Auto da Barca do Inferno Uma análise . rsn 2007/08
O  Auto da Barca do Inferno  é considerado uma moralidade, ou seja, uma representação simbólica onde as personagens encarnam vícios ou virtudes com o objectivo de moralizar a sociedade.
Estrutura externa   – esta peça tem apenas um acto, uma vez que não há qualquer mudança de cenário. E, apesar de Gil Vicente não usar a divisão em cenas, nós podemos fazer corresponder a cada entrada das personagens uma cena. Assim, o texto consta de onze cenas.
Estrutura interna   – Sendo o texto composto de pequenas acções, tendo cada uma delas uma forma muito semelhante (  breve apresentação de cada personagem ,  argumentação com o Diabo e Anjo  e  embarque numa das barcas ) e não havendo qualquer ligação entre as várias sequências, não podemos afirmar que haja um enredo.
O percurso que cada personagem faz é muito semelhante: chegam ao cais, dialogam com o Diabo, vão à barca da Glória, falam com o Anjo e retornam à barca do Inferno, aonde quase todas embarcam. A presença do Parvo no cais e a sua intervenção impede que a peça se torne monótona.
Breve resumo de cada cena 1ª cena   – Diabo e Companheiro preparam-se euforicamente para a chegada dos novos passageiros. 2ª cena   – A primeira personagem é o Fidalgo que julga ir para o Paraíso por pertencer à nobreza. Acaba por entrar, pelos seus pecados, na barca do Inferno.
3ª cena   – a segunda personagem a entrar a cena é o Onzeneiro que convencido de ter comprado a passagem para o Paraíso, não se deixa convencer pelo Diabo e vai falar com o Anjo. Claro que acaba por entrar na barca do Inferno, por ter vivido a guardar dinheiro à custa dos outros.
4ª cena  – a terceira personagem a entrar a cena é o Parvo, de nome Joane. Por ter errado sem maldade, intenção, fica à espera de purificar os seus pecados no cais e entretanto vai fazendo comentários ao que se passa.
5ª cena  – o Sapateiro chega em quarto lugar e entra na barca do Inferno por ter passado a vida a roubar o povo, sem que antes tente convencer, sem sucesso, o Anjo a levá-lo.  6ª cena  – o Frade vem acompanhado de Florença, uma moça que o acompanhou em vida, entrando ambos na barco do Inferno. O anjo não responde sequer aos apelos do Frade.
7ª cena  – segue-se a Alcoviteira, Brízida Vaz, que traz, além de imensos objectos, moças que entregou à prostituição e que abandonam a cena. Apesar dos seus pecados ainda acha que tem lugar no Paraíso… 8ª cena  – a sétima personagem é o Judeu que por não acreditar na fé cristã não dialoga com o Anjo, decidindo o Diabo que ele e o Bode irão a reboque, isto é, separados dos restantes como acontecia com o judeus.
9ª cena  – nesta cena, incluímos duas personagens, uma vez que o Corregedor e o Procurador se completam. Representam ambos o mesmo grupo socioprofissional e ainda que se julguem dignos do Paraíso, acabam por entrar na barca do Diabo.
10ª cena  – segue-se o enforcado que vem convencido da absolvição. Acaba por entrar na barca do Inferno. 11ª cena  – por fim entram em cena os 4 cavaleiros, os únicos que têm a entrada assegurada na barca do Paraíso por terem morrido a lutar pela Fé.
Os objectos Além da caracterização que vai sendo feita pelas próprias personagens, quando dialogam e pelo que o Diabo e Anjo declaram sobre cada uma, Gil Vicente usa ainda  objectos próprios das suas classes sociais ou profissões .
O Fidalgo traz consigo o manto, o pagem e a cadeira; o Onzeneiro / o bolsão; o Judeu / o bode; o Frade / a moça; a Alcoviteira / as moças; o Sapateiro / as formas.  Todos esses objectos permitem que o público identifique com mais facilidade o tipo social a que pertencem e que se pretende destacar.
Alguns desses símbolos são mesmo pessoas que faziam parte da vida de cada uma das personagens e que permitem tornar mais evidente os seus defeitos e pecados. Curiosamente, todas elas saem de cena, quando as personagens embarcam, excepto a moça Florença que entra na barca do Inferno com o Frade.
Linguagem Outro processo de identificação das personagens é o tipo de linguagem que cada uma usa.  Quando as personagens dialogam com o Diabo e o Anjo utilizam um registo de língua próprio da classe social em que se inserem ou do grupo que representam, por exemplo, o caso do Parvo e dos homens (Corregedor e Procurador) ligados à justiça.
Tipos de cómico Gil Vicente usa vários tipos de cómico: Cómico de linguagem . Exemplo: o caso dos insultos trocados entre o Parvo e o Diabo; Cómico de situação.  Exemplo: o facto do Judeu ter de ir a reboque; Cómico de carácter.  Exemplo: qualquer uma das personagens, mas destaque-se o Parvo e a forma como o Fidalgo se apresenta todo presunçoso…
Intenção da obra e o seu valor Este texto de Gil Vicente, mais do que um pretexto para rir, é sem dúvida um documento histórico que nos permite conhecer os hábitos, defeitos e virtudes da nossa sociedade na época dos descobrimentos.
Claro que o seu carácter satírico e humorístico se conjugam e nos fazem rir ainda hoje, uma vez que os tipos sociais evidenciados são ainda actuais, porque humanos. Esse outro aspecto da intemporalidade de Gil Vicente. E é óbvio que o estudo da obra nos permite ainda viajar no tempo com as palavras.

