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AUTO DA BARCA DO
    INFERNO


    GIL VICENTE
Para se compreender o “Auto da Barca do Inferno”
deve-se ter presente que esta obra foi escrita num
período da história que corresponde à transição da
Idade média para a Idade Moderna.
O seu autor, Gil Vicente, enquadra-se justamente
nesse momento de transição, ou seja, está ligado
tanto ao medievalismo quanto ao humanismo. Esse
conflito faz com que Gil Vicente pense em Deus e
ao mesmo tempo exalte o homem livre.
O reflexo desse conflito interior é visto
claramente na sua obra, pois ao mesmo
tempo que critica, de forma impiedosa,
toda a sociedade de seu tempo, adoptando
assim uma postura moderna, tem ainda o
pensamento voltado para Deus,
característica típica do mundo medieval.
O “Auto da Barca do Inferno”foi apresentado
pela primeira vez em 1517, à rainha D. Maria de
Castela
             Este Auto, classificado pelo próprio
             autor como um “auto de moralidade”,
             tem como cenário um porto imaginário,
             onde estão ancoradas duas barcas:
             uma como destino o paraíso, tem como
             comandante um anjo; a outra, com
             destino ao inferno, tem como
             comandante o diabo, que traz consigo
             um companheiro.
Todas as almas, assim que se desprendem dos corpos, são
obrigadas a passar por esse lugar para serem julgadas.
Dependendo dos actos cometidos em vida, são condenadas à
Barca da Gloria ou à do Inferno.




Quanto ao estilo, pode-se dizer que todo o Auto é escrito em
tom coloquial, ou seja, a linguagem aproxima-se a da fala,
revelando assim a condição social das personagens, e todos
o versos são Redondilhas maiores, ou seja, versos com sete
sílabas métricas.
As rimas obedecem, geralmente, ao esquema
                     A,B,B,A,A,C,C,A
como se pode ver na fala do onzeneiro:
     “Olá, ó demo barqueiro! (A)
    Sabeis vós no que me fundo (B)
    Quero lá tornar ao mundo (B)
    E trarei o meu dinheiro (A)
    Aqueloutro marinheiro (A)
    Porque me vê vir sem nada (C)
    Dá-me tanta borregada (C)
  Como arrais lá do barreiro (A)”
Em relação a estrutura externa pode-se dizer que o
Auto possui um único acto, dividido em cenas, nas
quais predominam os diálogos entre as almas que
estão sendo julgadas com o Anjo e com o Diabo.

Os personagens do Auto, com exceção do Anjo de
do Diabo, são representantes típicos da sociedade
da época (personagens-tipo). Raramente aparecem
identificados pelo nome, pois são designados pela
ocupação social que exercem.
Como exemplo pode-se cita
o onzeneiro, o fidalgo, sapateiro etc.
No começo do Auto, o Anjo divide o
palco com o Diabo e o seu
companheiro. Os dois últimos estão
muito eufóricos, enquanto realizam os
preparativos da sua barca, pois sabem
que ela partirá repleta de almas.
As posturas assumidas pelo Anjo e
pelo Diabo acentuam ainda mais a
tradicional oposição entre Bem e Mal.
As poucas falas fazem do Anjo uma
figura quase estática e se contrapõe à
alegria e ironia do Diabo.
A primeira alma a chegar para o
julgamento é o Fidalgo. Traz um
manto (símbolo da vaidade) e
vem acompanhado por um
pajem (símbolo da tirania) que
carrega uma cadeira (símbolo
do seu estatuto social). Esse
representante da nobreza é
condenado à barca do inferno
por ter levado uma vida tirana
cheia de luxúria e pecados.
O segundo personagem que sofre
julgamento é o onzeneiro ambicioso. Ao
chegar à barca do inferno o Diabo o chama-
lhe “meu parente”.
Ao descobrir o destino do batel infernal, ele
recusa-se a embarcar e vai até a barca da
gloria, mas o Anjo acusa-o de onzena
(agiotagem) e não permite a sua entrada.
Condenado pela ganância, usura e avareza,
retorna à barca do inferno e tenta convencer
o Diabo a deixá-lo voltar ao mundo dos vivos
para buscar o dinheiro que acumulou
durante a sua vida.
Mas o diabo não cede aos seus argumentos
e ele acaba embarcando no batel infernal.
A próxima alma a chegar é o Parvo. Desprovido de
tudo, ele é recebido pelo Diabo, que tenta convencê-
lo a entrar em sua barca. Ao descobrir o destino do
batel infernal, o parvo insulta o Diabo e vai até a o
batel da glória.




