universidade
cas, as liberdades individuais –, mas também a democracia social; os
                                                                            Federal do Rio de Janeiro
direitos econômicos, sociais e culturais sem os quais não se pode falar     (UFRJ) e autor, entre outros
em democracia. No máximo se pode falar nessa coisa adjetivada de            livros, de A democracia como
democracia liberal etc.                                                     valor universal.


SOCIALISMO EM DISCUSSÃO                                                                               21
Então, se agregarmos a idéia de soberania popular ao respeito integral
     pelos direitos humanos, nas suas dimensões de liberdades públicas, indi-
     viduais, direitos civis, econômicos, sociais, culturais, direitos da humani-
     dade, que são essencialmente históricos, veremos como não deixaremos
     fora do nosso conceito de democracia nem os seus aspectos de partici-
     pação política, de liberdade, de pluralismo, de igualdade, nem os aspec-
     tos da obrigação do Estado em relação aos direitos fundamentais, bem
     como o dever da sociedade em relação àquele princípio revolucionário
     da fraternidade ou, como falamos hoje, da solidariedade.
       Essa é a primeira premissa do que entendo por democracia e de como
     entendo a oposição radical entre democracia e capitalismo, mesmo que não
     se fale ainda, explicitamente, de uma proposta socialista, que é a minha.
       A segunda premissa é que a defesa da democracia direta, nas suas
     várias formas, das quais a experiência mais bem-sucedida é o orça-
     mento participativo, não exclui a democracia representativa. É justa-
     mente por isso que insisto que não devemos ficar na defensiva em
     relação ao nosso compromisso com a democracia direta; ora, ninguém
     defende a abolição de eleições para nossos representantes no Legis-
     lativo e no Executivo. Pelo contrário, há até os que defendem uma
     ampliação das eleições, para, por exemplo, determinados cargos no
     Judiciário, como ocorre em outros países. Aliás, em países que estão
     longe de ser socialistas, como é o caso dos Estados Unidos, existe a
     experiência com eleições diretas para promotores, entre outros car-
     gos. Existe, sem dúvida, uma complementaridade entre democracia
     direta e democracia representativa.
       Considero que a democracia direta, nas suas várias formas, exerce
     um efeito extremamente positivo na democracia representativa, no
     sentido de que age como um corretivo aos vícios e mazelas já por
     demais conhecidos em nossa cultura política – aliás, existentes em vá-


22                                          ORÇAMENTO PARTICIPATIVO E SOCIALISMO
rias democracias que, há mais tempo, incorporam representação e par-
ticipação direta dos cidadãos.
  Nunca é demais lembrar, por exemplo, que estão em discussão pro-
postas de levar a questão da adesão à ALCA a um plebiscito; de incenti-
var iniciativas populares legislativas encabeçadas por movimentos da
cidadania e de não esperar que o Legislativo tome a iniciativa para a
convocação de referendos etc. Tivemos o exemplo recente do plebiscito
sobre a dívida externa, por iniciativa de organizações da sociedade civil
e, portanto, de conseqüências não-oficiais, mas que já foi um bom come-
ço, no sentido da mobilização popular. No entanto, em nenhum momento
se pensa em abolir a representação. Pelo contrário, o partido político e
os parlamentares de um partido que têm compromisso com a democra-
cia direta deveriam se envolver com essa mobilização popular – e só
teriam a lucrar com isso.
  A terceira premissa se refere a entender esses processos de demo-
cracia direta, especificamente do orçamento participativo, como parte
da construção do socialismo, tendo sempre em mente que o socialismo
é um processo; assim como a democracia é um processo – ela não
está pronta e acabada em nenhum lugar do mundo –, o socialismo
também é um processo. Não temos uma experiência real e de sucesso,
e esperamos que isso ocorra como resultado de um processo de
aprofundamento da democracia.
  Considero também que a participação nessas formas de democracia
direta resulta em um processo de educação política, que diz respeito
diretamente a um partido como o PT, que tem compromisso com uma
função essencial dos partidos, muito negligenciada na história partidária
brasileira, a sua função pedagógica. Entendo que o compromisso do PT
com formas de democracia direta configura um passo importante no
compromisso com a formação, com a educação política. E insisto: uma


SOCIALISMO EM DISCUSSÃO                                                     23
educação política que não está fechada nos limites da militância partidá-
     ria, mas aberta para a cidadania efetivamente democrática. O orçamen-
     to participativo, nesse sentido, é uma excelente escola de democracia.
       A quarta premissa é que, hoje, o orçamento participativo é uma reali-
     dade que transcende o PT, embora seja marca registrada do partido. Ele
     já está sendo reivindicado por outros partidos, por outras tendências,
     porque viram que dá certo, em termos de mobilização e de empenho das
     comunidades, no plano local, com o processo decisório em torno de inte-
     resses públicos.
       Portanto, é cada vez mais importante que o diferencial petista se afir-
     me. Assim como todos se dizem democratas mas não são, há diferenças
     cruciais entre partidos e tendências políticas e ideológicas sobre o signi-
     ficado concreto da democracia – e isso ocorre em relação ao orçamento
     participativo também. Vejam o que aconteceu, por exemplo, com o pro-
     jeto de bolsa-escola, que hoje se tornou um projeto de todos, a começar
     pelo governo federal, que na minha avaliação está longe de ser um go-
     verno republicano e democrático.

       Radicalização da democracia e socialismo democrático – Então,
     qual é o nosso diferencial em relação ao orçamento participativo?
       Expostas as premissas, especificamente em relação ao orçamento
     participativo e ao socialismo, quero reforçar algo que está presente no
     texto do Olívio: que o orçamento participativo – aí entra o nosso dife-
     rencial – não é apenas uma radicalização da democracia. É evidente,
     como diz Olívio, que é, sim, uma radicalização da democracia, mas não
     só isso. Quando alguém me pergunta se sou uma democrata radical, eu
     digo: sou. Radical de raízes, democracia é governo do povo, pelo povo
     e para o povo. Daí, mesmo que não se fale em socialismo, a participa-
     ção popular, além da representação, é evidente. Considero que Olívio


24                                         ORÇAMENTO PARTICIPATIVO E SOCIALISMO
foi extremamente feliz quando afirmou que, além da radicalização da
democracia, o orçamento participativo é um vigoroso impulso socialis-
ta, no sentido de que o socialismo é um processo no qual a democracia
direta é essencial, como no controle público sobre o Estado e na parti-
cipação popular no processo decisório.
  Eu diria mais ainda: o orçamento participativo e outras formas de par-
ticipação direta tendem a reforçar laços concretos de solidariedade,
princípio histórico e essencial no socialismo democrático.
  Continuando, considero que socialismo entendido, por exemplo, como
uma extensão à economia do princípio político da soberania popular sig-
nifica que as grandes diretrizes econômicas e a definição de prioridades
exigem a participação direta de todos.
  Aqui, Olívio também lembra como essa participação direta do povo
nas prioridades é o ponto principal de algo extremamente positivo nessa
identificação do orçamento participativo com o tipo de crítica que ele
levanta em relação ao “socialismo” que realmente existiu, no sentido de
reconhecer o sujeito, o cidadão, individualmente e em seus grupos de
organização pela base.
  Tudo isso se contrapõe aos que argumentam contra as formas de de-
mocracia direta, muitas vezes com uma retórica reacionária que já tem
pelo menos 200 anos e que afirma que o povo não está preparado nem
para votar em seus representantes, que dirá para votar em questões de
interesse público que exijam alguns conhecimentos técnicos.
  Nesse ponto, recordo-me de uma análise do intelectual socialista
Cornelius Castoriadis em que ele se refere à oposição entre povo e es-
pecialistas e afirma que

      “a idéia dominante de que existem especialistas em política, isto é,
      especialistas do universal e técnicos da totalidade, faz troça da


SOCIALISMO EM DISCUSSÃO                                                      25
idéia de democracia. O poder dos políticos seria uma justificada
                                         perícia que eles sozinhos possuiriam e, por definição, o inábil
                                         populacho é chamado periodicamente apenas para julgar esses
                                         peritos. Não existem nem podem existir especialistas em assuntos
                                         políticos. Perícia ou sabedoria política pertencem à comunidade
                                         política. Pois perícia, a tekiné, do grego, no sentido estrito, está
                                         sempre relacionada a uma ocupação específica, e técnica é obvi-
                                         amente reconhecida em seu próprio campo”2.

                                     Sócrates, no diálogo “Protágoras” (de Platão) critica a democracia
                                   grega direta, contra os direiros de isegoria, ou seja, de todos terem o
                                   direito à palavra. Na sua crítica, afirma:

                                         “os atenienses escutarão os técnicos quando for discutida a cons-
                                         trução adequada de muros e navios; mas escutarão qualquer um
                                         quando se tratar de questões da política. Questões da política di-
                                         zem sempre respeito à definição de prioridades”3.
2. CASTORIADIS, Cornelius. “A
pólis grega e a criação da           Mas esse argumneto contra a democracia direta é exatamente o que
democracia”. Revista Filosofia     proponho como argumento a favor da democracia direta.
Política, n°3, Porto Algre/          Lembro também a relação necessária, historicamente fruto de muitas
Campinas, LPM/Unicamp/
UFRGS, 1986.
                                   reflexões, entre democracia e socialismo, retomando o que sempre disse
3. Diálogos de Platão:             nosso querido mestre e companheiro Antonio Candido4, inspirado em
Protágoras.                        Rosa Luxemburgo, que democracia sem socialismo não é democracia e
 4. Crítico literário e autor de   socialismo sem democracia não é socialismo.
vários livros fundamentais da
sociologia e da teoria literária
brasileira. É presidente do          Controle público do Estado – Outro ponto que considero muito im-
Conselho Editorial da Editora      portante, tanto na reflexão mais histórica e acadêmica como na observa-
Fundação Perseu Abramo.            ção das práticas concretas da democracia direta, é que o orçamento


26                                                                      ORÇAMENTO PARTICIPATIVO E SOCIALISMO
participativo e as demais formas de democracia direta nos levam a perce-
ber com clareza a superação da velha dissociação, da velha dicotomia, entre
o Estado e a sociedade civil, vigente até hoje tanto entre liberais como entre
antiliberais. O que diz Olívio? Que o importante no orçamento participativo
é a força de uma cultura nova que exige o controle público sobre o Estado.
E aí ele diz, e eu reforço: isso significa dizer não ao Estado mínimo, mas
também ao Estado que pretende ser maior do que a sociedade.
  Assim, com a vigência dessas formas de democracia direta ocorre
uma abolição das fronteiras rígidas e tradicionais entre Estado e socie-
dade civil.
  Quando me refiro ao controle público sobre o Estado, estou pensando
também em uma via de mão dupla: controle público da cidadania sobre o
Estado e a obrigação do Estado prestar contas. Às vezes, vejo com
certa ironia meus colegas tucanos, acadêmicos, que insistem muito na tal
de accountability, ou seja, a obrigação do governo de prestar contas. E
são justamente os governos que eles apóiam que não prestam contas à
sociedade, não se sentem responsáveis perante o povo, nem no Executi-
vo nem na instância de poder na qual estão inseridos.
  Concluindo, esse controle público do Estado é novo, é uma nova visão do
Estado com mão dupla: é o controle de cá e a prestação de contas de lá.
  Lembro ainda, citando nosso companheiro Paul Singer5, que um proje-            5. Economista e professor titular
                                                                                 na Universidade de São Paulo
to socialista não se limita à economia, por mais importante que ela seja.
                                                                                 (USP), é um dos principais
E ele vai adiante nesse texto: “um projeto socialista alcança a cultura, a       expoentes da economia
sociabilidade, é um projeto de reorganização de toda a sociedade, da             solidária e do cooperativismo
infra à superestrutura”6. Lembrei-me dessa citação quando Olívio se              no Brasil. É autor de vasta obra
referiu a uma nova cultura que é criada a partir dessas formas novas de          sobre estes temas.
                                                                                 6. SINGER, Paul e MACHADO,
participação e de fazer política. Estou sempre pensando no mote do nos-          João. Economia socialista. São
so Fórum Mundial Social de Porto Alegre, “Um novo mundo é possível”,             Paulo, Editora Fundação
uma nova cultura política é possível.                                            Perseu Abramo, 2000.


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E aqui também entendo a ênfase que Olívio dá à questão da hegemonia,
     entendida como uma direção política, mas também como uma direção
     cultural da sociedade. O ponto importante levantado por Olívio Dutra é o
     de entender essa forma de participação direta com o seu conteúdo de
     classe. Já houve quem dissesse, até mesmo nas nossas hostes, que a luta
     de classes tinha acabado. Então acho ótimo que o Olívio tenha enfatizado
     esse aspecto. É, sim, um problema de luta de classes, e isso aparece
     claramente no horror que causa às elites a própria idéia de participação
     popular soberana.
        Se consultarmos os anais da Constituinte que se encerrou em 1988,
     veremos o argumento sincero e ideológico dos constituintes radicalmen-
     te contrário à possibilidade de que o povo participasse de processos
     decisórios diretamente, sem a mediação de partidos e de representantes.
     É algo profundamente arraigado, que revela o solene horror a que o
     povo, essa multidão suína – como dizia Burke, referindo-se à Revolu-
     ção Francesa – possa efetivamente participar de processos decisórios.
        Finalmente, gostaria de enfatizar a necessidade de que o orçamento
     participativo seja uma experiência que leve efetivamente a um novo modo
     de se fazer política, como parte de uma proposta alternativa de um siste-
     ma político e econômico que caminhe na direção de um socialismo de-
     mocrático e libertário.
        Creio que seria importante reforçar alguns pontos, até para evitarmos
     a armadilha de dizerem: “Vocês com essa história de democracia direta
     estão querendo reproduzir as experiências totalitárias dos sovietes, das
     revoluções etc.” Nós queremos as experiências radicalmente democrá-
     ticas, na democracia participativa e, eu diria, no socialismo democrático.
        Então, a primeira exigência é a garantia de informação, ou seja, man-
     ter um fluxo constante de informação. Não existem no orçamento
     participativo efetivamente democrático os arcanos, os segredos, a mani-


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pulação do conhecimento. Não devem existir. Pelo contrário, a informa-
ção sobre o que está acontecendo quanto à parte técnica, às ingerências
e às conseqüências dos processos decisórios deve desembocar num ca-
nal permanentemente aberto. A transparência é decorrente disso, a trans-
parência nos procedimentos, lembrando sempre que a legitimidade dos
resultados, ao contrário de algo muito antigo, está comprometida com a
legitimidade dos procedimentos, dos meios. A transparência nos proce-
dimentos, naquela forma que afirmei antes: controle da cidadania sobre
o poder, mas também prestação de contas do poder para a cidadania.
  Outra exigência é a socialização dos resultados. Os que participam
das assembléias têm o direito de participar também da discussão e da
avaliação dos resultados.
  É preciso ter claro, contrariando velhas crenças, que o partido não é a
vanguarda. O partido tem de permitir a independência da opinião e o
pluralismo da participação, como bem lembrou o Olívio, e também res-
peitar as particularidades locais e regionais. Isso num país como o nosso,
com uma diversidade política, social, econômica e cultural tão grande e
tão rica, deve ser um ponto da nossa especial preocupação.
  Era isso que eu tinha a dizer, enfatizando meu entusiasmo pela exposi-
ção do Olívio e minha admiração pelo seu governo, pelo seu trabalho e
pela sua militância. Muito obrigada.




