Curso desenvolvido para a ministração de aulas de História Eclesiástica I no Seminário Teológico Shalom. O curso envolve a exposição da história da igreja cristã, dos tempos de Jesus aos tempos atuais, passando pelo seu surgimento e desenvolvimento, domínio com a conversão de Constantino, ascensão papal, movimentos reformadores e avivalistas da era moderna, até os movimentos ecumenista e pentecostal do séc. XX. Esta aula apresenta as formas que a igreja encontrou para se defender dos ataques a ela. Trabalha-se a literatura dos pais apologistas e polemistas, a criação do cânon, do credo e a ascensão do bispo monárquico.
História da Igreja I: Aula 5 - Em posição de defesa
1. Em posição de defesa
Defesa da fé, da ortodoxia e da instituição
História Eclesiástica I
Pr. André dos Santos Falcão Nascimento
Blog: http://prfalcao.blogspot.com
Email: goldhawk@globo.com
Seminário Teológico Shalom
2. Em defesa da fé
Nos séculos II e III, a Igreja enfrentou inúmeros movimentos de
perseguição e controvérsias internas que ameaçaram a unidade
da Igreja e sua estabilidade. Questionamentos surgiam tanto de
fora da Igreja, vindo da parte dos pagãos, quanto de dentro, a
partir de ensinamentos e visões heréticas que ameaçavam a sua
estrutura e crenças.
Para combater ambos os movimentos, surgiram dois tipos de
pessoas no seio da igreja: Apologistas e Polemistas. Ambos
tinham a função de defender a Igreja. Os primeiros a defendiam
frente aos pagãos, enquanto os segundos a defendiam frente aos
hereges.
3. Em defesa da fé – Os Apologistas
Seu objetivo era duplo
Refutar as falsas acusações de ateísmo, canibalismo, incesto, preguiça e
práticas antissociais atribuídas a eles por vizinhos e escritores pagãos, como
Celso.
Desenvolver uma perspectiva construtiva para demonstrar que, ao contrário
do cristianismo, o judaísmo, as religiões pagãos e o culto do Estado eram
tolice e pecado.
Seus escritos chamavam os líderes pagãos à razão e criavam uma
interpretação inteligente do cristianismo, para revogar os dispositivos
legais contra ele. Para tal, afirmavam que as acusações contra eles não
podiam ser provadas e, portanto, os cristãos mereciam a tolerância civil
sob a proteção das leis do Estado Romano.
4. Em defesa da fé – Os Apologistas
Escreviam como filósofos, ressaltavam o cristianismo como religião e
filosofia mais antiga, por notarem que o Pentateuco era mais antigo que
as Guerras de Troia e que as verdades gregas eram apropriações do
cristianismo ou do judaísmo.
A vida pura de Cristo, seus milagres e o cumprimento das profecias do
AT que diziam respeito a ele foram usadas para provar que o
cristianismo era a mais elevada filosofia.
Eram educados na filosofia grega antes de aceitarem o cristianismo, por
isso consideravam a filosofia grega um meio de levar os homens a
Cristo.
Usaram o NT mais do que os Pais Apostólicos.
Gerou um sincretismo que fez do cristianismo apenas mais uma filosofia,
embora superior às outras e com cunho totalmente cristão.
5. Apologistas Orientais - Aristides
Aristides de Atenas pode ser considerado o primeiro
apologista. Entre 140 e 150, enviou uma apologia ao
Imperador Antonino Pio.
Descoberto em 1889 em um mosteiro no Monte Sinai,
os primeiros 14 capítulos comparam as formas de
culto cristão, caldeu, grego, egípcio e judeu.
A intenção da comparação é provar a superioridade da maneira cristã
de culturar.
Os três últimos capítulos pintam um quadro nítido dos costumes e da
ética dos primeiros cristãos.
