1. UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA
FACULDADE DE CIÊNCIAS E LETRAS
PÓS-GRADUAÇÃO: PSICOPEDAGOGIA INSTITUCIONAL E CLÍNICA
ALENCAR APARECIDO RODRIGUES
CONTORNOS PROJETIVOS DAS
DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM
ARARAQUARA
NOVEMBRO/2009
2. ALENCAR APARECIDO RODRIGUES
CONTORNOS PROJETIVOS DAS
DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM
Trabalho Monográfico/Estudo de
Caso apresentado ao programa de
Pós-Graduação da Universidade
Estadual Paulista, Araraquara, para
obtenção do grau de Especialista
em Psicopedagogia Educacional e
Clínica.
Orientador: Prof. Dr. Paulo Rennes Marçal Ribeiro
ARARAQUARA
NOVEMBRO/2009
3. UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA
FACULDADE DE CIÊNCIAS E LETRAS
PÓS-GRADUAÇÃO: PSICOPEDAGOGIA INSTITUCIONAL E CLÍNICA
ALENCAR APARECIDO RODRIGUES
CONTORNOS PROJETIVOS DAS
DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM
Trabalho Monográfico para obtenção do grau de Especialista
Araraquara, 30 de novembro de 2009
Parecer:
Prof. Dr. Paulo Rennes Marçal Ribeiro – Orientador UNESP
Universidade Estadual Paulista.
4. Dedicatória
Dedicamos este trabalho aos alunos que
compartilharam através de seu subconsciente seus
medos, suas angústias e suas dificuldades. Da mesma
forma aqueles que sofreram um processo de exclusão
dentro da escola e hoje vivem num mundo sem
oportunidades lançados a própria sorte no convívio em
sociedade.
5. Agradecimento
Primeiramente aos professores que com coragem e sem hipocrisia
responderam ao questionário semi-estruturado da pesquisa demonstrando suas
virtudes e até mesmo suas incompetências que são justificáveis. Pois, esses
professores, corajosos em suas ações de educar, são privados de uma educação
continuada na busca de novas competências pelo fato do salário minguado, excesso
de trabalho, desorganização gestual da unidade escolar como também por
completarem duramente sua carga horária trabalhando em mais de duas escolas o
que torna impossível sua luta na busca por mais conhecimentos.
As professoras: Jaldenice Oliveira de França Queirós (Língua Portuguesa) e
Marileise Cristina Rozinelli de Freitas (Matemática), que pertencem a um universo
de exceções à regra de incompetência pelas suas qualidades não só didática e
pedagógica como também nas atitudes de enfrentar os desafios frente aos alunos
com dificuldades de aprendizagem num ambiente sem estrutura física,
organizacional e operacional que de suporte as suas ações em benefício de alunos
que correm o risco de passar por um processo de exclusão dentro da escola.
A coordenadora pedagógica Janete Aparecida Cattari Viana, que muitas vezes
é cerceada de suas principais funções como assessorar a ação docente no contexto
de seu trabalho na unidade escolar, incentivar e estimular a educação continuada
desse docente, acompanhar o desempenho dos alunos, de desenvolver projetos
pedagógicos que vão ao encontro das necessidades do aluno em detrimento de
tarefas que não condiz com suas responsabilidades que inibe a maneira de avançar
nas suas ações.
6. A professora Marli aparecida de Fátima Fagionato Vitoriano
que mesmo sem a escola lhe oferecer um único e simples projeto
pedagógico dentro de um plano escolar de diagnóstico e intervenção
em alunos com sérias defasagens de aprendizagem e/ou crianças
que se inserem na questão no contexto das Necessidades
Educacionais Especiais: Indivíduos que em suas singularidades
apresentam limitações físicas, motoras, sensoriais, cognitivas,
lingüísticas ou ainda síndromes variadas, altas habilidades, condutas
desviantes etc. Entre essas deficiências estão à mental, visual,
auditiva e múltipla, como também problemas de conduta, consegue
pela sua competência como educadora trabalhar sistematicamente
as necessidades desses alunos dando-lhes infinita contribuição na
construção de formação cognitiva e moral.
A Paula Barbosa. Queridíssima guerreira, cúmplice, inteligente,
acompanhante, guru, musa, otimista. Pelos espinhos que
atravessamos juntos por mais de dois anos em pistas perigosas em
dias de sol ou chuva. Pela alegria e pelo medo das horas dirigidas,
pelas horas estudadas, pelas horas trabalhadas, pelas horas
experienciadas, pelas horas sonhadas, pelo trabalho desenvolvido.
Pelo bom fruto criado da semente das incertezas irrigada pelas
águas de nossas vidas.