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Debate com o público

   Armelindo Passoni                     dica do orçamento participativo.
   A questão do orçamento partici-       Como ficaria em âmbito nacional a
pativo não pode gerar também uma         aplicação dessa proposta?
situação em que o povo, em alguns
municípios, resolva se reunir para de-Paulo Rubens
cidir onde não aplicar o dinheiro? Já Gostaria de destacar duas ques-
existem algumas prefeituras do par- tões. A primeira delas talvez repre-
tido, hoje, que não fazem orçamen-  sente a ansiedade que muitas pes-
to participativo por causa da situa-soas têm. Viajei 1.200 quilômetros
ção de escassez do dinheiro. Como   para vir a este seminário, sou depu-
                                    tado estadual em Pernambuco pelo
ficaria a questão de o partido imple-
mentar uma política e ter essa situ-segundo mandato, e gostaria de dis-
ação particular de alguns municípi- cutir como nós, como partido, pode-
os com dificuldades de orçamento?   mos disputar o controle social das
                                    verbas públicas mesmo quando não
  Pergunta                          somos prefeitos ou governadores.
  Sou estudante de direito e para Há uma lacuna inexplicável até hoje
nós interessa muito a questão jurí- entre a pauta das nossas interven-


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ções nos movimentos sociais quan-      permite que as elites se apropriem
     do não somos governo – via de re-      do imposto que é pago pela socie-
     gra somos fragmentados, corpo-         dade como forma de acumulação
     rativos, categorias isoladas, movi-    de capital. E temos atuado pouco
     mentos que não se somam no con-        no sentido de estruturar a socieda-
     trole social do dinheiro público – e   de para fazer frente a esse Estado,
     quando somos governo – aí, passa-      principalmente às Procuradorias e
     mos a tratar de uma forma global a     ao poder Judiciário, que são tam-
     gestão do dinheiro público.            bém parte desse Estado da elite que
       A outra questão, que é tão grave     domina o país.
     quanto a gestão do orçamento, diz
     respeito ao dinheiro que não entra       Roberto Gouveia
     no orçamento, pois acaba sendo           Fico muito animado com essas
     desviado pela sonegação fiscal, que    duas belíssimas exposições. O que
     é uma das formas mais estruturadas     eu acredito que se coloca como de-
     de crime contra o patrimônio públi-    safio para nós é exatamente a edu-
     co. Temos tido poucas experiênci-      cação para o exercício do poder.
     as, pelo menos em nossas banca-        Não viemos apenas para dividir
     das estaduais e municipais, e até      uma série de coisas, fundamental-
     mesmo na bancada federal, no to-       mente viemos para dividir o poder,
     cante a como a sociedade se es-        e aí se coloca a questão da educa-
     trutura para não permitir que esse     ção para o seu exercício. Gostaria
     Estado que aí está continue a ser      de ouvir o comentário de Maria
     ineficaz no combate à sonegação.       Victoria e de Olívio Dutra a res-
       Temos que lembrar que não é só       peito da potencialização dessa ex-
     a gestão oligárquica, elitista, que    periência e se o próprio orçamento
     privatiza o Estado e concentra ri-     participativo deve fazer parte de um
     queza dentro de um orçamento. É        conjunto de medidas que leve ao
     também a gestão do Estado que          processo de descentralização, de


32                                          ORÇAMENTO PARTICIPATIVO E SOCIALISMO
ampliação da representação. Aqui       formas de participação popular, de
na cidade de São Paulo, por exem-      exercício da democracia direta.
plo, temos 55 vereadores para re-      Queria destacar que o orçamento
presentar milhões de pessoas. Por      participativo tem todas essas virtu-
mais que os vereadores se multipli-    des e potencialidades que foram
quem, se movimentem, eles serão        aqui apresentadas, e digo isso tan-
questionados. Surge, então, a ques-    to a partir da minha prática como
tão da eleição de conselhos de re-     gestor de orçamento participativo
presentantes etc. Nós temos de         em Santo André (SP) como também
descentralizar também os proces-       de pesquisador.
sos de representação e as subpre-        Porém, ao mesmo tempo que
feituras. E, nesta linha, minha pre-   acredito em todas essas potencia-
ocupação – e eu acredito que           lidades, também acho que o orça-
esta é uma questão estratégica para    mento participativo sozinho não dá
nós – é sempre dividir o poder e       conta desse conjunto de potenciali-
educar para o poder. Aliás, as nos-    dades. E por isso saliento que temos
sas elites estão cada vez mais de-     algumas temáticas – que passam por
monstrando um profundo despre-         uma reflexão estratégica – em nos-
paro para o exercício do poder,        sas cidades e municípios, ou nos es-
como temos visto de forma acen-        tados, que colocam a questão do or-
tuada recentemente.                    çamento participativo num horizon-
                                       te de 10 ou 20 anos e que, portanto,
  Pedro Pontual                        transcendem muito os limites da ela-
  Gostaria de sublinhar dois pontos    boração de uma proposta orçamen-
que tanto Olívio Dutra como Maria      tária. Nós temos a temática, por
Victoria tocaram de passagem –         exemplo, da modalidade e da quali-
ressaltando que sempre que eles se     dade das políticas públicas, o mode-
referiram também ao orçamento          lo de saúde, de cultura, de educa-
participativo, se referiram a outras   ção que queremos desenvolver. Es-


SOCIALISMO EM DISCUSSÃO                                                       33
ses são aspectos em relação aos        pensar da sua própria metodologia,
     quais o orçamento participativo so-    da discussão de como é que se arti-
     zinho não dá conta, daí a necessida-   cula, por exemplo, a questão da par-
     de de revigorarmos espaços como        ticipação direta nas plenárias, o exer-
     os conselhos municipais de políticas   cício de uma participação direta que
     públicas, articulá-los ao orçamento    não necessariamente supõe que o
     participativo. Então, penso – e gos-   cidadão vá à plenária e que deve ter
     taria de debater essa reflexão tam-    algum peso no processo.
     bém no nosso partido – que corre-         Então, penso que devemos, com
     mos o risco de operar um certo         muita razão, aprofundar essa dis-
     reducionismo da discussão da parti-    cussão sobre o orçamento partici-
     cipação popular e da ampliação das     pativo para não perder de vista que
     formas de exercício da democracia      a questão da participação popular,
     direta se limitarmos estas questões    da ampliação das formas de exer-
     ao orçamento participativo.            cício de democracia direta, supõe
       Isso, por um lado, tem o seu sen-    outros canais e outros instrumen-
     tido, dado o vigor dessa experiên-     to articulados ao processo de or-
     cia e sua originalidade, mas, ao       çamento participativo. Quando fa-
     mesmo tempo, recoloca para nós o       lamos, por exemplo, do controle
     desafio de ampliarmos o horizonte      público sobre o Estado, temos a
     das discussões, sem o que estare-      face da organização da sociedade
     mos talvez depositando no orça-        civil, dos processos de exercício
     mento participativo um nível de res-   da cidadania, mas temos um enor-
     ponsabilidade do qual ele sozinho      me desafio, que é a modernização
     não pode dar conta na operação dos     da própria máquina do Estado.
     processos de participação popular      Quer dizer, como os processos de
     dos municípios.                        planejamento estratégico, no nível
       Hoje, mesmo no âmbito do orça-       dos governos, podem efetivamen-
     mento participativo, há todo um re-    te contribuir para essa transparên-


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cia? Como é que organizamos ges-       um termo nosso, é uma experiên-
tões participativas no interior do     cia não suficientemente espraiada,
próprio Estado como condição de        que padece ainda de um certo
que esse trabalho em favor da          localismo. É um processo. Portan-
transparência, da prestação de         to, ele vai se aperfeiçoando. Por ele
contas, possa se dar em todos os       passa a questão da participação, da
níveis do Estado?                      representação, do controle público
  Assim, queria apenas alertar         sobre o Estado, do protagonismo,
para esse aspecto, ou seja, de que     que torna as pessoas construtoras
no nível do Partido dos Trabalha-      da mudança, sujeitos e não objetos
dores precisamos voltar a refletir     da política.
sobre participação popular e am-         A informatização, a ciência e a
pliação das formas de exercício        tecnologia podem ser postas a
da democracia direta, a partir de      serviço da democracia, possibili-
um conjunto de instrumentos ar-        tando que muito mais pessoas par-
ticulados com o processo de or-        ticipem intensamente do proces-
çamento participativo.                 so, independentemente de esta-
                                       rem ou não no local da assem-
  Olívio Dutra                         bléia. Mas é importante não per-
  Vou começar pela preocupação         dermos o caráter da participação
do Pedro Pontual. Não podemos ter      a mais direta possível e o valor
o orçamento participativo como         da convivência comunitária.
uma coisa mágica, idílica ou como        As assembléias temáticas como
a solução radical para todos os pro-   as que tratam da questão da ciên-
blemas da democracia. Certamen-        cia e tecnologia, são um bom exem-
te, o orçamento participativo é um     plo. Minha cidade, Bossoroca –
instrumento poderoso ainda não su-     sempre gosto de citá-la –, fica a
ficientemente bem implantado,          540 quilômetros de Porto Alegre.
“tensionado”, entre nós. Para usar     Nasci lá, mas me criei a 32 quilô-


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metros dali, em São Luiz Gonzaga.      bém as propostas alternativas, já
     É um lugar no mundo onde ciência       que um número crescente de pes-
     e tecnologia parecem ser coisas dis-   soas se dispõe a pensar, a discutir
     tantes. No entanto, ciência e          e a produzir políticas.
     tecnologia têm tudo a ver com o          Entendo que as preocupações de
     processo de desenvolvimento que        Pontual alertam para que não fa-
     precisa ser desencadeado ali para      çamos do orçamento participativo
     aquela comunidade se ligar com a       uma panacéia ou a forma única de
     região, o estado e o país. Como pro-   radicalização da democracia. Esse
     vocar essa discussão? Esperar que      cuidado, no entanto, não pode di-
     ela surja espontaneamente, nas as-     minuir a importância da experiên-
     sembléias, é equivocado. Primeiro      cia. É preciso aprofundá-la,
     o tema deve ser provocado, e há        espraiá-la mais ainda, antes de di-
     várias formas de fazer essa boa        zermos “é preciso ter cuidado com
     provocação. A partir das questões      ela...”, “reforcemos outras...”.
     locais articular as questões regio-      É possível, companheiro
     nais com o espaço federado e a         Armelindo Passoni, que o povo de-
     integração do país, da América         cida não aplicar recursos segundo a
     Latina, enfim. Acredito que não há     proposta do governo. Se não há re-
     um espaço tão rico hoje quanto o       cursos, essa é uma outra questão.
     das assembléias do orçamento           A discussão do orçamento também
     participativo para a apropriação       encara este problema. Por que não
     desses elementos e a compreensão       há? De onde vem a receita? Quem
     de seu entrelaçamento. O orça-         paga impostos? Quem não paga?
     mento participativo não fabrica di-    Quem está sendo privilegiado com
     nheiro, mas fabrica uma coisa muito    esta ou aquela política de anistia fis-
     especial, o protagonismo, a cidada-    cal ou de subsídio? Como o poder
     nia, a crítica. Isto aumenta a co-     público gasta o dinheiro? Com que
     brança sobre o governo, mas tam-       prioridades? Quem define isso? En-


36                                          ORÇAMENTO PARTICIPATIVO E SOCIALISMO
tão, a questão de haver ou não re-        Então, é esse processo que eu
cursos torna ainda mais necessária      acho instigante, provocador, positi-
a discussão do orçamento. Até por-      vamente, de uma apropriação pú-
que, se não há, o povo precisa saber    blica do Estado. Com escassez de
as razões e, a partir delas, discutir   recursos, quais serão as priorida-
uma nova matriz tributária.             des e por quem serão definidas? Se
  Alguns prefeitos adversários às       os recursos são escassos, há ne-
vezes me encontram e dizem: “Go-        cessidade de ter critérios para aten-
vernador, estou aplicando o orça-       der as demandas da comunidade.
mento participativo lá no meu mu-       Se há necessidade de hierarquizar,
nicípio”. Que bom! Vamos conver-        quem hierarquiza? É o governante?
sar com o povo da cidade e as pes-      É o grupo econômico mais influen-
soas nos dizem: “Sobrou uma ver-        te? Penso que deve ser o povo. Isso
ba e o prefeito chamou uns líderes      é muito importante.
comunitários, para discutir como          Sobre a questão jurídica, con-
aplicá-la”. Como sobrou? Sobrou o       fesso que o que temos de acúmulo
quê? O orçamento é a discussão          não sugere a institucionalização
da receita e da despesa, por com-       do orçamento participativo. É
pleto, por inteiro. Existem algumas     uma questão política a ser anali-
pessoas que criticam o orçamento        sada. Institucionalizar significa en-
participativo dizendo: “Mas o orça-     quadrar numa lei, num regula-
mento participativo discute só um       mento jurídico, burocrático, um
percentual da receita, porque o res-    processo nascente de controle do
tante já está indexado, sobre isso      cidadão sobre o Estado, o gover-
não tem o que discutir”. É preciso      no e os governantes.
discutir tudo, até mesmo porque a         Penso que está de bom tamanho
cidadania tem o direito de saber o      termos na Constituição federal,
porquê dessas indexações e se es-       nas constituições estaduais e nas
tão funcionando bem.                    leis orgânicas dos municípios um


SOCIALISMO EM DISCUSSÃO                                                         37
princípio geral que garanta a par-      é a realidade. Vamos criar um con-
     ticipação popular, cidadã, na cons-     selho paralelo? Não, vamos ter que
     trução do orçamento. O resto tem        estimular os militantes sociais a
     de ser aberto, não pode ser             tensionar constantemente esse pro-
     engessado, no nosso entendimen-         cesso e, com transparência e polí-
     to. Como vai ser quando assumir-        ticas claras, transformá-lo.
     mos a presidência da República?            Essa é uma luta que temos de
     É um grande desafio: abrir o orça-      assumir. Firmeza e paciência não
     mento público federal para uma          devem faltar para levá-la adian-
     discussão que vá além da Comis-         te. Mas, evidentemente, um go-
     são de Orçamento do Congresso,          verno nosso não pode repassar
     das duas casas do Congresso, dos        verbas para um município sem a
     especialistas, dos grupos econômi-      comprovação de como o dinheiro
     cos. Como fazer isso? Eis a gran-       será aplicado. Às vezes no pró-
     de e desafiadora questão.               prio local há dificuldades de fu-
       O controle social das verbas pú-      rar o bloqueio, mas na região há
     blicas, companheiro Paulo Rubens,       possibilidade de discutir melhor e
     é um ponto fundamental. Vejamos         fazer dessa maneira um cerco,
     o caso da saúde. Existem os con-        que acaba também por provocar
     selhos municipais de saúde. Cada        uma mudança naquele lugar ini-
     centavo do dinheiro público repas-      cial. Esse controle é muito impor-
     sado deve ter sua aplicação com-        tante: o cidadão saber que tem re-
     provada. Por isso a importância de      cursos para o seu município. Es-
     um conselho de saúde no municí-         ses recursos têm prazos para che-
     pio. Mas não raro vamos encon-          gar lá. Chegaram? Quanto?
     trar o conselho manobrado pelo fi-      Como foram gastos? Essa é uma
     gurão local, pelo cacique político, e   questão em torno da qual se pode
     constituído pelos seus parentes e       trabalhar o fortalecimento dos
     cabos eleitorais. Infelizmente, essa    conselhos. Os delegados e con-


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selheiros do orçamento participa-       integrada com instituições como o
tivo, que são eleitos, também têm       Ministério Público, a Polícia Fede-
essa tarefa. E se eles acompa-          ral etc. A cidadania discutir e influ-
nham, passa a haver, portanto, uma      enciar na construção das propos-
incidência maior de outros sujei-       tas de 100% das estruturas de re-
tos sociais sobre esses espaços que     ceita e despesa pública nos três ní-
precisam ser conquistados para          veis, federal, estadual e municipal,
uma cidadania verdadeira.               faz parte desse combate.
  O combate à sonegação é, evi-           Roberto Gouveia sublinhou bem
dentemente, importante. Existe a        a questão da educação para o
sonegação propriamente dita, que        exercício do poder. Evidente que
contraria a lei, e a sonegação de-      poder, para nós, não é ter um car-
corrente da lei, ou seja, grupos eco-   go, um mandato, isso é apenas
nômicos que conseguem aprovar           uma parte do poder. Existe um
leis nos legislativos para ficar com    outro poder que para nós é o prin-
o dinheiro público. O cidadão paga      cipal: o protagonismo do povo.
o imposto mas o imposto não che-        Eleger representantes para admi-
ga aos cofres públicos porque tem       nistrar parcelas do Estado – go-
um incentivo para determinado gru-      verno municipal, estadual ou fe-
po. É a renúncia fiscal, isto é, a      deral – não significa a conquista
apropriação privada dos recursos        do poder, mas apenas de uma parte
públicos com o beneplácito dos le-      dele, mesmo que importante, à
gisladores e governantes. E a cida-     qual a classe dominante jamais
dania, que não discutiu essa políti-    pensaria que chegássemos.
ca, fica sem recursos para o aten-        Disposição para aprender em to-
dimento de suas demandas.               das as circunstâncias, superando
  Esse é um combate sério para o        nossas limitações e nossos precon-
qual a administração fazendária         ceitos, não nos deve faltar nunca.
deve estar mais bem estruturada e       Diferentemente da direita, temos a


SOCIALISMO EM DISCUSSÃO                                                          39
capacidade de nos construir, cons-     um número cada vez maior de pes-
     truindo com os outros a apropriação    soas do povo. Isso acaba arejando
     pública, e não privada, do Estado.     os espaços já existentes e possibi-
     Temos obrigações e compromissos,       litando a criação de novos e ricos
     até porque somos um partido, e o       espaços de participação popular.
     Partido dos Trabalhadores tem pro-        Entendo que estas cinco coloca-
     posta. Queremos que nossa propos-      ções apresentadas pelos compa-
     ta, que é de uma parte da socieda-     nheiros trouxeram elementos no-
     de, possa ser aceita pelo conjunto     vos e importantes para a reflexão
     dela num processo de construção da     sobre democracia, sua radicali-
     hegemonia, por meio do convenci-       zação, representação, descentra-
     mento e do reconhecimento, e não       lização do poder, controle público,
     da imposição e do arbítrio.            aletando para o risco de, pela sim-
       No processo do orçamento parti-      plificação, não aquilatarmos bem os
     cipativo, são eleitos os conselhei-    desafios e potencialidades do orça-
     ros, que, por sua vez, elegem os       mento participativo.
     delegados que compõem o COP,
     Conselho do Orçamento Partici-           Maria Victoria Benevides
     pativo. A realização de cada assem-      Olívio Dutra respondeu de uma
     bléia local e regional é antecedida    maneira tão completa e eficiente às
     de reuniões e encontros de iniciati-   questões, e de uma maneira com a
     va das próprias organizações da so-    qual eu concordo bastante, que vou
     ciedade civil que mobilizam milha-     me deter apenas em alguns pon-
     res de pessoas. Reúnem-se para         tos. Por exemplo, a questão sobre
     discutir prioridades locais e regio-   o orçamento participativo no plano
     nais, para buscar a melhor repre-      nacional e a questão jurídica. São
     sentação possível nas eleições de      pontos extremamente complicados.
     conselheiros e de delegados. É um      Acho muito difícil pensar numa con-
     exercício de política praticado por    figuração jurídica para o orçamen-


