O documento apresenta o primeiro canto do poema "I-Juca-Pirama", de Gonçalves Dias. Nele, há uma descrição da natureza exuberante onde vivem os índios Timbiras e uma caracterização destes como guerreiros valentes e temidos. O poema também introduz o guerreiro tupi que será sacrificado em ritual antropofágico pelos Timbiras.
2. A POESIA DO ROMANTISMO
primeira geração
INDIANISMO
[índio: ideal da identidade nacional]
I-JUCA-PIRAMA, Gonçalves Dias [primeiro canto]
No meio das tabas de amenos verdores, São rudos, severos, sedentos de glória,
Cercadas de troncos – cobertos de flores, Já prélios incitam, já cantam vitória,
Alteiam-se os tetos d’altiva nação; Já meigos atendem à voz do cantor:
São muitos seus filhos, nos ânimos fortes, São todos Timbiras, guerreiros valentes!
Temíveis na guerra, que em densas coortes Seu nome lá voa na boca das gentes,
Assombram das matas a imensa extensão. Condão de prodígios, de glória e terror!
As tribos vizinhas, sem forças, sem brio, No centro da taba se estende um terreiro,
As armas quebrando, lançando-as ao rio, Onde ora se aduna o concílio guerreiro
O incenso aspiraram dos seus maracás: Da tribo senhora, das tribos servis:
Medrosos das guerras qu’ os fortes acendem, Os velhos sentados praticam d’outrora,
Custosos tributos ignavos lá rendem, E os moços inquietos, que a festa enamora,
Aos duros guerreiros sujeitos na paz. Derramam-se em torno dum índio infeliz.
forma: oito sextilhas de versos hendecassílabos [ritmo lento e marcado]
conteúdo: descrição [natureza exuberante] + caracterização narrativo-descritiva dos Timbiras
3. A POESIA DO ROMANTISMO
primeira geração
INDIANISMO
[índio: ideal da identidade nacional]
I-JUCA-PIRAMA, Gonçalves Dias [primeiro canto]
Quem é? – ninguém sabe: seu nome é ignoto, Por casos de guerra caiu prisioneiro
Sua tribo não diz: – de um povo remoto Nas mãos dos Timbiras: – no extenso terreiro
Descende por certo – dum povo gentil; Assola-se o teto, que o teve em prisão;
Assim lá na Grécia ao escravo insulano Convidam-se as tribos dos seus arredores,
Tornavam distinto do vil muçulmano Cuidosos se incubem do vaso das cores,
As linhas corretas do nobre perfil. Dos vários aprestos da honrosa função.
Acerva-se a lenha da vasta fogueira Em tanto as mulheres com leda trigança,
Entesa-se a corda da embira ligeira, Afeitas ao rito da bárbara usança,
Adorna-se a maça com penas gentis: índio já querem cativo acabar:
A custo, entre as vagas do povo da aldeia A coma lhe cortam, os membros lhe tingem,
Caminha o Timbira, que a turba rodeia, Brilhante enduape no corpo lhe cingem,
Garboso nas plumas de vário matiz. Sombreia-lhe a fronte gentil canitar.
conteúdo: apresentação do guerreiro tupi [cujo porte é elogiado] aprisionado pelos timbiras
conteúdo: os Timbiras preparam o guerreiro tupi para o ritual antropofágico [adornos, adereços]
4. A POESIA DO ROMANTISMO
primeira geração
INDIANISMO
[índio: ideal da identidade nacional]
I-JUCA-PIRAMA, Gonçalves Dias [segundo canto]
Em fundos vasos d’alvacenta argila O prisioneiro, cuja morte anseiam,
Ferve o cauim; Sentado está,
Enchem-se as copas, o prazer começa, O prisioneiro, que outro sol no ocaso
Reina o festim. Jamais verá!
A dura corda, que lhe enlaça o colo, Contudo os olhos d’ignóbil pranto
Mostra-lhe o fim Secos estão;
Da vida escura, que será mais breve Mudos os lábios não descerram queixas
Do que o festim! Do coração.
