Curso desenvolvido para a ministração de aulas de História Eclesiástica I no Seminário Teológico Shalom. O curso envolve a exposição da história da igreja cristã, dos tempos de Jesus aos tempos atuais, passando pelo seu surgimento e desenvolvimento, domínio com a conversão de Constantino, ascensão papal, movimentos reformadores e avivalistas da era moderna, até os movimentos ecumenista e pentecostal do séc. XX. Esta aula apresenta os movimentos de oposição externa ao papado, como a renascença, o humanismo e o surgimento das nações-estado
MATERIAL DE APOIO - E-BOOK - CURSO TEOLOGIA DA BÍBLIA
História da Igreja I: Aula 13: Oposição Externa
1. Oposição externa ao papado
Renascença, humanismo e nações-estado
História Eclesiástica I
Pr. André dos Santos Falcão Nascimento
Blog: http://prfalcao.blogspot.com
Email: goldhawk@globo.com
Seminário Teológico Shalom
2. Renascença
Palavra usada pela primeira vez em 1854 para representar o período
vivido na Europa entre 1350 e 1650 em que há um renascimento da
cultura.
Em sentido estrito, representa o movimento da península itálica dos
sécs. XIV e XV, quando a mente dos homens foi estimulada para a
produção literária e artística pela redescoberta dos tesouros do
passado clássico.
O movimento adotou um viés humanista de se encarar a vida, com
duas vertentes: Ao sul dos Alpes, adotando o estudo da literatura
clássica e das línguas da Grécia e de Roma, e ao norte dos Alpes,
voltado ao estudo da Bíblia nas línguas originais.
3. Renascença
Em sentido amplo, pode ser definido como o período de reorientação cultural
em que os homens trocaram a visão corporativa, religiosa e medieval de
vida por uma visão individualista, secular e moderna.
A concepção teocêntrica medieval do mundo deu lugar a uma interpretação
antropocêntrica da vida, onde o homem era a medida de todas as coisas.
A glória do homem era mais importante do que a glória de Deus.
A classe média urbana passou a ter mais valor que a antiga sociedade
agrária.
O comércio passou a ter mais importância do que a agricultura como meio
de subsistência.
Adotou-se uma forma humanista, otimista e experimental de ver as coisas
dessa vida.
A religião tomou um tom de formalidade em torno dos dias santos da Igreja.
4. Renascença – razões do surgimento
Enriquecimento das cidades italianas por conta do rico comércio com
o Oriente Próximo, gerando tempo livre para estudos e permitindo
que comerciantes agissem como patrões de filósofos e artistas.
Governo centralizado nas cidades garantia a segurança e a ordem.
Criação da imprensa com tipo móvel, em 1456, na Alemanha, com
João Gutenberg, possibilita a rápida disseminação de ideias no último
período da Renascença.
Nominalismo, com seu interesse pelo indivíduo e experimentação
como meio de chegar à verdade, estimula as tendências que
surgiriam na Renascença.
5. Renascença Italiana
O movimento surge na Itália do séc. XIV e desde o começo demonstra um
interesse pela cultura clássica e humanística da Grécia e de Roma, mais do
que teologia. Manuel Chrysoloras, embaixador em busca de ajuda a
Constantinopla, ensina grego a florentinos interessados durante três anos.
Já Petrarca, o primeiro dos humanistas italianos, procurou por manuscritos
gregos e romanos que pudesse estudar.
As descobertas levaram os italianos a prezarem a vida terrena, desfrutando
de seus prazeres. A visão individualista de mundo também influenciou
homens como Cellini e Maquiavel (1469-1527), autor de O Príncipe, onde
aconselhava o soberano de um Estado a subordinar os padrões absolutos
de comportamento à conveniência, ou seja, mentiras ou falsidades poderiam
ser usadas se fossem para fortalecer sua posição ou seu Estado.
6. Renascença Italiana
A Renascença Italiana também se destacaria pela versatilidade dos seus
grandes nomes. Michelangelo, decorador do teto da Capela Sistina, também
foi o arquiteto que supervisionou o acabamento da Basílica de São Pedro
em Roma e terminou a construção de sua abóbada, além de desenhar o
uniforme até hoje usado pela Guarda Suíça. Leonardo da Vinci, pintor da
Mona Lisa e a Última Ceia, também fez esboços de metralhadoras,
submarinos e helicópteros.