Ao Prof. Dr. Paulo Rennes por acreditar em nós, pelo estímulo,
pelo incentivo e pela compreensão. Pelo seu caráter, suas
habilidades e conhecimentos. Pela difusão de seus conhecimentos
sábios, pela divisão da imortalidade de sua qualidade mais sublime:
o saber.
A Melissa Nakasaki, a nossa (mél). Disciplinada companheira das
discussões mais fervorosas sobre o didático, o pedagógico e as
comadres. Pela capacidade de buscar, explicitar e dividir questões
que norteiam nossa vida acadêmica e pessoal. Pela capacidade de
dividir sonhos e abrir caminhos. Pela responsabilidade e habilidade
de criar amigos.
7. Epígrafe
Fui obrigado a recorrer à conclusão
insatisfatória de que existem, sem a menor
dúvida, combinações de objetos naturais
muito simples que tem o poder de afetar-nos
[...], embora a análise desse poder se baseie
em considerações que fiquem além de nossa
compreensão.
Edgar Alan Poe
8. RESUMO
Este estudo teve como objetivo demonstrar que através do procedimento desenhos-
estórias (Trinca, 1972) é possível identificar no início da pré-adolescência alunos que
possam apresentar possíveis diagnósticos de entrave no contexto das dificuldades de
aprendizagem. A técnica do procedimento desenhos-estórias promove a investigação da
personalidade do indivíduo e junto a isso a apercepção das dificuldades de aprendizagem.
Para melhor entender os problemas psicossociais do indivíduo o estudo baseou-se na teoria
psicanalítica de Donald Woods Winnicott. Participaram deste estudo cerca de cento e vinte
alunos da 5ª. Série do ensino fundamental da rede estadual de ensino da cidade de Santa
Bárbara d‟Oeste/SP. O percurso metodológico seguiu uma visão fenomenológica dentro de
um estudo de caso. Foram feitos 587 procedimentos desenhos-estórias e seus dados
tabulados de acordo com a distribuição da freqüência dos símbolos. Depois, foi feita a
distribuição da freqüência dos indícios psicológicos de 97 desenhos dos indivíduos inseridos
no contexto das dificuldades de aprendizagem. Por último, foi feita a análise e interpretação
dos procedimentos e unidades de produção de 21 indivíduos inerentes à problematização,
bem como a avaliação dos procedimentos e a discussão dos resultados. Os dados mostram
que o psicopedagogo possui um excelente instrumento para determinar
preventivamente qual aluno no início da pré-adolescência precisa passar por uma
completa sessão de avaliação psicopedagógica para o auxílio na identificação e
resolução dos problemas no processo de aprender.
Palavras-chave: adolescente, procedimento desenhos-estórias, dificuldades de
aprendizagem, D.W. Winnicott, psicopedagogia
9. ABSTRACT
This study was to demonstrate that by using the Drawing-and-Story Procedure of
Trinca, 1972 unable to identify at the beginning of adolescent students who may
make possible diagnoses obstacle in the context of learning difficulties. The technical
procedure Drawing-and-Story Procedure promotes individual's personality research
and with this the perception of learning difficulties. To better understand the
psychosocial problems of individual the study based on psychoanalytic theory of
Donald Woods Winnicott. About one hundred and twenty students from statewide
network of elementary education of the city of Santa Barbara d‟Oeste/SP participated
in this study. The methodological pathway followed a phenomenological vision within
a case study. Been made 587 procedures drawings-stories and your data
automatically tabulated in accordance with the distribution of frequency of symbols.
After the distribution was made of psychological evidence frequency of 97 drawings
of individuals placed in the context of learning difficulties. Finally, was made the
analysis and interpretation of the procedures and production units of 21 individuals
inherent in learning difficulties, as well as the evaluation of procedures and the
discussion of the results. The data show that psychopedagogo has an excellent
instrument to determine preventive which student at the beginning of adolescence
must go through a complete evaluation session psychopedagogical aid in identifying
and solving problems in the process of learning.
Keywords: teenage, procedure drawings-stories, learning difficulties, D.W.
