O documento descreve a consolidação da Igreja no final do século VI sob o papado de Gregório Magno e a aliança entre o Império Carolíngio e a Igreja que foi decisiva para a história da Europa nos séculos seguintes. Também aborda pensadores medievais como Avicena, Averróis e Maimônides e suas tentativas de conciliar razão e fé em suas respectivas tradições religiosas.
2. Final do século V, as invasões germânicas
promoveram divisões do território antes
dominado por Roma.
A Igreja também foi afetada por esse
quadro de transformações; contudo,
sofreu seus efeitos em menor grau, tendo
absorvido alguns importantes elementos
da estrutura do Império, como a
administração centralizada e baseada na
autoridade do líder.
3. No final do século VI teve início o papado
de Gregório Magno, momento importante
da consolidação da Igreja.
O poder papal impôs-se para além da
Itália ou mesmo da Europa, exigindo a
subordinação dos patriarcas do Império
Bizantino. Isso se verificou até o ano de
1054, quando ocorreu o Cisma do Oriente.
4. Em meados do século VIII, o rei franco,
depois de conquistar territórios sob domínio
dos lombardos na península Itálica, doou-os
ao papa, junto com o ducado de Roma,
constituindo assim o Patrimônio de São
Pedro, que daria origem aos territórios da
Igreja.
A aliança entre o Império Carolíngio e a Igreja
foi decisiva para a história do continente
europeu nos séculos seguintes, em que o
cristianismo foi aos poucos se impondo
diante das religiões ditas pagãs.
5. Depois da morte de Santo Agostinho, não
se desenvolveu nenhuma corrente de
pensamento tão bem definida como a
patrística, nem surgiu alguém cuja
importância intelectual pudesse ser
comparada à do bispo de Hipona.
Entretanto, formularam-se algumas
doutrinas filosóficas interessantes, que
merecem nossa atenção.
6. A providência é a
própria razão
divina que,
constituída como
supremo princípio
de tudo, dispõe
todas as coisas.
7. A principal característica de sua obra é seu
apego à filosofia antiga muito mais que à fé
cristã.
O amor do filósofo pelo pensamento grego se
evidencia, por exemplo, em seu prolongado
empenho em traduzir várias obras de Platão
e Aristóteles, para o latim.
Dedicou-se às ciências e às artes, tendo
redigido tratados sobre matemática, física,
geometria e música.
8. Segundo Boécio, a amizade é uma
experiência sagrada, ou seja, tem valor
semelhante ao das coisas divinas e, por
isso, deve ser cultivada com o mesmo zelo
destinado aos assuntos religiosos.
Sobre a natureza de Deus, ele afirmava
que a essência divina é o bem.
O homem feliz é aquele que tem a
presença de Deus em sua vida, pois Ele é
o bem supremo.
9. Boécio ensinava que o homem passava
a compartilhar a essência de Deus por
meio da participação da natureza divina.
Em outras palavras, uma pessoa feliz é,
de certa forma, como um deus.
Demonstrou que o mal é o nada.
Deus não pode fazer o mal, porque é
infinitamente bom.
10. No entanto, Deus pode fazer qualquer
coisa, pois é todo-poderoso.
Por isso, a conclusão é de que o mal
não tem existência nenhuma.
Caso contrário, isso seria uma
contradição das características
essenciais da divindade.
11. Que significa lidar com a
filosofia senão expor as
regras da verdadeira
religião, por meio das
quais a suma e principal
causa de todas as
coisas, isto é, Deus, é
humildemente adorada e
racionalmente
investigada?
12. Dedicou sua vida à religião cristã e ao
exercício da filosofia.
Seu pensamento se caracteriza sobretudo
pelo modo como valoriza a razão diante
da fé.
Segundo ele, a verdade se origina de duas
fontes distintas: a razão e a revelação.
13. A RAZÃO é o alicerce e o guia que deve
conduzir todo o desenvolvimento das
reflexões filosóficas.
A REVELAÇÃO é o alicerce da religião; a
verdade que se mostra por meio dela deve
ser aceita pelo homem por intermédio da fé.
Afirmava que a verdade deve ser única, isto
é, não pode haver duas verdades
simultaneamente válidas a respeito de um
mesmo fenômeno, experiência ou crença.
14. Por isso, é impossível que a razão e a
revelação estejam em conflito.
No entanto, há situações em que uma
verdade parece contradizer a outra, levando
a conclusões opostas.
Isso deve ser encarado como oposição
apenas aparente, e a solução deve ser
encontrada com o recurso à razão.
Em outras palavras, a razão deve prevalecer
sobre a fé sempre que haja um impasse
entre as duas.
