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RESILIÊNCIA: NOÇÃO, CONCEITOS AFINS
E CONSIDERAÇÕES CRÍTICAS
Maria Angela Mattar Yunes, Heloísa Szymans
Na língua portuguesa, a palavra resiliência aplicada às Ciências Sociais e
Humanas vem sendo utilizada há poucos anos. Nesse sentido, seu uso no Brasil
restringe-se ainda a um grupo bastante limitado de pessoas de alguns círculos
acadêmicos. Nossa experiência tem mostrado que a maior parte dos colegas da
área de Psicologia, Sociologia ou Educação não conhecem a palavra e desconhecem
seu uso formal ou informal, bem como sua aplicação em quaisquer das áreas da
ciência. Por outro lado, profissionais das áreas de Engenharia, Física e Odontologia
revelam certa familiaridade com a palavra quando esta se refere à resistência de
materiais.
Em certos países da Europa, nos Estados Unidos e no Canadá, a palavra
resiliência já vem sendo utilizada com freqüência não só por profissionais das
Ciências Sociais e Humanas, mas também através de referências da mídia a
pessoas, lugares, ações e coisas em geral. Uma pesquisadora canadense
(Martineau, 1999: 96-7) cita, em seu importante trabalho de doutorado sobre a
resiliência na criança, alguns exemplos das contradições desse uso coloquial, em
que pessoas famosas são consideradas resilientes pela mídia tanto por tolerarem
como por terminarem seus casamentos. Pessoas ou coisas que tanto resistem como
provocam mudanças também são descritas como resilientes nos comerciais de TV e
em diálogos informais é comum as pessoas classificarem-se como resilientes ou
não resilientes.
* Fundação Universidade Federal do Rio Grande, doutoranda em Psicologia da Educação na Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo. E-mail: yunes@vetorialnet.com.br.
** Docente do Programa de Estudos Pós-graduados em Psicologia da Educação na. Pontifícia Universidade de
São Paulo. E-mail: hs2ymans@exatas.pucsp.br.
No Brasil, no entanto, a palavra resiliência e seus significados ainda
permanecem como "ilustres desconhecidos" para a grande maioria das pessoas,
enquanto nos países acima mencionados o termo resiliência é muito utilizado
inclusive para referendar e direcionar programas políticos de ação social e
educacional, o que aqui (talvez felizmente.,.) ainda parece estar longe de ocorrer.
Para melhor exemplificar a diferença cultural nas prioridades de significado da
palavra resiliência nas línguas portuguesa e inglesa, consultamos dicionários
especializados. O dicionário de língua portuguesa Novo Aurélio, de Ferreira (1999),
diz que, na Física, resiliência "é a propriedade pela qual a energia armazenada em
um corpo deformado é devolvida quando cessa a tensão causadora duma
deformação elástica". No sentido figurado, o mesmo dicionário aponta o termo
como "resistência ao choque". O dicionário de língua inglesa Longman Dicfionary of
Contemporary English (1995)1 oferece duas definições de resiliência, sendo a
primeira: "habilidade de voltar rapidamente para o seu usual estado de saúde ou de
espírito depois de passar por doenças, dificuldades etc.: resiliência de caráter".2 A
segunda explicação para o termo encontrada no mesmo dicionário afirma que
resiliência "é a habilidade de uma substância retornar à sua forma original quando
a pressão é removida: flexibilidade".3
1. Dicionário formulado por uma equipe multidisciplinar, com a proposta de auxiliar no inglês escrito e falado.
2. Original em inglês: "the ability to return quickly to your usual health or state of mind after suffering an
illness, difficulties etc.: resilience of character".
3. Original em inglês: "the ability of a substance to return to its former shape when pressure
isremoved:flexibility''.
Como se pode ver, os dois dicionários apontam para conceituações
semelhantes, mas que ao mesmo tempo divergem, pois no dicionário em português
a referência é feita apenas à resiliência de materiais, e mesmo no sentido figurado
nada é especificamente claro para a compreensão do que seja a resiliência quando
se trata de pessoas. Já o dicionário de inglês confirma a prioridade ou maior
familiaridade para o uso do termo em fenômenos humanos, apontando em primeiro
plano a definição nesse sentido.
Origens do conceito de resiliência: a resiliência de materiais
Historicamente falando, a noção de resiliência vem sendo utilizada há muito
tempo pela Física e Engenharia, sendo um de seus precursores o cientista inglês
Thomas Young, que em 1807, considerando tensão e compressão, introduz pela
primeira vez a noção de módulo de elasticidade. Young descrevia experimentos
sobre tensão e compressão de barras, buscando a relação entre a força que era
aplicada num corpo e a deformação que essa força produzia. Esse cientista foi
também o pioneiro na análise dos estresses causados pelo impacto, tendo
elaborado um método para o cálculo dessas forças (Timosheibo, 1983).
Silva Jr. (1972) denomina resiliência de um material, correspondente a
determinada solicitação, a energia de deformação máxima que ele é capaz de
armazenar sem sofrer deformações permanentes. Dito de uma outra maneira, a
resiliência refere-se à capacidade de um material absorver energia sem sofrer
deformação plástica ou permanente (Easley, Easley & Rolfe, 1983). Nos materiais,
portanto, o módulo de resiliência pode ser obtido em laboratório através de
medições sucessivas ou utilização de uma fórmula matemática que relaciona tensão
e deformação e fornece com precisão a resiliência dos materiais. E importante
ressaltar que diferentes materiais apresentam diferentes módulos de resiliência.
Resiliência como um construto psicológico
Em Psicologia, o estudo do fenômeno da resiliência é relativamente recente, e
vem sendo pesquisado há pouco mais de vinte anos. Mas, apenas nos últimos cinco
anos os encontros internacionais têm trazido esse construto para discussão. Sua
definição não é clara nem tampouco precisa quanto na Física ou na Engenharia (e
nem poderia ser), consideradas a complexidade e a multiplicidade de fatores e
variáveis que devem ser levados em conta no estudo dos fenômenos humanos.
Portanto, não há como comparar "alhos com bugalhos", ou seja, comparar a
resiliência de materiais com a resiliência como um processo psicológico, mesmo
porque o conceito de "deformação" em Física e Psicologia são incomparáveis. Pode-
se apenas tentar fazer algumas referências e apontamentos conceituais sobre as
definições encontradas, sem esquecer as idiossincrasias de dois campos da ciência
tão distintos. Vale dizer que a Psicologia apropriou-se de um conceito construído
dentro de um modelo matemático, e devemos ter muita cautela para não incorrer
em comparações indevidas. Para apenas usar uma metáfora, poder-se-ia dizer que
a relação tensão/pressão com deformação-não-permanente do material
corresponderia à relação situação de risco/estresse/experiências adversas com
respostas finais de adaptação/ajustamento no indivíduo, o que ainda nos parece
bastante problemático, haja vista as dificuldades em esclarecer o que é considerado
risco e adversidades, bem como adaptação e ajustamento.
Os precursores do termo resiliência na Psicologia são os termos invencibilidade
ou invulnerabilidade ainda bastante referidos na literatura atual sobre resiliência.
Vários autores (Rutter, 1985; Masten & Garmezy, 1985; Werner & Smith, 1992)
relatam que "em 1974, o psiquiatra infantil E. J. Anthony introduziu o termo
invulnerabilidade na literatura da psicopatologia do desenvolvimento, para
descrever crianças que, apesar de prolongados períodos de adversidades e estresse
psicológico, apresentavam saúde emocional e alta competência" (Werner & Smith,
1992: 4). Alguns anos depois, já se discutia a aplicação do termo, que parecia
implicar que as crianças seriam totalmente imunes a qualquer tipo de desordem,
independentemente das circunstâncias. Como afirmaram Masten & Garmezy
(1985), um termo menos Olímpico como resiliência ou resistência ao estresse, se
faziam necessários. Segundo Michael Rutter (1985 e 1993), um dos pioneiros no
estudo da resiliência no campo da Psicologia, invulnerabilidade passa uma idéia de
resistência absoluta ao estresse, de uma característica imutável, como se fôssemos
intocáveis e sem limites para suportar o sofrimento. Rutter (1993) considera que
invulnerabilidade passa somente a idéia de uma característica intrínseca do
indivíduo, e as pesquisas mais recentes têm indicado que a resiliência ou
resistência ao estresse é relativa, cujas bases são tanto constitucionais como
ambientais e que o grau de resistência não tem uma quantidade fixa, e sim, varia
de acordo com as circunstâncias (Rutter, 1985). Resiliência e invulnerabilidade não
são termos equivalentes, afirmam Zimmerman & Arunkumar (1994).4 Segundo
esses autores, .resiliência refere-se a uma "habilidade de superar adversidades"
(Zimmerman & Arunkumar, 1994: 4), não significando que o indivíduo saia da crise
ileso, como implica o termo invulnerabilidade. Apesar dessas considerações, é essa
versão inicial de resiliência como invulnerabilidade frente às adversidades que ainda
vem orientando a produção científica de muitos pesquisadores da área, dando lugar
à construção de um conceito que define a resiliência como um conjunto de traços e
condições que podem ser reificados e replicados, conforme afirma Martineau (1999)
em sua análise crítica sobre o discurso dos denominados por ela de "experts" no
assunto. Essa mesma autora afirma que a maioria dos estudos sobre resiliência é
realizada mediante uma abordagem quantitativa tendo como foco a criança, que é
identificada como resiliente ou não, a partir de testes psicométricos, notas na
escola, testes de personalidade ou de perfil de temperamento, que levam a um
conjunto de características observáveis que definiriam a "criança resiliente".
As pesquisas pioneiras em resiliência: o foco no indivíduo
Vários autores estrangeiros, sobretudo dos Estados Unidos e do Reino Unido,
têm desenvolvido pesquisas sobre resiliência. A maioria dos estudos tem por
objetivo estudar a criança ou o adolescente, numa perspectiva individualística, que
foca traços e disposições pessoais. Muitos pesquisadores do desenvolvimento
humano estudam os padrões de adaptação individual da criança associados ao
ajustamento apresentado na idade adulta, ou seja, "procuram compreender como
adaptações prévias deixam a criança protegida ou sem defesa quando expostas a
eventos estressores" (Hawley & DeHann, 1996), e estudam também como os
"padrões particulares de adaptação, em diferentes fases de desenvolvimento
interagem com mudanças ambientais externas" (Sroufe & Rutter, 1984: 27).
Dentre as mais citadas, estão as primeiras publicações sobre o assunto intituladas
Vulnerable but invincible [Vulneráveis, porém invencíveis], Overcoming the odds
[Superando as adversidades], ambos de Werner & Smith (1982,1992), e The
invulnerable child [A criança invulnerável], de Anthony & Cohler (1987). A
importância desses estudos está na característica de long-term, ou seja, são
estudos longitudinais que acompanham o desenvolvimento do indivíduo desde a
infância até a adolescência ou idade adulta. Segundo Werner & Smith (1992),
poucos investigadores têm acompanhado populações de "alto risco"5 desde a
infância e adolescência até a idade adulta com o objetivo de monitorar efeitos dos
fatores de risco e os fatores de proteção que operam durante os anos de
desenvolvimento do indivíduo. O estudo longitudinal realizado por Werner (1986,
1993, Werner & Smith, 1982, 1989, 1992) e outros colaboradores durou cerca de
quarenta anos, tendo se iniciado em 1955. De acordo com Martineau (1999), este
estudo não tinha como proposta inicial estudar a questão da resiliência, mas, sim,
investigar os efeitos cumulativos da pobreza, do estresse perinatal e dos "cuidados
familiares deficientes"6 no desenvolvimento físico, social e emocional das crianças.
A pesquisa acompanhou o nascimento de 698 crianças em Kauai, uma ilha do
Havaí. As crianças foram avaliadas com 1 ano de idade (incluindo entrevistas com
os pais) e acompanhadas até as idades de 2,10,18 e 32 anos. O foco da pesquisa
relatada no livro Vulnerable but invincible foram 72 crianças (42 meninas e 30
meninos) com uma história de quatro ou mais fatores de risco, a saber: pobreza,
baixa escolaridade dos pais, estresse perinatal, baixo peso no nascimento ou,
ainda, a presença de deficiências físicas. Uma proporção significante dessas
crianças era proveniente de famílias cujos pais eram alcoólatras ou apresentavam
distúrbios mentais. Para surpresa dos pesquisadores, nenhuma dessas crianças
desenvolveu problemas de aprendizagem ou de comportamento (Werner & Smith,
1982), o que foi considerado então como "sinal de adaptação ou ajustamento".
Diante desses indicativos, as crianças foram denominadas "resilientes" pelas
pesquisadoras, pois nesse período já se discutia muito sobre o que haveria de
diferente em crianças que, apesar de criadas em circunstâncias adversas, não eram
por elas atingidas (embora não fique bem claro o que significa ser ou não atingido).
Uma outra amostra, estudada por Werner em 1986 abrangeu um grupo de 49
jovens da mesma ilha, cujos pais tiveram sérios problemas devido ao abuso de
álcool; estes jovens sofreram conflitos familiares desde cedo, além de viverem em
condições de pobreza. Por volta dos 18 anos, 41% deste grupo apresentou
problemas de aprendizagem, ao contrário dos restantes 59%. Este último grupo foi
nomeado grupo resiliente, e diferia do primeiro por um número de medidas obtidas
através de entrevistas com pais e entrevistas retrospectivas com os próprios
jovens. Os fatores que discriminaram o grupo resiliente, tanto nas pesquisas de
1982 como nas de 1986, incluíam: temperamento das crianças/jovens (percebidos
como afetivos e receptivos); melhor desenvolvimento intelectual; maior nível de
auto-estima; maior grau de autocontrole; famílias menos numerosas; menor
incidência de conflitos nas famílias. Como se pode notar, os autores atribuíram as
diferenças às características constitucionais das crianças e ao ambiente criado pelos
cuidadores da infância. Na última etapa desta ambiciosa pesquisa, Werner & Smith
(1992: 192) concluíram que "um terço dos indivíduos considerados de alto risco
tornaram-se adultos competentes capazes de "amar, trabalhar, brincar e ter
expectativas".7 Conforme afirma Martineau (1999), a "resiliência" a que as autoras
se referem foi identificada nas pesquisas iniciais como "invulnerabilidade às
adversidades", conceituação reformulada e mais tarde definida como "habilidade de
superar as adversidades". Werner (1993) notou que "o componente-chave do
efetivo coping destas pessoas é o sentimento de confiança que o indivíduo
apresenta de que os obstáculos podem ser superados", o que confirma a ênfase
colocada nos componentes psicológicos individuais, de um "algo interno", apesar
das inúmeras referências feitas pelas autoras aos aspectos protetores decorrentes
de relações parentais satisfatórias e da disponibilidade de fontes de suporte social
na vizinhança, escoia e comunidade.
5. Ver seção sobre o conceito de risco.
6. Poor parenting, no original em inglês (Martineau, 1999: 102).
7. Original das autoras: "yet one out of three of these high risk children grew into competent young adults who
loved well, worked well, played well, and expected well". Penso que as autoras inspiraram -se no que Freud
chamava de a essência da existência humana: brincar, trabalhar e ama r.
Como já foi mencionado, outro importante e citado pensador do assunto é o
psiquiatra britânico Michael Rutter, que, em razão das inúmeras publicações e
pesquisas empíricas, tem orientado até hoje o curso dos projetos nessa área. Seus
trabalhos mais conhecidos datam do início dos anos 70, com a investigação de
diferenças entre meninos e meninas provenientes de lares desfeitos por conflitos
(Rutter, 1970) e as relações entre os efeitos desses conflitos parentais no
desenvolvimento das crianças (1971). Seus resultados indicaram que os meninos
são mais vulneráveis que as meninas, não somente a estressores físicos, mas
também aos psicossociais. Um de seus marcantes trabalhos nessa área foi
desenvolvido com uma amostra de sujeitos da Ilha de Wight e da c idade de
Londres (Rutter, 1979b e 1981b), os quais haviam experienciado discórdias na
família dos pais, eram de camadas sociais de baixa renda, famílias numerosas, com
história de criminalidade de um dos pais, doença mental da mãe ou
institucionalizados sob custódia do governo. Seus resultados deram origem à sua
afirmação bastante divulgada de que um único estressor não tem impacto
significante, mas que a combinação de dois ou mais estressores pode diminuir a
possibilidade de conseqüências positivas (positive outcomes) no desenvolvimento, e
que estressores adicionais aumentam o impacto de outros estressores presentes.