Winnicott, psychopedagogy
10. SUMÁRIO
Resumo
Abstract
CAPÍTULO 1. APRESENTAÇÃO
CAPÍTULO 2. INTRODUÇÃO
CAPÍTULO 3. A PEDAGOGIA DO DESENHO INFANTIL
3.1 A Teoria
3.2 O Contexto Pedagógico do Desenho
3.3 Como Analisar e Interpretar Desenhos
3.4 O Desenho como Forma de Investigação da Personalidade
3.5 Aplicação Institucional do Procedimento Desenhos-Estórias
CAPÍTULO 4. BASES METODOLÓGICAS DA PESQUISA
4.1. A Abordagem Teórica-Metodológica
4.2 Os Sujeitos Participantes da Pesquisa
4.3 O Tempo e o Espaço da Problematização
4.4 Os Procedimentos
CAPÍTULO 5. A CRIANÇA E A PRÉ-ADOLESCÊNCIA
5.1 O Pré-adolescente e a Teoria Cognitiva de Jean Piaget
5.2 O Referencial Psicanalítico de Donald Woods Winnicott
CAPÍTULO 6. O MAPA DOS SÍMBOLOS
6.1 Distribuição da Freqüência de Escolha de Símbolos
6.2 A Representação Geral dos Símbolos das Projeções Psicossociais
6.3 Apresentação dos Indícios de Variáveis Psicológicas nos Sujeitos Inseridos no Contexto
das dificuldades de Aprendizagem.
CAPÍTULO 7. O MAPA DA PROBLEMATIZAÇÃO
7.1 Sujeitos Participantes no Contexto das Dificuldades de Aprendizagem (D.A.)
7.2 Indícios Abstratos e Intervenções do Professor no Âmbito das D.A.
7.3 Apresentação dos Quadros dos Sujeitos Inerentes à Problematização
7.4 A Relação dos Alunos com a Escola e com o Saber
7.5 O Discurso do Professor
CAPÍTULO 8. APRESENTAÇÃO DE ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO
8.1 Procedimentos e Unidades de Produção
8.2 Avaliação dos Procedimentos
CAPÍTULO 9. RESULTADOS
9.1 Discussão dos Resultados
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCAS BIBLIOGRÁFICAS
11. 1
Capítulo 1. APRESENTAÇÃO
Todo ano a incompetência da unidade escolar no processo
ensino/aprendizagem/gestão é representada, em parte, pelo Índice do
Desenvolvimento Escolar (Idesp). Digo em parte, pois dentro do parâmetro de sua
avaliação, além das provas objetivas que incluem Português, Matemática e
Ciências, é considerado também o Fluxo Escolar¹. Nesse caso podemos dizer que
os números da evasão são reais da mesma forma que os números dos repetentes.
Já, o número estatísticos dos promovidos é norteado pela necessidade do gestor
(diretor(a) da escola) em manter seus índices de aprovação o qual incide
diretamente na quantidade de bônus que todos da escola receberão, portanto, esses
números são falsos, maquiados, envergonhados.
Nesse contexto a tão sonhada Progressão Continuada² idealizada por Paulo
Freire³ dá lugar à Promoção Continuada4. Dezenas de alunos são promovidos sem
atingir os objetivos reais da Progressão Continuada entre elas benefícios quanto a
diminuição efetiva da evasão escolar, inovações didáticos/pedagógicas, mudança no
comportamento do aluno, real diminuição dos índices de repetência decorrente do
cumprimento explícito em seu próprio nome “Progressão Continuada” o que significa
promover ao aluno um ensino de qualidade, inclusão e igualdade de oportunidades e
produção de conhecimentos. Se para esses alunos o futuro acadêmico, econômico e
social é, certamente, nebuloso podemos então construir uma hipótese real àqueles
que dentro de um contexto tão fraco no âmbito da formação de elementos que
possam representar perante a sociedade sua cidadania com questionamentos
críticos, compreensão e reflexão de mundo e promover mudanças apresentarem já
no início de suas vidas acadêmicas dificuldades de aprendizagem no âmbito da
leitura, escrita e cálculo e são promovidos junto aos que não adquirem um mínimo
de conhecimento cognitivo e vêem a escola como referencial de desenvolvimento e
_________________
1
Fluxo escolar: análise do comportamento da progressão dos alunos em relação à sua condição de
promovido, repetente ou evadido.
2
Progressão Continuada: regime educacional que leva em consideração o progresso do aluno
3
Educador brasileiro que se destacou por seu trabalho na área da educação popular, voltada tanto
para a escolarização como para a formação da consciência.
4
Uma idéia distorcida da Progressão Continuada
12. 2
progresso. Isso pode produzir no indivíduo um sentimento de baixo-estima,
depressão, intolerância e agressividade. No âmbito social, da agressividade à
delinqüência é um caminho curto que se constrói pelo caráter da frustração e do
ódio constituindo no sujeito um entrave no caminho de sua socialização.
Esse cenário estimulou a realização da presente pesquisa fundamentada em
uma simples, mas concreta pergunta problematizada a partir do tem “dificuldades de
aprendizagem”: Como é possível identificar, no início da pré-adolescência, alunos
que possam apresentar sintomas de possível problema no contexto da
aprendizagem? Se o aluno é promovido continuamente o que menos o avalia é a
nota, uma vez que na maioria das vezes o professor provém ao aluno um significado
subjetivo de avaliação.