Mas um martírio, que encobrir não pode, Que tens, guerreiro? Que temor te assalta
Em rugas faz No passo horrendo?
A mentirosa placidez do rosto Honra das tabas que nascer te viram,
Na fronte audaz! Folga morrendo.
forma: dez quadras com esquema métrico variado [10-4-10-4]
conteúdo: descrição do festim antropofágico; guerreiro tupi começa a se mostrar preocupado
5. A POESIA DO ROMANTISMO
primeira geração
INDIANISMO
[índio: ideal da identidade nacional]
I-JUCA-PIRAMA, Gonçalves Dias [segundo canto]
Folga morrendo; porque além dos Andes Rasteira grama, exposta ao sol, à chuva,
Revive o forte, Lá murcha e pende:
Que soube ufano contrastar os medos Somente ao tronco, que devassa os ares,
Da fria morte. O raio ofende!
Que foi? Tupã mandou que ele caísse, Que temes, ó guerreiro? Além dos Andes
Como viveu; Revive o forte,
E o caçador que o avistou prostrado Que soube ufano contrastar os medos
Esmoreceu! Da fria morte.
conteúdo: notando que o guerreiro tupi está um pouco reticente e pensativo, os timbiras o
conteúdo: encorajam a aceitar o sacrifício pq Tupã vive além dos Andes para cuidar dele
6. A POESIA DO ROMANTISMO
primeira geração
INDIANISMO
[índio: ideal da identidade nacional]
I-JUCA-PIRAMA, Gonçalves Dias [terceiro canto]
Em larga roda de novéis guerreiros Como que por feitiço não sabido
Ledo caminha o festival Timbira, Encantadas ali as almas grandes
A quem do sacrifício cabe as honras, Dos vencidos Tapuias, inda chorem
Na fronte o canitar sacode em ondas, Serem glória e brasão d’imigos feros.
O enduape na cinta se embalança,
Na destra mão sopesa a iverapeme, “Eis-me aqui”, diz ao índio prisioneiro;
Orgulhoso e pujante. – Ao menor passo “Pois que fraco, e sem tribo, e sem família,
Colar d’alvo marfim, insígnia d’honra, “As nossas matas devassaste ousado,
Que lhe orna o colo e o peito, ruge e freme, “Morrerás morte vil da mão de um forte.”
forma: estrofação irregular com versos decassílabos
conteúdo: o festival encaminha-se para o seu apogeu [sacrifício]; o índio tupi se apresenta
conteúdo: e pergunta se será covardemente morto
7. A POESIA DO ROMANTISMO
primeira geração
INDIANISMO
[índio: ideal da identidade nacional]
I-JUCA-PIRAMA, Gonçalves Dias [terceiro canto]
Vem a terreiro o mísero contrário;
Do colo à cinta a muçurana desce:
“Dize-nos quem és, teus feitos canta,
“Ou se mais te apraz, defende-te.” Começa
O índio, que ao redor derrama os olhos,
Com triste voz que os ânimos comove.
forma: estrofação irregular com versos decassílabos
conteúdo: apesar da incredulidade dos guerreiros timbiras, o guerreiro tupi é convidado a se
conteúdo: defender, através de um discurso; o índio começa a chorar e usa uma voz comovente.
8. A POESIA DO ROMANTISMO
primeira geração
INDIANISMO
[índio: ideal da identidade nacional]
I-JUCA-PIRAMA, Gonçalves Dias [quarto canto]
Da tribo pujante, Já vi cruas brigas, Andei longes terras
Meu canto de morte, Que agora anda errante De tribos imigas, Lidei cruas guerras,
Guerreiros, ouvi: Por fado inconstante, E as duras fadigas Vaguei pelas serras
Sou filho das selvas, Guerreiros, nasci; Da guerra provei; Dos vis Aimoréis;
Nas selvas cresci; Sou bravo, sou forte, Nas ondas mendaces Vi lutas de bravos,
Guerreiros, descendo Sou filho do Norte; Senti pelas faces Vi fortes – escravos!
Da tribo tupi. Meu canto de morte, Os silvos fugaces De estranhos ignavos
Guerreiros, ouvi. Dos ventos que amei. Calcados aos pés.
