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Lira dos vinte anos,
   Álvares de Azevedo
       Manoel Neves
ÁLVARES DE AZEVEDO
                         [o mal-do-século é a solidão]
                                  MAL-DO-SÉCULO
                        [melancolia, spleen,obsessão pela morte]


A melancolia [melanina kole: “bile negra”], segundo os gregos, é um humor secretado pelo
baço [sede dos sentimentos] é consiste numa radical negação da perda. De acordo com a
psicanálise, o sujeito melancólico não consegue desligar-se de seu objeto perdido, o que o leva
a perder o interesse pela vida. Em alguns casos, a melancolia pode se tornar um caso
patológico, e exigir tratamento médico.
A POESIA DO ROMANTISMO
                                 segunda geração
                                 MAL-DO-SÉCULO
                      [melancolia, spleen,obsessão pela morte]


                                        SONETO

Já da morte o palor me cobre o rosto,
Nos lábios meus o alento desfalece,
Surda agonia o coração fenece,
E devora meu ser mortal desgosto!
                                                                   derrotismo
Do leito embalde no macio encosto
Tento o sono reter!... Já esmorece          a tristeza [mágoa] leva o locutor a um estado do prostração
O corpo exausto que o repouso esquece
Eis o estado em que a mágoa me tem posto!                          melancolia

O adeus, o teu adeus, minha saudade,              a tristeza profunda leva à obsessão pela morte
Fazem que insano do viver me prive
E tenha os olhos meus na escuridade                    sofrimento amoroso e idealização

Dá-me a esperança com que o seu mantive!
Volve ao amante os olhos por piedade,
Olhos por quem viveu quem já não vive!
ELEMENTOS PRÉ-TEXTUAIS

                                      epígrafes
                    Cantando a vida, como o cisne a morte!
                    Dieu, amour et poésie sont les
                    trois mots que je voudrais
                    seuls graver sur ma pierre,
                    si je mérite une pierre!

                                      estrutura

        PARTES 1 e 3                                                    PARTE 2

solar, idealização, ingenuidade                             ironia, pessimismo, spleen
      A FACE DE ARIEL                                           A FACE DE CALIBAN

                                     dedicatória

            O livro é dedicado à mãe do poeta [proposta de volta ao seio materno]

                                   [postura adolescente]
ARIEL: primeira e terceira partes

                             suave          ingênuo         sensível
  IDEALIZAÇÃO
                              sentimental        elegíaco        recatado

                                            Era o vate da Corte – bem nutrido,
Descansem o meu leito solitário             Farto de sangue, mas de veia pobre,
Na floresta dos homens esquecida.           Caídos beiços, volumoso abdômen,
À sombra de uma cruz, e escrevam nela:      Grisalha cabeleira esparramada,
– Foi poeta – sonhou – e amou na vida.      Tremendo narigão, mas testa curta;
                                            Em suma, um glosador de sobremesas.

                           macabro           satírico        sarcástico
DESIDEALIZAÇÃO
                             ironia          cinismo        irreverência



                            CALIBAN: segunda parte
A POESIA DO ROMANTISMO
                                 segunda geração
                                A FACE DE ARIEL
                             [visão ingênua e sentimental]


                             DREAMS, DREAMS, DREAMS
Virgem do meu amor, o beijo a furto
Que pouso em tua face adormecida
Não te lembra no peito os meus amores
E a febre de sonhar da minha vida?
Dorme, ó anjo de amor! no teu silêncio                         lirismo amoroso
O meu peito se afoga de ternura
E sinto que o porvir não vale um beijo           a mulher amada aparece idealizada pelo locutor
E o céu um teu suspiro de ventura!
                                                                  idealização
Um beijo divinal que acende as veias,
Que de encantos os olhos ilumina,                      mulher [virgem, anjo, adormecida]
Colhido a medo como flor da noite
Do teu lábio na rosa purpurina                     impossibilidade de realização amorosa
E um volver de teus olhos transparentes,
Um olhar dessa pálpebra sombria,
Talvez pudessem reviver-me n’alma
As santas ilusões de que eu vivia!
A POESIA DO ROMANTISMO
                                 segunda geração
                              O AMOR IDEALIZADO
                  [mulher indisponível: branca, anjo, morta, virgem]