40                                          ORÇAMENTO PARTICIPATIVO E SOCIALISMO
to participativo em nível nacional.     exemplo, se o povo prefere o acor-
É uma experiência que tem melho-        do nuclear do tipo alemão ou do tipo
res condições para dar certo nos        norte-americano. Isso realmente
níveis locais e estadual. Para o ní-    cabe aos especialistas. Mas pode-
vel nacional, o caminho seria uma       mos perguntar se cabe uma dota-
pressão da sociedade organizada,        ção orçamentária de tal magnitude
inclusive via partidos, movimentos      para um programa nuclear em de-
e mesmo organizações não-go-            trimento de outros investimentos em
vernamentais (ONGs), para mudan-        educação, saúde etc. A mesma
ça na discussão das leis orçamen-       coisa pode ocorrer em relação às
tárias, do que entra como aprova-       prioridades de reforma agrária, do
ção, se são aquelas verbas especí-      programa de previdência social,
ficas dos parlamentares ou verbas       entre outros.
globais para determinadas áreas,           Em relação à questão do Ro-
como essa questão é discutida. Isso     berto Gouveia, queria lembrar que
significaria realmente mudar o pro-     a ênfase na descentralização é ex-
cesso decisório em relação à ques-      tremamente importante, junto com
tão orçamentária no plano do Con-       a desconcentração do poder.
gresso Nacional.                        Quer dizer, não apenas descen-
  Vejo uma possibilidade ampliada       tralizar, ou seja, multiplicar as ins-
para consultas populares, em âmbi-      tâncias, mas também desconcen-
to nacional, sob a forma de plebisci-   trar. Muitas vezes se descentrali-
tos ou referendos, dependendo da        za mas não se desconcentra o
anterioridade ou posterioridade do      poder. Vou dar um exemplo da
tema, para questões que vão exigir      área da educação. O Ministério
uma dotação orçamentária importan-      da Educação descentraliza e
te ou que decidam prioridades.          transfere poderes para as secre-
  E aqui entra a questão da espe-       tarias estaduais. Mas aí cada se-
cialidade. Não vamos perguntar, por     cretário “senta em cima”. Sai das


SOCIALISMO EM DISCUSSÃO                                                          41
secretarias estaduais e vai para      plo, no plano urbanístico de mu-
     as delegacias de ensino; mas aí       dança do bairro do Bixiga, em que
     cada delegacia “senta em cima”.       a população interessada participou
     Vai para as escolas, e as diretoras   de assembléias para discutir a ex-
     – que muitas vezes são extrema-       posição dos diferentes projetos e
     mente conservadoras diante de         depois votar.
     qualquer inovação – “sentam em          Assim, outras experiências de
     cima” da proposta e do projeto. Ou    democracia direta certamente com-
     seja, há descentralização, mas o      pletariam, junto com o orçamento
     poder continua concentrado.           participativo, um projeto efetivo de
       E, finalmente, em relação à ques-   mudança no exercício do poder, de
     tão do Pedro Pontual, eu lembraria    democratização do poder.
     outras formas de democracia dire-
     ta. Por exemplo, a iniciativa popu-     Pergunta
     lar: é necessário ampliar o âmbito      Levando em conta que a maioria
     da iniciativa popular legislativa     dos eleitores não se interessa por
     para emendas à Constituição. Há       política, uma crítica que se faz ao
     países em que as emendas consti-      orçamento participativo é que só
     tucionais podem ser feitas por de-    vão às assembléias aqueles que já
     cisão popular, e acho que nós po-     são atuantes. O eleitor comum aca-
     deríamos perfeitamente fazer isso,    ba ficando fora de qualquer parti-
     assim como ampliar formas de par-     cipação. Como poderíamos respon-
     ticipação popular em relação, por     der a essa crítica?
     exemplo, à realização de obras de       Pergunta
     impacto ambiental ou de grande          O governador Olívio Dutra menci-
     vulto financeiro.                     onou que houve uma liminar contra
       Lembro que a ex-prefeita de         o orçamento participativo. Poderia
     São Paulo Luíza Erundina promo-       explicar melhor isso e como ficou
     veu consultas populares, por exem-    essa questão?


42                                         ORÇAMENTO PARTICIPATIVO E SOCIALISMO
Pergunta                            da população, que, em princípio,
  Muitos municípios e estados têm     carece de escolas ou de centros
suas finanças quase totalmente        de saúde, estradas etc. É assim que
comprometidas por dívidas, muitas     funciona. A população diretamen-
vezes herdadas da gestão anterior.    te não é mobilizada, ela ignora
Como discutir, nesse caso, um or-     completamente o que ocorre, o
çamento que dificilmente será exe-    jogo se dá entre as secretarias e
cutado e tentar enfrentar as tantas   os departamentos do Executivo ou
carências da população?               os parlamentares, mas sobretudo
                                      entre essas empresas, ou grupos
   Paul Singer                        de empresas, associações, que em
   A questão que gostaria de levan-   última análise abocanham, já de
tar é como se dá o processo orça-     uma forma mais ou menos fixa, de-
mentário sem orçamento partici-       terminadas porcentagens dos re-
pativo. Na verdade, existem gru-      cursos, seja para investimento,
pos de interesses, que são geral-     seja para serviços.
mente comandados pelas empre-           A minha pergunta, sobretudo ao
sas que executam as ações de Es-      companheiro Olívio Dutra, é de que
tado – e agora com o neolibera-       maneira nós conseguiríamos atuar,
lismo e com as privatizações isso     mudando completamente esse tipo
se dá cada vez mais. São grupos       de jogo, por meio do orçamento
– na verdade lobbies – que, jun-      participativo. O orçamento parti-
tamente com a Assembléia ou           cipativo, em princípio, deveria co-
com a Câmara Municipal, acabam        locar os diferentes interesses po-
fazendo o orçamento. Também           pulares em confronto. Aqui estou
existe a parte da burocracia do       partindo da idéia de que o povo não
Executivo, mas as empreiteiras, as    é homogêneo, nem todos têm o
fornecedoras de serviços e de pro-    mesmo interesse. Seria uma sim-
dutos, aparecem como advogadas        plificação trágica se imaginássemos


SOCIALISMO EM DISCUSSÃO                                                     43
que a sociedade é composta por ri-    co se o povo fosse homogêneo e
     cos e pobres, e que os pobres que-    todo mundo quisesse a mesma coi-
     rem exatamente a mesma coisa,         sa e fosse preciso só implementar
     portanto basta dar aos pobres, que    aquilo que todo mundo quer. O que
     são maioria, a voz e o poder de de-   eu gostaria de ouvir do companhei-
     cisão e tudo muda. Não é assim. A     ro Olívio é um comentário sobre
     população é heterogênea, sobretu-     isso, porque é aí que está o proces-
     do no plano estadual, por isso gos-   so de construção da soberania po-
     taria tanto que o companheiro         pular. No plano orçamentário, após
     Olívio nos contasse um pouco como     12 anos de orçamento participativo,
     são os conflitos no processo do or-   provavelmente já há um lastro de
     çamento participativo entre as fac-   conhecimentos de como encami-
     ções do povo. Porque existem gran-    nhar essas negociações e garantir
     des quantidades de pessoas preci-     que elas desemboquem depois, no
     sando de escolas e de creches. Mas,   Legislativo, de forma positiva.
     e as famílias que não têm crianças
     em idade escolar, como é que fi-        Anísio Homem
     cam? Existe necessidade de gran-        Gostaria de fazer uma interven-
     des recursos para a saúde. Mas os     ção partindo um pouco da preocu-
     que não precisam desse recurso,       pação de Paul Singer, mas tirando
     que não têm doenças crônicas,         conclusão inversa. Ele tem razão
     como é que ficam? Ou seja, a base     quando diz que há um verdadeiro
     do orçamento participativo, a meu     conflito estabelecido entre a popu-
     ver, é um processo de conflito e de   lação que vai ao orçamento parti-
     negociação entre as correntes, ou     cipativo. Por quê? Porque existe
     entre os setores que formam o         algo que não apareceu na primeira
     povo. A soberania popular se cons-    rodada de falas, ou seja, que o or-
     trói nesse processo. Ela não vem      çamento dos orçamentos está am-
     pronta de uma vez. Seria magnífi-     putado, ele é completamente deter-


44                                         ORÇAMENTO PARTICIPATIVO E SOCIALISMO
minado pela política de Fernando         partido? Esse é o papel dos nossos
Henrique Cardoso. O mesmo acon-          governantes? Esse é o papel dos
tece com a descentralização, por-        parlamentares do nosso partido?
que o governo federal transfere res-       Fazendo uma análise do orçamen-
ponsabilidades para baixo e deixa        to participativo em Porto Alegre,
o dinheiro em cima.                      acho que os dados não são anima-
  Então há um conflito que, a meu        dores nesse sentido. Creio que esse
ver, não é saudável para a demo-         problema de tentarmos hierarquizar
cracia; ao contrário, vai contra         por baixo colabora para que o que
aquilo que nós queremos, a unida-        está aí fique como está e para que
de do povo, unificar esse povo con-      acabemos simplesmente ajeitando
tra aqueles que roubam, que pas-         entre nós a miséria que nos dão, que
sam a mão nas riquezas deste país        nos impõem. Esse é um consenso
e que servem às multinacionais, ao       que não interessa...
grande capital especulativo finan-
ceiro internacional.                       Juliana Piccoli Agati
  Não acho interessante esse tipo          Tenho uma questão que se re-
de conflito que surge com a demo-        laciona com a construção do so-
cracia participativa. Olívio Dutra fa-   cialismo, porque sabemos que o
lou que os recursos são escassos,        processo do orçamento partici-
que é preciso hierarquizar. Se fizer-    pativo proporciona conscienti-
mos uma leitura do orçamento naci-       zação crítica para enfrentar os
onal, veremos que, se não me enga-       problemas que vemos acontecer
no, 70% dele em 2001 estão sendo         na política e que são manipulados
canalizados para o pagamento de dí-      pela mídia no capitalismo, na eco-
vidas. É um montante muito gran-         nomia em que vivemos.
de. E nós ficamos aqui embaixo, nos        Como construir uma proposta,
digladiando em torno das dificulda-      uma alternativa econômica, dentro
des de recursos. Esse é o papel do       do capitalismo, rumo ao socialismo?


SOCIALISMO EM DISCUSSÃO                                                         45
Como atrelar junto ao orçamento         a experiência de Belém1 . Por que
                                  participativo uma proposta de de-       Valdir Ganzer foi convidado? Des-
                                  senvolvimento econômico, porque         de a primeira fase deste seminário,
                                  acho que ele, por si só, não leva ao    o critério tem sido mesclar visões
                                  socialismo, porque não existe capi-     diferentes no debate, com pessoas
                                  talismo democrático. E acho tam-        de regiões diferentes e com posi-
                                  bém que o orçamento participativo       ções diferentes. E a regra geral no
                                  não é uma alternativa dentro do ca-     seminário é dinamizar o debate, fa-
                                  pitalismo, mas um processo que          zer uma discussão quente no PT.
                                  leva à construção do socialismo.        Quando convidamos o Valdir, ele
                                  Gostaria de saber qual a posição do     disse, tudo bem, mas nós temos aqui
                                  partido sobre essa questão.             em Belém hoje uma divisão, no PT,
                                                                          a respeito do orçamento partici-
                                    Paulo Vannuchi                        pativo. E nós dissemos, ótimo, tra-
                                    Gostaria de apresentar duas           ga isso para o debate. Então, gos-
                                  questões. A primeira é pedir um         taria que os companheiros refletis-
                                  relato aos companheiros da mesa,        sem um pouco sobre isso.
                                  e também uma avaliação, um ba-             Como segunda questão, eu pedi-
                                  lanço da questão levantada por          ria que os dois debatedores reto-
                                  Anísio Homem sobre o possível           massem o tema da relação do or-
                                  conflito entre setores da população,    çamento participativo com o socia-
                                  que ele vê como algo prejudicial.       lismo. O orçamento participativo já
 1. O debate deveria ter          Eu gostaria de ver isso refletido na    começou a nos permitir algumas
contado com a presença de         discussão do PT.                        suposições, algumas hipóteses de
Valdir Ganzer, vice-prefeito de     É uma pena a ausência de Valdir       um socialismo que não é mais visto
Belém, e de Guilherme             Ganzer, vice-prefeito de Belém,         como algo que nasce da noite para
Menezes de Andrade, prefeito de
Vitória da Conquista (BA), como
                                  que iria participar deste debate mas    o dia, um Armagedon que separa a
comentadores, mas ambos não       na última hora não pôde compare-        história em antes e em depois. O
puderam comparecer.               cer, pois ele traria para a discussão   orçamento participativo traz algu-


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ma idéia sobre um processo de ida       Olívio Dutra
ao socialismo, que precisaria ser       Seriam as assembléias do orça-
combinado com outras formas de        mento participativo freqüentadas
participação popular. Podemos co-     exclusivamente por militantes do
meçar a pensar, Maria Victoria,       PT, ou pelo pessoal do MST (Movi-
nessa complementação, como            mento dos Trabalhadores Rurais
aponta a sua reflexão sobre a não-    Sem Terra)? Esse é o discurso ad-
contradição entre a democracia        versário, que tinha maior intensi-
representativa e a direta? O que o    dade no início e que com o tempo,
orçamento participativo permite, em   foi sendo esvaziado na prática.
relação a isso?                       Hoje temos a maioria desses ad-
                                      versários participando e disputan-
  José Reinaldo Braga                 do conosco, trazendo suas propos-
  Minha questão também vai nes-       tas para o processo do orçamento
se sentido. Essa discussão está no    participativo, até elegendo conse-
escopo da relação Estado–socie-       lheiros e delegados.
dade. Eu queria saber qual o pa-        As assembléias são abertas e
pel do partido nessa forma demo-      amplamente convocadas até mes-
crática de administrar, como, e se,   mo por prefeituras governadas por
o partido tem feito algo em rela-     adversários. O governo, por meio
ção aos movimentos sociais, ao        da Coordenação de Relações Co-
movimento sindical, a fim de esti-    munitárias, faz também a sua con-
mular a população a discutir o so-    vocação, aliás, prerrogativa que per-
cialismo, para politizá-la. Enfim,    deu por mais de um ano, por conta
para que a discussão não fique        de uma iniciativa jurídica da oposi-
apenas no nível da administração,     ção. Refiro-me à liminar contra o
mas comece no povo, com o tra-        orçamento participativo interposta
balhador, para que avancemos em       pelo ex-governador do estado Al-
direção ao socialismo.                ceu Collares. A ação sustentava


SOCIALISMO EM DISCUSSÃO                                                       47
que os gastos na convocação para          vez mais. Tanto que os adversários
     as assembléias não tinham sido pre-       do projeto começam a vir para den-
     vistos e que não era de competên-         tro dele disputar suas propostas.
     cia do Executivo fazer essa discus-         Quero sublinhar novamente que
     são, pois a Assembléia Legislativa        o orçamento participativo é um
     já discutia o orçamento. Era, por-        processo e não apenas a discus-
     tanto, um gasto desnecessário.            são da receita e da despesa. É cla-
       O poder Judiciário concedeu             ro que ele engloba também a pres-
     liminar, o que simplesmente impe-         tação de contas do orçamento do
     diu o Executivo de fazer qualquer         ano anterior e, mais do que isso, a
     referência às assembléias do orça-        previsão do que é o gasto funda-
     mento participativo, informando o         mental, estratégico. Portanto, no
     local e a hora das reuniões, convo-       orçamento participativo disputa-
     cando a população. Fomos proibi-          mos uma visão de desenvolvimen-
     dos de fazer isso, seis meses após        to para o Estado. Fomos eleitos
     a deflagração do processo. Essa           com um projeto de desenvolvimen-
     liminar demorou mais de um ano            to desconcentrado, descentraliza-
     para ser derrubada.                       do, reforçador dos sistemas locais
       O que aconteceu? O movimento            de produção. Isso envolve ques-
     social assumiu essa tarefa como sua       tões de conteúdo, de como orien-
     e fez a convocação, organizou as          tar nossa ação, nossos recursos e
     reuniões e convidou o governo para        investimentos nessa direção. Nos-
     participar. E tivemos 190 mil pesso-      so governo disputa esse projeto por
     as participando no primeiro ano. No       dentro do orçamento participativo.
     segundo ano foram 280 mil pesso-            Essa disputa inclui setores da nos-
     as. Então, esse é um processo que         sa própria base social, que têm uma
     vem sendo apropriado pelos sujei-         visão particularista da luta, local,
     tos sociais, individuais e coletivos e,   econômica, regional. O governo não
     por isso, tem se consolidado cada         pode ir para as assembléias e dizer:


