O documento discute as características da cibercultura e como ela influencia as linguagens humanas. Apresenta como as redes sociais e a convergência de mídias transformaram a comunicação e destaca que as três matrizes fundamentais da linguagem - verbal, visual e sonora - formam as bases para as misturas de linguagens na cultura digital.
Hipertexto 2012 - Slides da Conferência de Lúcia Santaella (PUC-SP)
1. A hipermídia e a transmídia:
linguagens do nosso tempo
Lucia Santaella
2. Introdução
Nos primeiros tempos da internet, nos anos 1990, no estágio da Web
1.0, alguns dos tópicos centrais relativos à comunicação digital eram: a
digitalização como esperanto das máquinas, a convergência das mídias, a
interface, o ciberespaço, a interatividade, todos eles componentes da
emergente cibercultura (ver Santaella 2003: 77-134). Hoje, em plena Web
2.0 já entrando no estágio da Web 3.0, as novas palavras-chave são:
blogosfera, wikis e redes sociais digitais, estas últimas incrementadas pela
explosão da comunicação móvel.
4. “Enquanto a televisão e o rádio nos trazem
notícias e informação em massa de todo o
mundo, as tecnologias sondadoras, como o
telefone ou as redes de
computadores, permitem-nos ir
instantaneamente a qualquer ponto e
interagir com esse ponto. Essa é a qualidade
da profundidade, a possibilidade de tocar
aquele ponto e ter um efeito demonstrável
sobre ele através das nossas extensões
eletrônicas. [...] Já não nos contentamos com
superfícies. Estamos mesmo tentando
penetrar o impenetrável: a tela do vídeo. [...]
Expressão literal da cibercultura é a
florescente indústria de máquinas de
realidade virtual que nos permitem entrar
na tela do vídeo e do computador e sondar a
interminável profundidade da criatividade
humana na ciência, arte e tecnologia. “
5. São inumeráveis as consequências da cibercultura. Para este trabalho, decidi destacar
duas. A primeira é aquela que o estado da arte atual coloca no topo do iceberg: as redes
sociais. De fato, temos aí o hype do momento. Não há quem esteja envolvido, de uma
forma ou de outra, nas questões da cultura digital, que não tenha as redes sociais como
primeira na lista de suas preocupações ou ocupações.
6. A segunda consequência é mais
profunda, localiza-se nas bases do iceberg
e, por ser menos gritantemente visível, é
menos lembrada e tratada, a saber, as
mudanças substanciais na constituição
das linguagens humanas que o mundo
digital introduziu e que se manifestam nas
misturas inextricáveis entre o verbal, o
visual e o sonoro, justamente aquilo
que, em outro trabalho, chamei de
Matrizes da linguagem e pensamento.
8. No ciberespaço conversamos e
discutimos, engajamo-nos em intercursos
intelectuais, realizamos ações
comerciais, trocamos
conhecimento, compartilhamos
emoções, fazemos planos, trazemos
ideias, fofocamos, brigamos, apaixonamo-
nos, encontramos amigos e os
perdemos, jogamos jogos simples e
metajogos, flertamos, criamos arte e
desfiamos um monte de conversa fiada.
Fazemos tudo que fazem as pessoas quando
se encontram, mas o fazemos com
palavras, imagens, vídeos e nas telas das
interfaces computacionais. Milhões de nós
pertencem a alguma rede social digital, na
qual nossas identidades se misturam e
interagem eletronicamente, independente do
tempo e do local.
9. A cultura digital não pode ser vista como
uma subcultura on line única e
monolítica, mas como um “ecosistema de
subculturas” (Rheingold 1993), uma
mistura de micro, macro e
megacomunidades, abrigando milhares
de microcomputadores que vivem em
seus interiores, usufruindo de conexão
imediata, interação, comunicação
ubíqua, quer dizer, em quaisquer lugares
e a qualquer hora do dia ou da noite. Em
suma, como já foi previsto por Mitchell
(1999: 127), no nível das interfaces de
usuários, o ciberespaço reinventa o
corpo, a arquitetura, o uso do espaço
urbano e as relações complexas entre eles
naquilo que chamamos de “habitar”.
10. O ciberespaço se apropria, sem nenhum limite, de todas as linguagens pré-existentes: a
narrativa textual, a enciclopédia, os quadrinhos, os desenhos animados, o teatro, o
filme, a dança, a arquitetura, o design urbano etc. Nessa malha híbrida de
linguagens, nasce algo novo que, sem perder o vínculo com o passado, emerge com uma
identidade própria. Trata-se de uma reconfiguração radical das linguagens, responsável
por uma ordem simbólica específica que afeta nossa constituição como sujeitos
culturais, nossos hábitos de vida e os laços sociais que estabelecemos. A camada mais
superficial desse fenômeno tem recebido o nome de “convergência das mídias”.
12. A narrativa transmídia se refere a
um processo pelo qual um
produto midiático como um filme
transita para um game, ou pelo
qual uma telenovela, produzida
para ser veiculada na TV, transita
pelas diversas telas dos
dispositivos móveis, além de sites
como o Youtube e redes sociais, o
Facebook e o Twitter, entre
outras.
13. Na forma ideal de narrativa
transmídia, cada meio faz o que faz de
melhor – a fim de que uma história possa
ser introduzida num filme, ser expandida
pela televisão, romances e quadrinhos; seu
universo possa ser explorado em games ou
experimentado como atração de um
parque de diversões (...). A compreensão
obtida por meio de diversas mídias
sustenta uma profundidade de experiência
que motiva mais consumo
(Jenkins, 2009, p.138).
15. Essa mistura densa e complexa de
linguagens, feita de hiper-sintaxes
multimídia -- povoada de símbolos
matemáticos, notações, diagramas, figuras,
também povoada de vozes, música, sons e
ruídos -- inaugura um novo modo de formar
e configurar informações, uma espessura de
significados que não se restringe à
linguagem verbal, mas se constrói por
parentescos e contágios de sentidos
advindos das múltiplas possibilidades
abertas pelo som, pela visualidade e pelo
discurso verbal, algo que parece dar guarida
à hipótese de que, nas raízes de todas as
misturas possíveis de linguagens,
encontram-se sempre essas três matrizes
fundamentais: a verbal, a visual e a sonoro,
em todas as variações que cada uma delas
realiza.