2. Editorial
A discussão, a troca de ideias está na base não só do aprendizado formal, mas
daquele que se tem no dia a dia, ao se compartilhar pontos de vista, questionar
posições ou esclarecer dúvidas. Em uma sociedade plural e democrática, o
diálogo está no princípio e no fim da busca por soluções, sendo o meio e a
forma de participar, de propor alternativas, de exercitar a cidadania na prática.
Portanto, não é por acaso que o diálogo seja o fio condutor a partir do qual
se desenvolvem os temas da grande maioria das cartilhas desta edição do
CapacitaPOA – sistema permanente de ensino, cujo objetivo é preparar os
participantes para atuarem de forma cada vez mais integrada, cooperativa e
solidária, propícia à consolidação de um sistema de participação e governança.
Ao assumir o compromisso de levar adiante uma abordagem que aproxima
assuntos considerados muitas vezes como inacessíveis, traçando paralelos com o
cotidiano, a ideia é romper com preconceitos no que se refere ao conhecimento.
Complexidade não precisa vir acompanhada de dificuldade necessariamente,
assim como é larga a distância que separa o simples do simplório. Da mesma
forma, a opção por uma linguagem coloquial, que preserva – e valoriza – o jeito e
o sotaque porto-alegrense, e a utilização de bairros ou de personagens com suas
variações de etnia/raça, idade e gênero não são à toa, mas foram pensadas para
despertar um sentimento de familiaridade nos leitores.
E quem são eles? São, é claro, os participantes desta edição do curso, para os quais
as cartilhas servem como apoio para as aulas – que não podem e nem devem
se esgotar nesses materiais –, mas também podem ser muitos outros: famílias,
amigos, vizinhos, quaisquer pessoas que tenham interesse em entender mais
sobre os assuntos tratados. O desafio que lançamos àqueles que irão percorrer
estes nove módulos conosco e a nós mesmos é justamente este: contribuir para
disseminar esses conhecimentos junto ao maior número de pessoas, gerando
novas discussões, novas trocas de ideias, para que o diálogo nunca tenha um fim.
Conselho Editorial
3. Sistema de capacitação em
Gestão Participativa
Bem-vindo(a) ao programa do CapacitaPOA - sistema permanente de
ensino. Serão nove módulos de aula, nos quais os participantes receberão
informações e conteúdo sobre o funcionamento das instâncias de poder local,
como a Prefeitura e a Câmara de Vereadores e as alternativas de participação e
cogestão, como o Orçamento Participativo e a Governança Local.
Ao longo dos encontros, nosso objetivo será capacitar os agentes sociais a
enfrentarem situações cotidianas de gestão participativa. Para tanto, optamos
por um modelo ativo de explanação dos conteúdos, no qual situações
imaginadas vão simular o dia a dia de comunidades envolvidas com questões
locais, como as reivindicações por moradia, por direitos humanos ou por
recursos do orçamento público, além de instigar o pensamento crítico e a
noção de corresponsabilidade na relação entre comunidades e governos.
Neste primeiro módulo, porém, o tema é participação: dessa forma,
será necessário conhecer um pouco alguns conceitos básicos que serão
utilizados durante as aulas, para que todos possam acompanhar a evolução
dos conteúdos. Bom aprendizado!
3
4. Conceitos Básicos de Democracia
O QUE É PARTICIPAÇÃO?1
De forma simples, a participação pode ser entendida em duas
dimensões complementares: 1) tomar parte nas decisões
sobre as políticas públicas dos governos e 2) o envolvimento
nas organizações ou nos movimentos sociais de qualquer
tipo (entidades de moradores, sindicatos, de lazer, de cultura,
de esporte, religiosas, de assistência social, de
mulheres, de jovens, étnica/raciais, ONGs,
partidos políticos, etc.).