Em 1981, Rutter publica um livro que trata da relação entre a ausência da figura
materna e o desenvolvimento de psicopatologias na criança (Rutter, 1981a), com
um capítulo que versa sobre resiliência e o comportamento parental de adultos que
na infância tenham sofrido abandono. Entre as principais questões levantadas pelo
autor, aparece a mais freqüente formulação inicial dos estudos sobre resiliência:
Por que, apesar de passar por terríveis experiências, alguns indivíduos não são
atingidos e apresentam um desenvolvimento estável e saudável? Rutter (1987)
define resiliência como uma "variação individual em resposta ao risco", e afirma
"que os mesmos estressores podem ser experienciados de maneira diferente por
diferentes pessoas". De acordo com esse autor, a resiliência não pode ser vista
como um atributo fixo do indivíduo", e "se as circunstâncias mudam a resiliência se
altera" (1987: 317). Tais observações procuram dar ao conceito um toque de
relatividade, que nem sempre aparece nos estudos quantitativos que usam medidas
e critérios estatísticos baseados em comportamentos observáveis para identificar
crianças resilientes num determinado ponto de suas vidas. O estudo desenvolvido
por Martineau deixa claro que "resiliência tem diferentes formas entre diferentes
indivíduos em diferentes contextos, assim como acontece com o conceito de risco"
(1999: 103).
A introdução de diversos estudos que investigam resiliência 'traz questões
relativas a essas "habilidades individuais" ilustradas com pequenas histórias de
pessoas com trajetórias semelhantes; dentre elas, entretanto, algumas conseguem
superar os momentos de crise e outras não. Dessa forma, a perspectiva no
indivíduo busca identificar resiliência a partir de características pessoais, tais como
sexo, temperamento e background genético, apesar de todos os autores
acentuarem em algum momento o aspecto relevante da interação8 entre bases
constitucionais e ambientais da questão da resiliência. Muitos desses trabalhos
situam-se na área da psicopatologia do desenvolvimento, a qual tem sido descrita
como a ciência que estuda as "origens e o curso dos padrões individuais de
comportamentos de desadaptação" (Sroufe & Rutter, 1984:18), e cuja ênfase está
no desenvolvimento dos comportamentos patológicos ao longo do tempo (Hawley &
DeHann, 1996). Em muitos casos, o patológico estudado nos estudos sobre
resiliência refere-se tão-somente a populações em desvantagem social ou a
minorias étnicas. Martineau (1999), ao comentar o estudo pioneiro de Werner &
Smith (1982 e 1992) realizado na ilha de Kauai, refere que uma consideração que
merece ser feita é sobre a construção inicial do que as autoras chamaram de
"pobreza", numa sociedade rural, não-industrializada, cuja população era
predominantemente constituída por havaianos ou asiáticos. A eles foi atribuída
pobreza, pois por volta de 1950 a economia do local girava em torno da pesca e da
cana-de-açúcar. Segundo Martineau, as pesquisadoras do cohort9 em Kauai
fizeram uma descrição dos pais das crianças (classificados como "não-habilidosos e
grosseiros"),10 com indicações de que eles estavam sendo comparados com
populações urbanas de áreas industrializadas que tinham acesso a serviços
médicos, educacionais e outras facilidades. Ilustrativo desta visão que permeia
diversas pesquisas sobre resiliência é um dos artigos de Garmezy (1991) sobre
"Resiliência e Vulnerabilidade associados à pobreza", em que o autor cita os
esforços empreendidos por seu grupo, desde o início da década de 70, no sentido
de compilar os atributos de crianças negras que vivem em circunstâncias
desfavoráveis, ou de baixa renda, mas denotam competência.11 Tal atenção dos
pesquisadores da resiliência dirigida especialmente a estas populações de
imigrantes, pobres ou aqueles que vivem em circunstâncias de "desvantagem"
parece refletir uma preocupação daquelas sociedades com a "ameaça" que estes
grupos podiam (ou podem) representar para as camadas das classes dominantes.
Penso que é com esta conotação que as populações têm sido denominadas
"populações de risco", ou de "alto risco". Dependendo da maneira como tratarmos
os estudos sobre resiliência em nosso país, poderemos cair neste mesmo viés. Por
isso, esta é uma questão que merece ser analisada com muita cautela e acredito
ser necessário, num primeiro momento, uma revisão conceituai ampla.
Conforme já citado, foi a partir das pesquisas de Michael Rutter, Emily Werner,
Ruth Smith, e ainda de importantes nomes como Norman Garmezy, Ann S. Masten,
Suniya Luthar e outros, que delineou-se a questão da resiliência e emergiram, com
esta construção, várias constelações temáticas e conceituais que passaram a fazer
parte dos relatos empíricos — e até os dias de hoje exercem uma forte influência
no discurso científico —, tais como: risco, vulnerabilidade, estresse, coping,
competência e proteção, os quais, para melhor compreensão do fenômeno da
resiliência, merecem considerações especiais.
8. Uma interessante discussão sobre o termo "interacional" é encontrada numa publicação de Coyne & Gottlieb
(1996: 963 e 964); segundo os autores o termo é usado inconsistentemente na literatura psicológica. Os
autores argumentam que, numa perspectiva interacional, pessoas e ambientes são vistos como entidades
independentes, e numa perspectiva transacional, pessoas e ambientes são definidos relacionalmente, ou seja,
uma entidade é relevante para outra. Dentro dessa ótica, penso que se aplicaria esta última perspectiva ao
fenômeno da resiliência, o que fica também em consonância com a abordagem ecológica de Bronfenbrenner
(1979 e 1996), que será discutida no final deste trabalho. Esta questão é retomada na seção que trata do
conceito de coping.
9. Grupo de pessoas que nasceram e viveram durante o mesmo período histórico (Garbarino, 1992).
10. "Unskilled and uneducated" são as palavras originais usadas no texto em inglês.
11. O conceito "competência" e as pesquisas realizadas na área serão discutidos numa seção à parte.
O conceito de risco
Conceito de risco tem suas raízes no campo do comércio em vias marítimas de
séculos atrás.
Em virtude dos constantes desastres e perda de suas cargas, os mercadores
viram a necessidade de estimar o risco de perda de mercadorias para assegurar-se
financeiramente.
Este fato desencadeou uma verdadeira indústria de seguros, que procurava
quantificar o risco destas perdas potenciais; estas eram discutidas entre os
mercadores e os seguradores por meio de prêmios e benefícios (Masten &
Garmezy, 1985; Cowan, Cowan & Schulz, 1996).
Quanto às pesquisas científicas, os primeiros estudos sobre risco foram feitos
no campo da epidemiologia e da medicina, cujo foco era estudar "padrões de
doença em determinadas populações e os fatores que influenciavam estes padrões"
(Lilienfeld & Lilienfeld, 1980). Como afirmam Cowan, Cowan & Schulz (1996), o
sentido e a forma de medir risco foi se modificando significativamente, se
considerarmos a sua atual aplicação no campo da saúde mental. Sem sombra de
dúvida, é muito mais complexo definir o que se constitui risco quando se trata de
doenças mentais do que quando se trata de probabilidades de perder ou não
determinadas mercadorias. O conceito de risco foi aumentando a sua amplitude
quando se passaram a estudar também riscos psicossociais, como, por exemplo,
qual a correlação entre conflitos familiares e o comportamento agressivo de uma
criança (Fincham, Grych & Osborne, 1994), quando se reconheceu que privação
econômica é uma das principais fontes de risco sociocultural para a criança
(Garbarino, 1992) e que pobreza e miséria são importantes fatores de risco
universal (Luthar & Zigler, 1991).
A análise crítica da história da infância mostra que riscos e todas as espécies de
estressores sempre se fizeram presentes em qualquer tempo e lugar. O que tem
variado é a construção social do que se constitui risco (Martineau, 1999). De alguns
anos para cá, é crescente o interesse no estudo do poder que determinados tipos
de estressores tem na infância (Garmezy & Rutter, 1983 e 1985). Fatores de risco
relacionam-se com toda a sorte de eventos negativos de vida, e que, quando
presentes, aumentam a probabilidade de o indivíduo apresentar problemas físicos,
sociais ou emocionais. Alguns exemplos do que vem sendo tomado como
experiências estressoras no desenvolvimento das crianças em vários estudos são:
divórcio dos pais (Emery & Forehand, 1996), perdas de entes próximos (Clark,
Pynoos & Goebel, 1996), abuso sexual/físico contra a criança (Egeland &
Brunnquell, 1979), pobreza (Rutter & Madge, 1976; Luthar & Zigler, 1991),
holocausto (Moskovitz, 1983), desastres e catástrofes naturais (Yule, 1994),
guerras e outras formas de trauma (Goodyer, 1990; Garmezy & Rutter, 1985).
Tradicionalmente, estes estressores eram concebidos em termos estáticos, ou seja,
na presença de qualquer um deles já se previam conseqüências indesejáveis.
Embora seja notório que pobreza, conflito familiar e abuso são prejudiciais, se
esses fatores irão se constituir em risco ou não, isto irá depender do
comportamento que se tem em mente e dos mecanismos pelos quais os processos
de risco operam seus efeitos negativos na criança (Cowan, Cowan & Schulz, 1996).
Portanto, uma condição de risco não pode ser assumida a priori (Luthar, 1993).
Muito recentemente, Rutter (1999), ao fazer novas considerações metodológicas
sobre o conceito de resiliência, reiterou a necessidade de se fazer a distinção entre
indicadores de risco e mecanismos de risco. Torna-se claro, portanto, que interessa
estudar o conjunto de processos decorrente desta variável, que vincula e faz a
mediação das condições de risco com as manifestações negativas ou
psicopatológicas. Risco deve ser sempre pensado como processo e não como a
variável em si.
O dinamismo do conceito de risco
No campo da psicopatologia do desenvolvimento, Cowan, Cowan & Schulz
(1996) colocam que "o ingrediente central dos estudos contemporâneos sobre risco
está na sua ênfase no movimento dos fatos e não em fatos estáticos". Isto significa
que os riscos psicológicos são flutuantes na história dos indivíduos, ou seja, mudam
de acordo com as circunstâncias de vida e têm diferentes repercussões,
dependendo de cada um. Portanto, não é possível fazer inferências do tipo causa-
efeito, com um raciocínio linear, quando se trata de riscos psicológicos. É preciso
identificar que processos ou mecanismos12 influenciaram o que liga risco à
conseqüência em um determinado ponto da história do indivíduo.
Rutter (1996) enfatiza a importância de se focar ao longo do tempo os
mecanismos mediadores presentes quando há indicações de risco. Tendo-se como
exemplo a situação de perda de um dos pais para uma criança, a perda do pai ou
mãe isoladamente pode não consistir em risco por si só, mas devem ser levadas em
conta as condições precedentes (a vivência da situação de doença, por exemplo) e
as conseqüências dessa perda no contexto familiar da criança (o luto dos
sobreviventes e os efeitos no relacionamento com a criança). Portanto, neste
exemplo, a perda do familiar será o evento-chave e constituirá apenas o indicador
de uma situação de risco, mas os mecanismos de risco envolvem uma rede
complexa de acontecimentos anteriores e posteriores ao evento-chave.
Numa outra maneira de abordar essa complexa questão, em um artigo que
sumariza aspectos metodológicos e conceituais das pesquisas sobre resiliência na
criança, Luthar (1993) enfatiza a necessidade de se distinguir entre dois níveis de
risco: distai e próxima!.13 A autora coloca que risco distai não é diretamente
experienciado pela criança, como por exemplo status socioeconômico. Já o risco
proximal refere-se às variáveis mediadoras, como, por exemplo, cuidados
familiares deficientes ou conflito entre os pais. Luthar (1993) chama atenção para o
cuidado que se deve ter quando consideramos uma criança estatisticamente em
situação de risco, levando-se em conta apenas o fator de risco distal. O que pode
ocorrer é que, apesar do risco estatístico, quando consideradas as variáveis
proximais, chega-se à conclusão de que a criança não tem sofrido influências
adversas, e não cabe, portanto, falar em condição de resiliência neste caso. Isto
deixa a questão de crianças expostas a riscos proximais em aberto, assim como
outras inferências que têm sido feitas sobre riscos distais, discussão esta feita
também por outros autores (Rutter, 1987 e 1993; Masten & Garmezy, 1985).
Segundo Clark, Pynoos & Goebel (1996), será a acumulação de eventos ao longo
do tempo que contribuirá para a emergência de resiliência ou vulnerabilidade em
casos individuais.
12. Cowan, Cowan & Schulz (1996) tratam desta questão conceituai brevemente e apresentam uma clara
definição de mecanismo: "Mecanismos são processos que ligam riscos às suas conseqüências, propiciando o
entendimento na variabilidade destas conseqüências" (p. 16). Segundo os autores, os mecanismos podem
operar de duas maneiras para fazer esta vinculação risco-conseqüência: como mediadores ou moderadores. Um
mecanismo mediador é dinâmico e não diretamente observável. O mecanismo moderador amplifica, re duz ou
muda a direção da correlação entre riscos e respostas.
13. Autora cita alguns autores responsáveis por estes trabalhos: Baldwin, Baldwin & Cole, 1990; Masten, Best
& Garmezy, no prelo; Richters & Weintraub, 1990.
Risco & Resiliência
As referências à resiliência vêm quase sempre associadas à presença/ausência
de risco (Cowan, Cowan & Schulz, 1996). Referências ao termo resiliência têm uma
conotação positiva, enquanto a palavra risco traz, além do estigma negativo da
própria categoria, possibilidades de variabilidade e de interpretações vagas no uso
que tem sido feito pelos teóricos, pesquisadores e clínicos. E preciso esclarecer,
portanto, as vinculações conceituais entre resiliência e risco. Rutter (1993) procura
mostrar a associação risco & resiliência usando exemplos de pesquisas do campo da
medicina, de resistência a doenças, com o que o autor exemplifica a relação entre
os dois conceitos no campo psicológico. Segundo ele, três pontos devem ser
considerados nessa relação. Em primeiro lugar, a resiliência não está no fato de se
evitar experiências de risco e apresentar características saudáveis ou ter boas
experiências; em segundo lugar, os fatores de risco podem operar de diferentes
maneiras em diferentes períodos de desenvolvimento, como mostra o exemplo
dado por ele mesmo em outro artigo sobre o tema: "uma criança em idade escolar,
diante de uma situação de estresse, tal como ser hospitalizada, será considerada
em menor risco, porque provavelmente terá capacidades cognitivas de manter
outros relacionamentos durante o período de separação da família e entender por
que a sua admissão foi necessária, do que uma criança em idade pré-escolar"
(Rutter, 1987:326). E, em terceiro lugar, é necessário focar mecanismos de risco e
não fatores de risco, pois o que é risco numa determinada situação pode ser
proteção em outra. Rutter (1993) exemplifica essa premissa com os resultados de
um estudo longitudinal realizado na Califórnia por Elder, em 1986: demonstrou-se
que jovens provenientes de famílias de baixa renda, ao entrarem cedo nas Forças
Armadas, puderam continuar seu processo educacional, adiaram as possibilidades
de casamento precoce, estabeleceram vários contatos, enquanto para um grupo de
jovens de classe social mais abastada a experiência foi disruptiva, pois interrompeu
suas carreiras e interferiu negativamente em suas vidas familiares.
Esse exemplo parece demonstrar a já referida plasticidade do conceito de
risco, além de servir de alerta aos pesquisadores da questão sobre o perigo que se
incorre ao considerar eventos isolados como fatores de risco, o que muitas vezes é
feito de forma arbitrária ou calcada em preconceitos. Sendo assim, focar
isoladamente um evento de vida e atribuir-lhe a condição de adversidade, tanto no
caso de um indivíduo como de um grupo, não parece a melhor maneira de se
abordar a questão. Por isso, uma análise criteriosa dos processos ou mecanismos
de risco parece imprescindível para que se possa ter a dimensão da diversidade de
respostas que podem ser observadas, sobretudo quando se trata de riscos
psicossociais ou riscos socioculturais.