6. Apologistas Orientais - Justino
Justino Mártir (c. 100-165) foi o principal apologista
do séc. II. Filho de pais pagãos, nascido perto de
Siquém, se tornou um inquieto filósofo em busca da
verdade.
Foi adepto do estoicismo, do idealismo nobre de
Platão e das ideias de Aristóteles.
Frustrou-se com os pagamentos exigidos por seus sucessores e chegou
a se interessar pela filosofia numérica de Pitágoras.
Sua busca terminou quando, passeando pela praia, um velho senhor o
encaminhou à Bíblia como a verdadeira filosofia. Ali encontrou a paz
que tanto ansiava e logo abriu uma escola cristã em Roma.
Foi martirizado por decapitação em 165.
7. Apologistas Orientais - Justino
Sua primeira obra foi a Primeira Apologia (c. 150),
endereçada ao Imperador Antonino Pio e seus filhos
adotivos, onde exortava os imperadores a
examinarem as acusações contra os cristãos e
libertá-los de seus constrangimentos legais, se
inocentes.
Na obra, Justino provou que eles não eram ateus nem idólatras, e a
principal seção da obra se destina a apresentar a moral, as doutrinas e
o fundador do cristianismo. Ali, mostrou que a vida e a moralidade
superiores de Cristo estavam previstas no AT e que as perseguições e
erros vinham do demônio. Os últimos capítulos serviram para fazer uma
exposição do culto cristão, mostrando que as acusações contra o
cristianismo eram falsas e a perseguição deveria ser suspensa.
8. Apologistas Orientais - Justino
A Segunda Apologia pode ser considerada um
apêndice da primeira, onde ele ilustra a crueldade e
injustiças sofridas pelos cristãos e afirma, após
comparar Cristo com Sócrates, que o que há de bom
nos homens deve-se a Cristo.
Já no Diálogo com Trifo, Justino tenta convencer os judeus de que
Jesus Cristo era o Messias esperado. Na obra, ele alegoriza a Bíblia e
dá muita ênfase à profecia.
Os 8 primeiros capítulos são autobiográficos, enquanto os 134 restantes
são o desenvolvimento de três ideias: a relação entre o declínio da lei
do velho concerto e o surgimento do Evangelho; a identificação do
logos, Cristo, com Deus; e a chamada dos gentios como povo de Deus.
Também enfatizou que Cristo foi o cumprimento das profecias do AT.
9. Apologistas Orientais - Taciano
Taciano (c.110-c180), discípulo de Justino em Roma e
erudito oriental muito viajado, escreveu o Discurso aos
Helenos após a metade do séc. II.
A obra é uma denúncia das pretensões gregas de
liderança cultural e foi escrita a todo um povo.
Defendia que, como o cristianismo era superior à religião
e filosofia gregas, os cristãos mereciam melhor
tratamento.
A segunda seção da obra compara os ensinos cristãos
com a mitologia e filosofia grega e a próxima mostra que
o cristianismo é mais antigo que ambos.
A última seção trabalha uma escultura grega encontrada
em Roma.
Também foi o compilador do Diatessaron, mais antiga
harmonia dos evangelhos.
10. Apologistas Orientais – Atenágoras
Atenágoras, professor em Atenas e convertido pela
leitura da Bíblia, escreveu a Súplica pelos Cristãos
em 177.
Relaciona as acusações contra os cristãos nos
capítulos introdutórios de sua obra.
Refuta, a seguir, a acusação de ateísmo, ao notar que os deuses
pagãos eram meramente criações humanas e culpados das mesmas
imoralidades de seus seguidores.
Como os cristãos não são culpados de incesto ou comer seus filhos em
banquetes sacrificiais, ele conclui que o imperador deveria lhes dar
clemência.
11. Apologistas Orientais – Teófilo
Teófilo de Antioquia, também convertido pela leitura
da Bíblia, escreveu pouco depois de 180 a obra
Apologia a Autólico.