E os campos talados, Aos golpes do imigo, Meu pai a meu lado O velho no entanto
E os arcos quebrados, Meu último amigo, Já cego e quebrado, Sofrendo já tanto
E os piagas coitados Sem lar, sem abrigo De penas ralado, De fome e quebranto,
Já sem maracás; Caiu junto a mi! Firmava-se em mi: Só qu’ria morrer!
E os meigos cantores, Com plácido rosto, Nós ambos, mesquinhos, Não mais me contenho,
Servindo a senhores, Sereno e composto, Por ínvios caminhos, Nas matas me embrenho
Que vinham traidores, O acerbo desgosto Cobertos d’espinhos Das frechas que tenho
Com mostras de paz. Comigo sofri. Chegamos aqui! Me quero valer.
9. A POESIA DO ROMANTISMO
primeira geração
INDIANISMO
[índio: ideal da identidade nacional]
I-JUCA-PIRAMA, Gonçalves Dias [quarto canto]
Então, forasteiro, Eu era o seu guia Ao velho coitado Não vil, não ignavo,
Caí prisioneiro Na noite sombria, De penas ralado, Mas forte, mas bravo,
De um troço guerreiro A só alegria Já cego e quebrado, Serei vosso escravo:
Com que me encontrei: Que Deus lhe deixou: Que resta? – Morrer. Aqui virei ter.
O cru dessossêgo Em mim se apoiava, Enquanto descreve Guerreiros, não coro
Do pai fraco e cego, Em mim se firmava, O giro tão breve Do pranto que choro:
Enquanto não chego Em mim descansava, Da vida que teve, Se a vida deploro,
Qual seja, – dizei! Que filho lhe sou. Deixai-me viver! Também sei morrer.
história do tupi: depois de ver seu último companheiro de guerra cair junto de si, o guerreiro
história do tupi: foge com seu pai; então, embrenha-se na floresta e acaba por cair prisioneiro
história do tupi: dos timbiras; após tal constatação, pede para ser solto a fim de que cuide do pai
história do tupi: até o fim dos dias deste; assim que o velho morresse, ele voltará
história do tupi: para ser sacrificado pelos guerreiros timbiras.
10. A POESIA DO ROMANTISMO
primeira geração
INDIANISMO
[índio: ideal da identidade nacional]
I-JUCA-PIRAMA, Gonçalves Dias [quinto canto]
forma: estrofação irregular com versos heterométricos
tema: o chefe timbira pede para que soltem o tupi; todos ficam assustados, pois isso nunca
tema: ocorrera antes; solto, o tupi agradece o timbira, que o manda partir; o tupi diz que voltará
tema: então, o chefe timbira diz que será em vão, pq um tupi nunca chora; o tupi parte.
11. A POESIA DO ROMANTISMO
primeira geração
INDIANISMO
[índio: ideal da identidade nacional]
I-JUCA-PIRAMA, Gonçalves Dias [sexto canto]
forma: estrofação irregular com versos heterométricos [predomínio de decassílabos]
tema: o índio tupi reencontra seu pai, que estranha a falta dos adornos da tribo tupi e ainda
tema: o cheiro das tintas utilizadas no ritual antropofágico;
tema: o índio tupi diz que foi preso pelos timbiras e que estes o soltaram quando souberam q
tema: da existência do velho pai fraco e cego; o velho tupi pergunta onde fica a tribo timbira e
tema: para ser levado para lá.
12. A POESIA DO ROMANTISMO
primeira geração
INDIANISMO
[índio: ideal da identidade nacional]
I-JUCA-PIRAMA, Gonçalves Dias [sétimo canto]
forma: estrofação irregular com versos heptassílabos [rimas irregulares]
tema: o velho tupi agradece a gentileza dos timbiras, mas diz que nunca foi vencido nem
tema: na guerra, nem em gentileza, por isso, solicita que o ritual se realize
tema: o chefe timbira humilha o velho tupi, ao falar que o filho dele é indigno do sacrifício.