4
5. Ocorre que, hoje em dia, as práticas de participação De acordo com
se ampliaram e o seu conceito acabou adquirindo o artigo 1º da
sentidos muito diversos, sendo usado por organizações Constituição
Federal, “destinado
de diferentes interesses e até ideologias contrárias. a assegurar o
Entretanto, a partir da redemocratização do Brasil, com a exercício dos direitos
nova Constituição de 1988, as experiências de democracia sociais e individuais,
a liberdade, a
participativa na gestão pública local vêm ocorrendo nos segurança, o
marcos do estado democrático de direito e, em geral, bem-estar, o
vinculadas à descentralização político-administrativa, desenvolvimento,
a igualdade e
devido ao papel destacado que os municípios passaram a a justiça como
ter na organização federativa do país. valores supremos
da sociedade
Mas, como se pode notar, esse anseio por participação fraterna, pluralista
não é novo na história da humanidade. Deve-se aos e sem preconceitos,
fundada na
gregos a “invenção” da noção de democracia, há mais harmonia social”.
de 2,5 mil anos. Atualmente, discute-se muito no
mundo sobre o sentido da democracia, porque um
novo paradoxo (uma certa contradição) se formou: por Palavra de
um lado, cresceu o número de países que adotaram a origem grega
(demos, povo;
democracia como regime político; mas, por outro lado, kratos, poder)
há uma crise de legitimação da representação que tem diversos
política e uma visível queda da qualidade das práticas significados
quando aplicada
democráticas reconhecidas mundo afora. à teoria política.
A crescente perda da capacidade popular de
influenciar as decisões de governo, apesar das
formalidades democráticas, em prejuízo do peso
cada vez maior das grandes corporações econômicas
(que agem globalmente) e de uma espécie de
monopólio dos meios de comunicação, pode ser
apontada como um das causas da crescente falta
de legitimidade da democracia representativa atual. Doutrina política
que atribui ao
A noção de autonomia e soberania popular, prevista povo o poder
pela modernidade (veja boxe na página 6), é cada vez soberano.
mais distante da prática democrática.
5
6. Conceitos Básicos de Democracia
Modernidade
Entende-se a modernidade como os avanços sociais,
econômicos e culturais obtidos a partir da primeira revolução
industrial, empreendida a partir do século 18 – anos
1700 (um dos marcos do período é o livro A Riqueza das
Nações, de Adam Smith, que lançou as bases teóricas do
capitalismo e criou uma nova ciência: a economia). A partir
da mecanização crescente do processo de produção, a vida
cotidiana mudou radicalmente: o trabalho, que era regido
pelo tempo, passou a ser uma imposição do capital; as
fábricas passaram a ser o local dos conflitos sociais; as cidades
se transformaram no palco das grandes transformações
cotidianas, incluindo comportamento, arte e política.
Por isso, inventar formas de democracia participativa
é um desafio central para democratizar a democracia,
especialmente quando a nossa época histórica trouxe
a eliminação dos direitos coletivos no processo de
reestruturação produtiva nos anos de 1980 e 1990. Vários
governos democráticos mundiais tenderam a rever direitos
sociais criados no âmbito do chamado Estado de Bem-Estar
Social do século passado. Mas a participação pode assumir
diversas formas. Por isso, é importante definir bem alguns
conceitos básicos de democracia.
CONCEITOS BÁSICOS DE
DEMOCRACIA
Todos esses conceitos podem ser aplicados tanto ao sistema
político-eleitoral, como no dia a dia das organizações
comunitárias e/ou dos movimentos sociais:
Democracia representativa: é quando a população participa
delegando para representantes eleitos ou indicados a tomada
de decisões.
6
7. Democracia direta: é a decisão coletiva sem intermediários,
isto é, sem representantes eleitos ou escolhidos por
determinada população ou comunidade.
Democracia participativa: em geral, se refere a uma forma
mista que inclui participação direta com representantes
escolhidos pela população ou pela comunidade.
Democracia deliberativa: é uma forma de participação
que valoriza muito a discussão pública por meio da troca
de argumentos racionais, antes de tomar as decisões. O
termo deliberativo não diz respeito somente à decisão de
uma maioria, mas, principalmente, se há ou não espaços
e momentos para ampla discussão com igualdade de
condições de participação entre os indivíduos para dotar a
democracia de mais qualidade.