O culto à beleza também era forte na época. O cuidado com o estudo da
anatomia humana levou a quadros mais precisos.
Os dogmas da Igreja eram aceitos e os ritos, praticados. Porém, havia um
divórcio entre a vida religiosa do homem e sua vida diária, afetando inclusive
a forma como os papas agiram na era renascentista.
7. Papas Renascentistas
Nicolau V (1397-1455): Humanista que galgou posições na igreja até chegar
a papa. Consertou edifícios, pontes, aquedutos e grandes igrejas de Roma.
Doou sua biblioteca para formar o núcleo da Biblioteca do Vaticano. Seu
secretário, Lorenzo Valla (1405-1477), comprovou, em 1440 e após deixar o
cargo, que a Doação de Constantino era um documento forjado. Usou para
isso a crítica literária e histórica.
Júlio II (1441-1513) gastou muito tempo para unificar os Estados Papais da
Itália. Foi também patrono de artistas, incumbindo Michelangelo de decorar
o teto da Capela Sistina, construída por Sisto IV (1471-1484).
Alexandre VI (1431-1503: Assumiu o papado em 1492 sob acusação de
simonia. Possuía filhos ilegítimos e mantinha caso com uma concubina.
Elegeu vários de seus filhos como cardeais, incluindo um aos 16 anos.
Leão X (1475-1521): Aprovou a venda de indulgências para levantar dinheiro
para construir a Catedral de São Pedro em Roma. Também patrono das
artes e letras, teria dito que desfrutaria do papado, já que Deus o fez assim.
8. Humanistas bíblicos
Filósofos interessados em estudar os documentos bíblicos nas línguas
originais, professavam um humanismo mais ético e religioso, ao contrário do
humanismo estético e secular do sul.
Marcílio Ficino (1433-1499) foi uma exceção, trabalhando em Florença sob a
influência de Savonarola. Traduziu os escritos de Platão para o latim. O
grupo liderado por ele queria integrar Bíblia à filosofia grega, em especial a
de Platão, e estudaram a Bíblia a partir da perspectiva humanista. Abriram
uma Academia Platônica em Florença com dinheiro dos Médici. John Colet,
da Inglaterra, Jacques Lefèvre, da França, e Reuchlin, da Alemanha,
passaram tempo na Academia.
Lefèvre (1455-1536) destacou a importância do estudo do texto da Bíblia,
apesar de se servir de uma interpretação literal e espiritual para escrever
uma obra filológica sobre os Salmos. Em 1512, publicou um comentário em
latim das Epístolas de Paulo, influenciando o surgimento dos huguenotes em
seu país.
9. Humanistas bíblicos
Francisco Jimenez de Cisneros, cardeal e arcebispo de Toledo, confessor de
Isabela e Grande Inquisidor da Espanha, usou seu aprendizado humanista
para imprimir um NT grego em 1514 e produzir uma obra conhecida como
Bíblia Poliglota Complutense.
John Colet (c. 1467-1519), parte dos Reformadores de Oxford, discorreu
sobre o significado literal das Epístolas Paulinas, quebrando com a
interpretação alegórica da Bíblia.
Reuchlin (1455-1522), aprendeu a gostar da língua, literatura e teologia
hebraicas na Itália. O fruto de seu estudo do AT foi uma gramática e um
dicionário do AT, intitulado Rudimentos do Hebraico. Concluída em 1506, a
obra ajudou muitos a se familiarizarem com o AT para estudá-lo no original.
Também deu orientações para a educação de Melanchton, braço direito de
Lutero e primeiro teólogo da Reforma.
10. Humanistas bíblicos
Erasmo de Rotterdam (c. 1466-1536) foi o mais influente humanista
bíblico. Recebeu parte de sua formação na escola dos Irmãos da Vida
Comum em Deventer, estudando depois em várias universidades.
Seu espírito de erudição levou-o à reforma, acima da revolução.
Sua oposição à Igreja Romana aparece em duas obras: O Elogio da Loucura (c.
1511) e Colóquios Familiares (1518). Ali, usando sátiras, apontou os males da vida
da hierarquia sacerdotal e monástica.