Na obra, Teófilo tenta introduzir a Autólico,
magistrado pagão ilustre, o cristianismo através de
argumentos racionais.
A obra se divide em três livros. No primeiro, discute a
natureza e a superioridade de Deus.
No segundo, compara a fragilidade da religião pagã com o cristianismo.
No último livro, responde às objeções de Autólico à fé cristã.
Foi o primeiro a usar a palavra trias com referência à trindade.
12. Apologistas Ocidentais – Tertuliano
Tertuliano (c. 160-225) nasceu em Cartago, na casa de
um centurião romano de serviço na cidade. Acabou
tornando-se o principal apologista da Igreja Ocidental.
Conhecedor de grego e latim, conhecia os clássicos e
tornou-se advogado.
Converteu-se em Roma, onde advogava e ensinava oratória, tornando-
se montanista em 202.
Procurou desenvolver uma teologia ocidental sólida e lutar para derrotar
todas as forças filosóficas e pagãs que se opunham ao cristianismo.
No Apologeticum, enviado ao governador romano de sua província, nega
as acusações antigas aos cristãos, ressalta que a perseguição era um
fracasso, pois só aumentava o número de cristãos e era baseada em
razões dúbias, pois as reuniões, doutrinas e moral cristãos eram
superiores às dos vizinhos pagãos.
13. Polemistas
Empenhavam-se em responder ao desafio dos falsos ensinos dos
hereges, condenando veementemente esses ensinos e seus mestres.
Os métodos utilizados para tal foram diferentes no Oriente e no
Ocidente. Enquanto no Oriente a preocupação era mais metafísica e
leva a uma teologia especulativa, no Ocidente a preocupação maior era
com os desvios administrativos da Igreja.
A preocupação dos polemistas era mais interna, portanto, lidando com
as heresias, a ameaça interna à paz e à pureza da Igreja.
Os polemistas se serviram mais do NT como fonte da doutrina cristã, ao
contrário dos apologistas, que beberam mais da fonte do AT.
Os polemistas buscavam condenar pela força do argumento os falsos
ensinos a que se opunham, ao contrário dos apologistas, que tentavam
explicar o cristianismo aos seus vizinhos e governantes pagãos, e os
Pais Apostólicos, que se empenharam na edificação da Igreja Cristã.
14. Ireneu, o antignóstico
Ireneu (c. 130-202), nascido em Esmirna, foi influenciado
pela pregação de Policarpo quando este era bispo na
cidade. Seguiu para a Gália, onde foi feito bispo antes de
180. Missionário bem sucedido, desenvolveu sua obra
combatendo o gnosticismo.
Em Adversus Haereses, escrita em 185, tenta refutar as doutrinas gnósticas
pelas escrituras e pelo desenvolvimento de um corpo de tradição afim. No
Livro I, fundamentalmente histórico, compreende-se os ensinos do
gnosticismo e é a melhor referência atual sobre esta crença. No Livro II,
insiste na unidade de Deus, combatendo a ideia de um demiurgo distinto de
Deus. Os três últimos expõem a posição cristã. O Livro III refuta o
gnosticismo pela Bíblia e tradição, o IV refuta Marcião e o livro V defende a
doutrina da Ressurreição em corpo.
No Livro III, Ireneu defende a unidade da igreja através da sucessão
apostólica de líderes desde Cristo, além de apresentar uma regra de fé.
15. Escola Alexandrina
185: Abre-se em Alexandria uma escola catequética para instruir os
convertidos do paganismo ao cristianismo, com Panteno, competente
convertido do estoicismo, como seu primeiro diretor, tendo Clemente e
Orígenes como seus sucessores.
A escola buscava desenvolver um sistema teológico que, partindo da
filosofia, fizesse uma apresentação sistemática do cristianismo. Para tal, se
utilizava da literatura e filosofia clássicas como apoio.
