3. NARRAÇÃO (canto IV) 83Foram de Emanuel (Rei D. Manuel) remunerados,Porque com mais amor se apercebessem,E com palavras altas animadosPara quantos trabalhos sucedessem.Assi foram os Mínias(povo onde Jasão recrutou a tripulação e guerreiros da nau Argos ) ajuntados,Para que o Véu (velo de ouro) dourado combatessem,Na fatídica (a nau Argos tinha o condão de falar emitindo oráculos). Nau, que ousou primeiraTentar o mar Euxínio, (Mar Negro) aventureira
4. A viagem à Índia tinha sido planeada por D. João III, mas só foi concretizada por D. Manuel I, porque em sonhos lhe tinha sido auspiciado um bom futuro. D. Manuel premiou-os e animou-os com palavras de louvor. Da mesma forma tinham sido reunidos à conquista do Velo de Ouro , na nau fadada, que pela primeira vez se arriscou a navegar o mar Negro.
6. 84E já no porto da ínclita Ulisseia(Lisboa)Cum alvoroço nobre e cum desejo, (Onde o licor (água) mistura e branca areiaCo salgado Neptuno (mar) o doce Tejo)As naus prestes estão; e não refreiaTemor nenhum o juvenil despejo, (vivacidade, ousadia)Porque a gente marítima e a de MarteEstão para seguir-me a toda parte.
7. Já no porto de Lisboa, onde o Tejo mistura as suas águas e areias com as do oceano, estavam prestes as naus e os homens, alvoroçados e animados de um nobre desejo. Nenhum receio entravava o atrevimento juvenil. Soldados e marinheiros estão prontos a seguir o Gama para onde quer que seja.
8. 85Pelas praias vestidos os soldadosDe várias cores vêm e várias artes,E não menos de esforço aparelhados (preparados)Pera buscar do mundo novas partes. (objectivo da viagem)Nas fortes naus os ventos sossegadosOndeiam os aéreos estandartes;Elas prometem, vendo os mares largos,De ser no Olimpo estrelas como a de Argos.
9. Vêm os soldados pelas praias, vestidos de cores e feitios diversos, preparados para buscar novas regiões do mundo. A brisa faz ondear as bandeiras das naus, que estão destinadas, pela sua grande viagem, a subir ao céu, como a dos Argonautas.
10. 86Despois de aparelhados desta sorteDe quanto tal viagem pede e manda,Aparelhámos a alma para a morte, (ouvimos missa e comungámos) (eufemismo)Que sempre aos nautas ante os olhos anda.Para o sumo Poder que a etérea CorteSustenta só coa vista veneranda,Implorámos favor que nos guiasse,E que nossos começos aspirasse. (auxiliasse)
11. Depois dos preparativos para viagem, prepararam a alma para a morte, que anda sempre diante dos olhos dos marinheiros. Imploraram o favor de Deus para que favorecesse os começos da viagem.
12. 1ª Parte (estrofe 83 à estrofe 86) Localização da acção no tempo e no espaço (Reinado de D. Manuel I; Lisboa); Preparação das naus; Preparação espiritual dos marinheiros (oração e pedido de auxílio).
13. 87Partimo-nos assim do santo templo (Ermida de Nossa Srª de Belém)Que nas praias do mar está assentado,Que o nome tem da terra, pera exemplo,Donde Deus foi em carne ao mundo dado.Certifico-te, ó Rei, (destinatário da mensagem – Rei de Melinde) que se contemploComo fui destas praias apartado,Cheio dentro de dúvida e receio,Que apenas nos meus olhos ponho o freio.
14. Assim partiram do templo de Belém, que está à beira da água. Quando pensa nesta partida, Vasco da Gama mal pode reter as lágrimas. Belém é o nome da terra onde nasceu Cristo. O mesmo nome foi dado a uma capela, depois substituída pelo Mosteiro dos Jerónimos.
15. 88A gente da cidade aquele dia,(Uns por amigos, outros por parentes,Outros por ver somente) (enumeração) concorria,Saudosos na vista e descontentes.E nóscoa virtuosa companhiaDe mil religiosos diligentes, (hipérbole)Em procissão solene a Deus orando,Para os batéis viemos caminhando.
16. Vinha gente da cidade por causa de amigos os parentes ou só para ver, saudosos e tristes. Eles, acompanhados de muitos frades, em procissão solene avançaram rezando para os batéis.
17. 89Em tão longo caminho e duvidosoPor perdidos as gentes nos julgavam, (hipérbato)As mulheres cum choro piedoso,Os homens com suspiros que arrancavam;Mães, esposas, irmãs, que o temerosoAmor mais desconfia, acrescentavamA desesperação e frio medoDe já nos não tornar a ver tão cedo.
18. As gentes davam-nos já por perdidos, tratando-se de uma viagem tão longa e incerta. As mulheres choravam, os homens suspiravam de maneira comovente. Nas mães, esposas e irmãs era maior ainda o desespero e o medo.
19. 90Qual vai dizendo: -”Ó filho, a quem eu tinhaSó para refrigério, e doce amparoDesta cansada já velhice minha,Que em choro acabará, penoso e amaro,Por que me deixas, mísera e mesquinha?Por que de mi te vás, ó filho caro,A fazer o funéreo enterramento, (pleonasmo)Onde sejas de pexes mantimento?”
20. Uma fala ao filho, queixando-se de que ele a deixa desamparada na velhice para ser comido pelos peixes.
21. 91Qual em cabelo: -”Ó doce e amado esposo,Sem quem não quis Amor que viver possa,Por que is aventurar ao mar irosoEssa vida que é minha, e não é vossa?Como por um caminho duvidosoVos esquece a afeição tão doce nossa?Nosso amor, nosso vão contentamentoQuereis que com as velas leve o vento?”
22. Outra, com o cabelo descoberto, fala ao marido, mostrando-se magoada por ele ir arriscar ao mar uma vida que lhe pertence (a ela) e trocar o amor entre ambos pela incerteza.
23. 92Nestas e outras palavras que diziamDe amor e de piedosa humanidade,Os velhos e os mininos os seguiam,Em quem menos esforço põe a idade.Os montes de mais perto respondiam,Quase movidos de alta piedade;A branca areia as lágrimas banhavam,Que em multidão com elas se igualavam.
24. 2ª Parte (estrofe 87 à estrofe 92) Descrição da procissão solene até às naus. Reacções das pessoas que assistem à partida. Reacções da Natureza à partida dos marinheiros.
25. 93Nós outros sem a vista alevantarmosNem a mãe, nem a esposa, neste estado,Por nos não magoarmos, ou mudarmosDo propósito firme começado,Determinei de assi nos embarcarmosSem o despedimento costumado,Que, posto que é de amor usança boa,A quem se aparta, ou fica, mais magoa.
26. 3ª Parte (estrofe 93) Partida para a Índia sem as despedidas habituais. Lurdes Martins