1. ZEFERINO DA COSTA, João (1840-1915). Nascido e falecido no Rio de Janeiro. Matriculou-
se em 1857 na Academia Imperial de Belas Artes, conquistando durante o curso diversas
premiações, inclusive, em 1868, o prêmio de viagem à Europa, com a composição Moisés
Recebendo as Tábuas da Lei.
A 19 de julho de 1868 estava em Roma, matriculando-se logo depois na classe de Cesare
Mariani na Academia de São Lucas; Mariani, antigo aluno de Minardi, gozava de boa reputação
como pintor de história e como decorador de igrejas, e foi quem certamente incutiu em Zeferino
o amor ao assunto sacro e às grandes decorações religiosas em que mais tarde se
notabilizaria.
Durante seu curso em Roma, Zeferino ganhou dois primeiros prêmios em pintura histórica e de
nu, o que lhe acarretou uma recompensa de 2 mil francos e, ao cabo dos cinco anos regulares
de pensão, mais três de prorrogação, dois para aperfeiçoamento e o último para percorrer os
museus europeus. Foi durante essa longa permanência na Itália que o artista brasileiro
produziu algumas de suas obras mais importantes, como A Caridade, O Óbulo da Viúva e A
Pompeana.
Retornando em 1877 ao Brasil, Zeferino foi imediatamente nomeado professor da Academia.
Seria professor praticamente até o fim da vida, mostrando-se de dedicação insuperável e
contribuindo para o aprimoramento de inúmeros artistas, entre os quais Batista da Costa, Oscar
Pereira da Silva, Henrique Bernardelli, Castagneto, Belmiro de Almeida, Firmino Monteiro e
Rodolfo Chambelland. Foi professor de Pintura Histórica em 1877 (substituindo Vitor Meireles),
regente da cadeira de Paisagem em 1878, após a morte de Agostinho José da Mota, vice-
diretor e professor de Modelo Vivo da já então Escola Nacional de Belas Artes, em 1890.
Segundo Alfredo Galvão, "esforçou-se, antes de Jorge Grimm e Antônio Parreiras, para que os
alunos de Paisagem fizessem os estudos ao ar livre".
Em 1879 Zeferino da Costa enviou 17 pinturas à Exposição de Belas Artes organizada pela
Academia, inclusive as que realizara na Itália e lhe tinham grangeado fama. Gonzaga Duque,
elogiando embora A Caridade e o Óbulo da Viúva, desancou sem piedade A Pompeana:
- O maior defeito que tem esta falsa pompeana Fritz & Mack é o de ocultar nos recessos do
corpo a reuma peçonhenta que aduba as flores do deboche. Este corpo é pérfido como a
deslumbrante aparência da urtiga das montanhas a que a população montezinha chama
arrebenta-cavalos. A incauta mocidade não tem a observação bastante fiel para reparar nos
postiços que entraram na conformação daquele corpo de coldcream; aquilo assim arranjado
como está não prova cuidados ortopédicos, foi conseguido há alguns anos a esta parte para o
gosto exclusivo dos colegiais que martirizam os respectivos buços, vaidosos de parecerem
homens e dos velhos estafados em uso de coleópteros afrodisíacos.
E conclui, indignado:
- É incompreensível este inglório trabalho, este de retratar cocottes esbodegadas, em um moço
de grande talento e de grandes aptidões de artista. Qual a causa de aparecer pompeana esta
ruim, esta ignóbil figura, lavada em óleo, emplastada de gorduras aromáticas, besuntada de
veloutine para disfarçar a alambazada estrutura de suas formas? Pompeana por quê?
Fosse pela severa critica de Gonzaga Duque ou por outro qualquer motivo, Zeferino, após
1879, nunca mais participou de exposições públicas, preferindo conservar-se em seu natural
retraimento até o fim da vida.
A grande oportunidade que se lhe apresentou como artista deu-se porém pouco depois,
quando, concluída afinal a construção da Igreja da Candelária, no Rio de Janeiro, com a adição
da nova cúpula desenhada por Daniel Pedro Ferro Cardoso, pensou-se em decorá-la com
pinturas que evocassem o milagre ocorrido, séculos antes, a Antônio Martins de Palma e
Leonor Gonçalves. De início a idéia era confiar a decoração a pintores italianos; só por
sugestão de Pedro 11 foi a tarefa entregue a Zeferino da Costa:
2. - Os senhores devem mandar decorar a igreja por Zeferino da Costa, artista que acaba de
voltar da Itália, onde se especializou em pintura sacra.