O SURGIMENTO DOS ORÇAMENTOS
PARTICIPATIVOS
É nesse contexto de disputa entre forças com interesses
opostos que surgem as primeiras experiências de
participação nos orçamentos públicos, especialmente na
América Latina, como forma de caracterizar uma alternativa Orçamento
de democracia participativa em nível local. Embora já Participativo (OP) é
um processo pelo
tivessem existido experiências pioneiras de participação no
qual a população
Brasil, como é o caso de Lages (década de 1970), de Pelotas participa das
(1982), de Boa Esperança (Espírito Santo, nos anos 1980), decisões sobre
a aplicação dos
entre outras, o modelo do Orçamento Participativo (OP) recursos em obras
de Porto Alegre foi reconhecido mundialmente quando a e serviços que
cidade ganhou o prêmio da ONU (Organização das Nações serão executados
pela administração
Unidas), em 1994, como uma das 40 melhores práticas municipal. Veja
de gestão participativa. Um dos aspectos que contribuiu cartilha Orçamento
muito para a criação do OP foi a existência de práticas Participativo.
associativas na história da cidade, desde décadas anteriores
à redemocratização.
7
8. Conceitos Básicos de Democracia
De pouco mais de 10 cidades com modelos de
Orçamentos Participativos (OP) entre 1989 e 1992, o país
viu esse tipo de experiência se multiplicar ao longo dos
anos: eram 140 municípios em 1997, hoje são mais de 200
no Brasil e cerca de 1,3 mil no mundo. A valorização do OP
pelas agências de financiamento, como o Banco Mundial
(BIRD) e o Banco Interamericano de Desenvolvimento
(BID), ampliou o leque de administrações que adotam o
modelo, que passou a ser um diferencial para disputar
projetos internacionais.
A partir do final dos anos 1990, a expansão do OP vem
ocorrendo em praticamente todos os continentes –
especialmente na Europa, na África e na América Latina.
Embora seja difícil definir o que é um OP, já que não
há um modelo único a ser copiado e eles são muito
distintos entre si, é importante avaliar a qualidade desses
processos, porque pesquisadores apontam casos em que
autodenominados OPs não são efetivamente participativos.
Ao contrário, há situações em que os OPs são usados para
Informações
sobre os OPs no
diminuir o papel do Estado na gestão pública, como em
mundo podem ser casos verificados na Europa.
acessadas no site
www.infoop.org. Por isso, alguns parâmetros para avaliação e comparação são
importantes:
1. Qual a importância dos OPs?
Os OPs tornaram-se importantes porque podem possibilitar
Leia mais a
respeito do tema a intervenção popular no principal instrumento de gestão do
na cartilha Estado, que é o orçamento público. O orçamento sintetiza,
Orçamento Público. em grande parte, o contrato social, pois regula os direitos e
os deveres que nascem da reciprocidade entre governantes e
governados e das relações entre os poderes representativos
do Estado (Executivo, Legislativo e Judiciário). Por isso, o
orçamento representa, em grande parte, como se dá a
8
9. produção do fundo público (política de receitas) e de que
forma esse produto social é distribuído ou apropriado pelos
diferentes grupos, classes e camadas sociais na sociedade
(política de despesas).
Por essas razões, o orçamento é
o núcleo duro do planejamento
governamental e está entre as
chamadas decisões políticas
fundamentais. Dar transparência
a essa “caixa-preta” e promover a
participação popular no destino dos
recursos públicos adquire, por isso,
alta relevância democrática. Do ponto
de vista do conteúdo, os OPs podem
promover condições para o acesso
universal à cidade. Contudo, a discussão do
orçamento não esgota todas as decisões importantes que
afetam a vida social, em nível local, regional ou nacional,
e sua compatibilização com outras políticas públicas
tem se mostrado difícil de ser compreendida e,
sobretudo, praticada nas experiências em curso.