Publicou o NT grego em 1516 por um editor que desejava o prestígio de ter o
primeiro NT impresso e publicado. Para fazê-lo e bater o Cardeal Xisneros, que havia
impresso um NT grego em 1514 mas não podia vendê-lo sem a autorização do papa,
foi apressado pelo editor, usou 4 manuscritos gregos na Basileia, completando
alguns versos finais do Apocalipse com uma retrotradução do latim. A obra ficou
conhecida como Textus Receptus e influenciou grandemente a Igreja, propiciando
uma comparação da Igreja do NT com a Igreja Romana.
11. Resultados da Renascença
Geração de estilo de vida secular, com a religião se reduzindo a um negócio
formal ou ignorada até a hora da morte.
Impulso ao uso do vernáculo pelos estudiosos e poetas europeus ajudou a
dar ao povo a Bíblia e os cultos em sua própria língua.
Conhecimento mais preciso da Bíblia com retorno às fontes do passado.
Negação dos princípios morais de conduta nos negócios externos das
cidades-estado da Itália e das nações-estado, com a publicação do Príncipe
de Maquiavel.
Conhecimento mais amplo do universo físico do homem, com interesse por
estudos científicos e geográficos levando a um novo mundo de ciências,
com as Grandes Navegações e a criação do telescópio para comprovar as
ideias heliocêntricas de Copérnico e Galileu.
12. Nações-estado
O conceito de nação-estado surgiu no final da Idade Média, em contraste
com os conceitos de cidade-estado do mundo clássico e governo universal
da Alta Idade Média.
Uma nação-estado era uma unidade territorial que abrangia diversas
cidades, todas reunidas sob um mesmo governo e com semelhanças de
cultura, idioma e moeda entre elas.
As primeiras nações-estado a surgirem no continente europeu foram
Inglaterra, França, Espanha e Portugal. A Itália, sede da Igreja Romana, não
conseguiu se unificar devido à diversidade de governo das poderosas
cidades-estado italianas (Florença, Veneza) e a Alemanha, devido à união
federativa do Sacro Império Romano.
Na Inglaterra, o governo desde muito cedo era uma monarquia parlamentar,
enquanto que na França e na Espanha, desenvolveu-se um governo
monárquico absolutista.
13. Nações-estado - Inglaterra
O Parlamento inglês surge da assembleia feudal (curia regis) introduzida no
reinado de Guilherme o Conquistador, após a invasão de 1066. A
assembleia de senhores feudais formava uma assessoria ao rei e fornecia
suporte financeiro ao governo.
Os poderes da assembleia foram fortalecidos com a assinatura da Magna
Carta em 1215 pelo rei João Sem-Terra. João concordou em não criar novas
taxas sem aprovação da assembleia e permitir que os barões se rebelassem
em caso de tirania real. A justiça seria imparcial e os homens seriam
julgados por pessoas de sua própria classe.
Em 1295, Eduardo I convocou o Parlamento Modelo, onde apareceriam
representantes dos condados e cidades (Casa dos Comuns) e dos senhores
feudais e membros do alto clero (Casa dos Lordes). Somente no séc. XIV,
com as necessidades financeiras do rei, o Parlamento assume papel
legislativo. O acordo era simples: O rei só conseguiria recursos financeiros
se aprovasse os projetos do Parlamento e os tornasse em lei.
14. Nações-estado - Inglaterra
Durante o reinado de Henrique II, novos avanços foram feitos, como a lei
comum, que protegia mais as liberdades do indivíduo do que a lei romana, e
o sistema de júri. Desta forma, o indivíduo era protegido de atos arbitrários
do soberano.
A Guerra dos Cem Anos com a França (1337-1453) ajudou a criar o orgulho
nacional inglês e a perda de territórios ingleses na França fez com que as
classes alta e baixa se unissem pela nação.
A Guerra das Rosas, na segunda metade do séc. XV, derrubou a velha
nobreza feudal, gerando uma aliança entre o rei e a classe média no Estado.
Em troca de ordem e segurança, a classe média sustentava financeiramente
e mantinha a autoridade do soberano.
Com o final da guerra, a liberdade do Parlamento deu lugar ao despotismo
velado dos Tudors, que dirigiram o governo segundo os padrões de
Maquiavel. O Parlamento se manteve aberto, mas para garantir o apoio
popular de seus atos.