Seus estudiosos criaram um sistema alegórico de interpretação, entendendo
que, da mesma forma que somos corpo, alma e espírito, a Bíblia possui uma
interpretação literal (corpo), moral (alma) e espiritual (espírito), sendo esta
acessível apenas pelos mais evoluídos nesta esfera.
Surge da técnica usada por Filo, que buscava aproximar o judaísmo da
filosofia grega encontrando significados ocultos na linguagem do AT.
Este método de interpretação é usado até hoje para justificar erros
doutrinários e bíblicos por parte de alguns pregadores.
16. Polemistas alexandrinos - Clemente
Clemente de Alexandria (c. 155-c. 215) nasceu em
Atenas e era filho de pais pagãos. Estudou filosofia com
muitos mestres antes de Panteno. Antes de 190, dirige a
escola junto com este e, de 190 a 202, dirige a escola
sozinho, até que a perseguição o obriga a deixar o
posto.
Desejava ser um filósofo cristão, relacionando a filosofia grega ao
cristianismo para mostrar que esta era a filosofia suprema e definitiva.
Citou mais de 500 autores pagãos de sua época.
Tinha um alto preço pela filosofia grega, porém seus textos demonstram
que, para ele, a Bíblia está em primeiro lugar na vida do cristão.
17. Polemistas alexandrinos - Clemente
Protrepticus, ou Exortação aos Gentios: Documento
missionário apologético de 190 para provar a
superioridade do cristianismo como a verdadeira
filosofia.
Paedagogus, ou Tutor: Trato moral para os jovens
cristãos.
Stromata, ou Seleções: Evidencia o conhecimento da literatura pagã de
seu tempo. Apresenta o cristianismo no Livro I, falando que o cristão é o
verdadeiro gnóstico e que tudo de verdade na filosofia grega tinha sido
copiado do AT. No Livro II, mostra que a moralidade cristã é superior à
pagã, e no Livro III, expõe o casamento cristão. Nos livros VII e VIII,
apresenta o modo de viver dos cristãos.
18. Polemistas alexandrinos - Orígenes
Orígenes (c. 185-254), aluno e sucessor de Clemente,
assumiu a família de seis membros devido ao martírio
do pai, Leônidas.
Era tão competente e culto que, aos 18 anos, foi
escolhido para suceder Clemente na direção da escola,
ocupando o cargo até 231.
Foi o autor de seis mil pergaminhos, mas tinha vida ascética e simples,
apesar de sua alta posição, incluindo dormir em uma simples tábua.
Um homem rico, chamado Ambrósio, convertido do gnosticismo, tornou-
se seu amigo e se responsabilizou pela publicação de suas muitas obras.
19. Polemistas alexandrinos - Orígenes
Hexapla: Várias versões gregas e hebraicas do AT
arranjadas em colunas paralelas para buscar o original
mais correto. Foi a primeira grande obra que buscou uma
análise exegética do texto, tornando-o o principal exegeta
da Igreja até a Reforma Protestante.
Contra Celso: Resposta às acusações deste platonista contra os cristãos em
sua obra Discurso Verdadeiro de irracionalidade e falta de fundamentos
históricos dos cristãos. Demonstra a mudança de vida dos cristãos em
comparação ao paganismo e a busca da verdade, pureza e influência por
parte de Cristo e seus seguidores.
De Principiis: Primeiro grande tratado de teologia sistemática. No Livro IV,
explica seu método alegórico de interpretação. Considerava Cristo
“eternamente gerado” pelo Pai, porém inferior ao Pai. Sustentou também a
preexistência da alma, restauração final de todos os espíritos, morte de
Cristo como resgate pago a Satanás e negou a ressurreição física.
20. Escola Cartaginesa
Mais interessada em problemas práticos de organização eclesiástica e
doutrinas relativas à igreja.
Tertuliano, já visto por sua posição apologista, contribuiu com problemas
práticos como a forma simples da mulher se vestir e adornar,
afastamento de divertimentos, imoralidade e idolatria próprios do
paganismo. Possivelmente foram consequência de sua adesão ao
montanismo.