O objetivo de transformar o modelo de
gestão tradicional do Estado exige
uma série de rupturas, a fim de abrir a
Administração Municipal, tornando-a
transparente e permeável à intervenção
popular. Mas essa é uma tarefa difícil
porque, em geral, é proporcional às
complexidades relativas: 1) ao tamanho da cidade;
2) ao tipo de estrutura administrativa construída
(níveis de verticalização e de pessoalização das
decisões); 3) às capacidades tecnológicas de
gestão; 4) à cultura do corpo técnico-burocrático
9
10. Conceitos Básicos de Democracia
(se mais ou menos aberta a inovações); 5) e ao nível de
sustentabilidade financeira.
Por isso, uma dimensão importante dos OPs diz respeito às
formas encontradas para o processamento técnico-político
das demandas comunitárias dentro da administração
municipal. Ou seja, qual o nível real de comprometimento
dos órgãos municipais com o modelo, já que ele eleva a
tensão entre os aspectos técnico e político? A pergunta
é pertinente porque, em geral, a estrutura do Estado
– entendido aqui como o governo – é fragmentada
e compartimentada por uma questão meramente
administrativa, o que tende a bloquear programas que
exigem integração administrativa.
PERGUNTAS PARA DEBATE
No processamento técnico-político das demandas,
como solucionar o encontro do saber técnico e do saber
popular? Além disso, como garantir integração
administrativa para a execução das obras e dos
projetos aprovados? Como garantir integração
entre os OPs e os demais canais de participação,
tais como Conselhos Municipais, Plano
Diretor, etc.? Por fim, você acha que
as comunidades participantes do OP
desenvolveram a noção e a prática da
corresponsabilidade na sustentação de
projetos que as atingem?
2. Qual é o poder real de
decisão e o grau de controle
social nos OPs?
A construção relativamente exitosa dos OPs
está condicionada ao grau de convicção,
10
11. principalmente do núcleo de dirigentes políticos da Veja mais sobre
a relação entre
prefeitura, na participação como valor ético-político da
OP e prefeitura
democracia e na crença da capacidade da população na cartilha do
em participar de escolhas complexas, como é o caso dos Orçamento
Participativo.
orçamentos. E isso depende, é claro, do lugar que o OP ocupa
no projeto político-ideológico governamental.
O compartilhamento do poder de decisão com a população
sobre a alocação dos recursos públicos e sobre as regras
do jogo da participação é desafio de difícil implementação
prática. Ela pressupõe efetiva vontade política dos
governantes (a começar pelo prefeito, mas, também, do
conjunto do governo) e do corpo técnico-burocrático (tem
saber técnico e informações) de dividir o poder com a
população.
A discussão das regras do jogo pelos próprios participantes,
conjuntamente com a Administração, é um potencial dos OPs
que pode possibilitar a prática da justiça distributiva e
da inclusão social (componentes da igualdade).
A construção argumentativa
das regras e dos critérios – além
de oportunizar o exercício da
racionalidade pública frente ao
dilema sempre presente entre
“recursos escassos versus demandas
reprimidas” – parece ser um dos
elementos de maior valor pedagógico
e de aprendizagens favoráveis à
construção da cultura democrática e de
cidadania. Isso porque incentiva o reconhecimento
do outro, o diálogo, a escuta e o respeito à diversidade
e à pluralidade, possibilitando que a legitimidade das
decisões passe a depender das relações entre as demandas
particulares (de cada bairro, região, grupo, organizações, etc.)
11
12. Conceitos Básicos de Democracia
e as regras pactuadas coletivamente. Sabe-se, entretanto,
que a mudança da consciência social é a mais difícil de ser
alcançada em todas as culturas.
Dessa forma, a questão do poder real de decisão
é “prova de fogo” sobre o verdadeiro significado dos
autodenominados OPs. Sabe-se que há diversos níveis
de participação possíveis e diversas são as experiências
reais quanto à relação de corresponsabilidade entre o
Mais informações
governo e os agentes da sociedade civil. A escala a seguir
sobre a Câmara estabelece possíveis níveis da relação de partilha do
de Veradores poder entre governantes e participantes.
na cartilha
Democracia e Escala dos graus de participação nas decisões:
Participação.