Auto da Barca do Inferno

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    Auto da Barcado Inferno Uma análise . rsn 2007/08
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    O Autoda Barca do Inferno é considerado uma moralidade, ou seja, uma representação simbólica onde as personagens encarnam vícios ou virtudes com o objectivo de moralizar a sociedade.
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    Estrutura externa – esta peça tem apenas um acto, uma vez que não há qualquer mudança de cenário. E, apesar de Gil Vicente não usar a divisão em cenas, nós podemos fazer corresponder a cada entrada das personagens uma cena. Assim, o texto consta de onze cenas.
  • 4.
    Estrutura interna – Sendo o texto composto de pequenas acções, tendo cada uma delas uma forma muito semelhante ( breve apresentação de cada personagem , argumentação com o Diabo e Anjo e embarque numa das barcas ) e não havendo qualquer ligação entre as várias sequências, não podemos afirmar que haja um enredo.
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    O percurso quecada personagem faz é muito semelhante: chegam ao cais, dialogam com o Diabo, vão à barca da Glória, falam com o Anjo e retornam à barca do Inferno, aonde quase todas embarcam. A presença do Parvo no cais e a sua intervenção impede que a peça se torne monótona.
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    Breve resumo decada cena 1ª cena – Diabo e Companheiro preparam-se euforicamente para a chegada dos novos passageiros. 2ª cena – A primeira personagem é o Fidalgo que julga ir para o Paraíso por pertencer à nobreza. Acaba por entrar, pelos seus pecados, na barca do Inferno.
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    3ª cena – a segunda personagem a entrar a cena é o Onzeneiro que convencido de ter comprado a passagem para o Paraíso, não se deixa convencer pelo Diabo e vai falar com o Anjo. Claro que acaba por entrar na barca do Inferno, por ter vivido a guardar dinheiro à custa dos outros.
  • 8.
    4ª cena – a terceira personagem a entrar a cena é o Parvo, de nome Joane. Por ter errado sem maldade, intenção, fica à espera de purificar os seus pecados no cais e entretanto vai fazendo comentários ao que se passa.
  • 9.
    5ª cena – o Sapateiro chega em quarto lugar e entra na barca do Inferno por ter passado a vida a roubar o povo, sem que antes tente convencer, sem sucesso, o Anjo a levá-lo. 6ª cena – o Frade vem acompanhado de Florença, uma moça que o acompanhou em vida, entrando ambos na barco do Inferno. O anjo não responde sequer aos apelos do Frade.
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    7ª cena – segue-se a Alcoviteira, Brízida Vaz, que traz, além de imensos objectos, moças que entregou à prostituição e que abandonam a cena. Apesar dos seus pecados ainda acha que tem lugar no Paraíso… 8ª cena – a sétima personagem é o Judeu que por não acreditar na fé cristã não dialoga com o Anjo, decidindo o Diabo que ele e o Bode irão a reboque, isto é, separados dos restantes como acontecia com o judeus.
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    9ª cena – nesta cena, incluímos duas personagens, uma vez que o Corregedor e o Procurador se completam. Representam ambos o mesmo grupo socioprofissional e ainda que se julguem dignos do Paraíso, acabam por entrar na barca do Diabo.
  • 12.
    10ª cena – segue-se o enforcado que vem convencido da absolvição. Acaba por entrar na barca do Inferno. 11ª cena – por fim entram em cena os 4 cavaleiros, os únicos que têm a entrada assegurada na barca do Paraíso por terem morrido a lutar pela Fé.
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    Os objectos Alémda caracterização que vai sendo feita pelas próprias personagens, quando dialogam e pelo que o Diabo e Anjo declaram sobre cada uma, Gil Vicente usa ainda objectos próprios das suas classes sociais ou profissões .
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    O Fidalgo trazconsigo o manto, o pagem e a cadeira; o Onzeneiro / o bolsão; o Judeu / o bode; o Frade / a moça; a Alcoviteira / as moças; o Sapateiro / as formas. Todos esses objectos permitem que o público identifique com mais facilidade o tipo social a que pertencem e que se pretende destacar.
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    Alguns desses símbolossão mesmo pessoas que faziam parte da vida de cada uma das personagens e que permitem tornar mais evidente os seus defeitos e pecados. Curiosamente, todas elas saem de cena, quando as personagens embarcam, excepto a moça Florença que entra na barca do Inferno com o Frade.
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    Linguagem Outro processode identificação das personagens é o tipo de linguagem que cada uma usa. Quando as personagens dialogam com o Diabo e o Anjo utilizam um registo de língua próprio da classe social em que se inserem ou do grupo que representam, por exemplo, o caso do Parvo e dos homens (Corregedor e Procurador) ligados à justiça.
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    Tipos de cómicoGil Vicente usa vários tipos de cómico: Cómico de linguagem . Exemplo: o caso dos insultos trocados entre o Parvo e o Diabo; Cómico de situação. Exemplo: o facto do Judeu ter de ir a reboque; Cómico de carácter. Exemplo: qualquer uma das personagens, mas destaque-se o Parvo e a forma como o Fidalgo se apresenta todo presunçoso…
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    Intenção da obrae o seu valor Este texto de Gil Vicente, mais do que um pretexto para rir, é sem dúvida um documento histórico que nos permite conhecer os hábitos, defeitos e virtudes da nossa sociedade na época dos descobrimentos.
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    Claro que oseu carácter satírico e humorístico se conjugam e nos fazem rir ainda hoje, uma vez que os tipos sociais evidenciados são ainda actuais, porque humanos. Esse outro aspecto da intemporalidade de Gil Vicente. E é óbvio que o estudo da obra nos permite ainda viajar no tempo com as palavras.