16. As reflexões filosóficas produzidas durante a
Idade Média tiveram como pano de fundo a
doutrina do cristianismo.
Entretanto, a Idade Média produziu algumas
correntes de pensamento independentes da
fé cristã que devem ser mencionadas.
Essas escolas filosóficas mantêm pelo
menos um ponto em comum com a filosofia
cristã: o fato de se inspirarem também em
doutrinas religiosas – o islamismo e o
judaismo.
17. De forma semelhante ao que aconteceu
no cristianismo, os adeptos do islamismo
se depararam com o problema de conciliar
a razão e a fé.
Para resolver isso, diversos pensadores
se empenharam na elaboração de uma
filosofia própria, que fosse além dos puros
ensinamentos dos líderes religiosos
islâmicos.
18. As reflexões que constituíam o pensamento
mulçumano dessa época se fundamentavam
no conhecimento científico que o islamismo
acumulou ao entrar em contato com as
diversas culturas.
Na filosofia, a maior influência proveio das
obras de Aristóteles, o que acarretou um fato
de grande importância na história da filosofia
medieval, pois as traduções de seus textos
para o árabe serviram como meio de
apresentação das idéias aristotélicas aos
pensadores da Europa cristã.
19. Entre os pensadores islâmicos,
estudaremos Avicena e Averróis.
Do lado judaico, falaremos de
Maimônides.
20. O ser é testemunha
de si enquanto ser,
e ele mesmo, em
razão disso,
testemunha tudo o
que vem a ter
existência depois
dele.
21. Ibn Siná, conhecido no Ocidente como
Avicena, passou sua vida na Pérsia, atual Irã,
no Oriente Médio.
Ainda criança, ganhou fama graças à sua
memória prodigiosa; era capaz de decorar
extensos poemas e textos religiosos inteiros.
Seu pai, diante das potencialidades
demonstradas pelo jovem, providenciou que
ele recebesse uma educação ampla, em
ciências e em doutrina religiosa.
22. O jovem Avicena superou as expectativas
do pai e dos mestres.
Dominava conhecimentos em medicina,
lógica, teologia, geometria e astronomia.
Aos 21 anos, já tinha sólida reputação
como médico, profissão que exerceu em
muitas cidades para onde viajou.
A principal contribuição de Avicena para o
pensamento medieval é sua doutrina
sobre essências e existência.
23. ESSÊNCIA descreve o que determinado ser
é; designa aquilo que define uma coisa, um
ser vivo ou um elemento da natureza.
Um ser pode apresentar diversas
características particulares que não fazem
parte da sua essência ou, vendo de outra
forma, coisas ou indivíduos bastante distintos
entre si podem compartilhar a mesma
essência.
Exemplo: os felinos.
24. EXISTÊNCIA designa a presença de um ser
concreto, como pessoas, seres ou elementos
da natureza e objetos produzidos pelo ser
humano.
Essa “presença” deve ser entendida como
“ser perceptível pela consciência”: um ser
existente pode ser captado pelo intelecto por
meio dos cinco sentidos (no caso dos seres
materiais), da inteligência (no caso das
idéias, do conhecimento e da memória das
coisas) ou da autoconsciência.
25. Segundo Avicena, essência e existência,
embora ligadas de maneira íntima, são
categorias que devem ser estudadas
separadamente.
Na prática, para ele as essências são
como possibilidades, no sentido de que
podem vir a definir um objeto concreto que
se apresenta na realidade, que existe.
26. A essência não é uma
“substância”
impregnada nos seres
em geral, nem uma
entidade imaterial
com existência
própria.
A essência não é o
elemento suficiente
para fazer com que
algo exista.
27. Haveria infinitas essências possíveis, mas
os seres somente teriam existência se
algo ou alguém agisse no sentido de fazer
com que uma essência se manifestasse
na realidade.
“Tudo que existe, existe por necessidade,
e essa necessidade é Deus”.
Na origem de tudo que existe, está Deus,
o criador de todas as coisas.
28. Somente em Deus, Ser infinito, onipotente
e eterno, essência e existência estariam
unidas, porque Ele não tem origem ou,
dizendo de outra forma, Ele é a origem de
si mesmo.
29. Não se poderá
render a Deus um
culto melhor do que
aquele que consiste
em conhecer suas
obras e que leva ao
conhecimento do
próprio Deus.
30. Nascido em Córdoba, na antiga Espanha
sob o domínio muçulmano, Abu al-Walid
ibn Ruschd, ou Averróis, descendia de
uma respeitada família de juristas.