1 – Informação
2 – Consulta Facultativa
Os delegados (as) são 3 – Consulta Obrigatória
os representantes
4 –Cogestão
da população
participante das 5 – Delegação
assembleias regionais
6 – Autogestão
e temáticas do
OP. São eleitos na As experiências demonstram, em regra geral, que a
proporção de um para
cada dez presentes cogestão é uma conquista prática com alto grau de
nas assembleias e dificuldade. Por isso, a maioria dos casos existentes
compõem os Fóruns envolve consulta – e não, como seria desejável,
de Delegados
do OP (FROPs). gestão compartilhada. O grau de dificuldade se
Os conselheiros justifica porque exige uma complementaridade –
(as) também são em geral, tensa – entre as formas clássicas e legítimas
representantes
das Regiões ou de democracia representativa, funções do Executivo
das Temáticas, que e da Câmara de Vereadores, e as inovações
compõem o Conselho participativas, como os OPs. Mas estes, em sua
do Orçamento
Participativo (COP). dinâmica própria, também exigem formas clássicas
Mas são eleitos de representação, como é o caso da escolha de
dois titulares e dois conselheiros e delegados. Por isso, considerar o
suplentes em cada
Assembleia. Veja Orçamento Participativo como uma forma de “democracia
cartilha Orçamento direta e independente do Estado” não só é incorreto, na
Participativo.
12
13. prática, como acaba mistificando esse OP, o que dificulta
avançar mais.
Por outro lado, a legitimidade dos OPs é proporcional
à capacidade de atendimento das demandas definidas
pelas comunidades, em conjunto com o governo. Caso
contrário, não se forma um ciclo positivo entre decisão e
participação. Para isso, a transparência e o controle social não
só da execução das demandas, mas também das finanças
municipais são condição fundamental para a credibilidade
e a sustentabilidade dos OPs. É importante não criar falsas
expectativas. Todavia, o controle sobre as finanças (receita e
execução orçamentária) também é uma tarefa bastante difícil.
PERGUNTAS PARA DEBATE
É possível exercer o controle social do orçamento (receitas e
despesas)? Como isso pode ser feito? Qual é a melhor forma
da prestação de contas pelo governo?
3 - Quem são os integrantes da
participação?
Pesquisas sobre OPs indicam a tendência de êxitos maiores
(em termos de qualidade, de efeitos redistributivos e de
sustentabilidade), quando existe, na história anterior à criação Para conhecer
do OP, uma tradição associativa e de práticas de ação coletiva, a história do
surgimento
em especial das camadas excluídas do desenvolvimento
do OP, entre
sociourbano e das decisões sobre as políticas públicas. Esse outros escritos,
foi o caso da história de construção do OP em Porto Alegre. consulte o livro
O Poder da Aldeia:
Mas, a existência de uma tradição associativa numa Gênese e História
comunidade qualquer não significa necessariamente maior do Orçamento
Participativo de
nível de democratização das decisões. É claro que uma Porto Alegre (Tomo
participação aberta a todos os indivíduos, sem a noção de Editorial, 2000, de
compartilhamento de funções nem de hierarquização de FEDOZZI, Luciano).
13
14. Conceitos Básicos de Democracia
postos, tende a tornar as experiências mais bem-sucedidas.
Isso desestimula o monopólio da representação comunitária
Tipo de relação
política em que por entidades, que, muitas vezes, reproduz a centralização
uma pessoa dá inerente às formas clássicas de democracia. E também
proteção à outra
desestimula o clientelismo e o “caciquismo” comunitário.
em troca de apoio,
estabelecendo-
se um laço de
Portanto, aos participantes cabe
submissão pessoal. um duplo desafio: capacitar-se para
a gestão compartilhada e também
autogestionar-se, ou seja, garantir
sua independência política e sua
autonomia organizativa, sob pena de
se criarem novas formas de tutela do
Estado (governos) e do sistema político-
partidário sobre os movimentos e
organizações sociais. Trata-se de um dos
desafios mais complexos da participação, pois, sem a
capacidade autônoma da população, as possibilidades
de democratização da sociedade como um todo – com
liberdade e justiça – são bloqueadas.