De qualquer modo, risco implica uma alta probabilidade de conseqüências
"negativas" (definidas na literatura como psicopatologias), enquanto resiliência
seria o resultado "positivo" (freqüentemente definida como superação de
adversidades). Os autores Cowan, Cowan & Schulz (1996) definem resiliência na
sua associação com a questão do risco da seguinte maneira: "Resiliência refere-se
a processos que operam na presença de risc o para produzir conseqüências boas ou
melhores do que aquelas obtidas na ausência de risco". Rutter (1987) coloca que
"resiliência é o processo final de processos de proteção que não eliminam o risco,
mas encorajam o indivíduo a se engajar na situação de risco efetivamente". Mais
tarde, este mesmo autor (Rutter, 1996) aponta que vários avanços conceituais e
metodológicos têm sido feitos no campo das pesquisas sobre risco. Dos mais
importantes avanços citados por ele, é necessário considerarmos: a) os diferentes
mecanismos envolvidos na relação pessoa-interação com o ambiente; b) as
diferenças individuais na percepção das situações de estresse; c) os mecanismos de
proteção nas situações de estresse e d) as reações em cadeia indiretas que
ocorrem ao longo do tempo.
De maneira geral, os diversos pontos abordados por essa discussão nos
remetem ao cuidado que os pesquisadores devem ter ao abordar o binômio risco e
resiliência, pois muitos indicadores de risco ou "alto risco" carecem de informações
suficientes para ser categorizados como tal, o que faz com que, algumas vezes, os
conceitos de resiliência e fatores de proteção sejam prematuramente invocados
(Richets & Weintraub, 1990). Não é possível investigar resistência ao estresse e
adversidade ou resiliência sem antes verificarmos a presença de experiências que
apresentam riscos crescentes ao desenvolvimento (Rutter, 1999).
Resiliência & Vulnerabilidade
A palavra vulnerável origina-se do verbo latim vulnemre, que significa ferir,
penetrar. Por estas raízes etimológicas, vulnerabilidade é um termo geralmente
usado na referência de predisposições a desordens ou de susceptibilidade ao
estresse.
Muitas vezes o conceito de vulnerabilidade é aplicado erroneamente no lugar de
risco. Cabe dizer que trata-se de dois conceitos distintos, cuja diferença reside
tanto na ênfase como na origem do uso dos mesmos. Como já se disse
anteriormente, risco foi usado pelos epidemiologistas sempre associado a grupos e
populações. Já vulnerabilidade associa-se mais estritamente ao indivíduo e às suas
susceptibilidades ou predisposições a respostas ou conseqüências negativas
(Masten & Garmezy, 1985). É importante ressaltar a relação entre risco e
vulnerabilidade: vulnerabilidade opera apenas quando o risco está presente; sem
risco, vulnerabilidade não tem efeito (Cowan, Cowan & Schulz, 1996).
Historicamente falando, o conceito de vulnerabilidade foi formulado nos anos
30 pelo grupo de pesquisas de L. B. Murphy, que acabou por definir o termo como
"susceptibilidade à deterioração de funcionamento diante de estresse" (Masten &
Garmezy, 1985). Murphy e seus colegas focaram suas pesquisas nas diferenças
individuais das vulnerabilidades das crianças e suas formas de lidar com as mesmas
associadas às dificuldades ambientais. Tal perspectiva acabou por reconhecer as
complexas interações entre: a) as vulnerabilidades/"forças" individuais, b) o
ambiente e c) a presença ou não de suporte social.14
No contexto dos estudos sobre resiliência, vulnerabilidade é um conceito
utilizado para definir as susceptibilidades psicológicas individuais que potencializam
os efeitos dos estressores e impedem que o indivíduo responda de forma
satisfatória ao estresse (Hutz, Koller & Bandeira, 1996). Para Zimmerman e
Arunkumar (1994), vulnerabilidade refere-se a "predisposições ao desenvolvimento
de várias formas de psicopatologias" (p. 2). Rutter (1987) define o termo como:
alterações aparentes no desenvolvimento físico e/ou psicológico de uma pessoa que
submeteu-se a situações de risco. Tais alterações ficam tão evidentes na trajetória
de adaptação da pessoa que podem torná-la suscetível e propensa a apresentar
sintomas e doenças. De acordo com Cowan & Cowan & Schulz (1996),
vulnerabilidade diz respeito à predisposição individual para o desenvolvimento de
psicopatologias ou de comportamentos ineficazes em situações de crise. Esses
autores reiteram que vulnerabilidade não se refere apenas a predisposições
genéticas, pois condições tais como baixa auto-estima, traços de personalidade e
depressão são freqüentemente descritos como vulnerabilidades. As condições
externas também podem funcionar como vulnerabilidades: por exemplo, práticas
educativas familiares ineficazes podem deixar crianças mais vulneráveis (Patterson
& Cappaldi, 1991).
Em suma, as variações na sensibilidade de crianças a riscos ambientais podem
tanto ser geneticamente influenciadas, como podem derivar das experiências
vividas anteriormente. As conseqüências podem ser nocivas ao desenvolvimento
psicológico ou não, a depender das inter-relações entre os fatores acima
mencionados, o que de alguma maneira explica parcialmente a diversidade de
respostas das crianças expostas a situações de risco psicossocial (Rutter, 1999).
14. Segundo Masten & Garmezy (1985), o reconhecimento das complexidades das interações entre o indivíduo
e o ambiente caracteriza a perspectiva transacional, já mencionada anteriormente e também estudada por
Sameroff & Chandier (1975), que pesquisaram o risco perinatal e suas conseqüências no desenvolvimento.
Esses autores sugeriram que crianças vulneráveis em razão de terem tido complicações no período perinatal
podem desenvolver-se de diversas maneiras, dependendo da relação entre o grau de vulnerabilidade deixado
pela seqüela e o suporte do ambiente.
Resiliência, Estresse & Coping
Nos dias de hoje, estresse é um fator inevitável em nossas vidas e tem sido
correntemente usado para explicar uma diversidade de questões. As pessoas usam
expressões do tipo "estou estressada(o)", "isto é estresse" para justificar muitas de
suas experiências do dia-a-dia. Cientificamente, é um conceito muito difícil de ser
definido. Hinkle (1987) chegou à conclusão de que não se tem ainda uma definição
amplamente aceita por aqueles que estudam a questão do estresse. No entanto, é
consenso que, diante de uma situação de vida "estressante",15 as pessoas têm as
mais diferentes reações. Pereira (1997) cita que Hans Selye, em 1936, foi o
primeiro a introduzir o conceito de estresse nas ciências humanas, definindo-o
como "uma resposta específica do corpo a uma exigência feita a ele".16
Numa visão subjetiva do fenômeno, pode-se dizer que, dependendo da
percepção que o indivíduo tem da situação, da sua interpretação do evento
estressor e do sentido a ele atribuído, teremos ou não a condição de estresse. Por
exemplo, a mesma situação de vida pode ser experienciada por um indivíduo como
perigo, enquanto outro a percebe como um grande desafio.
Numa perspectiva psicológica, Lazarus & Folkman referem-se a estresse como
"uma relação particular entre a pessoa e o ambiente que é apreciado por ela como
excedente aos seus recursos, o que coloca em perigo o seu bem-estar" (1984: 19).
A palavra particular usada pelos autores enfatiza o aspecto subjetivo do conceito de
estresse, porém muito importante é também a ênfase da definição na relação
pessoa-ambiente. Esta traz o dinamismo de um processo que muda durante uma
transação estressora entre pessoa e ambiente.
Assim como acontece com o conceito de risco nos estudos sobre resiliência, o
conceito de estresse também se refere a experiências de vida negativas. Alguns
pensadores da resiliência usam os dois conceitos simultaneamente, o que dificulta a
distinção entre ambos. Entretanto, nota-se que o termo estresse aparece quase
sempré acompanhado por palavras como situações ou circunstâncias, indicando
condições temporárias ou transitórias ligadas a eventos de vida. A observação de
Mães, Vingerhoets & Van Heck (1987)17 parece confirmar essa perspectiva:
"eventos operam como estressores na medida em que eles sobrecarregam ou
excedem os recursos adaptativos da pessoa", o que dá uma idéia de que isso
ocorre em algum ponto do ciclo de vida da pessoa.
15. Estamos usando o termo no seu sentido coloquial.
16. Pereira (1997b) cita Selye (1974).
A contrapartida de estresse é o conceito de coping, palavra não traduzida na
língua portuguesa e utilizada sempre no seu original em inglês. Estresse & coping
são conceitos que aparecem lado a lado constantemente nas pesquisas sobre
resiliência. Parece ser mais um dos vários dualismos entre pólos positivos e
negativos que permeiam o conceito de resiliência, sendo que, neste caso, estresse
é o pólo negativo e coping, o positivo. Pereira (1997a) cita parafraseando Lazarus
que desde 1960 o estresse tem sido reconhecido como um aspecto inevitável da
condição humana, e é o coping que faz a diferença nas reais conseqüências do
mesmo. Os trabalhos de Lazarus & Folkman têm sido de grande influência na
questão do coping. A definição desses autores que tem sido utilizada em diferentes
pesquisas é a seguinte: "coping é um conjunto de esforços cognitivos e
comportamentais utilizados com o objetivo de lidar com demandas específicas,
internas ou externas, que surgem em situações de estresse e são avaliadas como
sobrecarregando ou excedendo os recursos pessoais" (1984:141). Os estudos mais
recentes sobre estresse têm investigado as conseqüências deste com certa ênfase
nos comportamentos de coping que podem aliviar os aspectos negativos dessas
situações. Muitas questões vêm sendo feitas ainda sobre o que estaria envolvendo
o fenômeno da resiliência no que tange ao coping "bem-sucedido" diante de
situações de estresse. Em uma das mais recentes revisões de Rutter (1996) sobre
pesquisas na área de estresse, ele afirma que é muito importante lembrar que
tanto o estresse como o coping devem ser considerados nos seus diferentes níveis:
social, psicológico e neuroquímico. Cada um desses níveis oferece diferentes
perspectivas que se complementam entre si. Anteriormente Luthar (1993) já havia
proposto que as discussões sobre resiliência apresentassem e definissem
claramente os domínios específicos de coping, nas esferas social, emocional e
acadêmica, que delimitariam tipos de resiliência: resiliência social, resiliência
emocional e resiliência acadêmica. Outros autores reforçam que o indivíduo pode
ser resiliente em uma dessas áreas, mas nada garante que ele o será em todas
(Hutz, Koller & Bandeira, 1996).
De maneira geral, o conceito de coping vem freqüentemente acompanhado de
palavras como: habilidades, estratégias, comportamentos, estilos, respostas ou
recursos. A metodologia utilizada no seu estudo envolve, na maioria das vezes,
instrumentos denominados checklists, tais como o "Revised Ways of Coping
Checklist", de Lazarus & Folkman (1984), entre outros inventários ou escalas.
Segundo Coyne & Gottlieb (1996), apesar das centenas de investigações que têm
sido feitas nos últimos quinze anos, o uso convencional desses instrumentos
oferece uma visão distorcida e incompleta de coping. Estes autores fazem uma
análise crítica da questão afirmando que alguns aspectos importantes do conceito
de coping têm sido ignorados, tais como:
a) o coping antecipatório, ou seja, estratégias que o indivíduo utiliza antes da
ocorrência de determinadas situações de estresse e que podem até determinar a
ocorrência ou não da situação de crise;
b) a exclusão de hábitos ou comportamentos automáticos do domínio de coping
— embora em alguns casos estas estratégias se tenham mostrado eficient es, não
são propriamente incluídas no conceito de coping;
c) outros fatores que têm mais a ver com "visão de mundo" também não são
considerados em sua influência sobre coping, como, por exemplo, os estilos de
relacionamento interpessoal do indivíduo ou os tipos de relacionamento que têm
sido cultivados antes da situação de estresse.
Os autores mencionados concluem que o conceito de coping é por demais
amplo e requer uma metodologia fiel ao modelo transacional18 de estresse e
coping, pois um grande número de fatores interfere entre o que ocorre numa
situação natural e aquilo que é reportado na aplicação dos checklists, e faz com que
as interpretações dos mesmos sejam inconsistentes. Outros autores reforçam essa
crítica e afirmam que os avanços na compreensão da eficácia de coping devem ir
além da simples contagem de respostas relacionadas a conseqüências positivas
(Gore & Eckenrode, 1996), sugerindo que os fatores contextuais devem ser
incorporados nas análises da questão. Gore & Eckenrode (1996) argumentam que a
maioria das pesquisas em coping desconsidera o contexto social e as influências
das relações sociais nas escolhas das estratégias de coping, bem como o impacto
de determinados comportamentos de coping nas relações sociais. Os mesmos
autores sugerem que a perspectiva de curso de vida deve ser utilizada nos estudos
de estresse e coping para que possamos ir além dos efeitos imediatos de
experiências estressoras.
18. Ver, aqui, nota n° 8 sobre a diferença teórica entre os modelos interacionais e transacionais.
Em vista de estarem os conceitos de estresse e coping intimamente ligados ao
construto da resiliência, tais considerações metodológicas são de extrema
relevância para pesquisas futuras nessa área. Pontos importantes foram ressaltados
e nos fazem refletir sobre as contribuições da metodologia utilizada em alguns
trabalhos para a construção de uma visão substantivada19 de resiliência, a qual já
apontamos aqui anteriormente.
Resiliência & Competência
Como se disse na seção anterior, as pessoas reagem de diversas maneiras
particulares diante de situações de vida estressoras. Uma forma de reação
categorizada pelos teóricos com o nome de coping explica que as pessoas
desenvolvem formas peculiares para lidar com crises e adversidades. Quase sempre
essas respostas têm por objetivo aliviar os aspectos negativos das situações de
estresse ou risco. "O sucesso no cumprimento de importantes tarefas de
desenvolvimento reflete boas habilidades de coping", afirma Luthar (1993: 441).
Isso pode nos levar a pensar que o uso de estratégias de coping eficientes na
redução do estresse e conseqüente adaptação do indivíduo no seu ambiente
expressam a essência do conceito de competência. Em termos mais amplos, o
conceito de competência refere-se ao "sucesso diante de tarefas de
desenvolvimento esperadas para uma pessoa de determinada idade e gênero no
contexto de sua cultura, sociedade e época" (Masten & Coatsworth, 1998: 206).
19. Com visão "substantivada" de resiliência quero dizer uma visão de resiliência baseada num conjunto de
traços definidos, como explica Martineau (1999): características de sociabilidade, criatividade, senso de
autonomia e de proposta (purposefulness, no original da autora).
Garrnezy, Masten & Tellegen (1984), coordenadores do "The Project
Competence Studies of Stress Resistance in Children", definiram, por ocasião da
pesquisa, a resistência ao estresse ou resiliência como "manifestações de
competência apesar da exposição a eventos estressores" (p. 98). Luthar (1991 e
1993) reforça que, para operacionalizar níveis de ajustamento, a maioria dos
pesquisadores tem escolhido o conceito de competência social. Este tem sido o foco
de muitos estudos de resiliência na criança. Michael Rutter afirmou recentemente
que "E importante ressaltar que o conceito de resiliência é diferente de aquisição de
competência social, auto-eficácia ou de saúde mental" (1999: 120), o que evidencia
a atual preocupação desse importante pesquisador em clarificar as inúmeras
controvérsias da questão.