                                         SONETO

Pálida, à luz da lâmpada sombria,
Sobre o leito de flores reclinada,                                 idealização
Como a lua por noite embalsamada,
Entre as nuvens do amor ela dormia!                       vocabulário ligado à cor branca
Era a virgem do mar! Na escuma fria
                                                   mulher morta, mulher dormindo, anjo, virgem
Pela maré das águas embalada!
Era um anjo entre nuvens d’alvorada           o locutor observa a amada, mas não parte para a ação
Que em sonhos se banhava e se esquecia!
                                                                  poeta voyeur
Era mais bela! O seio palpitando...
Negros olhos as pálpebras abrindo...                           imagens sensuais
Formas nuas no leito resvalando...
                                              medo de amar [mulher indisponível + mulher idealizada]
Não te rias de mim, meu anjo lindo!
Por ti – as noites eu velei chorando,                     visão ingênua e sentimental
Por ti – nos sonhos morrerei sorrindo.
A FACE DE ARIEL: uma postura doce e meiga


                                              amada dormindo
                   medo                              anjo
                    de                          virgem morta
                                                   criança
                   amar                      a figura da estátua

O medo de amar é a revelação de uma postura imatura, adolescente e ingênua por parte do
poeta: diante da mulher de sua classe social, adota uma postura tímida e recatada para
expressar a impossibilidade do contato erótico.
A POESIA DO ROMANTISMO
                                 segunda geração
                                 A FACE DE ARIEL
                             [visão ingênua e sentimental]


                                     VIRGEM MORTA
Ó minha amante, minha doce virgem,
Eu não te profanei, tu dormes pura:
No sono do mistério, qual na vida,
Podes sonhar ainda na ventura.
                                                        lirismo amoroso [idealização]
Bem cedo, ao menos, eu serei contigo
— Na dor do coração a morte leio...              a mulher aparece como virgem [irmã dos anjos]
Poderei amanhã, talvez, meus lábios
Da irmã dos anjos encostar no seio...                            mulher morta
Morreu com ela da esperança o mundo!...              [idealizada e indisponível para o sexo]
No leito virginal de minha noiva
Quero, nas sombras do verão da vida,                   melancolia [sofrimento amoroso]
Prantear os meus únicos amores,
                                                          medo de amar [idealização]
Quero ali, ao luar, sentir passando
Por alta noite a viração marinha,
E ouvir, bem junto às flores do sepulcro,
Os sonhos de su’alma inocentinha.
A POESIA DO ROMANTISMO
                                segunda geração
                                A FACE DE ARIEL
                            [visão ingênua e sentimental]


                              LEMBRANÇA DE MORRER
Quando em meu peito rebentar-se a fibra,
Que o espírito enlaça à dor vivente,
Não derramem por mim nenhuma lágrima
Em pálpebra demente
                                                            spleen [mal-do-século]
Eu deixo a vida como deixa o tédio
Do deserto, o poento caminheiro                                  melancolia
- Como as horas de um longo pesadelo
Que se desfez ao dobre do sineiro;                              mulher morta
Só levo uma saudade – é dessas sombras                      postura adolescente
Que eu sentia velar nas noites minhas...
De ti, ó minha mãe! Pobre coitada                    [ligação com a irmã e com a mãe]
Que por minha tristeza te definhas!
                                                                 idealização
Mas quando preludia ave d’aurora
E quando à meia-noite o céu repousa,
Arvoredos do bosque, abri os ramos...
Deixai a lua pratear-me a lousa!
SEGUNDA INTRODUÇÃO: A face de Caliban
Cuidado, leitor, ao voltar a página! Aqui dissipa-se o mundo visionário e platônico. Vamos
entrar num mundo novo, terra fantástica, verdadeira ilha Barataria de D. Quixote, onde
Sancho é rei; e vivem Panúrgio, sir John Falstaff, Bardolph, Fígaro e o Sganarello de D. João
Tenório: a pátria dos sonhos de Cervantes e Shakespeare. Quase que depois de Ariel
esbarramos em Caliban. A razão é simples. É que a unidade deste livro funda-se numa
binomia. Duas almas que moram nas cavernas de um cérebro pouco mais ou menos de poeta
escreveram este livro, verdadeira medalha de duas faces. Demais, perdoem-me os poetas do
tempo, isto aqui é um tema, senão mais novo, menos esgotado ao menos que o
sentimentalismo tão fashionable desde Werther e René.