A partir desse contexto preocupante a pesquisa tomou seu curso com a intenção
de identificar se a forma adotada para descobrir futuros alunos que possam ser
inseridos na preocupação descritiva é plausível para tal problemática. Por dez
meses cerca de 120 alunos foram observados à sua trajetória cognitiva e psíquica
no sentido de que no último mês do ano letivo pudéssemos aplicar a técnica de
investigação da personalidade5 através do procedimento desenhos-estórias (Trinca,
1972)6 e fundamentado na teoria psicanalítica de Donald Woods Winnicott7. Para
subsidiar as argumentações, na introdução da dissertação faço uma
contextualização da revisão literária sobre o contexto das dificuldades de
aprendizagem e nos capítulos seguintes a descrição dos procedimentos e a teoria
winnicottiana.
________________
5
Conjunto de características psicológicas que determinam a individualidade pessoal e social do
indivíduo.
6
Professor Titular pelo Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo. Especialista em
pesquisas escreveu o livro “Formas de investigação clínica em psicologia.”
7
Pediatra e Psicanalista Inglês criador, após 46 anos de pesquisa, de uma teoria que nos remete à
compreensão dos estágios mais primitivos do desenvolvimento emocional humano.
13. 3
No final do processo, a grande maioria dos alunos não apresentava nenhuma
grave deficiência cognitiva8 piagetiana9 e/ou psíquica10. Para além dessa
constatação, relativamente óbvia, a atenção esteve voltada aos alunos que
configuravam um quadro de deficiência no contexto da aprendizagem da leitura,
escrita e cálculos. Isso foi observado neste período de dez meses da pesquisa e
endossado pela fala dos professores de Português, Matemática, Geografia e História
ouvidos durante o procedimento da pesquisa. A análise cognitiva e psicológica
mostra que além deste trabalho objetivar uma reflexão à pergunta problematizada a
partir do tema, abre um campo de pesquisa ao buscar uma alternativa preventiva
antes mesmo que o processo das dificuldades de aprendizagens tenha início, uma
vez que inúmeras são as pesquisas relacionadas aos fatores intervenientes
educativas e diagnósticos no processo de aprendizagem11, tratamentos dos
problemas de aprendizagem12, causas e formas de tratamento13, ação
psicopedagógica14, após o diagnóstico e muitos outros que são significativamente
importantes fontes de pesquisa na área da Psicopedagogia. Desta forma, este
estudo vem ao encontro daqueles que buscam compreender e contribuir para a
solidificação de uma área da ciência tão nova e tão nobre de cunho pedagógico e
psicológico. Somado a isso, nossa pesquisa constatou que apenas uma pesquisa 15
(especialização) e uma dissertação de doutorado16 ambas não disponibilizadas para
uma análise aprofundada de aplicação de desenhos-estórias cujo estudos estão
relacionados aos aspectos dos desenhos de crianças com dificuldades no
aprendizado da leitura e escrita e estão relacionados estritamente à área da
psicologia.
_____________________
8
Capacidade de construir conhecimento
9
Jean Piaget, psicólogo e filósofo foi um importante teórico do processo do conhecimento humano
(epistemologia).
10
Representa qualquer condição de perda ou alteração temporária ou permanente de uma função
psicológicas como as deficiências intelectuais, a doença mental, bem como as deficiências das
funções gnósticas e práxicas.
11
(Bassedas, 1996)
12
(Paín, 2007)
13
(Bossa, 2000)
14
(Ferreira, 2001)
15
(Christofi, 1995), monografia (especialização), escola paulista de medicina 38pp.
16
(Morelli, 1989), dificuldades na aprendizagem da leitura e da escrita: uma visão multidisciplinar,
universidade de São Paulo.
14. 4
Capítulo 2. INTRODUÇÃO
Falar da aprendizagem como processo de adquirir conhecimentos nos remete ao
início da própria existência do homem na sua construção psíquica, cognitiva e
filosófica se bem que essas manifestações se davam em suas formas mais
primitivas e atemporais. Com a evolução esse contexto serve de base existencial
para se comportar como ser-no-mundo17. Investigações empíricas analíticas18 em
diversas áreas das ciências se fundamentavam no pressuposto de que o
crescimento cognitivo do indivíduo provém de sua experiência, ou seja, de seu
amadurecimento nas fases de seu crescimento cronológico. Deve-se considerar que
diversas correntes psicológicas, filosóficas e/ou lógicas (positivismo 19,
behaviorismo20, psicologia genética21, paradigma holístico22) possuem conceitos
próprios para a mesma semântica na questão da aprendizagem.
Hoje o conceito de aprendizagem está bastante ampliado considerando o
indivíduo como um todo na questão da aquisição de conhecimentos onde sozinho
não há capacidade completa na busca ou transmissão desses conhecimentos.