                  Lá chegando, o parvo diz não
                  ser ninguém e, por causa da sua
                  humildade e modéstia, a sua
                  sentença é a glorificação.
O outro personagem que entra em
cena é o Sapateiro, que traz consigo
todas as ferramentas necessárias para
a execução do seu trabalho (formas e
avental).

Ao saber o destino da barca do
inferno, ele recorre ao Anjo, mas a sua
tentativa é vã e ele é condenado por
roubar o povo com seu ofício durante
30 anos e pela sua falsidade religiosa.
Acompanhado pela amante, o próximo personagem
a entrar em cena é o Frade. Alegre, cantante e bom
dançarino, o frade veste-se com as tradicionais
roupas sacerdotais e sob elas, instrumentos e roupas
usadas pelos praticantes da esgrima, de que ele se
revela muito hábil. O Frade indigna-se quando o
Diabo o convida a entrar em sua embarcação, pois
acredita que seus pecados deveriam ser perdoados,
uma vez que ele é um representante da Igreja.
Sempre acompanhado da amante, segue até o batel
da glória. onde o Anjo nem sequer lhe dirige a
palavra, cabendo ao Parvo a tarefa de condenar o
frade à barca do inferno por seu falso moralismo
religioso.
Depois do Frade, entra em cena Brísida
Vaz, uma mistura de feiticeira com
alcoviteira. Ao ser recebida pelo Diabo ela
declara possuir muitas jóias e três arcas
cheias de materiais usados em feitiçaria.
Mas seu maior bem são “seiscentos virgos
postiços”. Como a palavra “virgo”
corresponde ao hímen, pode-se dizer que a
alcoviteira Brísida Vaz prostituiu 600
meninas virgens. No entanto, o adjetivo
postiço dá margem a interpretação de que
as moças não eram virgens e Brísida Vaz
enganou seiscentos homens.
Ao saber qual era o destino do
batel infernal, ela vai até à barca do
Anjo e, com um discurso
semelhante ao usado nas artes da
sedução, tenta convencer o anjo a
deixá-la embarcar. Mas essa
tentativa é inútil, pois ela é
condenada à barca do inferno pela
prática de feitiçaria, prostituição e
por alcovitagem.
O próximo personagem que entra cena é o
Judeu, acompanhado de seu bode, símbolo do
judaísmo. Ele dirige-se ao batel infernal é até
mesmo o Diabo, que sempre mostrou-se muito
desejo por almas, se recusa a levá-lo. O Judeu
tenta subornar o Diabo, mas esse, sob pretexto
de não levar bode em sua barca, aconselha-o a
procurar a “outra” barca. O judeu então tenta
aproximar-se do Anjo, mas o Parvo acusa-o de
ter desrespeitado o Cristianismo.
O Diabo acaba por levar o Judeu e o bode
rebocados na sua barca, pois é «mui ruim
pessoa»
Depois do Judeu, entra em cena o Corregedor. Traz
consigo vários autos (processos) e pode ser comparado
aos juizes atuais. Ao ser convidado a embarcar no batel
infernal ele começa a argumentar em sua defesa.
No meio da conversação, chega o Procurador, trazendo
consigo vários livros. Ao ser convidado a embarcar, ele
também se recusa e os dois representantes do judiciário
conversam sobre os crimes que cometeram juntos e
seguem para a barca da glória.
Ao chegarem, o Anjo, ajudado pelo Parvo, não permite
que eles embarquem, condenando-os ao batel infernal por
usarem o poder do judiciário em benefício próprio.
O próximo personagem a entrar em
cena é o Enforcado, que ainda traz no
pescoço a corda usada no seu
enforcamento.

Ele acredita que a morte na forca o
redime dos seus pecados, mas isso não
ocorre e ele é condenado.
Os últimos personagens a entrar
em cena são os quatro Cavaleiros
que morreram nas cruzadas em
defesa do Cristianismo.
Eles passam, cantando, pelo batel infernal, o Diabo
convida-os a entrar, mas eles seguem em direcção ao batel
da glorificação, onde são recebidos pelo Anjo.
O fato de morrer a lutar pelo Cristianismo garante a esses
personagens uma espécie de passaporte para a salvação.