Em 1991, Luthar apresentou um trabalho semelhante ao de Garmezy (1984)
com adolescentes em situação de "alto risco", partindo da mesma definição de
resiliência já apresentada acima, porém com algumas diferenças e ajustes
metodológicos. No projeto de Garmezy (1984) os procedimentos utilizados foram
desenvolvidos para avaliar competência, estresse e outros aspectos
hipoteticamente selecionados com relação a coping e resiliência, incluindo atributos
individuais e características do desenvolvimento individual, bem como atributos dos
pais e características do meio familiar. As três grandes perspectivas de análise dos
dados de competência deste trabalho foram baseadas nas seguintes fontes: a
escola (que inclui o professor, os colegas e dados do que foi atingido pela criança);
a criança (através de entrevistas) e os pais (também entrevistados). O fator
estresse foi abordado e avaliado por múltiplas perspectivas, usando-se o
questionário de Eventos de Vida, entrevistas com os pais e medidas globais de
níveis de estresse categorizadas pelo entrevistador. A pesquisadora Suniya Luthar
(1991) fez algumas considerações importantes sobre o fato de que competência
seria avaliada apenas com base no observável e em critérios comportamentais. Sua
pesquisa questiona quais seriam os níveis de sintomas internalizados, tais como
depressão e ansiedade em adolescentes considerados resilientes, resistentes ao
estresse ou competentes. A autora investigou seis tipos de habilidades sociais, com
estudos quantitativos complementados por avaliações qualitativas das relações
interpessoais. As evidências mostraram que jovens adolescentes denominados
resilientes mostraram níveis significativos de depressão e ansiedade, embora
estivessem atendendo com sucesso ao cumprimento das normas sociais. Essa
questão nos remete a um importante ponto levantado pelo estudo de Martineau
(1999) com relação ao que a autora chamou resiliência performativa20
(performative resilience), definida por ela "como conformidade às normas sociais,
sucesso acadêmico e empatia pelos outros" (p. 124), porém manifestos apenas
com o objetivo de agradar ou enganar.
Em 1991, Garmezy, como principal investigador do Projeto sobre Competência,
sumariza resultados de seu grupo de pesquisas apresentando características
recorrentes identificadas nas crianças negras que vivem em circunstâncias
desfavoráveis ou de baixa renda, mas consideradas competentes. Usando-se a
tradução literal das palavras do autor (Garmezy, 1991: 424), podemos enumerá-
las da seguinte maneira:21
1. habilidades sociais identificadas pelas professoras (amigáveis, queridas por
outras crianças e adultos);
2. habilidades cognitivas medidas por testes de inteligência, com modos de
responder que indicam "cautela", ou seja, não respondem impulsivamente;
3. autopercepção fundada num senso de força, e uma percepção de seus
atributos sociais como positivos;
4. os professores consideraram as crianças como desejosas de aprender e
participantes nas discussões de classe;
5. crianças que expressam suas preferências por atividades educacionais e tem
altas aspirações vocacionais; a ausência do pai não se relaciona à produção
acadêmica;
6. as casas das crianças são organizadas e limpas e com mais livros;
7. os papéis dos pais e das crianças são bem definidos;
8. os pais apresentam consciência dos aspectos individuais da criança e
permitem sua autodireção nas tarefas diárias e reconhecem seus interesses e
objetivos.
20. A autora deste conceito esclarece que por performativo entende algo caricatural, impersonalização, no
sentido de agradar ou enganar outros, ou a si mesmo.
21. Masten & Coastworth (1998: 212) enumeram características de crianças e adolescentes que são
consideradas resilientes por apresentarem "competência ou melhor funcionamento psicossocial durante ou após
experiências adversas". Os autores reforçam que, dentre as qualidades enumeradas, os dois mais amplamente
divulgados fatores que poderiam prever resiliência são: relacionamentos com adultos considerados pró-sociais e
bom funcionamento intelectual.
Como se pode notar, os atributos ou características que operacionalizam
competência têm como base os comportamentos observáveis ou critérios de
comportamento referidos por Suniya Luthar, em que o sucesso significa estar em
consonância com as expectativas sociais. Esse aspecto se evidencia pelo fato de
que as avaliações de competência das crianças foram feitas pelas professoras, pais,
colegas das crianças, ou pelas notas obtidas na escola. Sucesso, competência e
resiliência são termos que em muitas pesquisas trazem consigo um forte
componente ideológico, podendo o conceito de resiliência em si ter se tornado um
código ideológico, como afirma Martineau (1999) em sua análise crítica do discurso
de pessoas de diversos segmentos sobre essa questão. Segundo a autora, "códigos
ideológicos operam no discurso coloquial para reforçar normas sociais [...] o
discurso da resiliência impõe normas prescritas de sucesso na escola e sucesso
social daqueles menos privilegiados e identificados ^em situação de risco'. Aqueles
indivíduos que não se conformam às normas prescritas seriam patologizados como
não-resilientes. A ênfase se mantém no indivíduo e, portanto, individualismo é a
ideologia dominante no discurso da resiliência" (1999: 11-2).
Como se pode notar, todos esses conceitos analisados até então parecem estar
imbuídos desta ideologia de conformidade do indivíduo às normas sociais vigentes,
em que tanto coping como competência e resiliência são avaliados de acordo com
manifestações aceitas e aplaudidas socialmente, pois, caso contrário, logo se cai na
classificação oposta, ou seja, do coping ineficaz, do indivíduo incompetente e,
conseqüentemente, não-resiliente. As controvérsias e as armadilhas que
acompanham o conceito de resiliência representam para nós pesquisadores um
grande desafio na compreensão profunda desse fenômeno.
Resiliência e fatores de proteção ou "buffers"
Teoricamente, os pensadores do tema resiliência enfatizam que competência
vai manifestar-se no decorrer da trajetória do indivíduo, apesar das crises e
experiências adversas, quando sistemas de proteção passam a operar para garantir
e sustentar o desenvolvimento. Que sistemas são esses? O que significa proteção
nesses casos?
Todas as pesquisas em resiliência apontam para o fato de que sistemas de
proteção operam em diferentes pontos do desenvolvimento do indivíduo e em
diferentes contextos. Segundo Rutter, "fatores de proteção referem-se a influências
que modificam, melhoram ou alteram respostas pessoais a determinados riscos de
desadaptação" (1985: 600). A característica essencial desses fatores é a
modificação catalítica da resposta do indivíduo à situação de risco (Rutter, 1987).
Esses fatores podem não apresentar efeito na ausência de um estressor, pois seu
papel é o de modificar a resposta do indivíduo em situações adversas mais do que
favorecer diretamente o desenvolvimento normal. Rutter (1987) adverte os
pesquisadores para não equipararem fatores de proteção com condições de baixo
risco. O autor chama a atenção também para a distinção que deve ser feita entre
fatores de proteção e experiências positivas. Três aspectos, segundo ele, devem ser
considerados: 1. um fator de proteção pode não se constituir num acontecimento
agradável no sentido coloquial do termo, e são mencionados os efeitos
"endurecedores" de determinadas experiências negativas (que, no caso, agiriam
como sistemas de proteção), o que ainda não foi devidamente investigado; 2. ao
contrário das experiências positivas, os fatores de proteção podem não ter efeito
algum na ausência de um elemento estressor, já que seu papel é justamente
modificar respostas a situações adversas; 3. fatores de proteção não são
experiências, mas referem-se a qualidades do indivíduo como pessoa, como, por
exemplo, ser do sexo feminino significa ser menos susceptível do que meninos
(Rutter, 1970 e 1982), o que ainda permanece como campo de pesquisa a merecer
maiores investigações. Tais conclusões sobre como operam fatores de proteção são
da década de 80 e mostram que os estudos já apontavam para uma série de
variáveis, tais como "o padrão dos estressores, as diferenças individuais causadas
por fatores constitucionais e ambientais, experiências compensatórias fora de casa,
o desenvolvimento da auto-estima, oportunidades (o tipo e o número), grau
apropriado de estrutura e controle, a presença de vínculos e relacionamentos
íntimos, e a aquisição de habilidades de coping" (Rutter, 1985: 608). Apesar de
Rutter referir-se a variáveis, ele já introduz termos como "processos" ou
"mecanismos" de proteção (Rutter, 1987), similarmente ao exposto no estudo do
conceito de risco. Nesse sentido, a pesquisa na área não visa identificar quais
fatores propiciam bem-estar às pessoas, e sim quais os processos que as protegem
dos mecanismos de risco.
Diante de uma situação estressora, os conceitos de proteção e vulnerabilidade
podem aparecer de forma oposicional, como se fossem diferentes lados de uma
mesma moeda, o que não quer dizer que "proteção" signifique "falta de
vulnerabilidade". São dois tipos de processos que podem se constituir em "pontos
de virada" (turring points) na trajetória da pessoa (Rutter, 1987 e 1993). Por que
"virada"? Porque o processo pode modificar os rumos de uma trajetória, tornando o
indivíduo adaptado ou desadaptado durante seu ciclo de vida. Mecanismos de
proteção serão aqueles que, numa trajetória de risco, acabam por mudar o curso
da vida da pessoa para um "final feliz". Ao contrário, o processo será denominado
vulnerabilidade se numa trajetória sem detecção evidente de risco ocorrer uma
mudança ou "virada" causada por uma trajetória com aspectos negativos, que
coloca em risco a adaptação da pessoa.
A diferença entre mecanismos de risco e processos de proteção/vulnerabilidade
reside no fato de que o risco leva o indivíduo a apresentar desordens de diversos
níveis, enquanto proteção/ vulnerabilidade operam indiretamente com seus efeitos,
apenas quando houver interação com as variáveis de risco. Trata-se, portanto, de
mecanismos psicológicos bastante distintos (Rutter, 1987), que, apesar de um bom
número de trabalhos na área, ainda requerem investigação.
Tipos de mecanismos de proteção
Segundo Rutter, os quatro principais mecanismos que colaboram para a
ocorrência de processos de proteção são:
1. redução do impacto dos riscos, ou seja, alterar a exposição da pessoa à
situação estressora;
2. redução das reações negativas em cadeia que seguem a exposição do
indivíduo à situação de risco;
3. estabelecer e manter a auto-estima e auto-eficácia, através da presença de
relações de apego seguras e incondicionais e o cumprimento de tarefas com
sucesso;
4. criar oportunidades, no sentido dos já mencionados "pontos de virada", o que
requer particular atenção dos pesquisadores.
Em vários momentos da construção de sua teoria sobre a importância dos
processos de proteção e sua contribuição para o estudo da resiliência, Rutter
(1985,1987 e 1993) reitera que proteção não é uma "química de momento", mas
se refere à maneira como a pessoa lida com as transições e mudanças de sua vida,
o sentido que ela mesma dá às suas experiências, e como ela atua diante de
circunstâncias adversas. Isso quer dizer que não se supõe que seja preciso fugir ou
escapar dos riscos, o essencial é podermos estudar o que o indivíduo faz quando
está na situação, pois isso é que vai determinar se a experiência será estressora ou
protetora em seus efeitos.
Segundo Zimmerman & Arunkumar (1994), muitos autores, ao discorrer acerca
de seus estudos sobre mecanismos de proteção, usam uma abordagem que
caracteriza o modelo de fatores com foco restrito a traços e relações estáticas, sem
o movimento, as variações e as interações pressupostas pelo modelo dos
mecanismos. Falar em mecanismos de proteção implica uma abordagem de
processos por meio dos quais diferentes fatores interagem entre si ao longo do
tempo e alteram a trajetória do indivíduo. Como produto final desses processos de
proteção teremos o conceito de resiliência e a combinação desses fatores pode
apresentar um impacto maior no desenvolvimento mediante um efeito cumulativo
da interação entre os mesmos.22
22. Como já citado na seção em que se discute risco, o mesmo ocorre com os fatores de risco, ou seja, a
combinação de vários fatores de risco, tanto genéticos como psicossociais, tem um efeito cumulativo
decorrente da interação entre os mesmos (Rutter, 1999).
Masten & Garmezy (1985) identificaram três classes de fatores de proteção
citados como fundamentais ao desenvolvimento da criança: a) os atributos
disposicionais da criança: atividade, autonomia, orientação social positiva, auto-
estima e similares; b) a coesão familiar, ausência de conflitos, de negligência, com
a presença de pelo menos um adulto com grande interesse pela criança e c) uma
rede de apoio social bem definida com recursos individuais e institucionais bem
definidos. De maneira similar, Werner elaborou três grupos de características que
marcam crianças resilientes afirmando o seguinte:
Três tipos de fatores de proteção emergem da análise do desenvolvimento de
crianças de "alto risco" desde a infância até a idade adulta:
a) atributos disposicionais do indivíduo, tais como o nível de atividade e
sociabilidade, possuir inteligência de nível média, competência em comunicação
(linguagem e leitura) e locus interno de controle;
b) laços afetivos dentro da família que oferecem suporte emocional em
momentos de estresse, seja por um dos pais, irmãos, esposo(a) ou companheiro;
c) sistemas de suporte social, seja na escola, no trabalho, na igreja, que
propiciam competência e determinação individual e um sistema de crenças para a
vida (Werner & Smith, 1989: 80).
Essas últimas considerações sobre fatores de proteção, com semelhanças
constatáveis com os primeiros autores citados, foram reiteradas em outras
publicações destas autoras (Werner & Smith, 1982 e 1992). Ambas as citações de
Werner & Smith e de Garmezy têm sido reescritas por quase todos os estudiosos da
resiliência como se fossem "leis gerais para a identificação da resiliência". Nessa
mesma linha de raciocínio foi o trabalho sobre competência social de Luthar (1991),
que identificou outros fatores de proteção específicos, tais como: inteligência, senso
de humor e empatia da criança, bem como a disponibilidade de recursos financeiros
adequados na família.
O discurso da resiliência como código ideológico — ou seja, o indivíduo
resiliente é aquele que numa situação de estresse ou risco conforma-se às normas
sociais vigentes — traz suas marcas também na questão dos mecanismos
protetores. A lista de qualidades pessoais, da família e da rede social nos faz pensar
naqueles que não apresentam as características mencionadas, não têm família no
modelo descrito e não têm acesso a uma rede social. Não serão nunca identificados
como resilientes ou competentes socialmente? Definir efetivamente o que é ou não
proteção parece muito complicado, pois as interações e combinações entre os
efeitos do que é considerado risco ou proteção necessitam de uma cuidadosa
análise contextualizada.
Considerações finais
Nosso trabalho teve como proposta esclarecer aspectos conceituais e refletir
criticamente sobre uma visão predominante de resiliência que enfoca características
e variações individuais. Tal abordagem da questão deve ser considerada com muita
cautela, pois pode levar a supor que o indivíduo deva possuir "algo interno" para
ser considerado resiliente, e caso não o tenha poderá ser categorizado como "não-
resiliente", o que possivelmente viria a ser determinante na construção de sua
identidade. Não podemos deixar de lembrar, no entanto, que as bases ambientais
do conceito de resiliência têm sido remarcadas por vários autores dessa linha de
pensamento como essenciais ao entendimento dos processos e mecanismos de
risco e de proteção. Isso fica evidente quando diversos pesquisadores (Garmezy,
1991; Masten & Gramezy, 1985; Masten & Coatsworth, 1998; Rutter, 1987 e 1993;
Walsh, 1996 e 1998; Werner & Smith, 1992) ligam a resiliência à presença de pelo
menos uma relação com um outro significativo, seja da família ou do mundo social,
na trajetória de vida da pessoa. Como afirma Walsh (1998), mesmo a emergência
de traços individuais geneticamente influenciados ocorre num contexto relacionai, e
até o citado estudo de Werner & Smith (1992), realizado na ilha do Kauai,
demonstra esse aspecto com clareza. As crianças consideradas resilientes no
referido estudo tiveram o suporte de alguma pessoa que as aceitava
incondicionalmente, e os autores colocam que "a auto-estima e a auto-eficácia
foram promovidas através dessas relações de apoio".
No entanto, muitos outros estudos ainda são necessários para investigar o peso
e as correlações entre os aspectos genéticos e ambientais na formação do
indivíduo, discussão esta das mais antigas na Psicologia. A ênfase em qualquer um
dos pólos, seja o genético, seja o ambiental, determinará uma tendência que pode
ser de trema importância na questão dos estudos sobre resiliência e sua Utilização
na definição de políticas públicas.
Em nossa opinião, a perspectiva ecológica de Urie Bronfenbrenner (1979 e
1996) é a abordagem que mais pode auxiliar na compreensão desse fenômeno em
sua amplitude e complexidade, visto que procura não só descrever e explicar os
efeitos do ecossistema no indivíduo, mas também oferecer subsídios para a
elaboração de programas de intervenção social. Como afirma Garbarino (1992: 16),
"aqueles que estudam a pessoa numa perspectiva ecológica, são capazes de ver o
indivíduo e seus ambientes como sistemas de formação mútuos, onde cada sistema
muda no decorrer do tempo e cada um deles adapta-se como resposta às
mudanças ocorridas no primeiro... Esta interação entre indivíduo e ambiente forma
a base da abordagem ecológica de desenvolvimento humano".