Desta forma o processo ensino/aprendizagem deve formar um ciclo gnosiológico 23
(que não pode ser confundido com a epistemologia) de relação dialética 24, cuja
trajetória de sua origem na Grécia antiga, quando era arte do diálogo e da discussão
cujo conceito perdura até hoje como modo de pensar ao privilegiar as contradições,
_________________
17
Estrutura ontológica (relacionada a fenômenos psíquicos)e existencial mais fundamental do ser
humano (Heidegger – filósofo alemão (1889-1976)
18
Metodologias que privilegiam técnicas quantitativas. Gamboa (2005)
19
Na filosofia de Augusto Comte (1798-1857) o positivismo é um método ou uma doutrina: método
enquanto sugere que as avaliações científicas devem estar rigorosamente embasadas em
experiências e doutrina enquanto preconiza que todos os fatos da sociedade deveriam seguir uma
natureza precisa e científica.
20
Prática pscológica que restringe o estudo ao comportamento tomado como um conjunto de reações
dos organismos aos estímulos externos. Skinner (1904-1990)
21
Estuda os processos psíquicos em sua origem, parte da análise dos processos primeiros e mais
simples, pelos quais cronologicamente passa o sujeito. Henri Wallon (1879-1962)
22
Em sua essência , significa “aprender a aprender”, conhecer o todo por métodos analíticos e
investigativos, planejados a partir de conhecimentos adquiridos. É pura pesquisa analítica e visa
proporcionar ao ser humano conforto e felicidade.
23
Ramo da filosofia que se preocupa com a validade do conhecimento em função do sujeito
cognoscente, ou seja, daquele que conhece o objeto.
24
A relação entre teoria e prática, essência e fenômeno.
15. 5
fenomenológica25 e epistemológica26 na constituição física, lingüística, psíquica e
intelectual desse indivíduo enquanto existir como ser vivente27. Posto isso, verifica-
se a complexidade da interrelação de diferentes culturas. Num estágio mais próximo
de nós verificamos no cotidiano da unidade escolar o choque entre a educação
formal28 e a não formal29 num contexto de tentativa de homogeneização da
aprendizagem para um universo heterogêneo de aprendentes. E a escola
metodológica tenta impor nesses sujeitos um conhecimento sistematizado na
tentativa de moldá-lo como um novo ser que possa desenvolver pensamentos
metacognitivos30, que tenha um olhar metafísico31 e que possa se comunicar pela
metalinguagem32 sem considerar sua formação política, histórica e social.
Fundamentado nessa descrição a ocorrência das dificuldades de aprender é
latente33, isto é, sua problematização irá ocorrer na vida acadêmica do indivíduo, uns
mais outros menos, seja no início ou um pouco mais tarde. Junto a essa descrição
no contexto da dificuldade ou problema de aprendizagem outros fatores, em menor
freqüência, influenciam o indivíduo no processo da construção de conhecimentos
como os distúrbios34 e os transtornos35 relativos à aprendizagem.
_________________
25
Tratado científico sobre a descrição e classificação dos fenômenos (aquilo que se mostra – o que
se manifesta – se desvela), que se propõe a ser uma ciência do subjetivo, dos fenômenos e dos
objetos como objetos. (Edmund Husserl)
26
Ou teoria do conhecimento (Platão) é a crítica, estudo ou tratado do conhecimento da ciência, ou
ainda, o estudo filosófico da origem, natureza e limites do conhecimento.
27
É arriscar e acreditar que se pode construir um modo de ser criativo, cuidadoso, sem perder a
paixão e os encantos das experiências novas
28
Nasce como local privilegiado de ensino/educação quando interessa ao exercício do Poder de um
governo. Parece que desde então sempre está a serviço desta ou daquela ideologia.
29
Educação que se dá fora dos limites da escola formal. O aprendizado vai se dando ao longo do dia
e em meio aos fazeres da comunidade.
30
Conhecimento que se desenvolve através da consciencialização, por parte do sujeito, sobre o
modo como determinadas variáveis interagem no sentido de influenciar os resultados das atividades.
31
Ramo da filosofia que estuda a essência do mundo incluindo a existência e a natureza do
relacionamento entre objetos e suas propriedades, espaço, tempo, causalidade e possibilidade.
32
Designa a linguagem que se debruça sobre si mesma.
33
Não manifesto, oculto, disfarçado.
34
Termo genérico que se refere a dificuldades na aquisição e uso da audição, fala, leitura, escrita,
raciocínio ou habilidades matemáticas.
35
É um termo que substitui doença ou enfermidade. É usado para indicar um conjunto de sintomas
ou comportamentos clinicamente reconhecível relacionado com as funções pessoais.