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Auto da Barca do Inferno de Gil Vicente

  • 1. AUTO DA BARCA DO INFERNO GIL VICENTE
  • 2. Para se compreender o “Auto da Barca do Inferno” deve-se ter presente que esta obra foi escrita num período da história que corresponde à transição da Idade média para a Idade Moderna. O seu autor, Gil Vicente, enquadra-se justamente nesse momento de transição, ou seja, está ligado tanto ao medievalismo quanto ao humanismo. Esse conflito faz com que Gil Vicente pense em Deus e ao mesmo tempo exalte o homem livre.
  • 3. O reflexo desse conflito interior é visto claramente na sua obra, pois ao mesmo tempo que critica, de forma impiedosa, toda a sociedade de seu tempo, adoptando assim uma postura moderna, tem ainda o pensamento voltado para Deus, característica típica do mundo medieval.
  • 4. O “Auto da Barca do Inferno”foi apresentado pela primeira vez em 1517, à rainha D. Maria de Castela Este Auto, classificado pelo próprio autor como um “auto de moralidade”, tem como cenário um porto imaginário, onde estão ancoradas duas barcas: uma como destino o paraíso, tem como comandante um anjo; a outra, com destino ao inferno, tem como comandante o diabo, que traz consigo um companheiro.
  • 5. Todas as almas, assim que se desprendem dos corpos, são obrigadas a passar por esse lugar para serem julgadas. Dependendo dos actos cometidos em vida, são condenadas à Barca da Gloria ou à do Inferno. Quanto ao estilo, pode-se dizer que todo o Auto é escrito em tom coloquial, ou seja, a linguagem aproxima-se a da fala, revelando assim a condição social das personagens, e todos o versos são Redondilhas maiores, ou seja, versos com sete sílabas métricas.
  • 6. As rimas obedecem, geralmente, ao esquema A,B,B,A,A,C,C,A como se pode ver na fala do onzeneiro:      “Olá, ó demo barqueiro! (A) Sabeis vós no que me fundo (B) Quero lá tornar ao mundo (B) E trarei o meu dinheiro (A) Aqueloutro marinheiro (A) Porque me vê vir sem nada (C) Dá-me tanta borregada (C) Como arrais lá do barreiro (A)”
  • 7. Em relação a estrutura externa pode-se dizer que o Auto possui um único acto, dividido em cenas, nas quais predominam os diálogos entre as almas que estão sendo julgadas com o Anjo e com o Diabo. Os personagens do Auto, com exceção do Anjo de do Diabo, são representantes típicos da sociedade da época (personagens-tipo). Raramente aparecem identificados pelo nome, pois são designados pela ocupação social que exercem. Como exemplo pode-se cita o onzeneiro, o fidalgo, sapateiro etc.
  • 8. No começo do Auto, o Anjo divide o palco com o Diabo e o seu companheiro. Os dois últimos estão muito eufóricos, enquanto realizam os preparativos da sua barca, pois sabem que ela partirá repleta de almas. As posturas assumidas pelo Anjo e pelo Diabo acentuam ainda mais a tradicional oposição entre Bem e Mal. As poucas falas fazem do Anjo uma figura quase estática e se contrapõe à alegria e ironia do Diabo.
  • 9. A primeira alma a chegar para o julgamento é o Fidalgo. Traz um manto (símbolo da vaidade) e vem acompanhado por um pajem (símbolo da tirania) que carrega uma cadeira (símbolo do seu estatuto social). Esse representante da nobreza é condenado à barca do inferno por ter levado uma vida tirana cheia de luxúria e pecados.
  • 10. O segundo personagem que sofre julgamento é o onzeneiro ambicioso. Ao chegar à barca do inferno o Diabo o chama- lhe “meu parente”. Ao descobrir o destino do batel infernal, ele recusa-se a embarcar e vai até a barca da gloria, mas o Anjo acusa-o de onzena (agiotagem) e não permite a sua entrada. Condenado pela ganância, usura e avareza, retorna à barca do inferno e tenta convencer o Diabo a deixá-lo voltar ao mundo dos vivos para buscar o dinheiro que acumulou durante a sua vida. Mas o diabo não cede aos seus argumentos e ele acaba embarcando no batel infernal.
