1. Noções Introdutórias de Responsabilidade Civil
A Responsabilidade Civil é a obrigação que incumbe uma pessoa de reparar o prejuízo
causado a outra, por ato próprio ou por ato de pessoas sob a responsabilidade do agente ou,
ainda por fato de coisas sob a guarda do agente. Trata-se de obrigação que tem como fonte o
ato ilícito, por descumprimento de contrato ou de preceito normativo, situação esta que não
depende de relação contratual. A obrigação de reparar o dano é princípio geral de direito dos
mais antigos. Quem causa dano a outrem tem o dever de reparar.
A reparação visa em geral à recomposição do prejuízo. A responsabilidade civil é a obrigação
que tem como fonte o ilícito, por descumprimento de lei ou de contrato.
No direito romano antigo, os delitos que acarretavam a responsabilidade civil do agente eram
furto, injúria e dano.
A vingança, permitida nas origens, importava a retribuição privada contra o autor do prejuízo,
com a idéia de que o dano poderia ser reparado com outro dano.
Com a Lei das XII Tábuas, em 450 a.C., inicia-se a ideia de autocomposição, com a
restituição do prejuízo causado, pelo seu autor.
Em 286 a.C., no direito romano, na fase republicana, é criada a Lex Aquilia de damnum,
fixando a necessidade de culpa para a caracterização da responsabilidade civil pela reparação
do dano causado. Com essa lei, as penas passam a ser proporcionais ao prejuízo. É a regra da
responsabilidade civil subjetiva, que depende de praticar, o agente, ação ou omissão com
dolo, imperícia, imprudência ou negligência. A responsabilidade civil subjetiva é a regra
basilar em nosso atual sistema, conforme a disciplina da matéria, no Código Civil.
O artigo 186 do CC estabelece a regra:
“Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e
causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”.
E aquele que pratica ato ilícito e por isso causa dano a outrem, fica obrigado a repará-lo, nos
termos do artigo 927 do CC.
Uma das críticas ao artigo 186 do CC é que nem sempre se viola direito (violação de direito é
a violação da lei), pois às vezes a responsabilidade não depende da culpa do agente. Outra
crítica é que pode haver violação de direito sem prejuízo, sem dano, como no caso de violação
do contrato que gera a obrigação de responder pelo valor fixado em cláusula penal,
independentemente de comprovação de dano.
Os problemas que cercam a matéria de responsabilidade civil são: a reparação do prejuízo, a
atribuição de responsabilidade e o modo como deve ser feita a reparação.
2. A Matéria no Código Civil
A matéria da responsabilidade civil não estava sistematizada no CC/1916. Havia dois artigos,
159 e 160, na parte geral, regulando a responsabilidade aquiliana e algumas excludentes de
responsabilidade. Alguns artigos na parte especial, em dois diversos capítulos, também
tratavam do tema.
Isso porque na teoria e na prática o tema não tinha a importância que hoje tem. O
desenvolvimento tecnológico e científico aumentou o potencial lesivo das máquinas,
ampliando o risco de danos. Tome-se, por exemplo, as transmissões de imagens, a violação
dos direitos da personalidade, a internet, o trânsito nos grandes centros etc.
A matéria da responsabilidade civil está sistematizada no Livro I da Parte Especial do CC de
2002, que trata do direito das obrigações. O Título IX do Livro I da Parte Especial trata da
responsabilidade civil (Cap. I – da obrigação de indenizar; Cap. II – da indenização).
Do Seguro de Responsabilidade
A importância da matéria de responsabilidade civil é crescente, e uma de suas consequências
é o chamado seguro de responsabilidade, como se costuma contratar nas apólices para veículo
automotor, com a cobertura de dano causado a terceiro. Trata-se de socialização do prejuízo,
evitando situações em que a vítima ficaria sem indenização, por falta de condição de
pagamento pelo agente causador do dano, e de benefício ao segurado, que não corre risco de
empobrecimento, desde que cause dano por culpa leve ou levíssima (não pode a seguradora
responder por ato ilícito do segurado se o ato for doloso ou por culpa grave ou gravíssima).
O Código Civil em vigor prescreve que a reparação deve ser de forma a não deixar sem
indenização a vítima, mas sem criar a pobreza do agente do ato ilícito.
Na tentativa de reparação integral, cria-se nova vítima, o delinquente, com o seu
empobrecimento. Por isso o seguro de responsabilidade: todos pagam o prêmio, médicos,
advogados etc, e assim a sociedade é que arca em caso de sinistro. O seguro sempre envolve
uma socialização do prejuízo, pois a sociedade, considerando o grupo de segurados, rateia o
prêmio, que servirá para o pagamento da indenização em caso de sinistro.
Responsabilidade Civil e Penal
O ato ilícito pode repercutir na ordem civil e na ordem penal.