Focalizar a questão da resiliência numa perspectiva individual dificulta o
desenvolvimento de políticas e intervenções que tenham condições transformadoras
do sistema social no sentido de buscar diminuir as desigualdades sociais que
consistem em desigualdades de oportunidades de desenvolvimento humano.
Portanto, nosso cuidado e alerta aos demais pesquisadores interessados no
fascinante tema da resiliência referem-se ao uso do conceito como mais um rótulo
de sucesso ou fracasso. Em um país como o nosso, essa visão pode contribuir
apenas para manter o desequilíbrio social vigente e "culpar a vítima".

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Resiliência: conceitos e aplicações

  • 1. RESILIÊNCIA: NOÇÃO, CONCEITOS AFINS E CONSIDERAÇÕES CRÍTICAS Maria Angela Mattar Yunes, Heloísa Szymans Na língua portuguesa, a palavra resiliência aplicada às Ciências Sociais e Humanas vem sendo utilizada há poucos anos. Nesse sentido, seu uso no Brasil restringe-se ainda a um grupo bastante limitado de pessoas de alguns círculos acadêmicos. Nossa experiência tem mostrado que a maior parte dos colegas da área de Psicologia, Sociologia ou Educação não conhecem a palavra e desconhecem seu uso formal ou informal, bem como sua aplicação em quaisquer das áreas da ciência. Por outro lado, profissionais das áreas de Engenharia, Física e Odontologia revelam certa familiaridade com a palavra quando esta se refere à resistência de materiais. Em certos países da Europa, nos Estados Unidos e no Canadá, a palavra resiliência já vem sendo utilizada com freqüência não só por profissionais das Ciências Sociais e Humanas, mas também através de referências da mídia a pessoas, lugares, ações e coisas em geral. Uma pesquisadora canadense (Martineau, 1999: 96-7) cita, em seu importante trabalho de doutorado sobre a resiliência na criança, alguns exemplos das contradições desse uso coloquial, em que pessoas famosas são consideradas resilientes pela mídia tanto por tolerarem como por terminarem seus casamentos. Pessoas ou coisas que tanto resistem como provocam mudanças também são descritas como resilientes nos comerciais de TV e em diálogos informais é comum as pessoas classificarem-se como resilientes ou não resilientes. * Fundação Universidade Federal do Rio Grande, doutoranda em Psicologia da Educação na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. E-mail: yunes@vetorialnet.com.br. ** Docente do Programa de Estudos Pós-graduados em Psicologia da Educação na. Pontifícia Universidade de São Paulo. E-mail: hs2ymans@exatas.pucsp.br. No Brasil, no entanto, a palavra resiliência e seus significados ainda permanecem como "ilustres desconhecidos" para a grande maioria das pessoas, enquanto nos países acima mencionados o termo resiliência é muito utilizado inclusive para referendar e direcionar programas políticos de ação social e educacional, o que aqui (talvez felizmente.,.) ainda parece estar longe de ocorrer. Para melhor exemplificar a diferença cultural nas prioridades de significado da palavra resiliência nas línguas portuguesa e inglesa, consultamos dicionários especializados. O dicionário de língua portuguesa Novo Aurélio, de Ferreira (1999), diz que, na Física, resiliência "é a propriedade pela qual a energia armazenada em um corpo deformado é devolvida quando cessa a tensão causadora duma deformação elástica". No sentido figurado, o mesmo dicionário aponta o termo como "resistência ao choque". O dicionário de língua inglesa Longman Dicfionary of Contemporary English (1995)1 oferece duas definições de resiliência, sendo a primeira: "habilidade de voltar rapidamente para o seu usual estado de saúde ou de espírito depois de passar por doenças, dificuldades etc.: resiliência de caráter".2 A segunda explicação para o termo encontrada no mesmo dicionário afirma que resiliência "é a habilidade de uma substância retornar à sua forma original quando a pressão é removida: flexibilidade".3 1. Dicionário formulado por uma equipe multidisciplinar, com a proposta de auxiliar no inglês escrito e falado.
  • 2. 2. Original em inglês: "the ability to return quickly to your usual health or state of mind after suffering an illness, difficulties etc.: resilience of character". 3. Original em inglês: "the ability of a substance to return to its former shape when pressure isremoved:flexibility''. Como se pode ver, os dois dicionários apontam para conceituações semelhantes, mas que ao mesmo tempo divergem, pois no dicionário em português a referência é feita apenas à resiliência de materiais, e mesmo no sentido figurado nada é especificamente claro para a compreensão do que seja a resiliência quando se trata de pessoas. Já o dicionário de inglês confirma a prioridade ou maior familiaridade para o uso do termo em fenômenos humanos, apontando em primeiro plano a definição nesse sentido. Origens do conceito de resiliência: a resiliência de materiais Historicamente falando, a noção de resiliência vem sendo utilizada há muito tempo pela Física e Engenharia, sendo um de seus precursores o cientista inglês Thomas Young, que em 1807, considerando tensão e compressão, introduz pela primeira vez a noção de módulo de elasticidade. Young descrevia experimentos sobre tensão e compressão de barras, buscando a relação entre a força que era aplicada num corpo e a deformação que essa força produzia. Esse cientista foi também o pioneiro na análise dos estresses causados pelo impacto, tendo elaborado um método para o cálculo dessas forças (Timosheibo, 1983). Silva Jr. (1972) denomina resiliência de um material, correspondente a determinada solicitação, a energia de deformação máxima que ele é capaz de armazenar sem sofrer deformações permanentes. Dito de uma outra maneira, a resiliência refere-se à capacidade de um material absorver energia sem sofrer deformação plástica ou permanente (Easley, Easley & Rolfe, 1983). Nos materiais, portanto, o módulo de resiliência pode ser obtido em laboratório através de medições sucessivas ou utilização de uma fórmula matemática que relaciona tensão e deformação e fornece com precisão a resiliência dos materiais. E importante ressaltar que diferentes materiais apresentam diferentes módulos de resiliência. Resiliência como um construto psicológico Em Psicologia, o estudo do fenômeno da resiliência é relativamente recente, e vem sendo pesquisado há pouco mais de vinte anos. Mas, apenas nos últimos cinco anos os encontros internacionais têm trazido esse construto para discussão. Sua definição não é clara nem tampouco precisa quanto na Física ou na Engenharia (e nem poderia ser), consideradas a complexidade e a multiplicidade de fatores e variáveis que devem ser levados em conta no estudo dos fenômenos humanos. Portanto, não há como comparar "alhos com bugalhos", ou seja, comparar a resiliência de materiais com a resiliência como um processo psicológico, mesmo porque o conceito de "deformação" em Física e Psicologia são incomparáveis. Pode- se apenas tentar fazer algumas referências e apontamentos conceituais sobre as definições encontradas, sem esquecer as idiossincrasias de dois campos da ciência tão distintos. Vale dizer que a Psicologia apropriou-se de um conceito construído dentro de um modelo matemático, e devemos ter muita cautela para não incorrer em comparações indevidas. Para apenas usar uma metáfora, poder-se-ia dizer que a relação tensão/pressão com deformação-não-permanente do material corresponderia à relação situação de risco/estresse/experiências adversas com respostas finais de adaptação/ajustamento no indivíduo, o que ainda nos parece bastante problemático, haja vista as dificuldades em esclarecer o que é considerado risco e adversidades, bem como adaptação e ajustamento. Os precursores do termo resiliência na Psicologia são os termos invencibilidade
  • 3. ou invulnerabilidade ainda bastante referidos na literatura atual sobre resiliência. Vários autores (Rutter, 1985; Masten & Garmezy, 1985; Werner & Smith, 1992) relatam que "em 1974, o psiquiatra infantil E. J. Anthony introduziu o termo invulnerabilidade na literatura da psicopatologia do desenvolvimento, para descrever crianças que, apesar de prolongados períodos de adversidades e estresse psicológico, apresentavam saúde emocional e alta competência" (Werner & Smith, 1992: 4). Alguns anos depois, já se discutia a aplicação do termo, que parecia implicar que as crianças seriam totalmente imunes a qualquer tipo de desordem, independentemente das circunstâncias. Como afirmaram Masten & Garmezy (1985), um termo menos Olímpico como resiliência ou resistência ao estresse, se faziam necessários. Segundo Michael Rutter (1985 e 1993), um dos pioneiros no estudo da resiliência no campo da Psicologia, invulnerabilidade passa uma idéia de resistência absoluta ao estresse, de uma característica imutável, como se fôssemos intocáveis e sem limites para suportar o sofrimento. Rutter (1993) considera que invulnerabilidade passa somente a idéia de uma característica intrínseca do indivíduo, e as pesquisas mais recentes têm indicado que a resiliência ou resistência ao estresse é relativa, cujas bases são tanto constitucionais como ambientais e que o grau de resistência não tem uma quantidade fixa, e sim, varia de acordo com as circunstâncias (Rutter, 1985). Resiliência e invulnerabilidade não são termos equivalentes, afirmam Zimmerman & Arunkumar (1994).4 Segundo esses autores, .resiliência refere-se a uma "habilidade de superar adversidades" (Zimmerman & Arunkumar, 1994: 4), não significando que o indivíduo saia da crise ileso, como implica o termo invulnerabilidade. Apesar dessas considerações, é essa versão inicial de resiliência como invulnerabilidade frente às adversidades que ainda vem orientando a produção científica de muitos pesquisadores da área, dando lugar à construção de um conceito que define a resiliência como um conjunto de traços e condições que podem ser reificados e replicados, conforme afirma Martineau (1999) em sua análise crítica sobre o discurso dos denominados por ela de "experts" no assunto. Essa mesma autora afirma que a maioria dos estudos sobre resiliência é realizada mediante uma abordagem quantitativa tendo como foco a criança, que é identificada como resiliente ou não, a partir de testes psicométricos, notas na escola, testes de personalidade ou de perfil de temperamento, que levam a um conjunto de características observáveis que definiriam a "criança resiliente". As pesquisas pioneiras em resiliência: o foco no indivíduo Vários autores estrangeiros, sobretudo dos Estados Unidos e do Reino Unido, têm desenvolvido pesquisas sobre resiliência. A maioria dos estudos tem por objetivo estudar a criança ou o adolescente, numa perspectiva individualística, que foca traços e disposições pessoais. Muitos pesquisadores do desenvolvimento humano estudam os padrões de adaptação individual da criança associados ao ajustamento apresentado na idade adulta, ou seja, "procuram compreender como adaptações prévias deixam a criança protegida ou sem defesa quando expostas a eventos estressores" (Hawley & DeHann, 1996), e estudam também como os "padrões particulares de adaptação, em diferentes fases de desenvolvimento interagem com mudanças ambientais externas" (Sroufe & Rutter, 1984: 27). Dentre as mais citadas, estão as primeiras publicações sobre o assunto intituladas Vulnerable but invincible [Vulneráveis, porém invencíveis], Overcoming the odds [Superando as adversidades], ambos de Werner & Smith (1982,1992), e The invulnerable child [A criança invulnerável], de Anthony & Cohler (1987). A importância desses estudos está na característica de long-term, ou seja, são estudos longitudinais que acompanham o desenvolvimento do indivíduo desde a infância até a adolescência ou idade adulta. Segundo Werner & Smith (1992), poucos investigadores têm acompanhado populações de "alto risco"5 desde a infância e adolescência até a idade adulta com o objetivo de monitorar efeitos dos fatores de risco e os fatores de proteção que operam durante os anos de desenvolvimento do indivíduo. O estudo longitudinal realizado por Werner (1986,
  • 4. 1993, Werner & Smith, 1982, 1989, 1992) e outros colaboradores durou cerca de quarenta anos, tendo se iniciado em 1955. De acordo com Martineau (1999), este estudo não tinha como proposta inicial estudar a questão da resiliência, mas, sim, investigar os efeitos cumulativos da pobreza, do estresse perinatal e dos "cuidados familiares deficientes"6 no desenvolvimento físico, social e emocional das crianças. A pesquisa acompanhou o nascimento de 698 crianças em Kauai, uma ilha do Havaí. As crianças foram avaliadas com 1 ano de idade (incluindo entrevistas com os pais) e acompanhadas até as idades de 2,10,18 e 32 anos. O foco da pesquisa relatada no livro Vulnerable but invincible foram 72 crianças (42 meninas e 30 meninos) com uma história de quatro ou mais fatores de risco, a saber: pobreza, baixa escolaridade dos pais, estresse perinatal, baixo peso no nascimento ou, ainda, a presença de deficiências físicas. Uma proporção significante dessas crianças era proveniente de famílias cujos pais eram alcoólatras ou apresentavam distúrbios mentais. Para surpresa dos pesquisadores, nenhuma dessas crianças desenvolveu problemas de aprendizagem ou de comportamento (Werner & Smith, 1982), o que foi considerado então como "sinal de adaptação ou ajustamento". Diante desses indicativos, as crianças foram denominadas "resilientes" pelas pesquisadoras, pois nesse período já se discutia muito sobre o que haveria de diferente em crianças que, apesar de criadas em circunstâncias adversas, não eram por elas atingidas (embora não fique bem claro o que significa ser ou não atingido). Uma outra amostra, estudada por Werner em 1986 abrangeu um grupo de 49 jovens da mesma ilha, cujos pais tiveram sérios problemas devido ao abuso de álcool; estes jovens sofreram conflitos familiares desde cedo, além de viverem em condições de pobreza. Por volta dos 18 anos, 41% deste grupo apresentou problemas de aprendizagem, ao contrário dos restantes 59%. Este último grupo foi nomeado grupo resiliente, e diferia do primeiro por um número de medidas obtidas através de entrevistas com pais e entrevistas retrospectivas com os próprios jovens. Os fatores que discriminaram o grupo resiliente, tanto nas pesquisas de 1982 como nas de 1986, incluíam: temperamento das crianças/jovens (percebidos como afetivos e receptivos); melhor desenvolvimento intelectual; maior nível de auto-estima; maior grau de autocontrole; famílias menos numerosas; menor incidência de conflitos nas famílias. Como se pode notar, os autores atribuíram as diferenças às características constitucionais das crianças e ao ambiente criado pelos cuidadores da infância. Na última etapa desta ambiciosa pesquisa, Werner & Smith (1992: 192) concluíram que "um terço dos indivíduos considerados de alto risco tornaram-se adultos competentes capazes de "amar, trabalhar, brincar e ter expectativas".7 Conforme afirma Martineau (1999), a "resiliência" a que as autoras se referem foi identificada nas pesquisas iniciais como "invulnerabilidade às adversidades", conceituação reformulada e mais tarde definida como "habilidade de superar as adversidades". Werner (1993) notou que "o componente-chave do efetivo coping destas pessoas é o sentimento de confiança que o indivíduo apresenta de que os obstáculos podem ser superados", o que confirma a ênfase colocada nos componentes psicológicos individuais, de um "algo interno", apesar das inúmeras referências feitas pelas autoras aos aspectos protetores decorrentes de relações parentais satisfatórias e da disponibilidade de fontes de suporte social na vizinhança, escoia e comunidade. 5. Ver seção sobre o conceito de risco. 6. Poor parenting, no original em inglês (Martineau, 1999: 102). 7. Original das autoras: "yet one out of three of these high risk children grew into competent young adults who loved well, worked well, played well, and expected well". Penso que as autoras inspiraram -se no que Freud chamava de a essência da existência humana: brincar, trabalhar e ama r. Como já foi mencionado, outro importante e citado pensador do assunto é o psiquiatra britânico Michael Rutter, que, em razão das inúmeras publicações e pesquisas empíricas, tem orientado até hoje o curso dos projetos nessa área. Seus trabalhos mais conhecidos datam do início dos anos 70, com a investigação de