Estudou medicina, teologia e, em filosofia,
conheceu com profundidade as idéias dos
pensadores islâmicos e as obras dos
filósofos da Antiguidade grega,
especialmente Platão e Aristóteles.
31. Trabalhou como médico particular do
califa, de quem angariou a simpatia, e
posteriormente veio a ocupar em Córdoba
o cargo de juiz, cujas funções incluíam,
além de ministrar a justiça, uma
significativa parcela de poder de governo
sobre a cidade.
Averróis foi um seguidor de Aristóteles, de
cuja obra foi um dos maiores
comentaristas.
32. Escreveu diversos livros, deixando textos
variados sobre física, medicina,
astronomia, direito, filosofia e teologia.
Tendo se destacado nas funções públicas
que ocupou, Averróis também se
notabilizou pela firme coerência entre o
que pensava e o que acreditava ser
melhor para a gestão dos assuntos
sociais.
33. Os tratados de Averróis e o seu comentário à
República de Platão mostram a unidade
essencial que havia entre sua atitude e suas
opiniões, revelando de que modo procurou
harmonizar a lei islâmica à filosofia.
Para Averróis só existe uma verdade, e ela é
atingida por meio da aceitação e da
compreensão da lei religiosa, profeticamente
revelada por Maomé e designada pela
palavra árabe xariá.
34. Se pudéssemos falar sobre “verdades”
distintas para efeito de estudo, a verdade
científica, a do senso comum e sobretudo a
filosófica coincidiriam perfeitamente com a
verdade religiosa que Deus comunica aos
seres humanos por intermédio de seus
profetas.
Averróis acreditava que a filosofia deveria
servir como um importante instrumento para
que o povo islâmico vivesse de acordo com
os preceitos da xariá e iluminado por sua
verdade.
35. A partir da classificação aristotélica do
conhecimento humano em ciências
teóricas, técnicas e práticas, Averróis
constatou que a xariá levava todas à
perfeição.
Afirmou, por isso, que a religião se destina
a todas as classes, sem exceção do
filósofo.
36. Ao insistir nas prerrogativas dos
metafísicos para interpretar, como dever
atribuído por Deus, as doutrinas da
religião na forma de crenças e convicções
corretas, Averróis admitiu que a xariá
contém ensinamentos que ultrapassam o
entendimento humano, mas que devem
ser aceitos por todas as pessoas, por se
tratar de verdades que procedem da
revelação divina.
37. Segundo o pensador, tal como o povo em
geral, os administradores, os líderes
religiosos e os teólogos, os filósofos
acham-se definitivamente sujeitos à lei
religiosa.
A principal atividade a que o filósofo pode
se dedicar é a de refletir sobre a xariá
utilizando os métodos filosóficos de
interpretação, sob as regras da lógica
aristotélica.
38. Averróis afirma que o método tradicional de
interpretação da lei divina, a discussão
retórica e dialética realizada pelos teólogos
muçulmanos, não poderia revelar o
verdadeiro espírito das normas estabelecidas
por Deus para a religião e o comportamento
humano.
Para o povo em geral, as metáforas e regras
tal como expostas no Alcorão devem ser
seguidas porque representam a lei divina de
forma fiel e correta.
39. Averróis afirma que uma das principais
finalidades do islamismo é a felicidade, que
pode e deve ser alcançado pela obediência à
xariá.
Segundo ele, a meta da filosofia é a mesma,
sendo essa a verdadeira companheira da lei
religiosa, como uma irmã adotiva.
A felicidade se traduz no estabelecimento de
uma sociedade justa e com as necessidades
materiais atendidas.
40. Para Averróis, fazer com que as mulheres
sejam destinadas apenas a gerar e criar
filhos é danoso à economia e um dos
elementos responsáveis pela existência da
pobreza.
Averróis não podia, entretanto, sustentar e
divulgar livremente suas idéias, pois elas se
opunham ao pensamento e às intenções de
teólogos e outros líderes muçulmanos, que
chegaram mesmo a incitar a população
contra o filósofo.
41. Creio que o verdadeiro
modo, o método
demonstrativo que
elimina a dúvida,
consiste em
estabelecer a
existência de Deus, a
sua unidade e a sua
corporeidade de acordo
com o procedimento
dos filósofos.
42. Nascido em Córdoba, Moshe Ibn-Maymon,
ou Maimônides, pertencia a uma família
culta e respeitada pela comunidade local.
Ainda criança, já impressionava seus
mestres por sua inteligência.
A cidade era governada por muçulmanos
que toleravam os cidadãos que tivessem
outras crenças.
