1. CAMARGO, Iberê (1914-1994). Nascido em Restinga Seca (RS) e falecido em Porto Alegre.
Pintor, desenhista e gravador, um dos mais importantes artistas brasileiros do século. Iniciou
seus estudos na Escola de Artes e Ofícios de Santa Maria com Salvador Parlagreco e
Frederico Loebe, em seguida freqüentando em Porto Alegre o curso técnico de arquitetura do
Instituto de Belas Artes (1936-1939), ao mesmo tempo em que tomava aulas de pintura com
João Fahrion. Realizou sua primeira individual em 1942, em Porto Alegre, nesse mesmo ano
transferindo-se ao Rio de Janeiro com bolsa de seu Estado natal afim de se aperfeiçoar em
pintura. Na capital cursou por muito pouco tempo a Escola Nacional de Belas Artes, mas não
se adaptando à orientação acadêmica ali vigente trocou-a pelos ensinamentos de Guignard,
ministrados durante apenas dois meses em dependências do prédio da União Nacional dos
Estudantes à Praia do Flamengo para um grupo de cerca de 30 alunos.
- Cheguei ao Rio em agosto de 1942. E trazia comigo uma grande vontade de aprender.
Através do casal Augusto Meyer conheci Portinari e Lelio Landucci, a quem me liguei
fraternalmente. Landucci, sensível e inteligente, sabia ver e ensinar a ver. Após uma rápida
passagem pela Escola Nacional de Belas Artes, tornei-me aluno de Guignard. A sua obra teve
breve influência sobre o meu trabalho, mas marcou-me para sempre a pureza do seu espírito.
Em 1943 Iberê fundou com Geza Heller e Elisa Byington o Grupo Guignard, um ateliê coletivo
que funcionava num prédio da Rua Marquês de Abrantes, em Botafogo, onde antes existira a
gafieira Flor do Abacate, o que levou o poeta Manuel Bandeira a batizar o grupo de Nova Flor
do Abacate. Guignard se incumbia das aulas de desenho e pintura, e segundo Iberê "impunha
o uso do lápis duro, duríssimo, o que deixava sulcos no papel como se tivessem sido feitos por
um prego".
Dessa mesma época datam seus primeiros ensaios com a gravura em metal, sob a orientação
de Hans Steiner e do próprio Guignard. Recebendo em 1947, pela Divisão Moderna do Salão
Nacional de Belas Artes, o Prêmio de Viagem ao Estrangeiro, estuda em 1948 em Roma com
De Chirico, Achille, Rosa e Petrucci, e em 1949 em Paris com André Lhote, retornando em
1950 ao Brasil. Em 1953 torna-se professor de gravura no Instituto de Belas Artes do Rio de
Janeiro, lecionando mais tarde essa técnica em seu próprio ateliê ou em permanências mais ou
menos longas em Porto Alegre e outras cidades, inclusive do Exterior.