Tertuliano também foi o primeiro a estabelecer a doutrina teológica da
Trindade, fazendo uso do termo para descrevê-la em Adversus Praxeas,
escrito por volta de 215. Ele parece ressaltar que é preciso distinguir as
pessoas do Pai e do Filho. Também trabalhou a questão da alma em De
Anima e valorizou o batismo, afirmando que os pecados pós-batismo
eram mortais e mostrando-se contrário ao batismo infantil em De
Baptismate.
21. Escola Cartaginesa - Cipriano
Cipriano (c. 200-c. 258), filho de pais pagãos, recebeu
boa educação em retórica e direito. Foi professor de
retórica, mas só satisfez sua alma quando se tornou
cristão por volta de 246.
Em 248 foi nomeado bispo de Cartago, permanecendo
com o posto até seu martírio em 258. Opôs-se às
reivindicações de Estêvão, bispo de Roma, de
superioridade sobre todos os bispos.
Era calmo, em oposição às exaltações de Tertuliano, seu mestre.
De Unitate Catholicae Ecclesiae: Sua obra mais importante, dirigida aos
seguidores separatistas de Novaciano, distingue o bispo do presbítero,
colocando o bispo como centro da unidade da Igreja. Aceitou a primazia de
Pedro ao traçar a linha de sucessão apostólica, mas não aceitou a primazia
do bispo de Roma. Considerava os clérigos como sacerdotes sacrificiais, ao
oferecerem o corpo e sangue de Cristo na Ceia. Tal visão se desenvolveria
mais tarde no conceito da transubstanciação.
22. Em defesa da ortodoxia
Durante o período entre o ano 100 e o ano 313, a igreja se viu envolta
por diversas ameaças à sua unidade e subsistência. Para enfrentar as
questões, precisou buscar mecanismos de defesa, de forma a solidificar
a instituição e robustecê-la contra os ataques à sua estrutura.
A defesa da fé ortodoxa se deu em três frentes:
A solidificação do bispo como autoridade inquestionável.
A criação de um credo, que forneceu uma declaração de fé.
A formatação de um corpo de livros religiosos autorizados, chamado de cânon.
Além destas três frentes, os Pais Polemistas também trabalharam de
forma a defender a doutrina ortodoxa dos ataques de grupos heréticos.
Por volta de 170, a Igreja chamava-se de “Católica”, ou Universal, termo
usado pela primeira vez por Inácio em sua Epístola a Esmirna.
23. O bispo monárquico
Originalmente, o bispo era apenas um administrador das igrejas locais,
tendo a mesma importância que os demais presbíteros da comunidade.
Necessidades práticas e teóricas levaram à exaltação da posição do
bispo em cada igreja. Com o enfrentamento às heresias e à perseguição,
a posição ganhou ainda mais poder. Por fim, a doutrina da sucessão
apostólica e visão da ceia do Senhor como um sacramento sacrificial
foram fatores fundamentais para o aumento do seu poder.
Com a exaltação da posição, surgiu também o reconhecimento da
superioridade de bispos monárquicos de algumas igrejas sobre outros.
Originalmente, os cinco principais eram os bispos de Jerusalém,
Antioquia, Alexandria, Constantinopla e Roma. Com o passar dos anos,
foi-se desenvolvendo a ideia do reconhecimento de uma honra especial
devida ao bispo monárquico da cidade de Roma.
24. O bispo monárquico
O argumento inicial para a honra especial ao bispo de Roma foi o de que Cristo
deu a Pedro, supostamente o primeiro bispo de Roma, uma posição de
primazia sobre os apóstolos em função da designação de Pedro como a rocha
sobre a qual edificaria a igreja e de ter dado a ele as “chaves do reino dos
céus” (Mt. 16.18s), comissionando-o a apascentar seu rebanho (Jo. 21.15-19).