                              ALGUMAS CONSIDERAÇÕES


      esta segunda introdução [de cunho metalingüístico] alerta o leitor para a temática da

      da segunda parte da Lira dos vinte anos [desidealização, satanismo, ironia romântica]

       trata-se, na verdade, de uma carta de intenções que objetiva aliar-se ao byronismo
A POESIA DO ROMANTISMO
                                  segunda geração
                 A IRONIA ROMÂNTICA: POETA MALDITO
                   [a face de caliban: visão sarcástica do mundo]


                                       SEM TÍTULO
Eu durmo e vivo ao sol como um cigano,
Fumando meu cigarro vaporoso;
Nas noites de verão namoro estrelas;
Sou pobre, sou mendigo e sou ditoso!
Ando roto, sem bolsos nem dinheiro;
Mas tenho na viola uma riqueza:                                  a ironia romântica
Canto à lua de noite serenatas,
                                                          poeta maldito, vagabundo, marginal
E quem vive de amor não tem pobreza.
Não invejo ninguém, nem ouço a raiva                           desidealização
Nas cavernas do peito, sufocante,
                                           a mulher de carne e osso aparece disponível sexualmente
Quando à noite na treva em mim se entornam
Os reflexos do baile fascinante.
Namoro e sou feliz nos meus amores;
Sou garboso e rapaz... Uma criada
Abrasada de amor por um soneto
Já um beijo me deu subindo a escada...
A POESIA DO ROMANTISMO
                                segunda geração
                A IRONIA ROMÂNTICA: POETA MALDITO
                  [a face de caliban: visão sarcástica do mundo]


                                O POETA MORIBUNDO
Poetas! amanhã ao meu cadáver
Minha tripa cortai mais sonorosa!...
Façam dela uma corda e cantem nela
Os amores da vida esperançosa!
Coração, por que tremes? Vejo a morte,                      desidealização
Ali vem lazarenta e desdentada...
Que noiva!... E devo então dormir com ela?         poeta maldito, vagabundo, marginal
Se ela ao menos dormisse mascarada!
                                                       carnavalização da morte
No inferno estão suavíssimas belezas,
Cleópatras, Helenas, Eleonoras;                a morte é vista como uma celebração festiva
Lá se namora em boa companhia,
Não pode haver inferno com Senhoras!          corrosão das convenções sociais [byronismo]

Se é verdade que os homens gozadores,
Amigos de no vinho ter consolos,
Foram com Satanás fazer colônia,
Antes lá que do Céu sofrer os tolos!
A POESIA DO ROMANTISMO
                                 segunda geração
               NEGAÇÃO DA PERDA, DESEJO DE MORTE
                   [a face de caliban: visão sarcástica do mundo]


                                      SEM TÍTULO
Morrer! Morrer! É a voz das sepulturas!
Como a lua nas salas festivas                                  dor e sofrimento
A morte em nós se estampa!
E os pobres sonhadores de venturas           a morte é desejada, como possível fim para o sofrimento
Roxeiam amanhã nos funerais
E vão rolar na campa!                                              morbidez

E por três noites padeci três anos,                               melancolia
Na vida cheia de saudade infinda...
Três anos de esperança e de martírio...                          desertificação
Três anos de sofrer – e espero ainda!
A POESIA DO ROMANTISMO
                                  segunda geração
                 A IRONIA ROMÂNTICA: POETA MALDITO
                   [a face de caliban: visão sarcástica do mundo]


                              É ELA! É ELA! É ELA! É ELA!
É ela! é ela! murmurei tremendo,
E o eco ao longe murmurou - é ela!
Eu a vi... minha fada aérea e pura -
A minha lavadeira na janela!
Esta noite eu ousei mais atrevido                              a ironia romântica
Nas telhas que estalavam nos meus passos
Ir espiar seu venturoso sono,                 a mulher de classes baixas está disponível para o sexo
Vê-la mais bela de Morfeu nos braços!
                                                                 desidealização
Como dormia! que profundo sono!...
Tinha na mão o ferro do engomado...                 [lavadeira, ferro de passar roupas, ronco]
Como roncava maviosa e pura!...
Quase caí na rua desmaiado!                            postura imatura e preconceituosa

Afastei a janela, entrei medroso...
Palpitava-lhe o seio adormecido...
Fui beijá-la... roubei do seio dela
Um bilhete que estava ali metido...