  • 5. diferenças entre meninos e meninas provenientes de lares desfeitos por conflitos (Rutter, 1970) e as relações entre os efeitos desses conflitos parentais no desenvolvimento das crianças (1971). Seus resultados indicaram que os meninos são mais vulneráveis que as meninas, não somente a estressores físicos, mas também aos psicossociais. Um de seus marcantes trabalhos nessa área foi desenvolvido com uma amostra de sujeitos da Ilha de Wight e da c idade de Londres (Rutter, 1979b e 1981b), os quais haviam experienciado discórdias na família dos pais, eram de camadas sociais de baixa renda, famílias numerosas, com história de criminalidade de um dos pais, doença mental da mãe ou institucionalizados sob custódia do governo. Seus resultados deram origem à sua afirmação bastante divulgada de que um único estressor não tem impacto significante, mas que a combinação de dois ou mais estressores pode diminuir a possibilidade de conseqüências positivas (positive outcomes) no desenvolvimento, e que estressores adicionais aumentam o impacto de outros estressores presentes. Em 1981, Rutter publica um livro que trata da relação entre a ausência da figura materna e o desenvolvimento de psicopatologias na criança (Rutter, 1981a), com um capítulo que versa sobre resiliência e o comportamento parental de adultos que na infância tenham sofrido abandono. Entre as principais questões levantadas pelo autor, aparece a mais freqüente formulação inicial dos estudos sobre resiliência: Por que, apesar de passar por terríveis experiências, alguns indivíduos não são atingidos e apresentam um desenvolvimento estável e saudável? Rutter (1987) define resiliência como uma "variação individual em resposta ao risco", e afirma "que os mesmos estressores podem ser experienciados de maneira diferente por diferentes pessoas". De acordo com esse autor, a resiliência não pode ser vista como um atributo fixo do indivíduo", e "se as circunstâncias mudam a resiliência se altera" (1987: 317). Tais observações procuram dar ao conceito um toque de relatividade, que nem sempre aparece nos estudos quantitativos que usam medidas e critérios estatísticos baseados em comportamentos observáveis para identificar crianças resilientes num determinado ponto de suas vidas. O estudo desenvolvido por Martineau deixa claro que "resiliência tem diferentes formas entre diferentes indivíduos em diferentes contextos, assim como acontece com o conceito de risco" (1999: 103). A introdução de diversos estudos que investigam resiliência 'traz questões relativas a essas "habilidades individuais" ilustradas com pequenas histórias de pessoas com trajetórias semelhantes; dentre elas, entretanto, algumas conseguem superar os momentos de crise e outras não. Dessa forma, a perspectiva no indivíduo busca identificar resiliência a partir de características pessoais, tais como sexo, temperamento e background genético, apesar de todos os autores acentuarem em algum momento o aspecto relevante da interação8 entre bases constitucionais e ambientais da questão da resiliência. Muitos desses trabalhos situam-se na área da psicopatologia do desenvolvimento, a qual tem sido descrita como a ciência que estuda as "origens e o curso dos padrões individuais de comportamentos de desadaptação" (Sroufe & Rutter, 1984:18), e cuja ênfase está no desenvolvimento dos comportamentos patológicos ao longo do tempo (Hawley & DeHann, 1996). Em muitos casos, o patológico estudado nos estudos sobre resiliência refere-se tão-somente a populações em desvantagem social ou a minorias étnicas. Martineau (1999), ao comentar o estudo pioneiro de Werner & Smith (1982 e 1992) realizado na ilha de Kauai, refere que uma consideração que merece ser feita é sobre a construção inicial do que as autoras chamaram de "pobreza", numa sociedade rural, não-industrializada, cuja população era predominantemente constituída por havaianos ou asiáticos. A eles foi atribuída pobreza, pois por volta de 1950 a economia do local girava em torno da pesca e da cana-de-açúcar. Segundo Martineau, as pesquisadoras do cohort9 em Kauai fizeram uma descrição dos pais das crianças (classificados como "não-habilidosos e grosseiros"),10 com indicações de que eles estavam sendo comparados com populações urbanas de áreas industrializadas que tinham acesso a serviços
  • 6. médicos, educacionais e outras facilidades. Ilustrativo desta visão que permeia diversas pesquisas sobre resiliência é um dos artigos de Garmezy (1991) sobre "Resiliência e Vulnerabilidade associados à pobreza", em que o autor cita os esforços empreendidos por seu grupo, desde o início da década de 70, no sentido de compilar os atributos de crianças negras que vivem em circunstâncias desfavoráveis, ou de baixa renda, mas denotam competência.11 Tal atenção dos pesquisadores da resiliência dirigida especialmente a estas populações de imigrantes, pobres ou aqueles que vivem em circunstâncias de "desvantagem" parece refletir uma preocupação daquelas sociedades com a "ameaça" que estes grupos podiam (ou podem) representar para as camadas das classes dominantes. Penso que é com esta conotação que as populações têm sido denominadas "populações de risco", ou de "alto risco". Dependendo da maneira como tratarmos os estudos sobre resiliência em nosso país, poderemos cair neste mesmo viés. Por isso, esta é uma questão que merece ser analisada com muita cautela e acredito ser necessário, num primeiro momento, uma revisão conceituai ampla. Conforme já citado, foi a partir das pesquisas de Michael Rutter, Emily Werner, Ruth Smith, e ainda de importantes nomes como Norman Garmezy, Ann S. Masten, Suniya Luthar e outros, que delineou-se a questão da resiliência e emergiram, com esta construção, várias constelações temáticas e conceituais que passaram a fazer parte dos relatos empíricos — e até os dias de hoje exercem uma forte influência no discurso científico —, tais como: risco, vulnerabilidade, estresse, coping, competência e proteção, os quais, para melhor compreensão do fenômeno da resiliência, merecem considerações especiais. 8. Uma interessante discussão sobre o termo "interacional" é encontrada numa publicação de Coyne & Gottlieb (1996: 963 e 964); segundo os autores o termo é usado inconsistentemente na literatura psicológica. Os autores argumentam que, numa perspectiva interacional, pessoas e ambientes são vistos como entidades independentes, e numa perspectiva transacional, pessoas e ambientes são definidos relacionalmente, ou seja, uma entidade é relevante para outra. Dentro dessa ótica, penso que se aplicaria esta última perspectiva ao fenômeno da resiliência, o que fica também em consonância com a abordagem ecológica de Bronfenbrenner (1979 e 1996), que será discutida no final deste trabalho. Esta questão é retomada na seção que trata do conceito de coping. 9. Grupo de pessoas que nasceram e viveram durante o mesmo período histórico (Garbarino, 1992). 10. "Unskilled and uneducated" são as palavras originais usadas no texto em inglês. 11. O conceito "competência" e as pesquisas realizadas na área serão discutidos numa seção à parte. O conceito de risco Conceito de risco tem suas raízes no campo do comércio em vias marítimas de séculos atrás. Em virtude dos constantes desastres e perda de suas cargas, os mercadores viram a necessidade de estimar o risco de perda de mercadorias para assegurar-se financeiramente. Este fato desencadeou uma verdadeira indústria de seguros, que procurava quantificar o risco destas perdas potenciais; estas eram discutidas entre os mercadores e os seguradores por meio de prêmios e benefícios (Masten & Garmezy, 1985; Cowan, Cowan & Schulz, 1996). Quanto às pesquisas científicas, os primeiros estudos sobre risco foram feitos no campo da epidemiologia e da medicina, cujo foco era estudar "padrões de doença em determinadas populações e os fatores que influenciavam estes padrões" (Lilienfeld & Lilienfeld, 1980). Como afirmam Cowan, Cowan & Schulz (1996), o sentido e a forma de medir risco foi se modificando significativamente, se considerarmos a sua atual aplicação no campo da saúde mental. Sem sombra de dúvida, é muito mais complexo definir o que se constitui risco quando se trata de
  • 7. doenças mentais do que quando se trata de probabilidades de perder ou não determinadas mercadorias. O conceito de risco foi aumentando a sua amplitude quando se passaram a estudar também riscos psicossociais, como, por exemplo, qual a correlação entre conflitos familiares e o comportamento agressivo de uma criança (Fincham, Grych & Osborne, 1994), quando se reconheceu que privação econômica é uma das principais fontes de risco sociocultural para a criança (Garbarino, 1992) e que pobreza e miséria são importantes fatores de risco universal (Luthar & Zigler, 1991). A análise crítica da história da infância mostra que riscos e todas as espécies de estressores sempre se fizeram presentes em qualquer tempo e lugar. O que tem variado é a construção social do que se constitui risco (Martineau, 1999). De alguns anos para cá, é crescente o interesse no estudo do poder que determinados tipos de estressores tem na infância (Garmezy & Rutter, 1983 e 1985). Fatores de risco relacionam-se com toda a sorte de eventos negativos de vida, e que, quando presentes, aumentam a probabilidade de o indivíduo apresentar problemas físicos, sociais ou emocionais. Alguns exemplos do que vem sendo tomado como experiências estressoras no desenvolvimento das crianças em vários estudos são: divórcio dos pais (Emery & Forehand, 1996), perdas de entes próximos (Clark, Pynoos & Goebel, 1996), abuso sexual/físico contra a criança (Egeland & Brunnquell, 1979), pobreza (Rutter & Madge, 1976; Luthar & Zigler, 1991), holocausto (Moskovitz, 1983), desastres e catástrofes naturais (Yule, 1994), guerras e outras formas de trauma (Goodyer, 1990; Garmezy & Rutter, 1985). Tradicionalmente, estes estressores eram concebidos em termos estáticos, ou seja, na presença de qualquer um deles já se previam conseqüências indesejáveis. Embora seja notório que pobreza, conflito familiar e abuso são prejudiciais, se esses fatores irão se constituir em risco ou não, isto irá depender do comportamento que se tem em mente e dos mecanismos pelos quais os processos de risco operam seus efeitos negativos na criança (Cowan, Cowan & Schulz, 1996). Portanto, uma condição de risco não pode ser assumida a priori (Luthar, 1993). Muito recentemente, Rutter (1999), ao fazer novas considerações metodológicas sobre o conceito de resiliência, reiterou a necessidade de se fazer a distinção entre indicadores de risco e mecanismos de risco. Torna-se claro, portanto, que interessa estudar o conjunto de processos decorrente desta variável, que vincula e faz a mediação das condições de risco com as manifestações negativas ou psicopatológicas. Risco deve ser sempre pensado como processo e não como a variável em si. O dinamismo do conceito de risco No campo da psicopatologia do desenvolvimento, Cowan, Cowan & Schulz (1996) colocam que "o ingrediente central dos estudos contemporâneos sobre risco está na sua ênfase no movimento dos fatos e não em fatos estáticos". Isto significa que os riscos psicológicos são flutuantes na história dos indivíduos, ou seja, mudam de acordo com as circunstâncias de vida e têm diferentes repercussões, dependendo de cada um. Portanto, não é possível fazer inferências do tipo causa- efeito, com um raciocínio linear, quando se trata de riscos psicológicos. É preciso identificar que processos ou mecanismos12 influenciaram o que liga risco à conseqüência em um determinado ponto da história do indivíduo. Rutter (1996) enfatiza a importância de se focar ao longo do tempo os mecanismos mediadores presentes quando há indicações de risco. Tendo-se como exemplo a situação de perda de um dos pais para uma criança, a perda do pai ou mãe isoladamente pode não consistir em risco por si só, mas devem ser levadas em conta as condições precedentes (a vivência da situação de doença, por exemplo) e as conseqüências dessa perda no contexto familiar da criança (o luto dos sobreviventes e os efeitos no relacionamento com a criança). Portanto, neste
  • 8. exemplo, a perda do familiar será o evento-chave e constituirá apenas o indicador de uma situação de risco, mas os mecanismos de risco envolvem uma rede complexa de acontecimentos anteriores e posteriores ao evento-chave. Numa outra maneira de abordar essa complexa questão, em um artigo que sumariza aspectos metodológicos e conceituais das pesquisas sobre resiliência na criança, Luthar (1993) enfatiza a necessidade de se distinguir entre dois níveis de risco: distai e próxima!.13 A autora coloca que risco distai não é diretamente experienciado pela criança, como por exemplo status socioeconômico. Já o risco proximal refere-se às variáveis mediadoras, como, por exemplo, cuidados familiares deficientes ou conflito entre os pais. Luthar (1993) chama atenção para o cuidado que se deve ter quando consideramos uma criança estatisticamente em situação de risco, levando-se em conta apenas o fator de risco distal. O que pode ocorrer é que, apesar do risco estatístico, quando consideradas as variáveis proximais, chega-se à conclusão de que a criança não tem sofrido influências adversas, e não cabe, portanto, falar em condição de resiliência neste caso. Isto deixa a questão de crianças expostas a riscos proximais em aberto, assim como outras inferências que têm sido feitas sobre riscos distais, discussão esta feita também por outros autores (Rutter, 1987 e 1993; Masten & Garmezy, 1985). Segundo Clark, Pynoos & Goebel (1996), será a acumulação de eventos ao longo do tempo que contribuirá para a emergência de resiliência ou vulnerabilidade em casos individuais. 12. Cowan, Cowan & Schulz (1996) tratam desta questão conceituai brevemente e apresentam uma clara definição de mecanismo: "Mecanismos são processos que ligam riscos às suas conseqüências, propiciando o entendimento na variabilidade destas conseqüências" (p. 16). Segundo os autores, os mecanismos podem operar de duas maneiras para fazer esta vinculação risco-conseqüência: como mediadores ou moderadores. Um mecanismo mediador é dinâmico e não diretamente observável. O mecanismo moderador amplifica, re duz ou muda a direção da correlação entre riscos e respostas. 13. Autora cita alguns autores responsáveis por estes trabalhos: Baldwin, Baldwin & Cole, 1990; Masten, Best & Garmezy, no prelo; Richters & Weintraub, 1990. Risco & Resiliência As referências à resiliência vêm quase sempre associadas à presença/ausência de risco (Cowan, Cowan & Schulz, 1996). Referências ao termo resiliência têm uma conotação positiva, enquanto a palavra risco traz, além do estigma negativo da própria categoria, possibilidades de variabilidade e de interpretações vagas no uso que tem sido feito pelos teóricos, pesquisadores e clínicos. E preciso esclarecer, portanto, as vinculações conceituais entre resiliência e risco. Rutter (1993) procura mostrar a associação risco & resiliência usando exemplos de pesquisas do campo da medicina, de resistência a doenças, com o que o autor exemplifica a relação entre os dois conceitos no campo psicológico. Segundo ele, três pontos devem ser considerados nessa relação. Em primeiro lugar, a resiliência não está no fato de se evitar experiências de risco e apresentar características saudáveis ou ter boas experiências; em segundo lugar, os fatores de risco podem operar de diferentes maneiras em diferentes períodos de desenvolvimento, como mostra o exemplo dado por ele mesmo em outro artigo sobre o tema: "uma criança em idade escolar, diante de uma situação de estresse, tal como ser hospitalizada, será considerada em menor risco, porque provavelmente terá capacidades cognitivas de manter outros relacionamentos durante o período de separação da família e entender por que a sua admissão foi necessária, do que uma criança em idade pré-escolar" (Rutter, 1987:326). E, em terceiro lugar, é necessário focar mecanismos de risco e não fatores de risco, pois o que é risco numa determinada situação pode ser proteção em outra. Rutter (1993) exemplifica essa premissa com os resultados de um estudo longitudinal realizado na Califórnia por Elder, em 1986: demonstrou-se que jovens provenientes de famílias de baixa renda, ao entrarem cedo nas Forças Armadas, puderam continuar seu processo educacional, adiaram as possibilidades