48                                             ORÇAMENTO PARTICIPATIVO E SOCIALISMO
“Vim ouvir o que a população quer        O espaço do orçamento partici-
que nós façamos”. Não. Deve pro-       pativo promove a discussão sobre
por, debater e assumir responsabili-   o destino da renda gerada pelo tra-
dades. O espaço do orçamento           balho, sua apropriação e o papel do
participativo é um bom espaço para     Estado nessa questão. É difícil ter
esse debate denso, às vezes tenso.     um espaço melhor para fazer esse
É um espaço de construção.             debate render tanta cidadania.
   Em 1999, nosso primeiro ano de        A população é heterogênea, por
governo, tivemos de lidar com um       isso ao promover o desenvolvimen-
orçamento herdado. A Lei Orça-         to é necessário respeitar especifi-
mentária é votada num ano para         cidades locais, regionais, e ver
execução no ano seguinte. Estáva-      como introduzir novas vocações
mos com um projeto de integração,      sem destruir as antigas, e atualizar
de desconcentração, de descentra-      as tradicionais, sem descaracterizá-
lização, condicionados por um or-      las. Isso é um processo, no qual o
çamento feito com uma visão dia-       debate vai avançando, se tornando
metralmente oposta.                    mais complexo, mas também mais
   Na verdade, herdamos um esta-       compreensível para um número
do em que o governo trabalhava         maior de pessoas. Imaginem a di-
com três orçamentos: o orçamen-        ficuldade inicial de levar adiante um
to propriamente dito do ano de         processo desses em Porto Alegre,
1999; as antecipações de receita       multipliquem por dez e encontrarão
e os 5 bilhões de reais da venda       algo parecido com a complexidade
de patrimônio. Somente a partir de     de se fazer o mesmo no estado.
2000, portanto, é que começamos        Imaginem essa questão sendo en-
a trabalhar com o orçamento cons-      frentada na dimensão do país que
truído com participação e que tem      nós queremos governar. Diante de
um grau de sintonia maior com o        tamanho desafio, alguns poderão di-
nosso programa.                        zer: “Não vamos nos meter nisso”.