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Análise de lira dos vinte anos, de álvares de azevedo

  • 1. Lira dos vinte anos, Álvares de Azevedo Manoel Neves
  • 2. ÁLVARES DE AZEVEDO [o mal-do-século é a solidão] MAL-DO-SÉCULO [melancolia, spleen,obsessão pela morte] A melancolia [melanina kole: “bile negra”], segundo os gregos, é um humor secretado pelo baço [sede dos sentimentos] é consiste numa radical negação da perda. De acordo com a psicanálise, o sujeito melancólico não consegue desligar-se de seu objeto perdido, o que o leva a perder o interesse pela vida. Em alguns casos, a melancolia pode se tornar um caso patológico, e exigir tratamento médico.
  • 3. A POESIA DO ROMANTISMO segunda geração MAL-DO-SÉCULO [melancolia, spleen,obsessão pela morte] SONETO Já da morte o palor me cobre o rosto, Nos lábios meus o alento desfalece, Surda agonia o coração fenece, E devora meu ser mortal desgosto! derrotismo Do leito embalde no macio encosto Tento o sono reter!... Já esmorece a tristeza [mágoa] leva o locutor a um estado do prostração O corpo exausto que o repouso esquece Eis o estado em que a mágoa me tem posto! melancolia O adeus, o teu adeus, minha saudade, a tristeza profunda leva à obsessão pela morte Fazem que insano do viver me prive E tenha os olhos meus na escuridade sofrimento amoroso e idealização Dá-me a esperança com que o seu mantive! Volve ao amante os olhos por piedade, Olhos por quem viveu quem já não vive!
  • 4. ELEMENTOS PRÉ-TEXTUAIS epígrafes Cantando a vida, como o cisne a morte! Dieu, amour et poésie sont les trois mots que je voudrais seuls graver sur ma pierre, si je mérite une pierre! estrutura PARTES 1 e 3 PARTE 2 solar, idealização, ingenuidade ironia, pessimismo, spleen A FACE DE ARIEL A FACE DE CALIBAN dedicatória O livro é dedicado à mãe do poeta [proposta de volta ao seio materno] [postura adolescente]
  • 5. ARIEL: primeira e terceira partes suave ingênuo sensível IDEALIZAÇÃO sentimental elegíaco recatado Era o vate da Corte – bem nutrido, Descansem o meu leito solitário Farto de sangue, mas de veia pobre, Na floresta dos homens esquecida. Caídos beiços, volumoso abdômen, À sombra de uma cruz, e escrevam nela: Grisalha cabeleira esparramada, – Foi poeta – sonhou – e amou na vida. Tremendo narigão, mas testa curta; Em suma, um glosador de sobremesas. macabro satírico sarcástico DESIDEALIZAÇÃO ironia cinismo irreverência CALIBAN: segunda parte
  • 6. A POESIA DO ROMANTISMO segunda geração A FACE DE ARIEL [visão ingênua e sentimental] DREAMS, DREAMS, DREAMS Virgem do meu amor, o beijo a furto Que pouso em tua face adormecida Não te lembra no peito os meus amores E a febre de sonhar da minha vida? Dorme, ó anjo de amor! no teu silêncio lirismo amoroso O meu peito se afoga de ternura E sinto que o porvir não vale um beijo a mulher amada aparece idealizada pelo locutor E o céu um teu suspiro de ventura! idealização Um beijo divinal que acende as veias, Que de encantos os olhos ilumina, mulher [virgem, anjo, adormecida] Colhido a medo como flor da noite Do teu lábio na rosa purpurina impossibilidade de realização amorosa E um volver de teus olhos transparentes, Um olhar dessa pálpebra sombria, Talvez pudessem reviver-me n’alma As santas ilusões de que eu vivia!