16. 6
Podemos considerar o problema de aprendizagem como um sintoma, no sentido
de que o não-aprender não configura um quadro permanente, mas ingressa em uma
constelação peculiar de comportamento, nos quais se destaca como sinal de
descompensação36. Isso quer dizer que a patologia da aprendizagem possui seus
fundamentos no âmbito dos fatores ambientais37, fatores orgânicos38, fatores
específicos39 e fatores psicógenos40.
Portanto, após a análise contextual das narrativas expostas e a premissa de que
o processo de exclusão de crianças e jovens com dificuldades de aprendizagem
ainda estarão escondidos na sombra do índice que mede o fluxo escolar e a
promoção continuada, vamos discorrer a seguir os parâmetros que fundamentaram
o conceito científico dessa pesquisa na busca das respostas advindas dos
questionamentos do problema inserido no âmbito das dificuldades de aprendizagem
fundamentado na questão concreta e objetiva de como é possível identificar, no
início da pré-adolescência, alunos que possam apresentar os sintomas descritos no
contexto da aprendizagem. Para compreender, entender e refletir acerca deste
trabalho estarão explícitos nos próximos capítulos as reflexões, interpretações,
teorias e análises que deram suporte a realização da pesquisa assim como seus
resultados.
No capítulo III, fazemos uma exposição do significado da pedagogia do desenho
infantil que mostra a importância da formação da pessoa pelo ato de desenhar. Em
qualquer lugar do mundo, desde as pinturas rupestres até a arte contemporânea, a
criança possui o hábito de desenhar. E, seus desenhos são recheados de imagens
subconscientes os quais podem qualificar o desenvolvimento de sua personalidade.
________________
36
(Pain, 1985, pág. 27-28)
37
Refere-se ao meio ambiente material do sujeito; e às possibilidades reais que o meio lhe oferece
(estímulos)
38
Refere-se às alterações dos órgãos sensoriais eu impedirão ou dificultarão o acesso ao
conhecimento. (Weiss, 2008, pg. 24)
39
Refere-se às dificuldades de ritmo, comportamento, equilíbrio e plasticidade que podem ocorrer
quando há lesões corticais.
40
Possui um contexto psicanalítico cujas disfunções psíquicas podem gerar inibições na
aprendizagem ou sintomas de dificuldades relacionados à personalidade do sujeito.
17. 7
Junto ao conceito da pedagogia do desenho infantil41 é feita também uma breve
reflexão sobre a teoria do uso de desenhos como instrumento de diagnóstico 42,
interpretação43 e seu uso como forma de investigação da personalidade 44.
Apresentamos também alguns campos de investigação onde foi aplicada essa
técnica.
O quarto capítulo apresenta a metodologia que abriu caminhos em busca dos
conhecimentos relativos à problematização do tema. Os sujeitos participantes 45 são
delineados de acordo com o gênero e a idade assim como o tempo e o espaço dos
sujeitos e da problematização. Desse conjunto foi feito uma análise fenomenológica
e epistemológica relativamente crítica ao processo da trajetória metodológica para a
compreensão dos sujeitos analisados nos dez meses de observação.
Já no capítulo V, é feita a contextualização das etapas do desenvolvimento
humano relativos à criança e a pré-adolescência como também, dentre os estágios
de desenvolvimento cognitivo no ser humano que dão origem a Teoria Cognitiva de
Piaget: sensório motor46, pré-operacional47, operatório concreto48 e o operatório
formal49. A partir dessa exposição é explicito sucintamente a teoria que se insere nos
sujeitos participantes da pesquisa. Da mesma forma é feito um relato da teoria
psicanalítica de Donald Woods Winnicott inerente ao amadurecimento50.
________________
41
Sans, P. T. S. (2007)
42
Conhecimento (efetivo ou em confirmação) sobre algo, ao momento do exame.
43
Ação que estabelece simultaneamente comunicação verbal ou não entre duas entidades que não
usem o mesmo código.
44
Conjunto de características psicológicas que determinam a individualidade pessoal e social do
indivíduo.
45 Conjunto de elementos que fazem parte do universo da pesquisa
46
Estágio vai do nascimento até os 2 anos.
47
Estágio que coincide com a fase préescolar e vai dos 2 anos de idade até os 6.
48
Estágio que dura dos 7 aos 11 anos.
49
Estágio que é desenvolvido a partir dos 12 anos. A crinça começa a reciocinar lógica e
sistematicamente.
50
A psicanálise winnicottiana implica uma teoria do amadurecimento humano onde as bases da
saúde mental do indivíduo são estabelecidas nos estágios iniciais do desenvolvimento, e envolvem
basicamente os processo de maturação, que são tendências herdadas, e as condições ambientais
necessárias para que eles se realizem. (Winnicott, 1983).