  • 9. de casamento precoce, estabeleceram vários contatos, enquanto para um grupo de jovens de classe social mais abastada a experiência foi disruptiva, pois interrompeu suas carreiras e interferiu negativamente em suas vidas familiares. Esse exemplo parece demonstrar a já referida plasticidade do conceito de risco, além de servir de alerta aos pesquisadores da questão sobre o perigo que se incorre ao considerar eventos isolados como fatores de risco, o que muitas vezes é feito de forma arbitrária ou calcada em preconceitos. Sendo assim, focar isoladamente um evento de vida e atribuir-lhe a condição de adversidade, tanto no caso de um indivíduo como de um grupo, não parece a melhor maneira de se abordar a questão. Por isso, uma análise criteriosa dos processos ou mecanismos de risco parece imprescindível para que se possa ter a dimensão da diversidade de respostas que podem ser observadas, sobretudo quando se trata de riscos psicossociais ou riscos socioculturais. De qualquer modo, risco implica uma alta probabilidade de conseqüências "negativas" (definidas na literatura como psicopatologias), enquanto resiliência seria o resultado "positivo" (freqüentemente definida como superação de adversidades). Os autores Cowan, Cowan & Schulz (1996) definem resiliência na sua associação com a questão do risco da seguinte maneira: "Resiliência refere-se a processos que operam na presença de risc o para produzir conseqüências boas ou melhores do que aquelas obtidas na ausência de risco". Rutter (1987) coloca que "resiliência é o processo final de processos de proteção que não eliminam o risco, mas encorajam o indivíduo a se engajar na situação de risco efetivamente". Mais tarde, este mesmo autor (Rutter, 1996) aponta que vários avanços conceituais e metodológicos têm sido feitos no campo das pesquisas sobre risco. Dos mais importantes avanços citados por ele, é necessário considerarmos: a) os diferentes mecanismos envolvidos na relação pessoa-interação com o ambiente; b) as diferenças individuais na percepção das situações de estresse; c) os mecanismos de proteção nas situações de estresse e d) as reações em cadeia indiretas que ocorrem ao longo do tempo. De maneira geral, os diversos pontos abordados por essa discussão nos remetem ao cuidado que os pesquisadores devem ter ao abordar o binômio risco e resiliência, pois muitos indicadores de risco ou "alto risco" carecem de informações suficientes para ser categorizados como tal, o que faz com que, algumas vezes, os conceitos de resiliência e fatores de proteção sejam prematuramente invocados (Richets & Weintraub, 1990). Não é possível investigar resistência ao estresse e adversidade ou resiliência sem antes verificarmos a presença de experiências que apresentam riscos crescentes ao desenvolvimento (Rutter, 1999). Resiliência & Vulnerabilidade A palavra vulnerável origina-se do verbo latim vulnemre, que significa ferir, penetrar. Por estas raízes etimológicas, vulnerabilidade é um termo geralmente usado na referência de predisposições a desordens ou de susceptibilidade ao estresse. Muitas vezes o conceito de vulnerabilidade é aplicado erroneamente no lugar de risco. Cabe dizer que trata-se de dois conceitos distintos, cuja diferença reside tanto na ênfase como na origem do uso dos mesmos. Como já se disse anteriormente, risco foi usado pelos epidemiologistas sempre associado a grupos e populações. Já vulnerabilidade associa-se mais estritamente ao indivíduo e às suas susceptibilidades ou predisposições a respostas ou conseqüências negativas (Masten & Garmezy, 1985). É importante ressaltar a relação entre risco e vulnerabilidade: vulnerabilidade opera apenas quando o risco está presente; sem
  • 10. risco, vulnerabilidade não tem efeito (Cowan, Cowan & Schulz, 1996). Historicamente falando, o conceito de vulnerabilidade foi formulado nos anos 30 pelo grupo de pesquisas de L. B. Murphy, que acabou por definir o termo como "susceptibilidade à deterioração de funcionamento diante de estresse" (Masten & Garmezy, 1985). Murphy e seus colegas focaram suas pesquisas nas diferenças individuais das vulnerabilidades das crianças e suas formas de lidar com as mesmas associadas às dificuldades ambientais. Tal perspectiva acabou por reconhecer as complexas interações entre: a) as vulnerabilidades/"forças" individuais, b) o ambiente e c) a presença ou não de suporte social.14 No contexto dos estudos sobre resiliência, vulnerabilidade é um conceito utilizado para definir as susceptibilidades psicológicas individuais que potencializam os efeitos dos estressores e impedem que o indivíduo responda de forma satisfatória ao estresse (Hutz, Koller & Bandeira, 1996). Para Zimmerman e Arunkumar (1994), vulnerabilidade refere-se a "predisposições ao desenvolvimento de várias formas de psicopatologias" (p. 2). Rutter (1987) define o termo como: alterações aparentes no desenvolvimento físico e/ou psicológico de uma pessoa que submeteu-se a situações de risco. Tais alterações ficam tão evidentes na trajetória de adaptação da pessoa que podem torná-la suscetível e propensa a apresentar sintomas e doenças. De acordo com Cowan & Cowan & Schulz (1996), vulnerabilidade diz respeito à predisposição individual para o desenvolvimento de psicopatologias ou de comportamentos ineficazes em situações de crise. Esses autores reiteram que vulnerabilidade não se refere apenas a predisposições genéticas, pois condições tais como baixa auto-estima, traços de personalidade e depressão são freqüentemente descritos como vulnerabilidades. As condições externas também podem funcionar como vulnerabilidades: por exemplo, práticas educativas familiares ineficazes podem deixar crianças mais vulneráveis (Patterson & Cappaldi, 1991). Em suma, as variações na sensibilidade de crianças a riscos ambientais podem tanto ser geneticamente influenciadas, como podem derivar das experiências vividas anteriormente. As conseqüências podem ser nocivas ao desenvolvimento psicológico ou não, a depender das inter-relações entre os fatores acima mencionados, o que de alguma maneira explica parcialmente a diversidade de respostas das crianças expostas a situações de risco psicossocial (Rutter, 1999). 14. Segundo Masten & Garmezy (1985), o reconhecimento das complexidades das interações entre o indivíduo e o ambiente caracteriza a perspectiva transacional, já mencionada anteriormente e também estudada por Sameroff & Chandier (1975), que pesquisaram o risco perinatal e suas conseqüências no desenvolvimento. Esses autores sugeriram que crianças vulneráveis em razão de terem tido complicações no período perinatal podem desenvolver-se de diversas maneiras, dependendo da relação entre o grau de vulnerabilidade deixado pela seqüela e o suporte do ambiente. Resiliência, Estresse & Coping Nos dias de hoje, estresse é um fator inevitável em nossas vidas e tem sido correntemente usado para explicar uma diversidade de questões. As pessoas usam expressões do tipo "estou estressada(o)", "isto é estresse" para justificar muitas de suas experiências do dia-a-dia. Cientificamente, é um conceito muito difícil de ser definido. Hinkle (1987) chegou à conclusão de que não se tem ainda uma definição amplamente aceita por aqueles que estudam a questão do estresse. No entanto, é consenso que, diante de uma situação de vida "estressante",15 as pessoas têm as mais diferentes reações. Pereira (1997) cita que Hans Selye, em 1936, foi o primeiro a introduzir o conceito de estresse nas ciências humanas, definindo-o como "uma resposta específica do corpo a uma exigência feita a ele".16
  • 11. Numa visão subjetiva do fenômeno, pode-se dizer que, dependendo da percepção que o indivíduo tem da situação, da sua interpretação do evento estressor e do sentido a ele atribuído, teremos ou não a condição de estresse. Por exemplo, a mesma situação de vida pode ser experienciada por um indivíduo como perigo, enquanto outro a percebe como um grande desafio. Numa perspectiva psicológica, Lazarus & Folkman referem-se a estresse como "uma relação particular entre a pessoa e o ambiente que é apreciado por ela como excedente aos seus recursos, o que coloca em perigo o seu bem-estar" (1984: 19). A palavra particular usada pelos autores enfatiza o aspecto subjetivo do conceito de estresse, porém muito importante é também a ênfase da definição na relação pessoa-ambiente. Esta traz o dinamismo de um processo que muda durante uma transação estressora entre pessoa e ambiente. Assim como acontece com o conceito de risco nos estudos sobre resiliência, o conceito de estresse também se refere a experiências de vida negativas. Alguns pensadores da resiliência usam os dois conceitos simultaneamente, o que dificulta a distinção entre ambos. Entretanto, nota-se que o termo estresse aparece quase sempré acompanhado por palavras como situações ou circunstâncias, indicando condições temporárias ou transitórias ligadas a eventos de vida. A observação de Mães, Vingerhoets & Van Heck (1987)17 parece confirmar essa perspectiva: "eventos operam como estressores na medida em que eles sobrecarregam ou excedem os recursos adaptativos da pessoa", o que dá uma idéia de que isso ocorre em algum ponto do ciclo de vida da pessoa. 15. Estamos usando o termo no seu sentido coloquial. 16. Pereira (1997b) cita Selye (1974). A contrapartida de estresse é o conceito de coping, palavra não traduzida na língua portuguesa e utilizada sempre no seu original em inglês. Estresse & coping são conceitos que aparecem lado a lado constantemente nas pesquisas sobre resiliência. Parece ser mais um dos vários dualismos entre pólos positivos e negativos que permeiam o conceito de resiliência, sendo que, neste caso, estresse é o pólo negativo e coping, o positivo. Pereira (1997a) cita parafraseando Lazarus que desde 1960 o estresse tem sido reconhecido como um aspecto inevitável da condição humana, e é o coping que faz a diferença nas reais conseqüências do mesmo. Os trabalhos de Lazarus & Folkman têm sido de grande influência na questão do coping. A definição desses autores que tem sido utilizada em diferentes pesquisas é a seguinte: "coping é um conjunto de esforços cognitivos e comportamentais utilizados com o objetivo de lidar com demandas específicas, internas ou externas, que surgem em situações de estresse e são avaliadas como sobrecarregando ou excedendo os recursos pessoais" (1984:141). Os estudos mais recentes sobre estresse têm investigado as conseqüências deste com certa ênfase nos comportamentos de coping que podem aliviar os aspectos negativos dessas situações. Muitas questões vêm sendo feitas ainda sobre o que estaria envolvendo o fenômeno da resiliência no que tange ao coping "bem-sucedido" diante de situações de estresse. Em uma das mais recentes revisões de Rutter (1996) sobre pesquisas na área de estresse, ele afirma que é muito importante lembrar que tanto o estresse como o coping devem ser considerados nos seus diferentes níveis: social, psicológico e neuroquímico. Cada um desses níveis oferece diferentes perspectivas que se complementam entre si. Anteriormente Luthar (1993) já havia proposto que as discussões sobre resiliência apresentassem e definissem claramente os domínios específicos de coping, nas esferas social, emocional e acadêmica, que delimitariam tipos de resiliência: resiliência social, resiliência emocional e resiliência acadêmica. Outros autores reforçam que o indivíduo pode ser resiliente em uma dessas áreas, mas nada garante que ele o será em todas
  • 12. (Hutz, Koller & Bandeira, 1996). De maneira geral, o conceito de coping vem freqüentemente acompanhado de palavras como: habilidades, estratégias, comportamentos, estilos, respostas ou recursos. A metodologia utilizada no seu estudo envolve, na maioria das vezes, instrumentos denominados checklists, tais como o "Revised Ways of Coping Checklist", de Lazarus & Folkman (1984), entre outros inventários ou escalas. Segundo Coyne & Gottlieb (1996), apesar das centenas de investigações que têm sido feitas nos últimos quinze anos, o uso convencional desses instrumentos oferece uma visão distorcida e incompleta de coping. Estes autores fazem uma análise crítica da questão afirmando que alguns aspectos importantes do conceito de coping têm sido ignorados, tais como: a) o coping antecipatório, ou seja, estratégias que o indivíduo utiliza antes da ocorrência de determinadas situações de estresse e que podem até determinar a ocorrência ou não da situação de crise; b) a exclusão de hábitos ou comportamentos automáticos do domínio de coping — embora em alguns casos estas estratégias se tenham mostrado eficient es, não são propriamente incluídas no conceito de coping; c) outros fatores que têm mais a ver com "visão de mundo" também não são considerados em sua influência sobre coping, como, por exemplo, os estilos de relacionamento interpessoal do indivíduo ou os tipos de relacionamento que têm sido cultivados antes da situação de estresse. Os autores mencionados concluem que o conceito de coping é por demais amplo e requer uma metodologia fiel ao modelo transacional18 de estresse e coping, pois um grande número de fatores interfere entre o que ocorre numa situação natural e aquilo que é reportado na aplicação dos checklists, e faz com que as interpretações dos mesmos sejam inconsistentes. Outros autores reforçam essa crítica e afirmam que os avanços na compreensão da eficácia de coping devem ir além da simples contagem de respostas relacionadas a conseqüências positivas (Gore & Eckenrode, 1996), sugerindo que os fatores contextuais devem ser incorporados nas análises da questão. Gore & Eckenrode (1996) argumentam que a maioria das pesquisas em coping desconsidera o contexto social e as influências das relações sociais nas escolhas das estratégias de coping, bem como o impacto de determinados comportamentos de coping nas relações sociais. Os mesmos autores sugerem que a perspectiva de curso de vida deve ser utilizada nos estudos de estresse e coping para que possamos ir além dos efeitos imediatos de experiências estressoras. 18. Ver, aqui, nota n° 8 sobre a diferença teórica entre os modelos interacionais e transacionais. Em vista de estarem os conceitos de estresse e coping intimamente ligados ao construto da resiliência, tais considerações metodológicas são de extrema relevância para pesquisas futuras nessa área. Pontos importantes foram ressaltados e nos fazem refletir sobre as contribuições da metodologia utilizada em alguns trabalhos para a construção de uma visão substantivada19 de resiliência, a qual já apontamos aqui anteriormente. Resiliência & Competência Como se disse na seção anterior, as pessoas reagem de diversas maneiras particulares diante de situações de vida estressoras. Uma forma de reação
  • 13. categorizada pelos teóricos com o nome de coping explica que as pessoas desenvolvem formas peculiares para lidar com crises e adversidades. Quase sempre essas respostas têm por objetivo aliviar os aspectos negativos das situações de estresse ou risco. "O sucesso no cumprimento de importantes tarefas de desenvolvimento reflete boas habilidades de coping", afirma Luthar (1993: 441). Isso pode nos levar a pensar que o uso de estratégias de coping eficientes na redução do estresse e conseqüente adaptação do indivíduo no seu ambiente expressam a essência do conceito de competência. Em termos mais amplos, o conceito de competência refere-se ao "sucesso diante de tarefas de desenvolvimento esperadas para uma pessoa de determinada idade e gênero no contexto de sua cultura, sociedade e época" (Masten & Coatsworth, 1998: 206). 19. Com visão "substantivada" de resiliência quero dizer uma visão de resiliência baseada num conjunto de traços definidos, como explica Martineau (1999): características de sociabilidade, criatividade, senso de autonomia e de proposta (purposefulness, no original da autora). Garrnezy, Masten & Tellegen (1984), coordenadores do "The Project Competence Studies of Stress Resistance in Children", definiram, por ocasião da pesquisa, a resistência ao estresse ou resiliência como "manifestações de competência apesar da exposição a eventos estressores" (p. 98). Luthar (1991 e 1993) reforça que, para operacionalizar níveis de ajustamento, a maioria dos pesquisadores tem escolhido o conceito de competência social. Este tem sido o foco de muitos estudos de resiliência na criança. Michael Rutter afirmou recentemente que "E importante ressaltar que o conceito de resiliência é diferente de aquisição de competência social, auto-eficácia ou de saúde mental" (1999: 120), o que evidencia a atual preocupação desse importante pesquisador em clarificar as inúmeras controvérsias da questão. Em 1991, Luthar apresentou um trabalho semelhante ao de Garmezy (1984) com adolescentes em situação de "alto risco", partindo da mesma definição de resiliência já apresentada acima, porém com algumas diferenças e ajustes metodológicos. No projeto de Garmezy (1984) os procedimentos utilizados foram desenvolvidos para avaliar competência, estresse e outros aspectos hipoteticamente selecionados com relação a coping e resiliência, incluindo atributos individuais e características do desenvolvimento individual, bem como atributos dos pais e características do meio familiar. As três grandes perspectivas de análise dos dados de competência deste trabalho foram baseadas nas seguintes fontes: a escola (que inclui o professor, os colegas e dados do que foi atingido pela criança); a criança (através de entrevistas) e os pais (também entrevistados). O fator estresse foi abordado e avaliado por múltiplas perspectivas, usando-se o questionário de Eventos de Vida, entrevistas com os pais e medidas globais de níveis de estresse categorizadas pelo entrevistador. A pesquisadora Suniya Luthar (1991) fez algumas considerações importantes sobre o fato de que competência seria avaliada apenas com base no observável e em critérios comportamentais. Sua pesquisa questiona quais seriam os níveis de sintomas internalizados, tais como depressão e ansiedade em adolescentes considerados resilientes, resistentes ao estresse ou competentes. A autora investigou seis tipos de habilidades sociais, com estudos quantitativos complementados por avaliações qualitativas das relações interpessoais. As evidências mostraram que jovens adolescentes denominados resilientes mostraram níveis significativos de depressão e ansiedade, embora estivessem atendendo com sucesso ao cumprimento das normas sociais. Essa questão nos remete a um importante ponto levantado pelo estudo de Martineau (1999) com relação ao que a autora chamou resiliência performativa20 (performative resilience), definida por ela "como conformidade às normas sociais, sucesso acadêmico e empatia pelos outros" (p. 124), porém manifestos apenas