Cabe notar que, na narrativa de Mateus, dois termos distintos são usados para
rocha: Petros, para Pedro (rocha em seu estado e lugar natural), e petra, sobre
quem a igreja seria edificada, possuem gêneros diferentes: A primeira é
masculina, a segunda é neutra. Portanto, é possível que a rocha sobre a qual a
igreja seria edificada seria a confissão petrina de que Jesus era “o Cristo, o
filho do Deus vivo”.
Outros contra-argumentos são o abandono de Pedro, a exortação a cuidar do
rebanho após a ressurreição, o perdão pela traição, os apóstolos terem
recebido os mesmos poderes que Pedro (Jo. 20.19-23) e o próprio Pedro ter
dito que não ele, mas Cristo era o fundamento da Igreja (1 Pe. 2.6-8). Paulo
também não o considerava superior, exortando-o na questão da colaboração
com os judaizantes na Galácia.
25. O bispo monárquico
Apesar disso, deste tempos antigos a ideia da primazia do bispo de Roma é
defendida. Cipriano e Jerônimo difundiram a ideia de que Cristo deu a Pedro
um lugar especial de primeiro bispo de Roma e líder dos apóstolos.
O fato de Roma estar ligada a muitas tradições apostólicas também favoreceu
a questão: Pedro e Paulo foram martirizados na cidade, por conta da
perseguição de Nero em 64. A mais longa e talvez importante epístola paulina
foi escrita a esta cidade. Roma também tinha prestígio como capital do Império
e tinha excelente reputação por sua firme ortodoxia, expressa na carta de
Clemente aos Coríntios. Muitos Pais da Igreja Ocidental, como Clemente,
Inácio, Ireneu e Cipriano, destacaram a importância do bispo de Roma por
estar na linha sucessória de Pedro.
Por fim, vale notar que alguns dos bispos mais importantes da Igreja perderam
seu cetro de autoridade, como Jerusalém (destruição em 135), Éfeso (cisma
montanista do séc. II), Alexandria e Antioquia (guerras e invasões).
26. A regra de fé – O Credo
O papel do bispo como unificador da Igreja foi reforçado pelo
desenvolvimento de um credo, uma declaração de fé para uso público.
O credo contém artigos indispensáveis à manutenção e ao bem-estar
teológico da Igreja.
Os credos servem para testar a ortodoxia, identificar os crentes entre si e
servir como resumo claro das doutrinas essenciais da fé.
Os credos conciliares, ou universais, surgiram no período da controvérsia
teológica entre 313 e 451. O primeiro foi o credo batismal, de que o Credo
dos Apóstolos pode servir como exemplo.
Alguns traços de credo podem ser encontrados em Romanos 10.9s, 1
Coríntios 15.4 e 1 Timóteo 3.16.
Ireneu e Tertuliano desenvolveram Regras de Fé para serem usados para
distinguir o cristianismo do gnosticismo. Eram sumários das principais
doutrinas bíblicas.
27. A regra de fé – O Credo
O Credo dos Apóstolos (ou Credo Apostólico) é o mais antigo sumário das
doutrinas essenciais da Escritura que existe. Não foi escrito pelos apóstolos,
mas incorporou as doutrinas que ensinaram. Já era usado em Roma antes
de 340 e foi usado como fórmula batismal.
Seu nome é oriundo da tradição de que cada um de seus doze artigos teria
sido ditado por um dos apóstolos, logo após o Pentecoste, inspirados pelo
Espírito Santo.
A fórmula mais antiga, semelhante à usada por Rufino por volta de 400,
apareceu em Roma por volta de 340.
Muitas igrejas até hoje consideram o Credo dos Apóstolos uma preciosa
síntese dos pontos principais da fé cristã. Os luteranos, por exemplo, o
incorporam em sua Confissão de Fé.