43. Em 1148, no entanto, a região foi dominada
pela fanática seita dos almôadas. Intolerante,
esse grupo permitia apenas duas opções
para as pessoas de credos diferentes:
• Converter-se à fé islâmica; ou
• Abandonar a região.
Durante alguns anos, sua família praticou o
judaísmo de forma oculta, dentro de casa,
vestindo-se e comportando-se em público
como muçulmanos.
44. Quando isto se tornou impraticável, a
família foi viver em Fez, no atual
Marrocos.
Posteriormente, mudaram-se para a
Palestina e, finalmente, para uma cidade
próxima ao Cairo, no Egito, onde o pai de
Maimônides morreu e ele teve de trabalhar
como médico para sustentar a família.
45. Maimônides viveu o resto da vida,
dedicando aos estudos talmúdicos e
filosóficos e ao exercício da medicina, em
que se distinguiu, sendo designado
médico do sultão Saladino.
Faleceu no Egito e foi enterrado em
Tiberíade, na Palestina. Seu túmulo
tornou-se lugar de peregrinação para os
judeus.
46. Procurou conciliar os princípios religiosos
com os conhecimentos e os métodos
proporcionados pela filosofia, tendo exercido
grande influência tanto no meio judaico como
fora dele.
A sua obra é vasta. No campo religioso, são
notáveis seus comentários sobre a Michná, a
codificação mais antiga das leis orais do
judaísmo registrada depois dos textos
bíblicos, e sobre o Talmude, que reúne
interpretações teológicas e anotações sobre
a Michná.
47. O maior tratado filosófico de Maimônides
foi escrito originalmente em árabe; é o
Dalalat al-hairin (Guia dos Perplexos), no
qual o filósofo trabalhou durante quinze
anos a partir de 1176.
Nesse tratado, ele propõe a concordância
entre fé e razão e a necessidade de
compatibilizar a religião com a filosofia e a
ciência, o que despertou divergências
entre os judeus ortodoxos
48. O que nós cremos
pela fé sobre a
natureza divina e as
pessoas da mesma,
exceto a encarnação,
pode ser demonstrado
com razões
necessárias, sem se
recorrer à autoridade
das Escrituras.
49. Filósofo e Teólogo, Anselmo nasceu em
Aosta, no norte da Itália.
Tornou-se monge beneditino e foi arcebispo
de Cantuária, na Iglaterra, embora tenha
passado parte dos anos posteriores no exílio,
devido a disputas políticas entre o poder civil
e a Igreja.
Defendeu com firmeza os direitos da Igreja e,
em teologia, os direitos da razão, que ele via
como base, e não como ameaça à verdadeira
fé.
50. De maneira semelhante a Santo Agostinho,
“creio para compreender” era o lema de
Santo Anselmo.
Entendia que, pra atingir o conhecimento, era
preciso partir da revelação divina, da fé, e
não da razão; em seguida se poderia
penetrar a fé mediante a razão.
Sua notoriedade se deve principalmente à
proposição do argumento ontológico da
existência de Deus.
51. Até então, essa afirmação era sustentada
filosoficamente por meio de argumentos que
lançavam mão da autoridade dos apóstolos e
dos representantes da comunidade cristã,
geração após geração.
Santo Anselmo mudou a maneira de abordar
o tema ao oferecer o que ele definia como
uma demonstração racional e lógica da
existência de Deus, sem precisar que
houvesse testemunhos sobre a revelação
divina.
52. De modo sumário, sua prova é a seguinte:
em primeiro lugar, é preciso aceitar a idéia de
que há diferentes “graus de perfeição” entre
os seres representados em nossa mente e os
existentes na realidade.
Assim, o ser existente na realidade é “mais
perfeito” que um ser que existe apenas em
nosso intelecto, ou é “mais perfeito” que a
representação que temos dele em nossa
mente.
53. Apliquemos o mesmo raciocínio à divindade.
Podemos representar mentalmente a idéia de
um ser infinito, todo-poderoso, eterno,
onisciente, absolutamente perfeito – estes
são os principais atributos de Deus. Esse ser
necessariamente é o mais perfeito entre
todos os que podem ser imaginados, isto é,
não pode haver nenhum ser mais perfeito
que este, por princípio.
54. No entanto, se ele é o ser de mais alto grau
de perfeição possível, ele necessariamente
tem de existir na realidade; caso contrário,
chegaríamos a uma contradição.
Afinal, algo, para ser absolutamente perfeito,
tem de existir tanto como representação
intelectual quanto na realidade; se não fosse
assim, simplesmente não conseguiríamos
pensar num ser totalmente perfeito.
55. Por isso, Deus tem de existir, porque a
razão obedece à lógica argumentativa.