  • 14. com o objetivo de agradar ou enganar. Em 1991, Garmezy, como principal investigador do Projeto sobre Competência, sumariza resultados de seu grupo de pesquisas apresentando características recorrentes identificadas nas crianças negras que vivem em circunstâncias desfavoráveis ou de baixa renda, mas consideradas competentes. Usando-se a tradução literal das palavras do autor (Garmezy, 1991: 424), podemos enumerá- las da seguinte maneira:21 1. habilidades sociais identificadas pelas professoras (amigáveis, queridas por outras crianças e adultos); 2. habilidades cognitivas medidas por testes de inteligência, com modos de responder que indicam "cautela", ou seja, não respondem impulsivamente; 3. autopercepção fundada num senso de força, e uma percepção de seus atributos sociais como positivos; 4. os professores consideraram as crianças como desejosas de aprender e participantes nas discussões de classe; 5. crianças que expressam suas preferências por atividades educacionais e tem altas aspirações vocacionais; a ausência do pai não se relaciona à produção acadêmica; 6. as casas das crianças são organizadas e limpas e com mais livros; 7. os papéis dos pais e das crianças são bem definidos; 8. os pais apresentam consciência dos aspectos individuais da criança e permitem sua autodireção nas tarefas diárias e reconhecem seus interesses e objetivos. 20. A autora deste conceito esclarece que por performativo entende algo caricatural, impersonalização, no sentido de agradar ou enganar outros, ou a si mesmo. 21. Masten & Coastworth (1998: 212) enumeram características de crianças e adolescentes que são consideradas resilientes por apresentarem "competência ou melhor funcionamento psicossocial durante ou após experiências adversas". Os autores reforçam que, dentre as qualidades enumeradas, os dois mais amplamente divulgados fatores que poderiam prever resiliência são: relacionamentos com adultos considerados pró-sociais e bom funcionamento intelectual. Como se pode notar, os atributos ou características que operacionalizam competência têm como base os comportamentos observáveis ou critérios de comportamento referidos por Suniya Luthar, em que o sucesso significa estar em consonância com as expectativas sociais. Esse aspecto se evidencia pelo fato de que as avaliações de competência das crianças foram feitas pelas professoras, pais, colegas das crianças, ou pelas notas obtidas na escola. Sucesso, competência e resiliência são termos que em muitas pesquisas trazem consigo um forte componente ideológico, podendo o conceito de resiliência em si ter se tornado um código ideológico, como afirma Martineau (1999) em sua análise crítica do discurso de pessoas de diversos segmentos sobre essa questão. Segundo a autora, "códigos ideológicos operam no discurso coloquial para reforçar normas sociais [...] o discurso da resiliência impõe normas prescritas de sucesso na escola e sucesso social daqueles menos privilegiados e identificados ^em situação de risco'. Aqueles indivíduos que não se conformam às normas prescritas seriam patologizados como não-resilientes. A ênfase se mantém no indivíduo e, portanto, individualismo é a
  • 15. ideologia dominante no discurso da resiliência" (1999: 11-2). Como se pode notar, todos esses conceitos analisados até então parecem estar imbuídos desta ideologia de conformidade do indivíduo às normas sociais vigentes, em que tanto coping como competência e resiliência são avaliados de acordo com manifestações aceitas e aplaudidas socialmente, pois, caso contrário, logo se cai na classificação oposta, ou seja, do coping ineficaz, do indivíduo incompetente e, conseqüentemente, não-resiliente. As controvérsias e as armadilhas que acompanham o conceito de resiliência representam para nós pesquisadores um grande desafio na compreensão profunda desse fenômeno. Resiliência e fatores de proteção ou "buffers" Teoricamente, os pensadores do tema resiliência enfatizam que competência vai manifestar-se no decorrer da trajetória do indivíduo, apesar das crises e experiências adversas, quando sistemas de proteção passam a operar para garantir e sustentar o desenvolvimento. Que sistemas são esses? O que significa proteção nesses casos? Todas as pesquisas em resiliência apontam para o fato de que sistemas de proteção operam em diferentes pontos do desenvolvimento do indivíduo e em diferentes contextos. Segundo Rutter, "fatores de proteção referem-se a influências que modificam, melhoram ou alteram respostas pessoais a determinados riscos de desadaptação" (1985: 600). A característica essencial desses fatores é a modificação catalítica da resposta do indivíduo à situação de risco (Rutter, 1987). Esses fatores podem não apresentar efeito na ausência de um estressor, pois seu papel é o de modificar a resposta do indivíduo em situações adversas mais do que favorecer diretamente o desenvolvimento normal. Rutter (1987) adverte os pesquisadores para não equipararem fatores de proteção com condições de baixo risco. O autor chama a atenção também para a distinção que deve ser feita entre fatores de proteção e experiências positivas. Três aspectos, segundo ele, devem ser considerados: 1. um fator de proteção pode não se constituir num acontecimento agradável no sentido coloquial do termo, e são mencionados os efeitos "endurecedores" de determinadas experiências negativas (que, no caso, agiriam como sistemas de proteção), o que ainda não foi devidamente investigado; 2. ao contrário das experiências positivas, os fatores de proteção podem não ter efeito algum na ausência de um elemento estressor, já que seu papel é justamente modificar respostas a situações adversas; 3. fatores de proteção não são experiências, mas referem-se a qualidades do indivíduo como pessoa, como, por exemplo, ser do sexo feminino significa ser menos susceptível do que meninos (Rutter, 1970 e 1982), o que ainda permanece como campo de pesquisa a merecer maiores investigações. Tais conclusões sobre como operam fatores de proteção são da década de 80 e mostram que os estudos já apontavam para uma série de variáveis, tais como "o padrão dos estressores, as diferenças individuais causadas por fatores constitucionais e ambientais, experiências compensatórias fora de casa, o desenvolvimento da auto-estima, oportunidades (o tipo e o número), grau apropriado de estrutura e controle, a presença de vínculos e relacionamentos íntimos, e a aquisição de habilidades de coping" (Rutter, 1985: 608). Apesar de Rutter referir-se a variáveis, ele já introduz termos como "processos" ou "mecanismos" de proteção (Rutter, 1987), similarmente ao exposto no estudo do conceito de risco. Nesse sentido, a pesquisa na área não visa identificar quais fatores propiciam bem-estar às pessoas, e sim quais os processos que as protegem dos mecanismos de risco. Diante de uma situação estressora, os conceitos de proteção e vulnerabilidade podem aparecer de forma oposicional, como se fossem diferentes lados de uma
  • 16. mesma moeda, o que não quer dizer que "proteção" signifique "falta de vulnerabilidade". São dois tipos de processos que podem se constituir em "pontos de virada" (turring points) na trajetória da pessoa (Rutter, 1987 e 1993). Por que "virada"? Porque o processo pode modificar os rumos de uma trajetória, tornando o indivíduo adaptado ou desadaptado durante seu ciclo de vida. Mecanismos de proteção serão aqueles que, numa trajetória de risco, acabam por mudar o curso da vida da pessoa para um "final feliz". Ao contrário, o processo será denominado vulnerabilidade se numa trajetória sem detecção evidente de risco ocorrer uma mudança ou "virada" causada por uma trajetória com aspectos negativos, que coloca em risco a adaptação da pessoa. A diferença entre mecanismos de risco e processos de proteção/vulnerabilidade reside no fato de que o risco leva o indivíduo a apresentar desordens de diversos níveis, enquanto proteção/ vulnerabilidade operam indiretamente com seus efeitos, apenas quando houver interação com as variáveis de risco. Trata-se, portanto, de mecanismos psicológicos bastante distintos (Rutter, 1987), que, apesar de um bom número de trabalhos na área, ainda requerem investigação. Tipos de mecanismos de proteção Segundo Rutter, os quatro principais mecanismos que colaboram para a ocorrência de processos de proteção são: 1. redução do impacto dos riscos, ou seja, alterar a exposição da pessoa à situação estressora; 2. redução das reações negativas em cadeia que seguem a exposição do indivíduo à situação de risco; 3. estabelecer e manter a auto-estima e auto-eficácia, através da presença de relações de apego seguras e incondicionais e o cumprimento de tarefas com sucesso; 4. criar oportunidades, no sentido dos já mencionados "pontos de virada", o que requer particular atenção dos pesquisadores. Em vários momentos da construção de sua teoria sobre a importância dos processos de proteção e sua contribuição para o estudo da resiliência, Rutter (1985,1987 e 1993) reitera que proteção não é uma "química de momento", mas se refere à maneira como a pessoa lida com as transições e mudanças de sua vida, o sentido que ela mesma dá às suas experiências, e como ela atua diante de circunstâncias adversas. Isso quer dizer que não se supõe que seja preciso fugir ou escapar dos riscos, o essencial é podermos estudar o que o indivíduo faz quando está na situação, pois isso é que vai determinar se a experiência será estressora ou protetora em seus efeitos. Segundo Zimmerman & Arunkumar (1994), muitos autores, ao discorrer acerca de seus estudos sobre mecanismos de proteção, usam uma abordagem que caracteriza o modelo de fatores com foco restrito a traços e relações estáticas, sem o movimento, as variações e as interações pressupostas pelo modelo dos mecanismos. Falar em mecanismos de proteção implica uma abordagem de processos por meio dos quais diferentes fatores interagem entre si ao longo do tempo e alteram a trajetória do indivíduo. Como produto final desses processos de proteção teremos o conceito de resiliência e a combinação desses fatores pode apresentar um impacto maior no desenvolvimento mediante um efeito cumulativo
  • 17. da interação entre os mesmos.22 22. Como já citado na seção em que se discute risco, o mesmo ocorre com os fatores de risco, ou seja, a combinação de vários fatores de risco, tanto genéticos como psicossociais, tem um efeito cumulativo decorrente da interação entre os mesmos (Rutter, 1999). Masten & Garmezy (1985) identificaram três classes de fatores de proteção citados como fundamentais ao desenvolvimento da criança: a) os atributos disposicionais da criança: atividade, autonomia, orientação social positiva, auto- estima e similares; b) a coesão familiar, ausência de conflitos, de negligência, com a presença de pelo menos um adulto com grande interesse pela criança e c) uma rede de apoio social bem definida com recursos individuais e institucionais bem definidos. De maneira similar, Werner elaborou três grupos de características que marcam crianças resilientes afirmando o seguinte: Três tipos de fatores de proteção emergem da análise do desenvolvimento de crianças de "alto risco" desde a infância até a idade adulta: a) atributos disposicionais do indivíduo, tais como o nível de atividade e sociabilidade, possuir inteligência de nível média, competência em comunicação (linguagem e leitura) e locus interno de controle; b) laços afetivos dentro da família que oferecem suporte emocional em momentos de estresse, seja por um dos pais, irmãos, esposo(a) ou companheiro; c) sistemas de suporte social, seja na escola, no trabalho, na igreja, que propiciam competência e determinação individual e um sistema de crenças para a vida (Werner & Smith, 1989: 80). Essas últimas considerações sobre fatores de proteção, com semelhanças constatáveis com os primeiros autores citados, foram reiteradas em outras publicações destas autoras (Werner & Smith, 1982 e 1992). Ambas as citações de Werner & Smith e de Garmezy têm sido reescritas por quase todos os estudiosos da resiliência como se fossem "leis gerais para a identificação da resiliência". Nessa mesma linha de raciocínio foi o trabalho sobre competência social de Luthar (1991), que identificou outros fatores de proteção específicos, tais como: inteligência, senso de humor e empatia da criança, bem como a disponibilidade de recursos financeiros adequados na família. O discurso da resiliência como código ideológico — ou seja, o indivíduo resiliente é aquele que numa situação de estresse ou risco conforma-se às normas sociais vigentes — traz suas marcas também na questão dos mecanismos protetores. A lista de qualidades pessoais, da família e da rede social nos faz pensar naqueles que não apresentam as características mencionadas, não têm família no modelo descrito e não têm acesso a uma rede social. Não serão nunca identificados como resilientes ou competentes socialmente? Definir efetivamente o que é ou não proteção parece muito complicado, pois as interações e combinações entre os efeitos do que é considerado risco ou proteção necessitam de uma cuidadosa análise contextualizada. Considerações finais Nosso trabalho teve como proposta esclarecer aspectos conceituais e refletir criticamente sobre uma visão predominante de resiliência que enfoca características e variações individuais. Tal abordagem da questão deve ser considerada com muita cautela, pois pode levar a supor que o indivíduo deva possuir "algo interno" para
  • 18. ser considerado resiliente, e caso não o tenha poderá ser categorizado como "não- resiliente", o que possivelmente viria a ser determinante na construção de sua identidade. Não podemos deixar de lembrar, no entanto, que as bases ambientais do conceito de resiliência têm sido remarcadas por vários autores dessa linha de pensamento como essenciais ao entendimento dos processos e mecanismos de risco e de proteção. Isso fica evidente quando diversos pesquisadores (Garmezy, 1991; Masten & Gramezy, 1985; Masten & Coatsworth, 1998; Rutter, 1987 e 1993; Walsh, 1996 e 1998; Werner & Smith, 1992) ligam a resiliência à presença de pelo menos uma relação com um outro significativo, seja da família ou do mundo social, na trajetória de vida da pessoa. Como afirma Walsh (1998), mesmo a emergência de traços individuais geneticamente influenciados ocorre num contexto relacionai, e até o citado estudo de Werner & Smith (1992), realizado na ilha do Kauai, demonstra esse aspecto com clareza. As crianças consideradas resilientes no referido estudo tiveram o suporte de alguma pessoa que as aceitava incondicionalmente, e os autores colocam que "a auto-estima e a auto-eficácia foram promovidas através dessas relações de apoio". No entanto, muitos outros estudos ainda são necessários para investigar o peso e as correlações entre os aspectos genéticos e ambientais na formação do indivíduo, discussão esta das mais antigas na Psicologia. A ênfase em qualquer um dos pólos, seja o genético, seja o ambiental, determinará uma tendência que pode ser de trema importância na questão dos estudos sobre resiliência e sua Utilização na definição de políticas públicas. Em nossa opinião, a perspectiva ecológica de Urie Bronfenbrenner (1979 e 1996) é a abordagem que mais pode auxiliar na compreensão desse fenômeno em sua amplitude e complexidade, visto que procura não só descrever e explicar os efeitos do ecossistema no indivíduo, mas também oferecer subsídios para a elaboração de programas de intervenção social. Como afirma Garbarino (1992: 16), "aqueles que estudam a pessoa numa perspectiva ecológica, são capazes de ver o indivíduo e seus ambientes como sistemas de formação mútuos, onde cada sistema muda no decorrer do tempo e cada um deles adapta-se como resposta às mudanças ocorridas no primeiro... Esta interação entre indivíduo e ambiente forma a base da abordagem ecológica de desenvolvimento humano". Focalizar a questão da resiliência numa perspectiva individual dificulta o desenvolvimento de políticas e intervenções que tenham condições transformadoras do sistema social no sentido de buscar diminuir as desigualdades sociais que consistem em desigualdades de oportunidades de desenvolvimento humano. Portanto, nosso cuidado e alerta aos demais pesquisadores interessados no fascinante tema da resiliência referem-se ao uso do conceito como mais um rótulo de sucesso ou fracasso. Em um país como o nosso, essa visão pode contribuir apenas para manter o desequilíbrio social vigente e "culpar a vítima".