SOCIALISMO EM DISCUSSÃO                                                        49
Orcamento participativo e_socialismo
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  • 1. SOCIALISMO olivio dutra DISCU EM DISCUSSÃO maria victoria benevides orçamento participativo e socialismo
  • 2. O SEGUNDO CICLO DO SEMINÁRIO SOCIALISMO E DEMOCRACIA DEDICOU-SE AO EXAME DE QUESTÕES CONCRETAS QUE ESTÃO SENDO POSTAS PARA AS ESQUERDAS NO BRASIL. A ABORDAGEM DESSAS QUESTÕES JUNTOU AS URGÊNCIAS DE CURTO PRAZO COM A PERSPECTIVA HISTÓRICA MAIS LARGA DO FUTURO. POR ISSO, OS VÁRIOS TEMAS FORAM TRABALHADOS, SEMPRE, PERGUNTANDO-SE QUAIS SÃO SUAS INTERAÇÕES COM O SOCIALISMO. FORAM ABORDADOS TEMAS COMO A RICA EXPERIÊNCIA – QUE A VÁRIOS TÍTULOS REPRESENTA UMA ENORME INOVAÇÃO POLÍTICA – DO ORÇAMENTO PARTICIPATIVO, O PLANEJAMENTO URBANO, A REFORMA AGRÁRIA E O MOVIMENTO DOS TRABALHADORES SEM-TERRA, AS FORMAS CONTEMPORÂNEAS DA LUTA SOCIAL, A DECISIVA REVOLUÇÃO MOLECULAR-DIGITAL E A VIRADA DA INFORMAÇÃO, E, POR ÚLTIMO, AS COMPLEXAS RELAÇÕES ECONÔMICAS INTERNACIONAIS NA ERA DA CHAMADA GLOBALIZAÇÃO. O EXAME TRAVEJOU, SEMPRE, A EXPERIÊNCIA DAS LUTAS COM A REFLEXÃO QUE PROCURAVA PROJETÁ-LAS E ENTENDÊ-LAS NO QUADRO DA TRANSFORMAÇÃO URGENTE E RADICAL. NÃO PARA UM DIA QUALQUER POSTERIOR À REVOLUÇÃO, MAS DIUTURNAMENTE. FRANCISCO DE OLIVEIRA
  • 3. Socialismo em discussão ORÇAMENTO PARTICIPATIVO E SOCIALISMO Olívio Dutra Maria Victoria Benevides EDITORA FUNDAÇÃO PERSEU ABRAMO
  • 4. Fundação Perseu Abramo Instituída pelo Diretório Nacional do Partido dos Trabalhadores em maio de 1996 Diretoria Luiz Dulci – presidente Zilah Abramo – vice-presidente Hamilton Pereira – diretor Ricardo de Azevedo – diretor Editora Fundação Perseu Abramo Coordenação Editorial Flamarion Maués Assistente Editorial Candice Quinelato Baptista Revisão Márcio Guimarães de Araújo Maurício Balthazar Leal Capa e Projeto Gráfico Gilberto Maringoni Ilustração da Capa Rodolfo Pizzignacco Editoração Eletrônica Enrique Pablo Grande Impressão Cromosete Gráfica 1a edição: outubrode 2001 – Tiragem: 4 mil exemplares Todos os direitos reservados à Editora Fundação Perseu Abramo Rua Francisco Cruz, 234 – CEP 04117-091 – São Paulo – SP – Brasil Telefone: (11) 5571-4299 – Fax: (11) 5571-0910 Na Internet: http://www.fpabramo.org.br – Correio eletrônico: editora@fpabramo.org.br Copyright © 2001 by Editora Fundação Perseu Abramo — ISBN 85-86469-57-2
  • 5. Apresentação Francisco de Oliveira ..................................................................... 5 O orçamento participativo e a questão do socialismo Olívio Dutra .................................................................................... 7 Ética e luta de classes ........................................................................................ 12 Na contramão do neoliberalismo ........................................................................ 13 Comentários Orçamento participativo e democracia direta Maria Victoria Benevides .............................................................. 19 Democracia direta como parte da construção do socialismo ............................. 21 Radicalização da democracia e socialismo democrático ..................................... 24 Controle público do Estado ............................................................................... 26
  • 6. Debate com o público Armelindo Passoni ....................................................................................... 31 Paulo Rubens ............................................................................................... 31 Roberto Gouveia .......................................................................................... 32 Pedro Pontual ............................................................................................... 33 Olívio Dutra ................................................................................................ 35 Maria Victoria Benevides ........................................................................... 40 Paul Singer ................................................................................................... 43 Anísio Homem ............................................................................................. 44 Juliana Piccoli Agati ..................................................................................... 45 Paulo Vannuchi ............................................................................................ 46 José Reinaldo Braga ..................................................................................... 47 Olívio Dutra ................................................................................................ 47 Maria Victoria Benevides ........................................................................... 54 Zilah Abramo ............................................................................................... 59 Alencar Santana Braga ................................................................................ 59 Gustavo Venturi ........................................................................................... 59 Antônio Lanzetti .......................................................................................... 61 Sebastião Marcelo Sobrinho ........................................................................ 62 Olívio Dutra ................................................................................................ 63 Sobre os autores ..................................................................... 69 4 ORÇAMENTO PARTICIPATIVO E SOCIALISMO
  • 7. Apresentação Francisco de Oliveira O segundo ciclo do seminário Socialismo e Democracia – reproduzido na coleção Socialismo em Discussão –, que o Instituto Cidadania, a Fundação Perseu Abramo e a Secretaria de Formação Política do Partido dos Traba- lhadores realizaram no primeiro semestre de 2001, dedicou-se, desta vez, ao exame de questões concretas que estão sendo postas para o movimento das esquerdas no Brasil com urgência, particularmente a partir das expressi- vas vitórias nas eleições municipais de outubro de 2000. O Partido dos Tra- balhadores, para não usurparmos a fala das outras formações da esquerda brasileira, foi chamado a dar soluções concretas aos já dramáticos proble- mas das cidades, herança de um longo ciclo histórico, agravados pelas polí- ticas ou antipolíticas neoliberais dos últimos dez anos. Entendeu-se que a votação cidadã optou pelo PT não apenas pela ur- gência da conjuntura, mas como uma orientação de outra perspectiva de desenvolvimento econômico, social, político e cultural, caucionada pela trajetória do partido desde sua criação e pela exemplaridade das admi- nistrações petistas ali onde a cidadania lhe tem entregue a gestão do Estado, em municípios e estados. A abordagem das questões concretas juntou as urgências de curto prazo com a perspectiva histórica mais ampla do futuro. Por isso, os vários SOCIALISMO EM DISCUSSÃO 5
  • 8. temas foram trabalhados, sempre, perguntando-se quais são suas interações com o socialismo. De modo que as gestões da esquerda não devem ser apenas o breve ciclo de uma administração, mas precisam também realizar, concretamente, na vida cotidiana das cidades, das cida- dãs e cidadãos, uma mudança cujo nome histórico é socialismo. Não para um dia qualquer posterior à revolução, mas diuturnamente. Desse modo, a perspectiva histórica do socialismo ajuda, orienta e valoriza me- didas simples, ao alcance da cidadania, sem a grandiloqüência dos gran- des eventos, mas preparando-a para seu autogoverno. Foram abordados o recado das urnas de 2000, a rica experiência, que a vários títulos representa uma enorme inovação política, do orçamento participativo, o planejamento urbano, a reforma agrária e o movimento dos trabalhadores sem-terra, as formas contemporâneas da luta social, a decisiva revolução molecular-digital e a virada da informação, e, por último, as complexas relações econômicas internacionais na era da cha- mada globalização. O exame travejou, sempre, a experiência das lutas com a reflexão que procurava projetá-las e entendê-las no quadro da transformação urgente e radical. Destacados militantes do Partido dos Trabalhadores, desde seu presidente de honra, novos dirigentes munici- pais, calejados quadros políticos, governadores e prefeitos, especialistas, reputados professores universitários, apoiados, discutidos e contestados por um público sempre numeroso e participante, dedicaram o tempo ne- cessário para arejar o pensamento, desafiando o entendimento da nova complexidade. Assim, o PT busca juntar ação e reflexão, não apenas para preparar quadros, mas para assumir o mandato da transformação – como disse uma já clássica canção petista – “sem medo de ser feliz”. Em nome da Comissão Organizadora, Francisco de Oliveira 6 ORÇAMENTO PARTICIPATIVO E SOCIALISMO
  • 9. O orçamento participativo e a questão do socialismo Olívio Dutra Prezados companheiros e companheiras, é com imenso prazer que ve- nho debater com vocês “O orçamento participativo e a questão do socia- lismo”. Um encontro deste tipo, com esse tema, revigora o nosso parti- do, por mostrar que ele não se pauta pelo pragmatismo, nem pelo imediatismo político. A implementação do orçamento participativo exige de todos nós uma permanente reflexão sobre seus limites e desafios. Nossa experiência no Rio Grande do Sul começou em 1989, quando conquistamos a prefeitura de Porto Alegre. Hoje, além do espaço federado estadual, também estamos governando importantes cidades gaúchas. Governamos, além da capital, cidades como Caxias do Sul, Pelotas, San- ta Maria, Bagé, Viamão, Alvorada, Gravataí, Estância Velha e Cachoei- rinha. No total, o Partido dos Trabalhadores governa 35 municípios e tem a vice-prefeitura de seis cidades. Este inegável avanço do nosso projeto no Rio Grande do Sul tem no orçamento participativo um referencial importante. Governamos o Rio Grande há pouco mais de dois anos e administramos Porto Alegre há 12 anos. O controle público sobre o Estado é a essência e o diferencial de nosso projeto em relação aos projetos adversários. SOCIALISMO EM DISCUSSÃO 7
  • 10. Não reinventamos a roda. Nosso projeto é fruto das lutas históricas da classe trabalhadora, da resistência democrática e de experiências go- vernamentais desenvolvidas pelo campo popular em várias partes do planeta em diferentes situações e circunstâncias históricas, especialmente na nossa América Latina. Por meio do orçamento participativo, a popu- lação protagoniza a construção da proposta orçamentária. Nesse pro- cesso, invertem-se as prioridades, o que provoca mudanças importantes na concepção estrutural da proposta. Com a implantação do orçamento participativo, revigoram-se outras vias de participação popular nas áreas de saúde, assistência social, habi- tação, ensino, interpondo barreiras às práticas tradicionais das elites do- minantes em nosso país, como o clientelismo e a corrupção. Floresce com ele uma nova cultura, na qual o cidadão passa a ser sujeito, e não mais objeto da política. O orçamento participativo possibilita uma modificação substancial nas relações das pessoas com o Estado e o poder público. A proposta orça- mentária deixa de ser um arranjo de interesses entre governo, grupos empresariais, especialistas e técnicos para se tornar uma decisão assu- mida pelo povo na sua dimensão verdadeiramente política e cultural. Começa a se democratizar radicalmente a relação do Estado com a sociedade civil; as pessoas não mais limitam sua participação política ao ato de votar em dia de eleição. E não se trata de um “ovo de Colombo”, de uma fórmula mágica, mas de um processo longo e árduo, de um aprendizado comum envol- vendo muita gente. O governo, junto com sua base de sustentação – os partidos que compõem a Frente Popular –, tem um papel importante, mas a população tem o protagonismo principal. Com ela, o significado desta alternativa radical de cidadania vai adquirindo contornos mais nítidos. O governo vai se descentralizando e aprendendo a dividir o 8 ORÇAMENTO PARTICIPATIVO E SOCIALISMO
  • 11. poder, eliminando os resquícios autoritários que pretendem substituir o protagonismo do povo e os preconceitos tecnocráticos que menospre- zam a sabedoria popular. Por esse processo, receita e despesa definitivamente deixam de ser misteriosas fórmulas aritméticas ou arranjos políticos e passam a ser de domínio público. Já percorremos um bom trecho dessa caminhada, mas ainda há um longo percurso pela frente. Para vencer os obstáculos ma- teriais e subjetivos que surgem pelo caminho, há que avançar na demo- cratização desse processo. Criar essa nova cultura – a do protagonismo – é um dos pontos cen- trais do projeto que estamos implementando no estado, com todas as dificuldades decorrentes da complexidade de uma estrutura desse porte, distorcida em suas finalidades e em fase adiantada de privatização. O governo que nos antecedeu seguiu à risca a lógica do pensamento neoliberal, atribuindo ao tamanho do Estado a razão maior de seus pro- blemas, e tratou de torná-lo mais reduzido para a população e concentra- do para o benefício de poucos. Para o nosso projeto, a democracia pressupõe participação popular direta e uma nova forma de administração e planejamento, na qual cida- dãs e cidadãos se apropriam de dados e informações e exercem o direito soberano de influir nas decisões sobre a aplicação dos recursos públicos. O governo tem o compromisso de executar um programa e, além da obrigação formal e institucional de prestar contas aos poderes constituí- dos sobre a execução da Lei Orçamentária, precisa também regular- mente se explicar sobre os encaminhamentos das decisões tomadas pe- las assembléias do orçamento participativo. Assim, política e culturalmente, o orçamento participativo é também a negação da ideologia neoliberal e da hegemonia do pensamento único: prega e pratica o controle público sobre o Estado e se efetiva desde o SOCIALISMO EM DISCUSSÃO 9
  • 12. início, de modo aberto e pluralista. Dessa forma, as 22 regiões do orça- mento participativo no Rio Grande do Sul vão se tornando espaços fe- cundos nos quais se desenvolve uma verdadeira opinião pública inde- pendente. Espaços que não podem ser instrumentalizados nem pelos partidos, nem pelo governo. Com a experiência e o aprofundamento dos debates, esses espaços públicos acabam por superar os corporativismos egoístas e os particu- larismos limitadores, que aliás brotam inevitavelmente num primeiro momento, em razão de uma longa história de exclusão e de ausência de decisões e de projetos coletivos. Assim, as pessoas lutam não apenas pelas demandas de suas ruas e de seus bairros, mas adquirem uma visão integral de sua cidade, de seu estado e de seu país. Portanto, tornam-se cidadãs e cidadãos solidários, com consciência crítica e preocupação social, entendendo os processos de dominação, combatendo-os e se re- conhecendo como construtores de uma nova sociedade. Aqui, penso, reside a principal crítica ao socialismo que conhecemos e a maior contribuição à construção do socialismo democrático que quere- mos. Refiro-me ao protagonismo das pessoas no processo de transfor- mação social enquanto atividade permanente e cotidiana, ponto em que as experiências de socialismo até aqui fracassaram. O orçamento participativo é um espaço propiciador do exercício pleno da cidadania por parte de milhares de pessoas do povo. Assumimos, portanto, o desafio de reconstruir o Rio Grande como um estado participativo sob o controle público. Para isso, não poderíamos fazer a mera transposição do orçamento participativo aplicado em âmbi- to municipal para a esfera mais ampla e complexa do estado. Era preci- so levar em consideração um leque maior de forças e estruturas políti- cas, como as prefeituras, os conselhos regionais de desenvolvimento, as representações políticas locais, as diferenças regionais e as relações 10 ORÇAMENTO PARTICIPATIVO E SOCIALISMO
  • 13. político-institucionais com os demais poderes. A Coordenadoria de Re- lações Comunitárias (CRC) e o Gabinete de Orçamento e Finanças (GOF) foram importantes ferramentas forjadas para tratar dessas relações. Os desafios estão sendo encarados e equacionados nas assembléias locais e regionais, e nas reuniões do Conselho do Orçamento Participativo (COP), consolidando o processo, como revelam os números de seu cres- cimento: no primeiro ano, tivemos a participação de 190 mil pessoas; no segundo ano, 280 mil e, em 2001, 430 mil. Esse crescimento, porém, não foi apenas quantitativo, mas também na diversidade da participação, na riqueza e na qualidade dos debates. Apesar das manobras jurídicas de nossos adversários, que obtiveram uma liminar – derrubada um ano e meio depois – que impedia o Executivo de promover a organização e a convocação do orçamento participativo, o processo foi assumido pelo movimento social e resultou na elaboração de uma proposta de orça- mento com inversão de prioridades encaminhada, em tempo hábil, à Assembléia Legislativa, o poder legítimo e insubstituível que a transfor- ma em lei. Buscamos, assim, a gestão descentralizada de recursos, com a partici- pação universal, direta e voluntária da cidadania. Como já salientei, é óbvio que se trata de um processo, que vai progressivamente se aperfeiçoando e fazendo desabrochar a consciência crítica da população e, com ela, a noção de responsabilidade coletiva de cada um com a coisa pública. Nesse contexto, o conceito de hegemonia assume igualmente uma dimensão concreta, pois o orçamento participativo é, também, um espa- ço de disputa, no qual coexistem as diversas crenças e ideologias e em que são preservadas as múltiplas especificidades regionais de nosso es- tado em suas características econômicas, sociais e culturais. Mesmo os nossos adversários mais ferrenhos aos poucos estão vindo debater pro- postas neste espaço construído paulatinamente pela cidadania. SOCIALISMO EM DISCUSSÃO 11
  • 14. Ética e luta de classes – O orçamento participativo revigora o con- teúdo ético da atividade política, contrastando com o mar de corrupção que assusta e revolta os brasileiros neste início do século XXI. Nossa experiência de democracia participativa prova que a gestão transparen- te dos recursos é a melhor maneira de se evitar a corrupção e o mau uso do dinheiro público. Entretanto, não encaramos essas conquistas nem de forma meramen- te administrativa, nem de maneira idílica, como se tudo estivesse funcio- nando às mil maravilhas. Ao contrário, temos plena consciência de que esse processo revolucionário situa-se em um contexto de exacerbada luta entre dois projetos distintos. As elites tradicionais sabem perfeita- mente que esta prática dá um conteúdo real à democracia, acabando com os privilégios, com o clientelismo e, em última análise, com o poder do capital sobre o conjunto da sociedade. Trata-se, pois, de uma luta política com nítido conteúdo de classe (ou de bloco de classes) que vai se desenvolver ainda por um longo período. Por isso, se alguém afirmar – alguns o fazem – que o orçamento participativo é apenas uma forma mais organizada de os pobres disputa- rem entre si as migalhas do capitalismo ou, no máximo, uma ligeira pri- mavera democrática, mas sem qualquer relação com o socialismo, esta- rá inteiramente equivocado. Além de ser um aprofundamento e uma radicalização da democracia, também se constitui num vigoroso impulso socialista, se encaramos o socialismo como um processo, para o qual a democracia direta e participativa é elemento essencial, pois possibilita o fortalecimento da consciência crítica e dos laços solidários entre os ex- plorados e os oprimidos, abrindo caminho para a apropriação pública do Estado e a construção de uma nova sociedade. Nossos adversários de projeto de sociedade sabem bem disso, tanto que os partidos alinhados com a ideologia neoliberal buscam nos sub- 12 ORÇAMENTO PARTICIPATIVO E SOCIALISMO
  • 15. meter, no parlamento, a um cerco raivoso e irracional, enquanto os principais meios de comunicação distorcem os fatos e assumem aber- tamente o combate a esse processo democrático. Eles percebem, tal- vez por instinto de classe, que o orçamento participativo é um instru- mento de protagonismo do nosso povo para a formulação ampliada da socialização da política; é o surgimento de estruturas que levam à luta pela hegemonia democrático-popular, sinalizando a superação da soci- edade de exploração, apontando para a possibilidade de criação de uma sociedade autogestionária, humanista, democrática e libertária – a sociedade socialista. O orçamento participativo, e não só ele, mas também os conselhos municipais de saúde consolidados no processo de municipalização soli- dária, a Constituinte Escolar, os comitês de gerenciamento das bacias hidrográficas e os diversos canais de participação popular em proces- so de construção ou de aperfeiçoamento em todas as áreas da esfera pública referenciam um projeto efetivamente democrático no Rio Gran- de do Sul, em que o ser humano é o centro e o protagonista das políti- cas de governo. Na contramão do neoliberalismo – Caminhamos na contramão do neoliberalismo e da globalização controlada pelos grandes mono- pólios e centros financeiros internacionais. O neoliberalismo, na sua fase globalizada, devastou continentes inteiros, e o Brasil não esca- pou aos efeitos dessa devastação: agravaram-se em nosso país as práticas históricas de exploração. A inserção no mundo globalizado foi apresentada como uma panacéia para todos os graves problemas que enfrentamos e um passo inevitável rumo à modernidade e ao progresso. Mas essa ilusão vendida pelo pensamento hegemônico se esvaneceu rapidamente. SOCIALISMO EM DISCUSSÃO 13