28. A regra de fé – O Credo
1. Creio em Deus Pai, Todo-Poderoso, Criador do céu e da terra;
2. e em Jesus Cristo, seu único Filho, nosso Senhor, 3. que foi
concebido pelo poder do Espírito Santo, nasceu da virgem Maria; 4.
padeceu sob Pôncio Pilatos, foi crucificado, morto e sepultado; 5.
desceu à mansão dos mortos; ressuscitou ao terceiro dia; 6. subiu
aos Céus; está sentado à direita de Deus Pai Todo-Poderoso, 7. de
onde há de vir a julgar os vivos e os mortos.
8. Creio no Espírito Santo, 9. na Santa Igreja católica, na comunhão
dos Santos,
10. na remissão dos pecados, 11. na ressurreição da carne, 12. na
vida eterna. Amém.
29. Os livros autorizados – O Cânon
O cânon, lista dos volumes pertencentes a um livro autorizado, surgiu como
um reforço à unidade centralizada no bispo e fé expressa num credo.
Apesar de se acreditar que o cânon foi fechado nos concílios eclesiásticos, o
fato é que eles apenas tornaram a questão pública, pois já tinham sido
aceitos amplamente pela consciência da Igreja.
O processo de desenvolvimento do cânon foi demorado, basicamente
encerrado em 175, exceto por alguns livros cuja autoria ainda era discutida.
Questões de ordem prática para a formação do cânon foram a heresia de
Marcião, que formou um cânon próprio para defender suas ideias, a
perseguição sob Diocleciano, que fez com que pessoas quisessem saber
que livros não poderiam entregar para serem queimados, e a necessidade
de ter registros que fossem reconhecidos como autorizados e dignos de uso
na adoração.
30. Os livros autorizados – O Cânon
Alguns critérios foram levantados para decidir se um livro deveria estar no
cânon:
Sinais da Apostolicidade: O texto deveria ter sido escrito por um apóstolo ou por
alguém ligado intimamente a ele, como Marcos, que teria contado com a ajuda de
Pedro.
Eficácia na Edificação: Quando lido publicamente, deveria causar mudança nos
ouvintes.
Concordância com a Regra de Fé: Se o livro contrariasse alguns dos dogmas
principais e clássicos do cristianismo, não era aceito.
No final das contas, o que contava para a decisão sobre que livros deviam
ser considerados canônicos e dignos de confiança eram a verificação
histórica de autoria ou influência apostólica, ou a consciência universal da
Igreja, dirigida pelo Espírito Santo.
31. Os livros autorizados – O Cânon
As epístolas de Paulo foram as primeiras a serem reunidas, pelos líderes da
Igreja de Éfeso.
A coletânea dos evangelhos foi feita a seguir, no começo do séc. II.
Datado de 180 e descoberto por Ludovico Muratori (1672-1750) na
Biblioteca Ambrosiana de Milão, o Cânon Muratoriano continha 22 livros do
NT.
Por volta de 324, Eusébio de Cesareia considera pelo menos 20 livros do NT
como sendo do mesmo nível do AT. Tiago, 2 Pedro, 2 e 3 João, Judas,
Hebreus e Apocalipse estavam entre os livros ainda discutidos para inclusão
no cânon, por conta da incerteza de sua autoria.
Atanásio, em sua carta de Páscoa em 367 às igrejas sob sua jurisdição
como Bispo de Alexandria, relaciona os 27 livros do NT que temos hoje.
Concílios como o de Cartago, em 397, apenas aprovaram e deram
expressão uniforme ao que já era aceito pela igreja.
32. Os livros autorizados – O Cânon
Hoje, cerca de 5.500 manuscritos atestam a integridade do texto bíblico. Mais de
3.100 manuscritos contêm quase todo o texto bíblico ou partes dele. 2.300
lecionários possuem partes dele.
O texto de Isaías encontrado em Qumran é o mais antigo e extenso desse livro.