18. 8
No capítulo seguinte, o sexto, é feita a apresentação e análise dos resultados dos
desenhos onde foram distribuídos num quadro a freqüência de escolha de
símbolos51 divididos em grupos de acordo com as séries que pertencem: 5ª Séries,
A, B, C e D. e a representação desses símbolos. Desse contexto generalizado foi
delimitado o grupo contextualizado na problematização, foco do próximo capítulo.
Neste capítulo, o sétimo, delineamos os participantes inerentes a
problematização do objeto que se configura no tema “dificuldades de
aprendizagem”. Fazemos também a definição de que maneira se percebeu o
problema face à escolha desses sujeitos. Foi feito um relato de suas atividades em
sala de aula, análise de seus comprometimentos com as atividades realizadas como
tarefa para ser feito em casa, análise da progressão cognitiva, interatividade e
participação em sala de aula, a disciplina e o discurso dos professores
fundamentados nessa descrição analítica aos sujeitos participantes.
No capítulo VIII, foi construído um novo mapa individualizado das unidades de
produção dos desenhos, a verbalização e a avaliação dos procedimentos desenhos-
estórias de cada participante no âmbito da referência 52 de análise de interpretação
da técnica de investigação da personalidade, Trinca (1972). Também foram
explicados alguns aspectos importantes como à orientação espacial 53, as dimensões
do desenho54, os traços55, o simbolismo das formas56 e também a interpretação da
repetição de um mesmo tema57, as cores58 e sombreamento59.
_________________
51
O desenho infantil representa mais do que uma simples imagem, pois vai além de uma análise
objetiva, visto que é a materialização do inconsciente na forma de imagens. Deste modo o desenho
infantil é tratado como uma representação simbólica, tecendo uma teia de significados do
pensamento objetivo e subjetivo.
52
Veja no capítulo VIII a descrição desse referencial.
53, 54, 55, 56, 57, 58, 59
Veja suas descrições no capítulo III desta pesquisa.
19. 9
No capítulo IX, finalmente, faço a discussão dos resultados 60 e a comparação dos
resultados61 segundo a análise baseado no referencial, Trinca (1972). Procuro
também fazer uma síntese de cada indivíduo e a sua pertinência ou não com o
problema de aprendizagem. A intenção disso é mostrar se o caminho analítico
adotado possui sustentabilidade científica62 de sua aplicabilidade num contexto
institucional deprimido pela péssima gestão da unidade escolar e norteado pelo
interesse político e econômico dos governantes, o qual deixa a escola relegada a um
plano inferior de melhoria efetiva na prática em detrimento de um discurso
contraditório que posiciona seu crescimento fundamentado em índice de caráter
mascarado,
Feito esse detalhamento traço as considerações finais relativo ao cumprimento
do propósito desta pesquisa e em seguida apresento as referências bibliográficas.
_________________
60
Revelação de conteúdo, questionamentos e levantamento de hipóteses.
61
Triangulação dos dados.
62
Comparação de dados, análise, aprofundamento de estudos, validação dos testes.
20. 10
CAPÍTULO 3. A PEDAGOGIA DO DESENHO INFANTL
3.1 A Teoria
Coloque um lápis em minhas mãos, farei alguns contornos, neles
projetarei alguns segredos, guardados inconscientes, de minha
personalidade.
Essa frase criada por mim pode pertencer ao domínio público. Pois, qualquer um
que pegue um lápis e faça um desenho livre ou temático estará fazendo o mesmo
que eu em qualquer parte do mundo e em qualquer idade. O desenho é a expressão
interiorizada do sujeito sendo construído durante seu processo de amadurecimento
em seus estágios psíquicos. E essa não é uma percepção nova. Cento e vinte e dois
anos antes de eu criar a sentença acima, Ricci63 fez o mesmo ao apresentar o
desenho como fenômeno expressivo em 1887 por conta de seus estudos da arte
infantil. Sua obra estimulou o interesse pelo desenho infantil, principalmente, do
desenho da figura humana. Em sua obra L’arte dei bambini (1887) 64, lançou a idéia
de que
Os desenhos que as crianças fazem não são uma tentativa de
mostrar a aparência real dos objetos, mas expressões do que as
crianças conhecem sobre eles65.
Nessa perspectiva psíquica o desenho é um dos fundamentos de análise para o
desenvolvimento deste trabalho. Aqui não são importantes as leis que determinam o
domínio gráfico, mas os contornos, os rabisco, que vêem do conjunto de suas
faculdades psíquicas como diz Bédard (1998):
Sem perceber, no momento de desenhar a criança transporta para o
papel seu estado anímico, em todos os detalhes. É por isso que os
desenhos das crianças permitem-nos incrementar
consideravelmente nossos dados sobre o seu temperamento,
caráter, personalidade e necessidades. Os desenhos ajudam-nos
também a descobrir e a reconhecer as diferentes etapas pelas quais
a criança está atravessando, os seus problemas e dificuldades,
assim como os seus pontos fortes. (BÉDARD,1992, P.6).