3. Ocorre que a responsabilidade civil, normalmente patrimonial (já que a privação da liberdade
atualmente só é possível em caso de falta de pagamento de pensão alimentícia, quando o
alimentante pode recolher e não paga os alimentos), depende de violação de norma de direito
privado.
A responsabilidade penal, com sanções diversas, como a reclusão e a detenção, decorre da
violação de norma de direito público. Como antes escrito, o ato ilícito pode violar norma de
direito público e de direito privado, como o homicídio, a violação da honra, a lesão corporal
etc.
Prescreve o artigo 935 do CC:
“A responsabilidade civil é independente da criminal, não se podendo questionar mais sobre a
existência do fato, ou sobre quem seja o seu autor, quando estas questões se acharem
decididas no juízo criminal”.
A decisão no âmbito penal leva à desnecessidade de questionamento no cível, mas a recíproca
não é verdadeira. A condenação no cível não implica condenação penal.
Responsabilidade Contratual e Extracontratual (Aquiliana)
Contratual
O artigo 389 do CC, estudado junto com o inadimplemento das obrigações. Aqui quem
descumpre o contrato deve provar que não agiu com culpa. Presume-se em favor da vítima a
culpa do inadimplente. Há vínculo, pacto, contrato entre causador do dano (inadimplente) e
vítima.
Não responde no âmbito contratual o menor, o incapaz, salvo se agir com dolo, mentindo
sobre a sua idade, ou o incapaz antes da interdição, desde que pratique negócio jurídico com
terceiro de boa-fé que não possa desconfiar da menoridade ou da incapacidade.
Extracontratual
O artigo 186, CC (e o artigo 927 do CC). Nesta espécie, a vítima que alega o dano deve
provar a culpa do agente causador do prejuízo, com algumas exceções que vamos verificar.
Há doutrinadores que defendem não haver diferença entre responsabilidade contratual e
extracontratual, com os seguintes argumentos:
4. 1. Se ambas dependem de culpa, que é a infração de uma obrigação preexistente, não são
diferentes a violação oriunda de contrato e a violação derivada de qualquer outra fonte.
2. O inadimplente de qualquer forma vai responder em pecúnia pelas perdas e danos.
Ocorre que há diferença, por exemplo, em matéria de prova. Se a responsabilidade for
extracontratual, a vítima deve mostrar e provar a culpa do causador do dano. Na
responsabilidade contratual, basta mostrar o inadimplemento que há presunção de culpa em
favor do credor. O devedor (contratante inadimplente) é que deve demonstrar que não agiu
com culpa, provando, por exemplo, que descumpriu o contrato por conta de caso fortuito ou
força maior.
Outra diferença: na responsabilidade contratual, o menor púbere em regra não responde, salvo
se a obrigação tenha surgido de ato em que foi assistido. Já na responsabilidade
extracontratual, responde o menor púbere de qualquer forma, porque é equiparado ao
absolutamente capaz para responder por ato ilícito.
Os Princípios Fundamentais da Responsabilidade Civil
São requisitos em qualquer das espécies de responsabilidade:
Ação ou omissão, culpa, dano e nexo causal.
Ação ou omissão do agente (ato comissivo ou omissivo)
O ato ou a omissão do agente pode defluir de ato próprio, de ato de terceiro que esteja sob a
responsabilidade do agente, e ainda de danos causados por coisas que estejam sob a guarda do
agente.
A ação ou omissão infringe dever contratual, legal ou social.
Exemplo de omissão contratual: uma concessionária do serviço de fornecimento de energia
elétrica, que não fiscaliza, é responsabilizada pela eletrocussão de uma pessoa causada por
defeito em linha particular de transmissão. Um locatário é responsabilizado por não pagar o
aluguel (a cláusula penal já é previsão das perdas e danos).
Exemplo de omissão com infração à lei: falta de socorro;
Exemplo de ação com infração à lei: disparar arma de fogo em local público.
5. Exemplo de infração a dever social: abuso de direito. Ex.: retirar em servidão predial água do
prédio serviente sem que haja necessidade real; manter em apartamento pequeno um número
tal de animais que prejudique a convivência entre vizinhos.
Dano
O dano pode ser material ou moral. O dano material envolve danos emergentes e lucros
cessantes.
São danos emergentes aqueles patrimoniais decorrentes da perda direta de bens, ou de
pagamentos e despesas que devem ser reembolsados pelo agente causador do dano.
Lucros cessantes são as verbas que razoavelmente se deixou de ganhar em função do ato
ilícito.
O dano moral não atinge o patrimônio da vítima, mas causa dor, tristeza, mágoa. Ex: perda de
ente querido, de um membro; e dano à imagem, à vida privada, à honra, à intimidade (art. 5º,
V e X da CF).
Pessoa jurídica pode ter direito à indenização por dano moral, de acordo com a Súmula 227
do STJ. A imagem não é só a imagem retrato, mas também a imagem-atributo, como a honra,
o nome, a voz, conforme Luiz Alberto David Araújo – A Proteção Constitucional da Própria
Imagem, ed. Del Rey).