Contudo, a capacidade de autogestão não depende
Para conhecer
melhor o perfil dos somente do amadurecimento da consciência social.
participantes do Depende também do tempo disponível dos indivíduos
OP veja o estudo e cria mais uma contradição nas formas inovadoras de
Observando
o Orçamento participação: a disponibilidade para a participação nas
Participativo de instâncias decisórias acaba se configurando como uma
Porto Alegre - condição privilegiada para inúmeros agentes sociais.
Análise histórica de
dados: perfil social e
Não por acaso, quase 60% dos participantes do OP são
associativo, avaliação de profissionais que têm “flexibilidade de tempo”, como
e expectativas autônomos, aposentados, desempregados e que exercem
(Tomo Editorial e
trabalho “do lar”.
Observapoa, 2007,
FEDOZZI, Luciano). Por isso, a relação entre participação e respeito às
Disponível no site
www.observapoa. diferenças também é um desafio importante para
com.br. experiências alternativas de poder. De um lado, trata-se
14
15. de ampliar o pluralismo dentre os participantes, levando
em conta as limitações que muitos encontram (trabalho,
família, despreparo, apatia, etc.). De outro, deve-se
também priorizar certos grupos que ainda não foram
beneficiados pelo acesso a bens ou serviços públicos
– que caracteriza o caráter distributivo das formas de
participação em orçamentos públicos. Os setores de
extrema pobreza têm muito mais dificuldades para se
organizar e participar dos OPs. Para esses setores, os
custos da participação são maiores. Apesar do caráter
redistributivo da experiência de Porto Alegre (a maioria
dos participantes pertence às camadas que, no passado,
não tinham voz e poder na destinação dos recursos
públicos), há diferenças de oportunidades entre o
público. Os indivíduos com menor nível
de ensino e menor renda perdem
proporcionalmente posições na
formação das instâncias hierárquicas
do OP (assembleias de base regional
e temática, Fórum de Delegados
e Conselho do Orçamento).
Da mesma forma, o
conhecimento sobre
as regras do jogo, por
parte do público do
OP, é dependente: a) do
maior ou menor tempo
de participação, b) da
experiência na ocupação
de postos na hierarquia das
instâncias (de cúpula ou
de base) e c) do maior ou
menor nível de ensino. Esse
fato leva ao tema crucial da necessária
15
16. Conceitos Básicos de Democracia
formação dos participantes, bem como da adoção de
O objetivo do métodos pedagogicamente adequados para tornar a
CapacitaPOA é
contribuir para
participação mais igualitária.
a formação dos A participação nunca é homogênea, e o ponto de partida
integrantes da rede
de participação não é igualitário, seja por condições socioeconômicas
democrática da (nível de ensino e renda familiar), por sexo ou em
Capital, a fim de termos raciais/étnicos. Enfrentar essas desigualdades da
qualificar ainda
mais essa atuação. participação é um grande desafio. Algumas experiências
são interessantes: muitos municípios adotam OPs
temáticos, para escolas, crianças, juventude, por
exemplo. Em outros modelos, adota-se um mecanismo
de igualdade obrigatória de gênero (representação
feminina) na escolha dos representantes. Também é
possível ampliar a base da participação adotando meios
alternativos, como votação por internet e reuniões à
distância por meio digital. Essa alternativa adotada por
alguns OPs precisa ser bem balanceada para não causar
prejuízos aos setores que não têm acesso a essas novas
tecnologias.
PERGUNTA PARA DEBATE
Como ampliar a participação (de todas as camadas)
e como equacionar as diferentes características e
diferentes condições das comunidades, para que todos
possam ser bem representados nos instrumentos de
participação popular?
Sistema de
organização política
e social fundado
na supremacia dos 4. Quais são os possíveis resultados da
técnicos. Busca
apenas soluções
participação?
técnicas ou racionais Do ponto de vista político, os OPs possuem um potencial
para os problemas,
sem levar em de ruptura com os modelos de gestão autoritária,
conta aspectos sejam tecnocráticos ou clientelistas. A adoção de
humanos e sociais.
16
17. procedimentos compartilhados para definir regras
de participação e critérios de seleção das prioridades
(objetivos, universais, transparentes e impessoais)
estabeleceu uma nova racionalidade política de acesso
democrático aos recursos públicos. O confronto entre as
demandas particulares, numa instância pública comum
como o OP, é tendencialmente favorável à transparência
e à preservação do interesse público.