  • 16. Na prática, o neoliberalismo globalizante só tem concentrado renda e dis- tribuído a miséria, agravando as desigualdades sociais e regionais, aumen- tando o desemprego e promovendo crescente empobrecimento dos povos. A abertura comercial e financeira feita de forma indiscriminada e irresponsável torpedeou os projetos nacionais; parque industrial brasi- leiro foi abandonado à própria sorte, numa competição desigual com empresas estrangeiras que para aqui foram atraídas praticamente sem riscos e com muito dinheiro público. Muitas fábricas pequenas e médi- as fecharam, indústrias tradicionais foram compradas por grupos es- trangeiros, setores importantes de nossa economia desapareceram e presenciamos a desorganização de importantes cadeias produtivas. No caso brasileiro, desde 1994, o patrimônio controlado por multinacionais cresceu 80%. O desemprego e a exclusão social constituem a face mais perversa desse modelo. Nas grandes cidades brasileiras, pelo menos 20% das pessoas econo- micamente ativas estão sem emprego. As decisões econômicas que afe- tam milhões de brasileiros são cada vez mais tomadas fora de nossas fronteiras, a partir do Fundo Monetário Internacional (FMI), uma espécie de cooperativa dos grandes banqueiros, muito mais preocupado em de- fender os interesses de credores e investidores estrangeiros do que em resolver a crise social que este modelo agrava a cada dia em nosso país e em diversos países do globo. Mas, ao contrário do que pretendiam os teóricos neoliberais, a história não acabou e os povos do mundo inteiro começam a perceber o engodo desse modelo perverso. As manifestações de Seattle contra a Organiza- ção Mundial do Comércio (OMC), em Washington, em Praga e, recente- mente, em Buenos Aires contra a Área de Livre Comércio das Améri- cas (ALCA) demonstram o vigor do crescente movimento de contesta- ção ao pensamento único que o neoliberalismo tentou nos impor. 14 ORÇAMENTO PARTICIPATIVO E SOCIALISMO
  • 17. A realização do Fórum Social Mundial em Porto Alegre, em janeiro de 2001, é uma prova da rearticulação das emergentes forças sociais pro- gressistas do mundo, ao mesmo tempo que referencia nossa experiência de democracia participativa como um luzeiro importante. Em nosso país, as eleições municipais de 2000 registraram expressivas vitórias de nosso parti- do e do campo progressista e de esquerda, sinalizando um início de rejeição ao neoliberalismo e demonstrando as possibilidades de crescimento de um projeto popular e participativo em todas as regiões brasileiras. É preciso, pois, que avancemos na construção de um projeto comum do campo de esquerda, democrático e progressista, que cada vez mais mobilize os agentes sociais na disputa sindical, na luta pela terra, na pro- dução cultural e na arquitetura de projetos de governo democráticos, populares e participativos que tenham a qualidade de vida e a dignidade do ser humano como centro das políticas públicas. Nesse sentido, as cidades e os estados que governamos devem se tornar espaços de espe- rança e de redenção para milhões de brasileiros. Permitam-me mais uma vez falar sobre o Rio Grande do Sul, que é a nossa experiência concreta. Assumimos o desafio de transformar um estado em adiantado processo de privatização num estado participativo, por meio de mecanis- mos democráticos de controle público sobre as ações do governo. Aca- bamos com a política de anistias e privilégios fiscais, que incentivam a sonegação e a inadimplência. Revisamos os benefícios já concedidos e adotamos novos critérios seletivos para concessões de incentivos, discu- tidos com a sociedade. Criamos organismos executores de políticas pú- blicas fundamentais, como a Secretaria de Habitação, a Secretaria do Meio Ambiente e a Secretaria Especial de Reforma Agrária. Na educa- ção, queremos garantir o acesso universal a um ensino público qualifica- do, debatido com a comunidade, por meio da Constituinte Escolar. Por isso somos o estado que mais investe por aluno na rede pública estadual. SOCIALISMO EM DISCUSSÃO 15
  • 18. Devemos, pois, trabalhar cotidianamente para a construção do espaço público, em que devem surgir e se desenvolver novas instituições, e bro- tar viçoso o conceito vivo de república. Paralelamente, começam a ser alicerçados os fundamentos de um Estado verdadeiramente democráti- co, com o objetivo principal e essencial de garantir a cidadania. Um Estado que socialize o poder, que seja transparente e controlado pela sociedade civil, que caminhe em sentido oposto ao do neoliberalismo e promova a mais ampla inclusão social. Não queremos um Estado que seja maior do que a sociedade, mas também rejeitamos o Estado mínimo pretendido e arquitetado pelos neoliberais sob as cinzas das conquistas sociais e das lutas de várias décadas dos trabalhadores. Nessa luta pela hegemonia, o conteúdo da crítica socialista ao capitalismo permanece vivo e atual. Não se confunda o conteúdo do socialismo com o que se convencionou chamar abusivamente de “socialismo real”, para ca- racterizar os regimes burocráticos do Leste Europeu. A desintegração da União Soviética, em dezembro de 1991, assinala o fim de um ciclo e abre uma nova etapa, marcada pelo absoluto domínio militar norte-americano e por uma hegemonia indiscutível do hemisfério Norte na economia, na políti- ca e na cultura. Entretanto, na Rússia, o encantamento com a vitória do capitalismo durou pouco e logo desabaram os sonhos de consumismo gene- ralizado. Em menos de dez anos, o chamado mercado livre só fez gerar miséria, desemprego e constituir grupos mafiosos como órgãos de poder político e econômico não institucionalizados; uma assustadora desagregação ética faz hoje em dia parte do cotidiano russo em tempos neoliberais. Mas a alternativa – e não existe outra, não há capitalismo com justiça social – ao sistema capitalista neoliberal no qual estamos inseridos é, digamos claramente, o socialismo. O socialismo democrático e libertário, renovado permanentemente, mas sem se descaracterizar; um movimen- 16 ORÇAMENTO PARTICIPATIVO E SOCIALISMO
  • 19. to de oposição radical à exploração do homem pelo homem, à guerra e aos preconceitos. A desintegração dos regimes burocráticos não deixa saudades, mas muitas lições. Hoje e sempre precisamos pensar o socia- lismo como uma questão prática, integrá-lo em nossa vida cotidiana. Em última análise, pensá-lo como um processo, como luta pela hegemonia, sem jamais colocar em plano secundário os conceitos de liberdade, de- mocracia, justiça e igualdade. Nessa luta pela hegemonia, nos estados e cidades que governamos, estamos demonstrando na vida cotidiana que a história não terminou e que um outro caminho é possível e viável. Porém, não temos qualquer ilusão: não somos ilhas perdidas em um imenso oceano neoliberal. Nos- sas conquistas influirão e, ao mesmo tempo, dependerão de outras lutas e de outras conquistas na América Latina e no resto do mundo. Lutas que, felizmente, estão sendo retomadas e começam a ganhar força e sinalizar a esperança de que um mundo novo é possível. Por isso, vamos batalhar para que os acúmulos dessa experiência pos- sam contribuir para um projeto nacional do PT e dos partidos do campo popular na campanha do companheiro Lula para a presidência da Repú- blica em 2002. Temos certeza de que um outro Brasil é possível. É pre- ciso lutar por ele. Muito obrigado e boa luta! SOCIALISMO EM DISCUSSÃO 17
  • 20. 18 ORÇAMENTO PARTICIPATIVO E SOCIALISMO
  • 21. Comentários Maria Victoria Benevides É uma grande satisfação participar dos seminários Socialismo e De- mocracia, organizados pela Fundação Perseu Abramo, pela Secretaria Nacional de Formação Política do PT e pelo Instituto Cidadania. Participei como entusiasmada ouvinte da primeira fase do projeto* e estou convencida de que essas discussões têm sido muito importantes para revigorar a reflexão no partido. E o tema do orçamento participativo, que está no âmbito da temática mais ampla da democracia direta, pare- ce-me especialmente importante. Considero que é uma marca de refe- rência importantíssima para o Partido dos Trabalhadores, para uma nova e verdadeira esquerda democrática, propositora de um socialis- mo, como diz o governador Olívio Dutra, democrático e libertário. Estou à vontade para comentar a exposição do companheiro Olívio pelo fato de ter uma concordância plena com suas idéias, além de * O primeiro ciclo dos seminá- uma grande admiração por seu trabalho, por suas lutas, desde que o rios Socialismo e Democracia conheci por ocasião da fundação do partido, em 1980, e antes por sua foi realizado em 2000. Veja atividade como líder sindical. E, ainda, por ser um dos principais instiga- na página 72 os livros da Editora Fundação Perseu dores e promotores dessa experiência que tem em Porto Alegre o Abramo que reproduzem seu principal exemplo. esses debates. SOCIALISMO EM DISCUSSÃO 19
  • 22. Em relação à sua brilhante exposição, gostaria de tecer algumas con- siderações a partir de sua avaliação e de sua análise do processo den- tro do partido, da experiência do Rio Grande do Sul, da temática do socialismo e da democracia. Concordo com suas frases finais, no sen- tido de que a experiência do orçamento participativo, e toda a discus- são que é feita sobre suas dificuldades e suas possibilidades de aprofundamento, de ampliação, de levá-lo para outros municípios do país, pode realmente configurar um projeto nacional do partido, que faça parte da discussão e da especificidade programática de um parti- do que aspira chegar à presidência da República. Quando discutimos a democracia, num momento como o atual, em que todos se dizem democratas, em que todos os partidos se afirmam democratas, em que todas as lideranças no país se afirmam valentes, vigorosos democratas, temos de afirmar esse traço fundante da de- mocracia para o Partido dos Trabalhadores, que é a soberania popu- lar verdadeira, autêntica. Autônoma das peias de um sindicalismo tutelado pelo Estado; autônoma de um partido entendido como van- guarda, de dirigentes entendidos como elites iluminadas, de um sindicalismo populista e trabalhista como o da nossa experiência his- tórica anterior a 1964. Ou seja, essa especificidade do PT, indepen- dentemente de eventuais alianças partidárias que ele possa fazer, deve estar muito clara. Não devemos ter medo de falar em democracia direta, mesmo diante de prováveis ambigüidades que cercam a expressão. O PT é, sim, o partido da democracia participativa, da democracia direta, embora isso não signifique o desprezo pelas formas institucionais da democracia representativa, muito pelo contrário. Pela democracia representativa temos companheiros ilustres, valorosos e combativos em governos, como Olívio Dutra; em prefeituras, como Tarso Genro, Marta Suplicy, nos- 20 ORÇAMENTO PARTICIPATIVO E SOCIALISMO
  • 23. sos companheiros do Norte e do Nordeste e nossos excelentes parla- mentares municipais, estaduais e federais. Democracia direta como parte da construção do socialismo – Gostaria de esclarecer algumas premissas que marcam minha posição como militante, mas também como socióloga que tem trabalhado com essas questões. Essas premissas independem de uma avaliação da ex- posição do Olívio, mas não entram em choque com o que ele falou. A primeira premissa é uma convicção muito profunda sobre a incom- patibilidade radical entre democracia e capitalismo, no sentido de que o capitalismo é cada vez mais, nesse modelo globalizado e neoliberal, o inimigo principal da democracia. O que entendemos por democracia? De vez em quando eu brinco com o companheiro Carlos Nelson Coutinho1, dizendo que, no meio acadêmi- co, essa crença na soberania popular ficou tão fora de moda que daqui a pouco, só nós dois estaremos falando em democracia como soberania popular. Temos várias definições de democracia em que não aparece essa expressão tão simples e tão antiga, tão clássica até, de entendê-la como soberania popular. Nesse sentido, entendo democracia como o regime político da sobera- nia popular, com respeito integral aos direitos humanos. Trata-se de uma definição singela, que tem a vantagem de agregar as nossas convicções e os nossos princípios sobre a democracia políti- ca, que inclui a democracia participativa, é óbvio, as formas de partici- pação indireta e direta da cidadania, a liberdade – as liberdades públi- 1. Professor titular de teoria política na Universidade cas, as liberdades individuais –, mas também a democracia social; os Federal do Rio de Janeiro direitos econômicos, sociais e culturais sem os quais não se pode falar (UFRJ) e autor, entre outros em democracia. No máximo se pode falar nessa coisa adjetivada de livros, de A democracia como democracia liberal etc. valor universal. SOCIALISMO EM DISCUSSÃO 21
  • 24. Então, se agregarmos a idéia de soberania popular ao respeito integral pelos direitos humanos, nas suas dimensões de liberdades públicas, indi- viduais, direitos civis, econômicos, sociais, culturais, direitos da humani- dade, que são essencialmente históricos, veremos como não deixaremos fora do nosso conceito de democracia nem os seus aspectos de partici- pação política, de liberdade, de pluralismo, de igualdade, nem os aspec- tos da obrigação do Estado em relação aos direitos fundamentais, bem como o dever da sociedade em relação àquele princípio revolucionário da fraternidade ou, como falamos hoje, da solidariedade. Essa é a primeira premissa do que entendo por democracia e de como entendo a oposição radical entre democracia e capitalismo, mesmo que não se fale ainda, explicitamente, de uma proposta socialista, que é a minha. A segunda premissa é que a defesa da democracia direta, nas suas várias formas, das quais a experiência mais bem-sucedida é o orça- mento participativo, não exclui a democracia representativa. É justa- mente por isso que insisto que não devemos ficar na defensiva em relação ao nosso compromisso com a democracia direta; ora, ninguém defende a abolição de eleições para nossos representantes no Legis- lativo e no Executivo. Pelo contrário, há até os que defendem uma ampliação das eleições, para, por exemplo, determinados cargos no Judiciário, como ocorre em outros países. Aliás, em países que estão longe de ser socialistas, como é o caso dos Estados Unidos, existe a experiência com eleições diretas para promotores, entre outros car- gos. Existe, sem dúvida, uma complementaridade entre democracia direta e democracia representativa. Considero que a democracia direta, nas suas várias formas, exerce um efeito extremamente positivo na democracia representativa, no sentido de que age como um corretivo aos vícios e mazelas já por demais conhecidos em nossa cultura política – aliás, existentes em vá- 22 ORÇAMENTO PARTICIPATIVO E SOCIALISMO
  • 25. rias democracias que, há mais tempo, incorporam representação e par- ticipação direta dos cidadãos. Nunca é demais lembrar, por exemplo, que estão em discussão pro- postas de levar a questão da adesão à ALCA a um plebiscito; de incenti- var iniciativas populares legislativas encabeçadas por movimentos da cidadania e de não esperar que o Legislativo tome a iniciativa para a convocação de referendos etc. Tivemos o exemplo recente do plebiscito sobre a dívida externa, por iniciativa de organizações da sociedade civil e, portanto, de conseqüências não-oficiais, mas que já foi um bom come- ço, no sentido da mobilização popular. No entanto, em nenhum momento se pensa em abolir a representação. Pelo contrário, o partido político e os parlamentares de um partido que têm compromisso com a democra- cia direta deveriam se envolver com essa mobilização popular – e só teriam a lucrar com isso. A terceira premissa se refere a entender esses processos de demo- cracia direta, especificamente do orçamento participativo, como parte da construção do socialismo, tendo sempre em mente que o socialismo é um processo; assim como a democracia é um processo – ela não está pronta e acabada em nenhum lugar do mundo –, o socialismo também é um processo. Não temos uma experiência real e de sucesso, e esperamos que isso ocorra como resultado de um processo de aprofundamento da democracia. Considero também que a participação nessas formas de democracia direta resulta em um processo de educação política, que diz respeito diretamente a um partido como o PT, que tem compromisso com uma função essencial dos partidos, muito negligenciada na história partidária brasileira, a sua função pedagógica. Entendo que o compromisso do PT com formas de democracia direta configura um passo importante no compromisso com a formação, com a educação política. E insisto: uma SOCIALISMO EM DISCUSSÃO 23
  • 26. educação política que não está fechada nos limites da militância partidá- ria, mas aberta para a cidadania efetivamente democrática. O orçamen- to participativo, nesse sentido, é uma excelente escola de democracia. A quarta premissa é que, hoje, o orçamento participativo é uma reali- dade que transcende o PT, embora seja marca registrada do partido. Ele já está sendo reivindicado por outros partidos, por outras tendências, porque viram que dá certo, em termos de mobilização e de empenho das comunidades, no plano local, com o processo decisório em torno de inte- resses públicos. Portanto, é cada vez mais importante que o diferencial petista se afir- me. Assim como todos se dizem democratas mas não são, há diferenças cruciais entre partidos e tendências políticas e ideológicas sobre o signi- ficado concreto da democracia – e isso ocorre em relação ao orçamento participativo também. Vejam o que aconteceu, por exemplo, com o pro- jeto de bolsa-escola, que hoje se tornou um projeto de todos, a começar pelo governo federal, que na minha avaliação está longe de ser um go- verno republicano e democrático. Radicalização da democracia e socialismo democrático – Então, qual é o nosso diferencial em relação ao orçamento participativo? Expostas as premissas, especificamente em relação ao orçamento participativo e ao socialismo, quero reforçar algo que está presente no texto do Olívio: que o orçamento participativo – aí entra o nosso dife- rencial – não é apenas uma radicalização da democracia. É evidente, como diz Olívio, que é, sim, uma radicalização da democracia, mas não só isso. Quando alguém me pergunta se sou uma democrata radical, eu digo: sou. Radical de raízes, democracia é governo do povo, pelo povo e para o povo. Daí, mesmo que não se fale em socialismo, a participa- ção popular, além da representação, é evidente. Considero que Olívio 24 ORÇAMENTO PARTICIPATIVO E SOCIALISMO
  • 27. foi extremamente feliz quando afirmou que, além da radicalização da democracia, o orçamento participativo é um vigoroso impulso socialis- ta, no sentido de que o socialismo é um processo no qual a democracia direta é essencial, como no controle público sobre o Estado e na parti- cipação popular no processo decisório. Eu diria mais ainda: o orçamento participativo e outras formas de par- ticipação direta tendem a reforçar laços concretos de solidariedade, princípio histórico e essencial no socialismo democrático. Continuando, considero que socialismo entendido, por exemplo, como uma extensão à economia do princípio político da soberania popular sig- nifica que as grandes diretrizes econômicas e a definição de prioridades exigem a participação direta de todos. Aqui, Olívio também lembra como essa participação direta do povo nas prioridades é o ponto principal de algo extremamente positivo nessa identificação do orçamento participativo com o tipo de crítica que ele levanta em relação ao “socialismo” que realmente existiu, no sentido de reconhecer o sujeito, o cidadão, individualmente e em seus grupos de organização pela base. Tudo isso se contrapõe aos que argumentam contra as formas de de- mocracia direta, muitas vezes com uma retórica reacionária que já tem pelo menos 200 anos e que afirma que o povo não está preparado nem para votar em seus representantes, que dirá para votar em questões de interesse público que exijam alguns conhecimentos técnicos. Nesse ponto, recordo-me de uma análise do intelectual socialista Cornelius Castoriadis em que ele se refere à oposição entre povo e es- pecialistas e afirma que “a idéia dominante de que existem especialistas em política, isto é, especialistas do universal e técnicos da totalidade, faz troça da SOCIALISMO EM DISCUSSÃO 25