Tendo participado das I, V, VI, VII, XI, XV e XVIII Bienais de São Paulo (Prêmio de Melhor
Pintor Nacional na VI Bienal, em 1961, salas especiais de pinturas, gravuras e desenhos na VII
Bienal, em 1963, e na XI Bienal, em 1971), Iberê tomou parte também em 1961 da Bienal de
Tóquio (voltando a fazê-lo em 1968) e em 1962 da Bienal de Veneza, além de ter realizado
uma retrospectiva no MAM-RJ. Sempre em 1962 pintou por encomenda da Companhia de
Navegação Costeira dois grandes painéis para os navios "Princesa Isabel" e "Princesa
Leopoldina", do mesmo modo como em 1966 seria o autor do grande painel oferecido pelo
Brasil para figurar na sede da Organização Mundial da Saúde em Genebra, na Suíça. O artista
realizou inúmeras individuais, em cidades como Porto Alegre, Santa Maria, Rio de Janeiro, São
Paulo, Curitiba, Niterói, Montevidéu, Paris, Londres e Washington, destacando-se as
retrospectivas de 1979 no Museu de Arte do Rio Grande do Sul (desenhos), repetida em 1980
no Museu Guido Viaro de Curitiba, a exposição comemorativa dos 70 anos do artista, que
itinerou em 1984 por Rio de Janeiro, São Paulo e Porto Alegre, a retrospectiva de 1990 no
Espaço Cultural Banco Francês e Brasileiro em Porto Alegre (gravuras), repetida em 1991 no
Museu Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro e a grande retrospectiva de 1994 no Centro
Cultural Banco do Brasil, também no Rio de Janeiro. Quanto a coletivas nas quais marcou
presença, além das já citadas, mencionem-se ainda, por sua importância, a Bienal do México
(1958), a Exposição Internacional de Gravura de 1971 na Iugoslávia, a X Quadriennale
Nazionale d’Arte di Roma (1977), Entre a Mancha e a Figura no MAM-RJ (1982),
Expressionismo no Brasil: Heranças e Afinidades (XVIII Bienal de São Paulo, 1984),
Modernidade - Arte Brasileira do Séc. XX (1988, MAM de Paris e MAM-SP), Mário Pedrosa:
Arte, Revolução e Reflexão (1991, Centro Cultural Banco do Brasil, RJ), Bienal Brasil Século
XX (1994, São Paulo) e Grito (1997, Museu Nacional de Belas Artes).
Estilisticamente Iberê Camargo foi de início figurativista, trabalhando a paisagem, a figura
humana e a natureza-morta em obediência a uma concepção naturalista-expressionista que
2. tinha na cor sua principal característica. Por sua obra perpassaram então diversas influências,
de Portinari aos mexicanos e de Guignard a Picasso. Típica dessa sua fase inicial é a Vista da
Lapa, do Museu Nacional de Belas Artes, com que ganhou o prêmio de viagem ao estrangeiro
do Salão de 1947: lírica, mas ao mesmo tempo vigorosa, executada em pinceladas
encrespadas e num vívido colorido. Despojando-se gradativamente pelos próximos anos, Iberê
permaneceu fiel à representação das formas e cores naturais até 1959, época em que deu
início a série dos Carretéis, na qual ainda permanecem as referências ao mundo objetivo, só
que diluídas em denso colorido e truculenta matéria. Em princípios da década de 1960 o pintor
abraçou conscientemente o não-figurativismo, do qual seria um dos principais senão o principal
representante no Brasil, e do qual não se afastaria mesmo depois que a tendência deixou de
seduzir nossos artistas. Em anos posteriores deu-se em sua pintura como que uma explosão
da cor a partir dos fundos negros em que geralmente se resolvia, embora a opulenta textura
permanecesse como característica principal de seus quadros. Como ele próprio explicou, em
entrevista a Walmir Ayala, "por uma necessidade quase táctil minha pintura é pastosa. Não se
creia, entretanto, que emprego relevos ou texturas preestabelecidas, como fazem alguns
pintores. A espessura resulta da superposição de camadas que coloco no afã de encontrar a
cor ou o tom exato".
Na década de 1980, após o dramático episódio em que o artista se envolveu num lamentável
incidente de rua no Rio de Janeiro, sua arte instintitivamente retomou o figurativismo, assim
permanecendo até seus últimos anos. As figuras humanas que a partir de então pinta ou
desenha saem-lhe esquálidas, trágicas como a humanidade espectral de Giacometti, banhadas
numa atmosfera de infinita solidão e desesperança. Nesses momentos finais o homem corroído
pelo sofrimento se purifica, enquanto o artista atinge a plenitude de sua arte para se tornar uma
das expressões mais altas da moderna pintura brasileira.
Conjunto de carretéis, água-tinta, 1960;
0,30 X 0,50, Museu de Arte Contemporânea da USP.
Os carretéis, água-forte, 1960;
0,13 X 0,18, Museus Castro Maya, RJ.
Os carretéis, água-forte, 1960;
0,13 X 0,18, Museus Castro Maya, RJ.
Ciclistas, água-forte, 1922;
0,20 X 0,15, Museus Castro Maya, RJ.