O OP, apesar de seus problemas e limites, adquiriu
popularidade em Porto Alegre, indicando importante
mudança de comportamento favorável à incorporação da
democracia participativa como uma marca da cidade. O
Banco Mundial pesquisou a opinião dos porto-alegrenses
com relação ao OP e descobriu que o mecanismo era
considerado “muito importante” para 65 em cada 100
habitantes da cidade. Além disso, um em cada dois
reconheceu que o OP “aumenta a eficiência do governo”,
“melhora a qualidade de vida” e, mais importante, é “a
favor dos pobres”.
Isso garante, por exemplo, que o mecanismo
seja mantido, mesmo com a alternância
no poder característico das democracias
representativas – caso também de
Porto Alegre.
Entre os efeitos sociais, as formas
de compartilhamento sobre o orçamento têm
proporcionado a universalização do direito à cidade
e o combate à exclusão social. Uma rápida passada
pelos temas centrais do caso de Porto Alegre revela
o perfil das prioridades: habitação, pavimentação de
vias urbanas, saneamento básico, educação e saúde,
temas reivindicados pelas parcelas excluídas, como
as populações de mais baixa renda das grandes
metrópoles.
17
18. Conceitos Básicos de Democracia
O efeito distributivo também é
No caso de Porto
Alegre, a cidadania
demonstrado pela relação entre a renda
ativa foi estudada das regiões e o volume de investimentos
no livro O Eu e os
Outros: Participação
por pessoa. Quanto mais pobreza foi
e Transformação da detectada, mais investimentos foram
Consciência Moral
e de Cidadania
decididos. O próprio Banco Mundial
(Tomo Editorial reconheceu o caráter democrático em
e Observatório relação à renda, dos OPs, sugerindo que
das Metrópoles,
2008, de FEDOZZI, possam ter contribuído para a redução
Luciano). dos índices de pobreza em longo prazo
nos municípios onde foi implementado
no Brasil.
Além disso, a adoção de
formas alternativas de
participação pode favorecer
ganhos de consciência social
e de autoestima dos indivíduos,
com alterações na cultura favoráveis
à consciência de cidadania ativa. Mas
isso, evidentemente, se a participação
ocorrer por um período relativamente
longo de tempo. Mas há uma questão que
sugere dúvidas. Ela diz respeito ao real efeito
do OP no processo associativo da população.
PERGUNTAS PARA DEBATE
Você acha que, com o OP, o movimento
popular em geral foi fortalecido ou
enfraquecido? Por quê? Você já se sentiu
mais valorizado por participar, ou ter sido
convidado a participar, de mecanismos de
decisão e poder?
18
19. Expediente
Prefeitura Municipal de Porto Alegre
Secretaria de Coordenação Política e Governança Local
Produção: Signi - Estratégias para Sustentabilidade
Coordenação: Cristiane Ostermann (MTb 8256)
e Karen Mendes Santos (MTb 7816)
Edição: Carol Lopes
Textos: Flávio Ilha a partir de texto original de Luciano Fedozzi
Conselho Editorial: Adriana Burger, Adriana Furtado,
Ana Paula Dixon, Beatriz Rosane Lang, Cézar Busatto,
Débora Balzan Fleck, Eloisa Strehlau, Francesco Conti,
Ilmo Wilges, Jandira Feijó, Jorge Barcellos, Júlio Pujol,
Lisandro Wottrich, Luciano Fedozzi, Plinio Alexandre Zalewski Vargas,
Ricardo Erig, Rodrigo Puggina, Simone Dani,
Themis Regina Barreto Krumenauer e Valéria Bassani.
Projeto gráfico: Carolina Fillmann | Design de Maria
Diagramação: Daniela Olmos
Ilustrações: Marcelo Germano
Revisão: Press Revisão
Impressão: Hotprint
Tiragem: 1.500 exemplares
Apoio à produção das cartilhas: Departamento Municipal de Água e
Esgotos - DMAE
Novembro | 2010
19