  • 7. A POESIA DO ROMANTISMO segunda geração O AMOR IDEALIZADO [mulher indisponível: branca, anjo, morta, virgem] SONETO Pálida, à luz da lâmpada sombria, Sobre o leito de flores reclinada, idealização Como a lua por noite embalsamada, Entre as nuvens do amor ela dormia! vocabulário ligado à cor branca Era a virgem do mar! Na escuma fria mulher morta, mulher dormindo, anjo, virgem Pela maré das águas embalada! Era um anjo entre nuvens d’alvorada o locutor observa a amada, mas não parte para a ação Que em sonhos se banhava e se esquecia! poeta voyeur Era mais bela! O seio palpitando... Negros olhos as pálpebras abrindo... imagens sensuais Formas nuas no leito resvalando... medo de amar [mulher indisponível + mulher idealizada] Não te rias de mim, meu anjo lindo! Por ti – as noites eu velei chorando, visão ingênua e sentimental Por ti – nos sonhos morrerei sorrindo.
  • 8. A FACE DE ARIEL: uma postura doce e meiga amada dormindo medo anjo de virgem morta criança amar a figura da estátua O medo de amar é a revelação de uma postura imatura, adolescente e ingênua por parte do poeta: diante da mulher de sua classe social, adota uma postura tímida e recatada para expressar a impossibilidade do contato erótico.
  • 9. A POESIA DO ROMANTISMO segunda geração A FACE DE ARIEL [visão ingênua e sentimental] VIRGEM MORTA Ó minha amante, minha doce virgem, Eu não te profanei, tu dormes pura: No sono do mistério, qual na vida, Podes sonhar ainda na ventura. lirismo amoroso [idealização] Bem cedo, ao menos, eu serei contigo — Na dor do coração a morte leio... a mulher aparece como virgem [irmã dos anjos] Poderei amanhã, talvez, meus lábios Da irmã dos anjos encostar no seio... mulher morta Morreu com ela da esperança o mundo!... [idealizada e indisponível para o sexo] No leito virginal de minha noiva Quero, nas sombras do verão da vida, melancolia [sofrimento amoroso] Prantear os meus únicos amores, medo de amar [idealização] Quero ali, ao luar, sentir passando Por alta noite a viração marinha, E ouvir, bem junto às flores do sepulcro, Os sonhos de su’alma inocentinha.
  • 10. A POESIA DO ROMANTISMO segunda geração A FACE DE ARIEL [visão ingênua e sentimental] LEMBRANÇA DE MORRER Quando em meu peito rebentar-se a fibra, Que o espírito enlaça à dor vivente, Não derramem por mim nenhuma lágrima Em pálpebra demente spleen [mal-do-século] Eu deixo a vida como deixa o tédio Do deserto, o poento caminheiro melancolia - Como as horas de um longo pesadelo Que se desfez ao dobre do sineiro; mulher morta Só levo uma saudade – é dessas sombras postura adolescente Que eu sentia velar nas noites minhas... De ti, ó minha mãe! Pobre coitada [ligação com a irmã e com a mãe] Que por minha tristeza te definhas! idealização Mas quando preludia ave d’aurora E quando à meia-noite o céu repousa, Arvoredos do bosque, abri os ramos... Deixai a lua pratear-me a lousa!
  • 11. SEGUNDA INTRODUÇÃO: A face de Caliban Cuidado, leitor, ao voltar a página! Aqui dissipa-se o mundo visionário e platônico. Vamos entrar num mundo novo, terra fantástica, verdadeira ilha Barataria de D. Quixote, onde Sancho é rei; e vivem Panúrgio, sir John Falstaff, Bardolph, Fígaro e o Sganarello de D. João Tenório: a pátria dos sonhos de Cervantes e Shakespeare. Quase que depois de Ariel esbarramos em Caliban. A razão é simples. É que a unidade deste livro funda-se numa binomia. Duas almas que moram nas cavernas de um cérebro pouco mais ou menos de poeta escreveram este livro, verdadeira medalha de duas faces. Demais, perdoem-me os poetas do tempo, isto aqui é um tema, senão mais novo, menos esgotado ao menos que o sentimentalismo tão fashionable desde Werther e René. ALGUMAS CONSIDERAÇÕES esta segunda introdução [de cunho metalingüístico] alerta o leitor para a temática da da segunda parte da Lira dos vinte anos [desidealização, satanismo, ironia romântica] trata-se, na verdade, de uma carta de intenções que objetiva aliar-se ao byronismo