Os textos do NT mais antigos que possuímos são pequenos pedaços de
pergaminho do séc. II. Os textos completos mais antigos do NT são datados do
séc. IV (Códex Vaticano e Códex Sinaítico).
Os livros Deuterocanônicos, ou Apócrifos, aparecem na Bíblia Católica por
fazerem parte da Septuaginta, versão grega do NT de cerca de 200 a.C, e na
Vulgata de Jerônimo. Tais textos não se encontram no cânon judaico por não
terem seus originais em hebraico.
Quando Lutero fez a versão em alemão da Bíblia, traduziu do hebraico e, por
não encontrar estes textos, deixou-os de fora. Como resposta, a ICAR os incluiu
em seu cânon em 1546, no Concílio de Trento.
33. A liturgia
Com a ênfase dada ao bispo monárquico, com autoridade derivada da
sucessão apostólica, muitos viram nele o centro da unidade, o depositário da
verdade e o despenseiro dos meios da graça de Deus através dos
sacramentos. Oriundos de religiões de mistério também podem ter
contribuído para dar uma visão sacerdotal ao bispo.
A ceia passou a ser vista como um sacrifício a Deus que só poderia ser
ministrado por ministro credenciado, assim como o batismo.
O batismo, como ato de iniciação, geralmente era realizado na Páscoa ou no
Pentecoste. No começo, a fé em Cristo e o desejo de batismo eram os
únicos requisitos, mas, no final do séc. II, um período probatório como
catecúmeno passou a ser necessário, para provar a realidade da
experiência do convertido. Neste período, os catecúmenos assistiam aos
cultos do vestíbulo final do templo e não podiam cultuar no santuário.
34. A liturgia
Os batismos eram geralmente feitos por imersão. Quando não havia água
suficiente, era aceito o batismo por afusão ou por aspersão.
O batismo infantil, aceito por Cipriano e criticado por Tertuliano, e o batismo
de doentes, também surgiram neste período, conforme o caráter
sacramental regenerador do batismo passou a ser defendido na igreja.
É deste período também o surgimento de um ciclo de festas no ano
eclesiástico. A Páscoa foi a primeira festa, seguida do Natal, implementado
após 350 no Ocidente e purificado dos elementos pagãos que cercavam a
data de 25/12. A quaresma, 40 dias de penitência e contenção dos apetites
da carne antes da Páscoa, foi aceita como parte do ciclo litúrgico antes da
adoção do natal.
35. A liturgia
Antes de 313, os cristãos se reuniam nas catacumbas de Roma, onde, além
de realizarem os cultos a Deus, também enterravam seus mortos. Possuíam
quilômetros de passagens em diferentes níveis e foram redescobertas em
1578. O mais antigo edifício conhecido usado como templo data de 232 e é
uma casa-igreja em Dura Europos, às margens do rio Eufrates.
Ao final do período, cristãos começaram a construir igrejas a partir do
modelo da basílica romana. De início eram bastante simples, mas passaram
a ostentar um esplendor cada vez maior a partir de 313, quando a Igreja
passou a contar com os favores do Estado.
A conduta entre os cristãos impressionou os vizinhos pagãos, mesmo
considerando os primeiros como antissociais. Como perceberam que não
poderiam aniquilar com eles, os imperadores resolveram buscar a paz com
eles, gerando o período seguinte da igreja, que levou a Igreja Católica à
supremacia religiosa no continente europeu.
36. Fontes
Texto base: CAIRNS, Earle E. O Cristianismo através dos séculos: uma
história da igreja cristã. 3 ed. Trad. Israel Belo de Azevedo e Valdemar
Kroker. São Paulo: Vida Nova, 2008.
Textos auxiliares:
DREHER, Martin N. Coleção História da Igreja, 4 vols. 4 ed. São Leopoldo:
Sinodal, 1996.
GONZALEZ, Justo L. História ilustrada do cristianismo. 10 vols. São Paulo:
Vida Nova, 1983