15. Nações-estado – França
Até o séc. X, a França era controlada pelos grandes nobres franceses e em
parte pelo rei inglês, que possuía grandes extensões de terras na região. O
rei francês era responsável por apenas uma pequena área em torno de
Paria. Não havia unidade racial ou geográfica, tendo em vista dos diversos
elementos raciais que compunham a população e a formação geográfica do
país que estimulava o provincialismo.
A partir de Hugo Capeto, em 987, os reis capetianos conseguiram unificar a
França. Os Estados Gerais (Parlamento Francês) não tiveram o peso do
Parlamento Inglês, com os soberanos sendo mais absolutistas em seu
governo. A Guerra dos Cem Anos e uma leva de governantes competentes
ajudou na unificação da França. Uma das principais personagens
catalisadoras de tal união foi Joana d’Arc (c. 1412-1431), que comandou o
exército francês contra a Inglaterra.
16. Nações-estado – Espanha
A Península Ibérica era dividida em cinco reinos. Enquanto Portugal tornou-
se independente após o séc. XII, as demais nações viveram separadas até
que Fernando de Aragão e Isabel de Castela se casaram em 1479.
A unificação espanhola teve um aspecto religioso devido à libertação da
região do domínio dos invasores muçulmanos. A cruzada conhecida como
Reconquista chegou ao seu apogeu no séc. XI.
A fé católica romana e o nacionalismo tornaram-se parceiros na Espanha,
alimentando um espírito de absolutismo real no mesmo nível do absolutismo
da Igreja. Tal união acabou gerando o período conhecido como Inquisição
Espanhola, que será estudada mais tarde.
17. Nações-estado – Consequências
Afronta à Igreja Romana, especialmente na França e na Inglaterra, onde
monarcas e as classes médias decidiram impedir o envio de dinheiro para o
tesouro papal e a nobreza se ressentiu da quantidade de terras controladas
pela Igreja Romana.
Fortalecimento das monarquias com controle das decisões jurídicas e
governamentais por parte do soberano, ignorando as decisões eclesiásticas.
Eleição de prelados pelo clero local e com consentimento do rei (Inglaterra
em 1351 e 1353) e controle da Igreja local por parte do Estado (França em
1438, Inglaterra no séc. XVI).
Fortalecimento da classe média citadina (Burguesia), em detrimento da
nobreza feudal decadente.
Abertura e fortalecimento de rotas comerciais entre as cidades.
18. Igreja Ortodoxa Grega
Enquanto a Igreja Romana medieval enfrentou forças que fragmentaram seu
poder, a Igreja Oriental permaneceu estática em seu horizonte teológico, apesar
de perder muita importância após a queda de Constantinopla pelas mãos dos
turcos em 1453.
Com o domínio mongol sobre a Rússia, entre 1227 e 1480, a Igreja local acabou
se afastando da esfera de Constantinopla, obrigando-a a se basear em sua
própria liderança. Nacionalismo e religião russos foram unificados, pois os
russos buscavam manter sua cultura e religião vivos apesar do domínio
estrangeiro.
Em 1325, o arcebispo metropolitano da Igreja Ortodoxa Russa mudou sua sede
de Kiev para Moscou, mais longe de Constantinopla. Assim, tornou-se mais
independente do patriarca e mais próxima dos soberanos russos.
Em 1453, o metropolitano russo declarou independência do patriarca de
Constantinopla. Sem grandes alterações litúrgicas ou teológicas, a Igreja
Ortodoxa Russa tornou-se a igreja nacional em 1589 e Moscou passou a ser
considerada a “Terceira Roma”, após Roma e Constantinopla.
19. Fontes
Texto base: CAIRNS, Earle E. O Cristianismo através dos séculos: uma
história da igreja cristã. 3 ed. Trad. Israel Belo de Azevedo e Valdemar
Kroker. São Paulo: Vida Nova, 2008.
Textos auxiliares:
DREHER, Martin N. Coleção História da Igreja, 4 vols. 4 ed. São Leopoldo:
Sinodal, 1996.
GONZALEZ, Justo L. História ilustrada do cristianismo. 10 vols. São Paulo:
Vida Nova, 1983