  • 12. A POESIA DO ROMANTISMO segunda geração A IRONIA ROMÂNTICA: POETA MALDITO [a face de caliban: visão sarcástica do mundo] SEM TÍTULO Eu durmo e vivo ao sol como um cigano, Fumando meu cigarro vaporoso; Nas noites de verão namoro estrelas; Sou pobre, sou mendigo e sou ditoso! Ando roto, sem bolsos nem dinheiro; Mas tenho na viola uma riqueza: a ironia romântica Canto à lua de noite serenatas, poeta maldito, vagabundo, marginal E quem vive de amor não tem pobreza. Não invejo ninguém, nem ouço a raiva desidealização Nas cavernas do peito, sufocante, a mulher de carne e osso aparece disponível sexualmente Quando à noite na treva em mim se entornam Os reflexos do baile fascinante. Namoro e sou feliz nos meus amores; Sou garboso e rapaz... Uma criada Abrasada de amor por um soneto Já um beijo me deu subindo a escada...
  • 13. A POESIA DO ROMANTISMO segunda geração A IRONIA ROMÂNTICA: POETA MALDITO [a face de caliban: visão sarcástica do mundo] O POETA MORIBUNDO Poetas! amanhã ao meu cadáver Minha tripa cortai mais sonorosa!... Façam dela uma corda e cantem nela Os amores da vida esperançosa! Coração, por que tremes? Vejo a morte, desidealização Ali vem lazarenta e desdentada... Que noiva!... E devo então dormir com ela? poeta maldito, vagabundo, marginal Se ela ao menos dormisse mascarada! carnavalização da morte No inferno estão suavíssimas belezas, Cleópatras, Helenas, Eleonoras; a morte é vista como uma celebração festiva Lá se namora em boa companhia, Não pode haver inferno com Senhoras! corrosão das convenções sociais [byronismo] Se é verdade que os homens gozadores, Amigos de no vinho ter consolos, Foram com Satanás fazer colônia, Antes lá que do Céu sofrer os tolos!
  • 14. A POESIA DO ROMANTISMO segunda geração NEGAÇÃO DA PERDA, DESEJO DE MORTE [a face de caliban: visão sarcástica do mundo] SEM TÍTULO Morrer! Morrer! É a voz das sepulturas! Como a lua nas salas festivas dor e sofrimento A morte em nós se estampa! E os pobres sonhadores de venturas a morte é desejada, como possível fim para o sofrimento Roxeiam amanhã nos funerais E vão rolar na campa! morbidez E por três noites padeci três anos, melancolia Na vida cheia de saudade infinda... Três anos de esperança e de martírio... desertificação Três anos de sofrer – e espero ainda!
  • 15. A POESIA DO ROMANTISMO segunda geração A IRONIA ROMÂNTICA: POETA MALDITO [a face de caliban: visão sarcástica do mundo] É ELA! É ELA! É ELA! É ELA! É ela! é ela! murmurei tremendo, E o eco ao longe murmurou - é ela! Eu a vi... minha fada aérea e pura - A minha lavadeira na janela! Esta noite eu ousei mais atrevido a ironia romântica Nas telhas que estalavam nos meus passos Ir espiar seu venturoso sono, a mulher de classes baixas está disponível para o sexo Vê-la mais bela de Morfeu nos braços! desidealização Como dormia! que profundo sono!... Tinha na mão o ferro do engomado... [lavadeira, ferro de passar roupas, ronco] Como roncava maviosa e pura!... Quase caí na rua desmaiado! postura imatura e preconceituosa Afastei a janela, entrei medroso... Palpitava-lhe o seio adormecido... Fui beijá-la... roubei do seio dela Um bilhete que estava ali metido...