  • 28. idéia de democracia. O poder dos políticos seria uma justificada perícia que eles sozinhos possuiriam e, por definição, o inábil populacho é chamado periodicamente apenas para julgar esses peritos. Não existem nem podem existir especialistas em assuntos políticos. Perícia ou sabedoria política pertencem à comunidade política. Pois perícia, a tekiné, do grego, no sentido estrito, está sempre relacionada a uma ocupação específica, e técnica é obvi- amente reconhecida em seu próprio campo”2. Sócrates, no diálogo “Protágoras” (de Platão) critica a democracia grega direta, contra os direiros de isegoria, ou seja, de todos terem o direito à palavra. Na sua crítica, afirma: “os atenienses escutarão os técnicos quando for discutida a cons- trução adequada de muros e navios; mas escutarão qualquer um quando se tratar de questões da política. Questões da política di- zem sempre respeito à definição de prioridades”3. 2. CASTORIADIS, Cornelius. “A pólis grega e a criação da Mas esse argumneto contra a democracia direta é exatamente o que democracia”. Revista Filosofia proponho como argumento a favor da democracia direta. Política, n°3, Porto Algre/ Lembro também a relação necessária, historicamente fruto de muitas Campinas, LPM/Unicamp/ UFRGS, 1986. reflexões, entre democracia e socialismo, retomando o que sempre disse 3. Diálogos de Platão: nosso querido mestre e companheiro Antonio Candido4, inspirado em Protágoras. Rosa Luxemburgo, que democracia sem socialismo não é democracia e 4. Crítico literário e autor de socialismo sem democracia não é socialismo. vários livros fundamentais da sociologia e da teoria literária brasileira. É presidente do Controle público do Estado – Outro ponto que considero muito im- Conselho Editorial da Editora portante, tanto na reflexão mais histórica e acadêmica como na observa- Fundação Perseu Abramo. ção das práticas concretas da democracia direta, é que o orçamento 26 ORÇAMENTO PARTICIPATIVO E SOCIALISMO
  • 29. participativo e as demais formas de democracia direta nos levam a perce- ber com clareza a superação da velha dissociação, da velha dicotomia, entre o Estado e a sociedade civil, vigente até hoje tanto entre liberais como entre antiliberais. O que diz Olívio? Que o importante no orçamento participativo é a força de uma cultura nova que exige o controle público sobre o Estado. E aí ele diz, e eu reforço: isso significa dizer não ao Estado mínimo, mas também ao Estado que pretende ser maior do que a sociedade. Assim, com a vigência dessas formas de democracia direta ocorre uma abolição das fronteiras rígidas e tradicionais entre Estado e socie- dade civil. Quando me refiro ao controle público sobre o Estado, estou pensando também em uma via de mão dupla: controle público da cidadania sobre o Estado e a obrigação do Estado prestar contas. Às vezes, vejo com certa ironia meus colegas tucanos, acadêmicos, que insistem muito na tal de accountability, ou seja, a obrigação do governo de prestar contas. E são justamente os governos que eles apóiam que não prestam contas à sociedade, não se sentem responsáveis perante o povo, nem no Executi- vo nem na instância de poder na qual estão inseridos. Concluindo, esse controle público do Estado é novo, é uma nova visão do Estado com mão dupla: é o controle de cá e a prestação de contas de lá. Lembro ainda, citando nosso companheiro Paul Singer5, que um proje- 5. Economista e professor titular na Universidade de São Paulo to socialista não se limita à economia, por mais importante que ela seja. (USP), é um dos principais E ele vai adiante nesse texto: “um projeto socialista alcança a cultura, a expoentes da economia sociabilidade, é um projeto de reorganização de toda a sociedade, da solidária e do cooperativismo infra à superestrutura”6. Lembrei-me dessa citação quando Olívio se no Brasil. É autor de vasta obra referiu a uma nova cultura que é criada a partir dessas formas novas de sobre estes temas. 6. SINGER, Paul e MACHADO, participação e de fazer política. Estou sempre pensando no mote do nos- João. Economia socialista. São so Fórum Mundial Social de Porto Alegre, “Um novo mundo é possível”, Paulo, Editora Fundação uma nova cultura política é possível. Perseu Abramo, 2000. SOCIALISMO EM DISCUSSÃO 27
  • 30. E aqui também entendo a ênfase que Olívio dá à questão da hegemonia, entendida como uma direção política, mas também como uma direção cultural da sociedade. O ponto importante levantado por Olívio Dutra é o de entender essa forma de participação direta com o seu conteúdo de classe. Já houve quem dissesse, até mesmo nas nossas hostes, que a luta de classes tinha acabado. Então acho ótimo que o Olívio tenha enfatizado esse aspecto. É, sim, um problema de luta de classes, e isso aparece claramente no horror que causa às elites a própria idéia de participação popular soberana. Se consultarmos os anais da Constituinte que se encerrou em 1988, veremos o argumento sincero e ideológico dos constituintes radicalmen- te contrário à possibilidade de que o povo participasse de processos decisórios diretamente, sem a mediação de partidos e de representantes. É algo profundamente arraigado, que revela o solene horror a que o povo, essa multidão suína – como dizia Burke, referindo-se à Revolu- ção Francesa – possa efetivamente participar de processos decisórios. Finalmente, gostaria de enfatizar a necessidade de que o orçamento participativo seja uma experiência que leve efetivamente a um novo modo de se fazer política, como parte de uma proposta alternativa de um siste- ma político e econômico que caminhe na direção de um socialismo de- mocrático e libertário. Creio que seria importante reforçar alguns pontos, até para evitarmos a armadilha de dizerem: “Vocês com essa história de democracia direta estão querendo reproduzir as experiências totalitárias dos sovietes, das revoluções etc.” Nós queremos as experiências radicalmente democrá- ticas, na democracia participativa e, eu diria, no socialismo democrático. Então, a primeira exigência é a garantia de informação, ou seja, man- ter um fluxo constante de informação. Não existem no orçamento participativo efetivamente democrático os arcanos, os segredos, a mani- 28 ORÇAMENTO PARTICIPATIVO E SOCIALISMO
  • 31. pulação do conhecimento. Não devem existir. Pelo contrário, a informa- ção sobre o que está acontecendo quanto à parte técnica, às ingerências e às conseqüências dos processos decisórios deve desembocar num ca- nal permanentemente aberto. A transparência é decorrente disso, a trans- parência nos procedimentos, lembrando sempre que a legitimidade dos resultados, ao contrário de algo muito antigo, está comprometida com a legitimidade dos procedimentos, dos meios. A transparência nos proce- dimentos, naquela forma que afirmei antes: controle da cidadania sobre o poder, mas também prestação de contas do poder para a cidadania. Outra exigência é a socialização dos resultados. Os que participam das assembléias têm o direito de participar também da discussão e da avaliação dos resultados. É preciso ter claro, contrariando velhas crenças, que o partido não é a vanguarda. O partido tem de permitir a independência da opinião e o pluralismo da participação, como bem lembrou o Olívio, e também res- peitar as particularidades locais e regionais. Isso num país como o nosso, com uma diversidade política, social, econômica e cultural tão grande e tão rica, deve ser um ponto da nossa especial preocupação. Era isso que eu tinha a dizer, enfatizando meu entusiasmo pela exposi- ção do Olívio e minha admiração pelo seu governo, pelo seu trabalho e pela sua militância. Muito obrigada. SOCIALISMO EM DISCUSSÃO 29
  • 32. Debate com o público Armelindo Passoni dica do orçamento participativo. A questão do orçamento partici- Como ficaria em âmbito nacional a pativo não pode gerar também uma aplicação dessa proposta? situação em que o povo, em alguns municípios, resolva se reunir para de-Paulo Rubens cidir onde não aplicar o dinheiro? Já Gostaria de destacar duas ques- existem algumas prefeituras do par- tões. A primeira delas talvez repre- tido, hoje, que não fazem orçamen- sente a ansiedade que muitas pes- to participativo por causa da situa-soas têm. Viajei 1.200 quilômetros ção de escassez do dinheiro. Como para vir a este seminário, sou depu- tado estadual em Pernambuco pelo ficaria a questão de o partido imple- mentar uma política e ter essa situ-segundo mandato, e gostaria de dis- ação particular de alguns municípi- cutir como nós, como partido, pode- os com dificuldades de orçamento? mos disputar o controle social das verbas públicas mesmo quando não Pergunta somos prefeitos ou governadores. Sou estudante de direito e para Há uma lacuna inexplicável até hoje nós interessa muito a questão jurí- entre a pauta das nossas interven- SOCIALISMO EM DISCUSSÃO 31
  • 33. ções nos movimentos sociais quan- permite que as elites se apropriem do não somos governo – via de re- do imposto que é pago pela socie- gra somos fragmentados, corpo- dade como forma de acumulação rativos, categorias isoladas, movi- de capital. E temos atuado pouco mentos que não se somam no con- no sentido de estruturar a socieda- trole social do dinheiro público – e de para fazer frente a esse Estado, quando somos governo – aí, passa- principalmente às Procuradorias e mos a tratar de uma forma global a ao poder Judiciário, que são tam- gestão do dinheiro público. bém parte desse Estado da elite que A outra questão, que é tão grave domina o país. quanto a gestão do orçamento, diz respeito ao dinheiro que não entra Roberto Gouveia no orçamento, pois acaba sendo Fico muito animado com essas desviado pela sonegação fiscal, que duas belíssimas exposições. O que é uma das formas mais estruturadas eu acredito que se coloca como de- de crime contra o patrimônio públi- safio para nós é exatamente a edu- co. Temos tido poucas experiênci- cação para o exercício do poder. as, pelo menos em nossas banca- Não viemos apenas para dividir das estaduais e municipais, e até uma série de coisas, fundamental- mesmo na bancada federal, no to- mente viemos para dividir o poder, cante a como a sociedade se es- e aí se coloca a questão da educa- trutura para não permitir que esse ção para o seu exercício. Gostaria Estado que aí está continue a ser de ouvir o comentário de Maria ineficaz no combate à sonegação. Victoria e de Olívio Dutra a res- Temos que lembrar que não é só peito da potencialização dessa ex- a gestão oligárquica, elitista, que periência e se o próprio orçamento privatiza o Estado e concentra ri- participativo deve fazer parte de um queza dentro de um orçamento. É conjunto de medidas que leve ao também a gestão do Estado que processo de descentralização, de 32 ORÇAMENTO PARTICIPATIVO E SOCIALISMO
  • 34. ampliação da representação. Aqui formas de participação popular, de na cidade de São Paulo, por exem- exercício da democracia direta. plo, temos 55 vereadores para re- Queria destacar que o orçamento presentar milhões de pessoas. Por participativo tem todas essas virtu- mais que os vereadores se multipli- des e potencialidades que foram quem, se movimentem, eles serão aqui apresentadas, e digo isso tan- questionados. Surge, então, a ques- to a partir da minha prática como tão da eleição de conselhos de re- gestor de orçamento participativo presentantes etc. Nós temos de em Santo André (SP) como também descentralizar também os proces- de pesquisador. sos de representação e as subpre- Porém, ao mesmo tempo que feituras. E, nesta linha, minha pre- acredito em todas essas potencia- ocupação – e eu acredito que lidades, também acho que o orça- esta é uma questão estratégica para mento participativo sozinho não dá nós – é sempre dividir o poder e conta desse conjunto de potenciali- educar para o poder. Aliás, as nos- dades. E por isso saliento que temos sas elites estão cada vez mais de- algumas temáticas – que passam por monstrando um profundo despre- uma reflexão estratégica – em nos- paro para o exercício do poder, sas cidades e municípios, ou nos es- como temos visto de forma acen- tados, que colocam a questão do or- tuada recentemente. çamento participativo num horizon- te de 10 ou 20 anos e que, portanto, Pedro Pontual transcendem muito os limites da ela- Gostaria de sublinhar dois pontos boração de uma proposta orçamen- que tanto Olívio Dutra como Maria tária. Nós temos a temática, por Victoria tocaram de passagem – exemplo, da modalidade e da quali- ressaltando que sempre que eles se dade das políticas públicas, o mode- referiram também ao orçamento lo de saúde, de cultura, de educa- participativo, se referiram a outras ção que queremos desenvolver. Es- SOCIALISMO EM DISCUSSÃO 33
  • 35. ses são aspectos em relação aos pensar da sua própria metodologia, quais o orçamento participativo so- da discussão de como é que se arti- zinho não dá conta, daí a necessida- cula, por exemplo, a questão da par- de de revigorarmos espaços como ticipação direta nas plenárias, o exer- os conselhos municipais de políticas cício de uma participação direta que públicas, articulá-los ao orçamento não necessariamente supõe que o participativo. Então, penso – e gos- cidadão vá à plenária e que deve ter taria de debater essa reflexão tam- algum peso no processo. bém no nosso partido – que corre- Então, penso que devemos, com mos o risco de operar um certo muita razão, aprofundar essa dis- reducionismo da discussão da parti- cussão sobre o orçamento partici- cipação popular e da ampliação das pativo para não perder de vista que formas de exercício da democracia a questão da participação popular, direta se limitarmos estas questões da ampliação das formas de exer- ao orçamento participativo. cício de democracia direta, supõe Isso, por um lado, tem o seu sen- outros canais e outros instrumen- tido, dado o vigor dessa experiên- to articulados ao processo de or- cia e sua originalidade, mas, ao çamento participativo. Quando fa- mesmo tempo, recoloca para nós o lamos, por exemplo, do controle desafio de ampliarmos o horizonte público sobre o Estado, temos a das discussões, sem o que estare- face da organização da sociedade mos talvez depositando no orça- civil, dos processos de exercício mento participativo um nível de res- da cidadania, mas temos um enor- ponsabilidade do qual ele sozinho me desafio, que é a modernização não pode dar conta na operação dos da própria máquina do Estado. processos de participação popular Quer dizer, como os processos de dos municípios. planejamento estratégico, no nível Hoje, mesmo no âmbito do orça- dos governos, podem efetivamen- mento participativo, há todo um re- te contribuir para essa transparên- 34 ORÇAMENTO PARTICIPATIVO E SOCIALISMO
  • 36. cia? Como é que organizamos ges- um termo nosso, é uma experiên- tões participativas no interior do cia não suficientemente espraiada, próprio Estado como condição de que padece ainda de um certo que esse trabalho em favor da localismo. É um processo. Portan- transparência, da prestação de to, ele vai se aperfeiçoando. Por ele contas, possa se dar em todos os passa a questão da participação, da níveis do Estado? representação, do controle público Assim, queria apenas alertar sobre o Estado, do protagonismo, para esse aspecto, ou seja, de que que torna as pessoas construtoras no nível do Partido dos Trabalha- da mudança, sujeitos e não objetos dores precisamos voltar a refletir da política. sobre participação popular e am- A informatização, a ciência e a pliação das formas de exercício tecnologia podem ser postas a da democracia direta, a partir de serviço da democracia, possibili- um conjunto de instrumentos ar- tando que muito mais pessoas par- ticulados com o processo de or- ticipem intensamente do proces- çamento participativo. so, independentemente de esta- rem ou não no local da assem- Olívio Dutra bléia. Mas é importante não per- Vou começar pela preocupação dermos o caráter da participação do Pedro Pontual. Não podemos ter a mais direta possível e o valor o orçamento participativo como da convivência comunitária. uma coisa mágica, idílica ou como As assembléias temáticas como a solução radical para todos os pro- as que tratam da questão da ciên- blemas da democracia. Certamen- cia e tecnologia, são um bom exem- te, o orçamento participativo é um plo. Minha cidade, Bossoroca – instrumento poderoso ainda não su- sempre gosto de citá-la –, fica a ficientemente bem implantado, 540 quilômetros de Porto Alegre. “tensionado”, entre nós. Para usar Nasci lá, mas me criei a 32 quilô- SOCIALISMO EM DISCUSSÃO 35
  • 37. metros dali, em São Luiz Gonzaga. bém as propostas alternativas, já É um lugar no mundo onde ciência que um número crescente de pes- e tecnologia parecem ser coisas dis- soas se dispõe a pensar, a discutir tantes. No entanto, ciência e e a produzir políticas. tecnologia têm tudo a ver com o Entendo que as preocupações de processo de desenvolvimento que Pontual alertam para que não fa- precisa ser desencadeado ali para çamos do orçamento participativo aquela comunidade se ligar com a uma panacéia ou a forma única de região, o estado e o país. Como pro- radicalização da democracia. Esse vocar essa discussão? Esperar que cuidado, no entanto, não pode di- ela surja espontaneamente, nas as- minuir a importância da experiên- sembléias, é equivocado. Primeiro cia. É preciso aprofundá-la, o tema deve ser provocado, e há espraiá-la mais ainda, antes de di- várias formas de fazer essa boa zermos “é preciso ter cuidado com provocação. A partir das questões ela...”, “reforcemos outras...”. locais articular as questões regio- É possível, companheiro nais com o espaço federado e a Armelindo Passoni, que o povo de- integração do país, da América cida não aplicar recursos segundo a Latina, enfim. Acredito que não há proposta do governo. Se não há re- um espaço tão rico hoje quanto o cursos, essa é uma outra questão. das assembléias do orçamento A discussão do orçamento também participativo para a apropriação encara este problema. Por que não desses elementos e a compreensão há? De onde vem a receita? Quem de seu entrelaçamento. O orça- paga impostos? Quem não paga? mento participativo não fabrica di- Quem está sendo privilegiado com nheiro, mas fabrica uma coisa muito esta ou aquela política de anistia fis- especial, o protagonismo, a cidada- cal ou de subsídio? Como o poder nia, a crítica. Isto aumenta a co- público gasta o dinheiro? Com que brança sobre o governo, mas tam- prioridades? Quem define isso? En- 36 ORÇAMENTO PARTICIPATIVO E SOCIALISMO
  • 38. tão, a questão de haver ou não re- Então, é esse processo que eu cursos torna ainda mais necessária acho instigante, provocador, positi- a discussão do orçamento. Até por- vamente, de uma apropriação pú- que, se não há, o povo precisa saber blica do Estado. Com escassez de as razões e, a partir delas, discutir recursos, quais serão as priorida- uma nova matriz tributária. des e por quem serão definidas? Se Alguns prefeitos adversários às os recursos são escassos, há ne- vezes me encontram e dizem: “Go- cessidade de ter critérios para aten- vernador, estou aplicando o orça- der as demandas da comunidade. mento participativo lá no meu mu- Se há necessidade de hierarquizar, nicípio”. Que bom! Vamos conver- quem hierarquiza? É o governante? sar com o povo da cidade e as pes- É o grupo econômico mais influen- soas nos dizem: “Sobrou uma ver- te? Penso que deve ser o povo. Isso ba e o prefeito chamou uns líderes é muito importante. comunitários, para discutir como Sobre a questão jurídica, con- aplicá-la”. Como sobrou? Sobrou o fesso que o que temos de acúmulo quê? O orçamento é a discussão não sugere a institucionalização da receita e da despesa, por com- do orçamento participativo. É pleto, por inteiro. Existem algumas uma questão política a ser anali- pessoas que criticam o orçamento sada. Institucionalizar significa en- participativo dizendo: “Mas o orça- quadrar numa lei, num regula- mento participativo discute só um mento jurídico, burocrático, um percentual da receita, porque o res- processo nascente de controle do tante já está indexado, sobre isso cidadão sobre o Estado, o gover- não tem o que discutir”. É preciso no e os governantes. discutir tudo, até mesmo porque a Penso que está de bom tamanho cidadania tem o direito de saber o termos na Constituição federal, porquê dessas indexações e se es- nas constituições estaduais e nas tão funcionando bem. leis orgânicas dos municípios um SOCIALISMO EM DISCUSSÃO 37
  • 39. princípio geral que garanta a par- é a realidade. Vamos criar um con- ticipação popular, cidadã, na cons- selho paralelo? Não, vamos ter que trução do orçamento. O resto tem estimular os militantes sociais a de ser aberto, não pode ser tensionar constantemente esse pro- engessado, no nosso entendimen- cesso e, com transparência e polí- to. Como vai ser quando assumir- ticas claras, transformá-lo. mos a presidência da República? Essa é uma luta que temos de É um grande desafio: abrir o orça- assumir. Firmeza e paciência não mento público federal para uma devem faltar para levá-la adian- discussão que vá além da Comis- te. Mas, evidentemente, um go- são de Orçamento do Congresso, verno nosso não pode repassar das duas casas do Congresso, dos verbas para um município sem a especialistas, dos grupos econômi- comprovação de como o dinheiro cos. Como fazer isso? Eis a gran- será aplicado. Às vezes no pró- de e desafiadora questão. prio local há dificuldades de fu- O controle social das verbas pú- rar o bloqueio, mas na região há blicas, companheiro Paulo Rubens, possibilidade de discutir melhor e é um ponto fundamental. Vejamos fazer dessa maneira um cerco, o caso da saúde. Existem os con- que acaba também por provocar selhos municipais de saúde. Cada uma mudança naquele lugar ini- centavo do dinheiro público repas- cial. Esse controle é muito impor- sado deve ter sua aplicação com- tante: o cidadão saber que tem re- provada. Por isso a importância de cursos para o seu município. Es- um conselho de saúde no municí- ses recursos têm prazos para che- pio. Mas não raro vamos encon- gar lá. Chegaram? Quanto? trar o conselho manobrado pelo fi- Como foram gastos? Essa é uma gurão local, pelo cacique político, e questão em torno da qual se pode constituído pelos seus parentes e trabalhar o fortalecimento dos cabos eleitorais. Infelizmente, essa conselhos. Os delegados e con- 38 ORÇAMENTO PARTICIPATIVO E SOCIALISMO