13. A POESIA DO ROMANTISMO
primeira geração
INDIANISMO
[índio: ideal da identidade nacional]
I-JUCA-PIRAMA, Gonçalves Dias [oitavo canto]
“Tu choraste em presença da morte? “Possas tu, isolado na terra,
Na presença de estranhos choraste? Sem arrimo e sem pátria vagando,
Não descende o cobarde do forte; Rejeitado da morte na guerra,
Pois choraste, meu filho não és! Rejeitado dos homens na paz,
Possas tu, descendente maldito Ser das gentes o espectro execrado;
De uma tribo de nobres guerreiros, Não encontres amor nas mulheres,
Implorando cruéis forasteiros, Teus amigos, se amigos tiveres,
Seres presa de via Aimorés. Tenham alma inconstante e falaz!
“Não encontres doçura no dia, “Que a teus passos a relva se torre;
Nem as cores da aurora te ameiguem, Murchem prados, a flor desfaleça,
E entre as larvas da noite sombria E o regato que límpido corre,
Nunca possas descanso gozar: Mais te acenda o vesano furor;
Não encontres um tronco, uma pedra, Suas águas depressa se tornem,
Posta ao sol, posta às chuvas e aos ventos, Ao contacto dos lábios sedentos,
Padecendo os maiores tormentos, Lago impuro de vermes nojentos,
Onde possas a fronte pousar. Donde fujas com asco e terror!
14. A POESIA DO ROMANTISMO
primeira geração
INDIANISMO
[índio: ideal da identidade nacional]
I-JUCA-PIRAMA, Gonçalves Dias [oitavo canto]
“Sempre o céu, como um teto incendido, “Um amigo não tenhas piedoso
Creste e punja teus membros malditos Que o teu corpo na terra embalsame,
E oceano de pó denegrido Pondo em vaso d’argila cuidoso
Seja a terra ao ignavo tupi! Arco e frecha e tacape a teus pés!
Miserável, faminto, sedento, Sê maldito, e sozinho na terra;
Manitôs lhe não falem nos sonhos, Pois que a tanta vileza chegaste,
E do horror os espectros medonhos Que em presença da morte choraste,
Traga sempre o cobarde após si. Tu, cobarde, meu filho não és.”
15. A POESIA DO ROMANTISMO
primeira geração
INDIANISMO
[índio: ideal da identidade nacional]
I-JUCA-PIRAMA, Gonçalves Dias [nono canto]
forma: estrofação irregular com versos decassílabos
tema: o guerreiro tupi, ao ouvir as palavras do velho, lança seu grito de guerra e começa a lutar
tema: a esmo; há, então, um alarido terrível na tribo; correria; combates; então o velho timbira
tema: reconhece a bravura do guerreiro tupi e diz que ele está apto para o sacrifício;
tema: o pai e o filho tupis choram de emoção.
16. A POESIA DO ROMANTISMO
primeira geração
INDIANISMO
[índio: ideal da identidade nacional]
I-JUCA-PIRAMA, Gonçalves Dias [décimo canto]
Um velho Timbira, coberto de glória, “Eu vi o brioso no largo terreiro
Guardou a memória Cantar prisioneiro
Do moço guerreiro, do velho Tupi! Seu canto de morte, que nunca esqueci:
E à noite, nas tabas, se alguém duvidava Valente, como era, chorou sem ter pejo;
Do que ele contava, Parece que o vejo,
Dizia prudente: – “Meninos, eu vi! Que o tenho nest’hora diante de mi.
“Eu disse comigo: Que infâmia d’escravo! Assim o Timbira, coberto de glória,
Pois não, era um bravo; Guardava a memória
Valente e brioso, como ele, não vi! Do moço guerreiro, do velho Tupi.
E à fé que vos digo: parece-me encanto E à noite nas tabas, se alguém duvidava
Que quem chorou tanto, Do que ele contava,
Tivesse a coragem que tinha o Tupi!” Tornava prudente: “Meninos, eu vi!”.
forma: quatro sextilhas de metro alternado 11 e 5
conteúdo: velho timbira é o guardião da memória do célebre guerreiro tupi.