  • 11. A próxima alma a chegar é o Parvo. Desprovido de tudo, ele é recebido pelo Diabo, que tenta convencê- lo a entrar em sua barca. Ao descobrir o destino do batel infernal, o parvo insulta o Diabo e vai até a o batel da glória. Lá chegando, o parvo diz não ser ninguém e, por causa da sua humildade e modéstia, a sua sentença é a glorificação.
  • 12. O outro personagem que entra em cena é o Sapateiro, que traz consigo todas as ferramentas necessárias para a execução do seu trabalho (formas e avental). Ao saber o destino da barca do inferno, ele recorre ao Anjo, mas a sua tentativa é vã e ele é condenado por roubar o povo com seu ofício durante 30 anos e pela sua falsidade religiosa.
  • 13. Acompanhado pela amante, o próximo personagem a entrar em cena é o Frade. Alegre, cantante e bom dançarino, o frade veste-se com as tradicionais roupas sacerdotais e sob elas, instrumentos e roupas usadas pelos praticantes da esgrima, de que ele se revela muito hábil. O Frade indigna-se quando o Diabo o convida a entrar em sua embarcação, pois acredita que seus pecados deveriam ser perdoados, uma vez que ele é um representante da Igreja. Sempre acompanhado da amante, segue até o batel da glória. onde o Anjo nem sequer lhe dirige a palavra, cabendo ao Parvo a tarefa de condenar o frade à barca do inferno por seu falso moralismo religioso.
  • 14. Depois do Frade, entra em cena Brísida Vaz, uma mistura de feiticeira com alcoviteira. Ao ser recebida pelo Diabo ela declara possuir muitas jóias e três arcas cheias de materiais usados em feitiçaria. Mas seu maior bem são “seiscentos virgos postiços”. Como a palavra “virgo” corresponde ao hímen, pode-se dizer que a alcoviteira Brísida Vaz prostituiu 600 meninas virgens. No entanto, o adjetivo postiço dá margem a interpretação de que as moças não eram virgens e Brísida Vaz enganou seiscentos homens.
  • 15. Ao saber qual era o destino do batel infernal, ela vai até à barca do Anjo e, com um discurso semelhante ao usado nas artes da sedução, tenta convencer o anjo a deixá-la embarcar. Mas essa tentativa é inútil, pois ela é condenada à barca do inferno pela prática de feitiçaria, prostituição e por alcovitagem.
  • 16. O próximo personagem que entra cena é o Judeu, acompanhado de seu bode, símbolo do judaísmo. Ele dirige-se ao batel infernal é até mesmo o Diabo, que sempre mostrou-se muito desejo por almas, se recusa a levá-lo. O Judeu tenta subornar o Diabo, mas esse, sob pretexto de não levar bode em sua barca, aconselha-o a procurar a “outra” barca. O judeu então tenta aproximar-se do Anjo, mas o Parvo acusa-o de ter desrespeitado o Cristianismo. O Diabo acaba por levar o Judeu e o bode rebocados na sua barca, pois é «mui ruim pessoa»
  • 17. Depois do Judeu, entra em cena o Corregedor. Traz consigo vários autos (processos) e pode ser comparado aos juizes atuais. Ao ser convidado a embarcar no batel infernal ele começa a argumentar em sua defesa. No meio da conversação, chega o Procurador, trazendo consigo vários livros. Ao ser convidado a embarcar, ele também se recusa e os dois representantes do judiciário conversam sobre os crimes que cometeram juntos e seguem para a barca da glória. Ao chegarem, o Anjo, ajudado pelo Parvo, não permite que eles embarquem, condenando-os ao batel infernal por usarem o poder do judiciário em benefício próprio.
  • 18. O próximo personagem a entrar em cena é o Enforcado, que ainda traz no pescoço a corda usada no seu enforcamento. Ele acredita que a morte na forca o redime dos seus pecados, mas isso não ocorre e ele é condenado.
  • 19. Os últimos personagens a entrar em cena são os quatro Cavaleiros que morreram nas cruzadas em defesa do Cristianismo. Eles passam, cantando, pelo batel infernal, o Diabo convida-os a entrar, mas eles seguem em direcção ao batel da glorificação, onde são recebidos pelo Anjo. O fato de morrer a lutar pelo Cristianismo garante a esses personagens uma espécie de passaporte para a salvação.