  • 40. selheiros do orçamento participa- integrada com instituições como o tivo, que são eleitos, também têm Ministério Público, a Polícia Fede- essa tarefa. E se eles acompa- ral etc. A cidadania discutir e influ- nham, passa a haver, portanto, uma enciar na construção das propos- incidência maior de outros sujei- tas de 100% das estruturas de re- tos sociais sobre esses espaços que ceita e despesa pública nos três ní- precisam ser conquistados para veis, federal, estadual e municipal, uma cidadania verdadeira. faz parte desse combate. O combate à sonegação é, evi- Roberto Gouveia sublinhou bem dentemente, importante. Existe a a questão da educação para o sonegação propriamente dita, que exercício do poder. Evidente que contraria a lei, e a sonegação de- poder, para nós, não é ter um car- corrente da lei, ou seja, grupos eco- go, um mandato, isso é apenas nômicos que conseguem aprovar uma parte do poder. Existe um leis nos legislativos para ficar com outro poder que para nós é o prin- o dinheiro público. O cidadão paga cipal: o protagonismo do povo. o imposto mas o imposto não che- Eleger representantes para admi- ga aos cofres públicos porque tem nistrar parcelas do Estado – go- um incentivo para determinado gru- verno municipal, estadual ou fe- po. É a renúncia fiscal, isto é, a deral – não significa a conquista apropriação privada dos recursos do poder, mas apenas de uma parte públicos com o beneplácito dos le- dele, mesmo que importante, à gisladores e governantes. E a cida- qual a classe dominante jamais dania, que não discutiu essa políti- pensaria que chegássemos. ca, fica sem recursos para o aten- Disposição para aprender em to- dimento de suas demandas. das as circunstâncias, superando Esse é um combate sério para o nossas limitações e nossos precon- qual a administração fazendária ceitos, não nos deve faltar nunca. deve estar mais bem estruturada e Diferentemente da direita, temos a SOCIALISMO EM DISCUSSÃO 39
  • 41. capacidade de nos construir, cons- um número cada vez maior de pes- truindo com os outros a apropriação soas do povo. Isso acaba arejando pública, e não privada, do Estado. os espaços já existentes e possibi- Temos obrigações e compromissos, litando a criação de novos e ricos até porque somos um partido, e o espaços de participação popular. Partido dos Trabalhadores tem pro- Entendo que estas cinco coloca- posta. Queremos que nossa propos- ções apresentadas pelos compa- ta, que é de uma parte da socieda- nheiros trouxeram elementos no- de, possa ser aceita pelo conjunto vos e importantes para a reflexão dela num processo de construção da sobre democracia, sua radicali- hegemonia, por meio do convenci- zação, representação, descentra- mento e do reconhecimento, e não lização do poder, controle público, da imposição e do arbítrio. aletando para o risco de, pela sim- No processo do orçamento parti- plificação, não aquilatarmos bem os cipativo, são eleitos os conselhei- desafios e potencialidades do orça- ros, que, por sua vez, elegem os mento participativo. delegados que compõem o COP, Conselho do Orçamento Partici- Maria Victoria Benevides pativo. A realização de cada assem- Olívio Dutra respondeu de uma bléia local e regional é antecedida maneira tão completa e eficiente às de reuniões e encontros de iniciati- questões, e de uma maneira com a va das próprias organizações da so- qual eu concordo bastante, que vou ciedade civil que mobilizam milha- me deter apenas em alguns pon- res de pessoas. Reúnem-se para tos. Por exemplo, a questão sobre discutir prioridades locais e regio- o orçamento participativo no plano nais, para buscar a melhor repre- nacional e a questão jurídica. São sentação possível nas eleições de pontos extremamente complicados. conselheiros e de delegados. É um Acho muito difícil pensar numa con- exercício de política praticado por figuração jurídica para o orçamen- 40 ORÇAMENTO PARTICIPATIVO E SOCIALISMO
  • 42. to participativo em nível nacional. exemplo, se o povo prefere o acor- É uma experiência que tem melho- do nuclear do tipo alemão ou do tipo res condições para dar certo nos norte-americano. Isso realmente níveis locais e estadual. Para o ní- cabe aos especialistas. Mas pode- vel nacional, o caminho seria uma mos perguntar se cabe uma dota- pressão da sociedade organizada, ção orçamentária de tal magnitude inclusive via partidos, movimentos para um programa nuclear em de- e mesmo organizações não-go- trimento de outros investimentos em vernamentais (ONGs), para mudan- educação, saúde etc. A mesma ça na discussão das leis orçamen- coisa pode ocorrer em relação às tárias, do que entra como aprova- prioridades de reforma agrária, do ção, se são aquelas verbas especí- programa de previdência social, ficas dos parlamentares ou verbas entre outros. globais para determinadas áreas, Em relação à questão do Ro- como essa questão é discutida. Isso berto Gouveia, queria lembrar que significaria realmente mudar o pro- a ênfase na descentralização é ex- cesso decisório em relação à ques- tremamente importante, junto com tão orçamentária no plano do Con- a desconcentração do poder. gresso Nacional. Quer dizer, não apenas descen- Vejo uma possibilidade ampliada tralizar, ou seja, multiplicar as ins- para consultas populares, em âmbi- tâncias, mas também desconcen- to nacional, sob a forma de plebisci- trar. Muitas vezes se descentrali- tos ou referendos, dependendo da za mas não se desconcentra o anterioridade ou posterioridade do poder. Vou dar um exemplo da tema, para questões que vão exigir área da educação. O Ministério uma dotação orçamentária importan- da Educação descentraliza e te ou que decidam prioridades. transfere poderes para as secre- E aqui entra a questão da espe- tarias estaduais. Mas aí cada se- cialidade. Não vamos perguntar, por cretário “senta em cima”. Sai das SOCIALISMO EM DISCUSSÃO 41
  • 43. secretarias estaduais e vai para plo, no plano urbanístico de mu- as delegacias de ensino; mas aí dança do bairro do Bixiga, em que cada delegacia “senta em cima”. a população interessada participou Vai para as escolas, e as diretoras de assembléias para discutir a ex- – que muitas vezes são extrema- posição dos diferentes projetos e mente conservadoras diante de depois votar. qualquer inovação – “sentam em Assim, outras experiências de cima” da proposta e do projeto. Ou democracia direta certamente com- seja, há descentralização, mas o pletariam, junto com o orçamento poder continua concentrado. participativo, um projeto efetivo de E, finalmente, em relação à ques- mudança no exercício do poder, de tão do Pedro Pontual, eu lembraria democratização do poder. outras formas de democracia dire- ta. Por exemplo, a iniciativa popu- Pergunta lar: é necessário ampliar o âmbito Levando em conta que a maioria da iniciativa popular legislativa dos eleitores não se interessa por para emendas à Constituição. Há política, uma crítica que se faz ao países em que as emendas consti- orçamento participativo é que só tucionais podem ser feitas por de- vão às assembléias aqueles que já cisão popular, e acho que nós po- são atuantes. O eleitor comum aca- deríamos perfeitamente fazer isso, ba ficando fora de qualquer parti- assim como ampliar formas de par- cipação. Como poderíamos respon- ticipação popular em relação, por der a essa crítica? exemplo, à realização de obras de Pergunta impacto ambiental ou de grande O governador Olívio Dutra menci- vulto financeiro. onou que houve uma liminar contra Lembro que a ex-prefeita de o orçamento participativo. Poderia São Paulo Luíza Erundina promo- explicar melhor isso e como ficou veu consultas populares, por exem- essa questão? 42 ORÇAMENTO PARTICIPATIVO E SOCIALISMO
  • 44. Pergunta da população, que, em princípio, Muitos municípios e estados têm carece de escolas ou de centros suas finanças quase totalmente de saúde, estradas etc. É assim que comprometidas por dívidas, muitas funciona. A população diretamen- vezes herdadas da gestão anterior. te não é mobilizada, ela ignora Como discutir, nesse caso, um or- completamente o que ocorre, o çamento que dificilmente será exe- jogo se dá entre as secretarias e cutado e tentar enfrentar as tantas os departamentos do Executivo ou carências da população? os parlamentares, mas sobretudo entre essas empresas, ou grupos Paul Singer de empresas, associações, que em A questão que gostaria de levan- última análise abocanham, já de tar é como se dá o processo orça- uma forma mais ou menos fixa, de- mentário sem orçamento partici- terminadas porcentagens dos re- pativo. Na verdade, existem gru- cursos, seja para investimento, pos de interesses, que são geral- seja para serviços. mente comandados pelas empre- A minha pergunta, sobretudo ao sas que executam as ações de Es- companheiro Olívio Dutra, é de que tado – e agora com o neolibera- maneira nós conseguiríamos atuar, lismo e com as privatizações isso mudando completamente esse tipo se dá cada vez mais. São grupos de jogo, por meio do orçamento – na verdade lobbies – que, jun- participativo. O orçamento parti- tamente com a Assembléia ou cipativo, em princípio, deveria co- com a Câmara Municipal, acabam locar os diferentes interesses po- fazendo o orçamento. Também pulares em confronto. Aqui estou existe a parte da burocracia do partindo da idéia de que o povo não Executivo, mas as empreiteiras, as é homogêneo, nem todos têm o fornecedoras de serviços e de pro- mesmo interesse. Seria uma sim- dutos, aparecem como advogadas plificação trágica se imaginássemos SOCIALISMO EM DISCUSSÃO 43
  • 45. que a sociedade é composta por ri- co se o povo fosse homogêneo e cos e pobres, e que os pobres que- todo mundo quisesse a mesma coi- rem exatamente a mesma coisa, sa e fosse preciso só implementar portanto basta dar aos pobres, que aquilo que todo mundo quer. O que são maioria, a voz e o poder de de- eu gostaria de ouvir do companhei- cisão e tudo muda. Não é assim. A ro Olívio é um comentário sobre população é heterogênea, sobretu- isso, porque é aí que está o proces- do no plano estadual, por isso gos- so de construção da soberania po- taria tanto que o companheiro pular. No plano orçamentário, após Olívio nos contasse um pouco como 12 anos de orçamento participativo, são os conflitos no processo do or- provavelmente já há um lastro de çamento participativo entre as fac- conhecimentos de como encami- ções do povo. Porque existem gran- nhar essas negociações e garantir des quantidades de pessoas preci- que elas desemboquem depois, no sando de escolas e de creches. Mas, Legislativo, de forma positiva. e as famílias que não têm crianças em idade escolar, como é que fi- Anísio Homem cam? Existe necessidade de gran- Gostaria de fazer uma interven- des recursos para a saúde. Mas os ção partindo um pouco da preocu- que não precisam desse recurso, pação de Paul Singer, mas tirando que não têm doenças crônicas, conclusão inversa. Ele tem razão como é que ficam? Ou seja, a base quando diz que há um verdadeiro do orçamento participativo, a meu conflito estabelecido entre a popu- ver, é um processo de conflito e de lação que vai ao orçamento parti- negociação entre as correntes, ou cipativo. Por quê? Porque existe entre os setores que formam o algo que não apareceu na primeira povo. A soberania popular se cons- rodada de falas, ou seja, que o or- trói nesse processo. Ela não vem çamento dos orçamentos está am- pronta de uma vez. Seria magnífi- putado, ele é completamente deter- 44 ORÇAMENTO PARTICIPATIVO E SOCIALISMO
  • 46. minado pela política de Fernando partido? Esse é o papel dos nossos Henrique Cardoso. O mesmo acon- governantes? Esse é o papel dos tece com a descentralização, por- parlamentares do nosso partido? que o governo federal transfere res- Fazendo uma análise do orçamen- ponsabilidades para baixo e deixa to participativo em Porto Alegre, o dinheiro em cima. acho que os dados não são anima- Então há um conflito que, a meu dores nesse sentido. Creio que esse ver, não é saudável para a demo- problema de tentarmos hierarquizar cracia; ao contrário, vai contra por baixo colabora para que o que aquilo que nós queremos, a unida- está aí fique como está e para que de do povo, unificar esse povo con- acabemos simplesmente ajeitando tra aqueles que roubam, que pas- entre nós a miséria que nos dão, que sam a mão nas riquezas deste país nos impõem. Esse é um consenso e que servem às multinacionais, ao que não interessa... grande capital especulativo finan- ceiro internacional. Juliana Piccoli Agati Não acho interessante esse tipo Tenho uma questão que se re- de conflito que surge com a demo- laciona com a construção do so- cracia participativa. Olívio Dutra fa- cialismo, porque sabemos que o lou que os recursos são escassos, processo do orçamento partici- que é preciso hierarquizar. Se fizer- pativo proporciona conscienti- mos uma leitura do orçamento naci- zação crítica para enfrentar os onal, veremos que, se não me enga- problemas que vemos acontecer no, 70% dele em 2001 estão sendo na política e que são manipulados canalizados para o pagamento de dí- pela mídia no capitalismo, na eco- vidas. É um montante muito gran- nomia em que vivemos. de. E nós ficamos aqui embaixo, nos Como construir uma proposta, digladiando em torno das dificulda- uma alternativa econômica, dentro des de recursos. Esse é o papel do do capitalismo, rumo ao socialismo? SOCIALISMO EM DISCUSSÃO 45
  • 47. Como atrelar junto ao orçamento a experiência de Belém1 . Por que participativo uma proposta de de- Valdir Ganzer foi convidado? Des- senvolvimento econômico, porque de a primeira fase deste seminário, acho que ele, por si só, não leva ao o critério tem sido mesclar visões socialismo, porque não existe capi- diferentes no debate, com pessoas talismo democrático. E acho tam- de regiões diferentes e com posi- bém que o orçamento participativo ções diferentes. E a regra geral no não é uma alternativa dentro do ca- seminário é dinamizar o debate, fa- pitalismo, mas um processo que zer uma discussão quente no PT. leva à construção do socialismo. Quando convidamos o Valdir, ele Gostaria de saber qual a posição do disse, tudo bem, mas nós temos aqui partido sobre essa questão. em Belém hoje uma divisão, no PT, a respeito do orçamento partici- Paulo Vannuchi pativo. E nós dissemos, ótimo, tra- Gostaria de apresentar duas ga isso para o debate. Então, gos- questões. A primeira é pedir um taria que os companheiros refletis- relato aos companheiros da mesa, sem um pouco sobre isso. e também uma avaliação, um ba- Como segunda questão, eu pedi- lanço da questão levantada por ria que os dois debatedores reto- Anísio Homem sobre o possível massem o tema da relação do or- conflito entre setores da população, çamento participativo com o socia- que ele vê como algo prejudicial. lismo. O orçamento participativo já 1. O debate deveria ter Eu gostaria de ver isso refletido na começou a nos permitir algumas contado com a presença de discussão do PT. suposições, algumas hipóteses de Valdir Ganzer, vice-prefeito de É uma pena a ausência de Valdir um socialismo que não é mais visto Belém, e de Guilherme Ganzer, vice-prefeito de Belém, como algo que nasce da noite para Menezes de Andrade, prefeito de Vitória da Conquista (BA), como que iria participar deste debate mas o dia, um Armagedon que separa a comentadores, mas ambos não na última hora não pôde compare- história em antes e em depois. O puderam comparecer. cer, pois ele traria para a discussão orçamento participativo traz algu- 46 ORÇAMENTO PARTICIPATIVO E SOCIALISMO
  • 48. ma idéia sobre um processo de ida Olívio Dutra ao socialismo, que precisaria ser Seriam as assembléias do orça- combinado com outras formas de mento participativo freqüentadas participação popular. Podemos co- exclusivamente por militantes do meçar a pensar, Maria Victoria, PT, ou pelo pessoal do MST (Movi- nessa complementação, como mento dos Trabalhadores Rurais aponta a sua reflexão sobre a não- Sem Terra)? Esse é o discurso ad- contradição entre a democracia versário, que tinha maior intensi- representativa e a direta? O que o dade no início e que com o tempo, orçamento participativo permite, em foi sendo esvaziado na prática. relação a isso? Hoje temos a maioria desses ad- versários participando e disputan- José Reinaldo Braga do conosco, trazendo suas propos- Minha questão também vai nes- tas para o processo do orçamento se sentido. Essa discussão está no participativo, até elegendo conse- escopo da relação Estado–socie- lheiros e delegados. dade. Eu queria saber qual o pa- As assembléias são abertas e pel do partido nessa forma demo- amplamente convocadas até mes- crática de administrar, como, e se, mo por prefeituras governadas por o partido tem feito algo em rela- adversários. O governo, por meio ção aos movimentos sociais, ao da Coordenação de Relações Co- movimento sindical, a fim de esti- munitárias, faz também a sua con- mular a população a discutir o so- vocação, aliás, prerrogativa que per- cialismo, para politizá-la. Enfim, deu por mais de um ano, por conta para que a discussão não fique de uma iniciativa jurídica da oposi- apenas no nível da administração, ção. Refiro-me à liminar contra o mas comece no povo, com o tra- orçamento participativo interposta balhador, para que avancemos em pelo ex-governador do estado Al- direção ao socialismo. ceu Collares. A ação sustentava SOCIALISMO EM DISCUSSÃO 47
  • 49. que os gastos na convocação para vez mais. Tanto que os adversários as assembléias não tinham sido pre- do projeto começam a vir para den- vistos e que não era de competên- tro dele disputar suas propostas. cia do Executivo fazer essa discus- Quero sublinhar novamente que são, pois a Assembléia Legislativa o orçamento participativo é um já discutia o orçamento. Era, por- processo e não apenas a discus- tanto, um gasto desnecessário. são da receita e da despesa. É cla- O poder Judiciário concedeu ro que ele engloba também a pres- liminar, o que simplesmente impe- tação de contas do orçamento do diu o Executivo de fazer qualquer ano anterior e, mais do que isso, a referência às assembléias do orça- previsão do que é o gasto funda- mento participativo, informando o mental, estratégico. Portanto, no local e a hora das reuniões, convo- orçamento participativo disputa- cando a população. Fomos proibi- mos uma visão de desenvolvimen- dos de fazer isso, seis meses após to para o Estado. Fomos eleitos a deflagração do processo. Essa com um projeto de desenvolvimen- liminar demorou mais de um ano to desconcentrado, descentraliza- para ser derrubada. do, reforçador dos sistemas locais O que aconteceu? O movimento de produção. Isso envolve ques- social assumiu essa tarefa como sua tões de conteúdo, de como orien- e fez a convocação, organizou as tar nossa ação, nossos recursos e reuniões e convidou o governo para investimentos nessa direção. Nos- participar. E tivemos 190 mil pesso- so governo disputa esse projeto por as participando no primeiro ano. No dentro do orçamento participativo. segundo ano foram 280 mil pesso- Essa disputa inclui setores da nos- as. Então, esse é um processo que sa própria base social, que têm uma vem sendo apropriado pelos sujei- visão particularista da luta, local, tos sociais, individuais e coletivos e, econômica, regional. O governo não por isso, tem se consolidado cada pode ir para as assembléias e dizer: 48 ORÇAMENTO PARTICIPATIVO E SOCIALISMO
  • 50. “Vim ouvir o que a população quer O espaço do orçamento partici- que nós façamos”. Não. Deve pro- pativo promove a discussão sobre por, debater e assumir responsabili- o destino da renda gerada pelo tra- dades. O espaço do orçamento balho, sua apropriação e o papel do participativo é um bom espaço para Estado nessa questão. É difícil ter esse debate denso, às vezes tenso. um espaço melhor para fazer esse É um espaço de construção. debate render tanta cidadania. Em 1999, nosso primeiro ano de A população é heterogênea, por governo, tivemos de lidar com um isso ao promover o desenvolvimen- orçamento herdado. A Lei Orça- to é necessário respeitar especifi- mentária é votada num ano para cidades locais, regionais, e ver execução no ano seguinte. Estáva- como introduzir novas vocações mos com um projeto de integração, sem destruir as antigas, e atualizar de desconcentração, de descentra- as tradicionais, sem descaracterizá- lização, condicionados por um or- las. Isso é um processo, no qual o çamento feito com uma visão dia- debate vai avançando, se tornando metralmente oposta. mais complexo, mas também mais Na verdade, herdamos um esta- compreensível para um número do em que o governo trabalhava maior de pessoas. Imaginem a di- com três orçamentos: o orçamen- ficuldade inicial de levar adiante um to propriamente dito do ano de processo desses em Porto Alegre, 1999; as antecipações de receita multipliquem por dez e encontrarão e os 5 bilhões de reais da venda algo parecido com a complexidade de patrimônio. Somente a partir de de se fazer o mesmo no estado. 2000, portanto, é que começamos Imaginem essa questão sendo en- a trabalhar com o orçamento cons- frentada na dimensão do país que truído com participação e que tem nós queremos governar. Diante de um grau de sintonia maior com o tamanho desafio, alguns poderão di- nosso programa. zer: “Não vamos nos meter nisso”. SOCIALISMO EM DISCUSSÃO 49