Em seis imensos painéis fixou Zeferino a história do milagre: A Partida de Palma, A
Tempestade, A Chegada ao Rio de Janeiro, A Inauguração da Capela, O Lançamento da
Pedra Fundamental da Igreja e A Sagração Solene, estendendo-se o trabalho (no qual teve
a colaboração de diversos alunos, como Castagneto e Oscar Pereira da Silva) de 1880 a 1883.
Comentando tal obra, afirmou Araújo Viana:
- A composição em seu conjunto não tem rival no Rio de Janeiro quanto à magnitude dos
assuntos tratados com uma técnica admirável, quanto às reconstituições arqueológicas
constantes dos painéis das naves, quanto às dificuldades de perspectiva vencidas nas
concavidades ou curvaturas dos tetos, naturalmente por estudos prévios em cartões, onde
Zeferino da Costa seguiu à risca as lições dos mestres da pintura histórica.
Muitos anos mais tarde, em 1913, sendo necessária a restauração dos painéis, o artista foi
novamente incumbido da difícil missão, auxiliado, então, por Sebastião Vieira Fernandes e
Evêncio Nunes. Esse último, em depoimento de 1943, referindo-se a Sebastião que acabara de
falecer, esclarece:
- Ele e eu fizemos o fim do trabalho, pelo fato do ilustre mestre não poder mais pintar, por estar
com as mãos deformadas pelo reumatismo brutal que tanto mal lhe fez. Esses quadros são os
seis que ornam o primeiro corpo à entrada do templo. São esses seis quadros exclusivos de
Sebastião e meus, pois, nessa ocasião, o mestre estava passando mal. Essa verdade não tira
o valor de Zeferino. Nunca! São fatos de nossa vida.
Do ponto de vista artístico, e vista como um todo, a pintura de Zeferino da Costa parece-nos
fria e sem vibração. Como tantos pintores da época, Zeferino concedeu toda a prioridade à
forma, ao desenho, negligenciando a cor e a textura. O resultado é uma obra tecnicamente
correta, na boa tradição européia, mas a que falta emoção. Nas grandes decorações da
Candelária portou-se com a costumeira perícia, resolvendo grandes espaços com auxílio de um
desenho sólido e de discreta palheta; mas não foi propriamente dotado de sentimento para a
pintura religiosa. Mais válidas são as obras da mocidade – não tanto A Pompeana, de 1876, e
que se nos apresenta prosaica, beirando o kitsch e o mau gosto, porém O Óbulo da Viúva e
sobretudo A Caridade, que se nos impõem pela composição cuidadosa, pelos efeitos de claro-
escuro, pelo modelado das figuras e pela correção anatômica.
Aluno de Vítor Meireles, Zeferino herdaria algo do estilo do seu mestre, e até do seu
temperamento: sua emoção é dosada e sem transbordamentos, e tudo em sua produção tende
a sobriedade. Mesmo usando da cor com parcimônia, sabia utilizá-la, conhecendo como
poucos a ciência dos valores, aqui fazendo vibrar um acorde mais sonoro, ali realçando um
pormenor que de outro modo quedaria desapercebido. Nos estudos de traje e nas cabeças, de
que existem vários exemplos no Museu Nacional de Belas Artes, seu parentesco com o autor
de Moema torna-se mais evidente: Vitor Mireles e Zeferino da Costa pertencem a mesma
família.
No título do pequeno livro que escreveu, e que seria publicado dois anos após sua morte:
Mecanismos e proporções da figura humana, resume-se aparentemente o seu credo artístico:
ninguém, mais do que Zeferino, estudou tão fundamente a figura humana, a ponto de
transformá-la em referência única de toda a sua produção.
Ao lado do já citado Vítor Meireles e mais de Pedro Américo, Zeferino da Costa completa uma
tríade formidável de pintores brasileiros do Segundo Império: sobrevivendo a ambos, já entrado
o Séc. XX, Zeferino da Costa foi o ilustre remanescente de um tipo de sensibilidade que se
baseava na estrita obediência aos postulados acadêmicos, ao assunto nobre e ao predomínio
absoluto da forma.