Art. 5º, V e X da CF: a honra, a imagem, a privacidade, a intimidade, são direitos
fundamentais, que devem ser protegidos inclusive quando não se comprova a ocorrência de
dano material.
A indenização moral independe de dano material e pode com este se acumular.
O conflito entre princípios constitucionais pode ocorrer (não ocorre entre leis
infraconstitucionais, onde só uma pode ser aplicada). No conflito deve ser dada a máxima
eficácia a cada um dos princípios, não se excluindo o núcleo essencial de cada princípio.
Podem conflitar, por exemplo, princípio da liberdade de expressão e princípio de proteção à
honra, à imagem, à intimidade, à vida privada.
Cláusula pétrea – proteção contra dano moral (art., 60, §4º, IV, CF).
A indenização por dano moral é ampla, sem teto de 200 salários mínimos, como previa a Lei
de Imprensa em seus artigos 52 e 51.
Dos Requisitos da Responsabilidade Civil
6. A Culpa do Agente
Pela dificuldade da vítima em provar a culpa do agente, por exemplo, num atropelamento em
um beco escuro é que surge a responsabilidade objetiva. Aqui há presunção irrefragável da
culpa, para que a pretensão de ser indenizado não se torne inatingível (veremos adiante a
responsabilidade objetiva).
Culpa
O artigo 186 do CC traz a ideia da responsabilidade subjetiva, que é a ação ou a omissão
voluntária (dolo) ou involuntária, em que se constate imprudência ou negligência.
O dolo ocorre quando o agente antevê o dano que a sua atitude vai causar, mas
deliberadamente prossegue, com o propósito mesmo de alcançar o resultado danoso.
A aferição da negligência ou imprudência não se faz comparando o comportamento do agente
causador do dano com o de um homem médio, normal, tomado como padrão. Deve-se
considerar a culpa em concreto, para averiguar se o agente causador do dano com as suas
características, e não com as características do homem médio, poderia ter evitado o dano.
A responsabilidade civil não depende da penal (arttigo 935, CC). A culpa pode ser
insuficiente para ensejar uma condenação penal, mas suficiente para a condenação no cível.
Graus de Culpa
Culpa Grave
Decorrente de imprudência ou negligência grosseira, como a do motorista que dirige sem
habilitação ou avança um farol fechado (a culpa grave se equipara ao dolo).
Culpa Leve
É aquela na qual um homem de prudência normal pode incorrer, como esbarrar em uma
estante de cristais, de uma loja.
7. Culpa Levíssima
É aquela da qual um homem de extrema cautela não escaparia (tropeçar em um objeto,
escorregar e lesar outrem).
No CC/1916 não importava o grau de culpa. A indenização se media pela extensão do dano
(ainda que a culpa do agente fosse levíssima, cumpria-lhe reparar o dano). A indenização
deveria ser a mais completa. Indenizar significa tornar indene a vítima. Ocorre que em caso de
culpa levíssima tal solução não é justa. Às vezes, por culpa levíssima, causa-se um dano
milionário. No CC de 2002, em seu parágrafo único do artigo 944, está escrito que se a culpa
for levíssima (agente prudente e cauteloso) e o dano muito grande, o juiz pode reduzir a
indenização.
Negligência é a omissão danosa. O agente deixa de fazer algo por distração. Deixa por
exemplo de conferir os freios do carro; deixa de colocar o cinto de segurança na criança;
deixa cair um vaso de cristal no chão; deixa a jaula do leão aberto; não puxa o freio do carro
em um declive.
Imprudência é a ação danosa. O agente atua causando dano. Avança o farol vermelho;
imprime velocidade alta ao veículo; direção perigosa; dirige sem CNH.
Imperícia é a falta de aptidão técnica, que causa dano por ação ou omissão que deveria evitar
por ser técnico da área (médico, dentista etc).
Obs.i.: Da ideia de culpa negativa – a omissão implica em responsabilidade
Obs.ii. Da presunção de culpa (ex.: de quem tem a guarda do animal, ou das estradas de
ferro).
Relação de Causalidade
Entre o comportamento do agente e o dano experimentado pela vítima deve haver um liame.
Se a ação do agente não é causa do dano, não há responsabilidade. Exemplo: culpa exclusiva
da vítima, que se atira na frente de um carro; ou culpa exclusiva de terceiro, num
engavetamento. No 115º exame de ordem da OAB/SP, havia uma questão prática que pedia
defesa baseada neste argumento. A culpa não foi de quem bateu atrás, mas do terceiro, que
jogou o carro do acusado para frente, ocasionando um engavetamento; ou dano decorrente de
caso fortuito ou força maior, como é o caso de um prédio que cai por conta de terremoto. O
dono não precisa indenizar os vizinhos nesse caso (caso fortuito).