__________________
63
CORRADO RICCI (1858 – 1934) Escritor e Poeta italiano o qual é creditado como o primeiro a fazer
referência aos desenhos de crianças.
64
Revista electrónica de Enseñanza de lãs ciências Vol. 7 no. 2 , 2008
65
COX, Maureen. Desenho da Criança. São Paulo: Martins Fontes, 3ª. ed. P.104
21. 11
Por isso, não devemos considerar o desenho como uma atividade instintiva e sim
Apreciar o desenho da criança é perceber a dimensão do „belo‟ em
toda sua plenitude, que não se restringe ao visual da obra, mas ao
encanto geral que ela emana. (SANS, 2007, p.9)
como uma forma que Freud distingue no contexto da pulsão como um processo
dinâmico, que impulsiona o organismo em direção a uma meta e o equilíbrio do
estado de tensão. Para Freud a pulsão não se dá a um estado consciente nem
inconsciente. Para ele pulsão, „é um conceito situado na fronteira entre o psíquico e
o somático‟ (FREUD.
Esses são alguns conceitos que mostram porque toda criança gosta de desenhar.
A fonte da pulsão é somática quanto às informações recebidas, mas, psíquicas
quando projetam às imagens decodificadas pelo corpo. Quem nunca fez um
desenho ou rabiscos no início de sua vida? Impossível não tê-lo feito. Essa
necessidade é genética. Existem representações preservadas de homens e animais
datadas no período Paleolítico – entre 40.000 e 10.000 anos a.C. Porque então
alguém deixaria de fazê-los hoje? Ninguém! Os desenhos, além de sua
representação psíquica projetiva, representam a forma de comunicação impressa
mais antiga da civilização mesmo que forem alguns rabiscos como acontecia com o
Jogo dos Rabiscos de Donald Woods Winnicott.
Para Winnicott o Jogo dos Rabiscos é uma simples forma de dar início a uma
interlocução fazendo uso de lápis e papel (informação verbal)66. A partir de um
rabisco aleatório feito pelo analista o interlocutor poderia dar seqüência ao seu
rabisco ou até mesmo ser transformado em um desenho. A partir disso o analista
pode dar seqüência no rabisco ou no desenho do interlocutor, ou ainda, o
interlocutor fazer seu próprio rabisco e o analista daria a seqüência. Isso é
conhecido como o Jogo dos Rabiscos. Sua característica principal é a liberdade
criativa (sem regras), uma espécie de brincadeira que dos desconhecidos dão início
a uma comunicação.
__________________
66
Leituras Dirigidas da Obra de D. W. Winnicott, Profa. Dra. Eloísa Helena Rubello Valler - Unicamp
22. 12
Recentemente, em uma tragédia, em Guarulhos, uma seqüência de desenhos de
um garoto de seis anos constituiu um elo comunicativo entre ele e os policiais que
contribuiu para elucidar um caso de homicídio culposo.
SEQÜÊNCIA: o garoto desenhou o pai com uma faca (acima), ele
e a mãe dentro do apartamento (à esq.) e em queda (à dir.)
Voltando à Winnicott, para ele, o jogo de brincar é uma manifestação teatral de
interação comunicativa o qual um de seus veículos é os rabiscos e os desenhos
num processo universal:
Em outros termos, é a brincadeira que é universal e que é própria
da saúde: o brincar facilita o crescimento e, portanto, a saúde; o
brincar conduz aos relacionamentos grupais; o brincar pode ser uma
forma de comunicação consigo mesmo e com os outros67.
Posto essa narrativa é fácil perceber a importância do desenho como fator de
desenvolvimento sadio para a formação psíquica de qualquer ser humano. Quando,
no final do século XIX, início do século XX, pesquisadores voltaram suas atenções
para o desenho da criança se abriu um leque de perspectivas evolutivas no contexto
fenomenológico, epistemológico e filosófico nas áreas das ciências humanas, exatas
e biológicas.
A descoberta da criança como ser autônomo provocou novos
estudos científicos por parte de pedagogos e psicólogos,
favorecendo o surgimento de novos conteúdos em sala de aula e de
investigação sobre o aprendizado68.
__________________
67
WINNICOTT, D.W. “O brincar & a realidade.” Rio de Janeiro: Imago Editora, 1971, p.63.
68
SANS, op. Cit.
23. 13
E dentro da sala de aula a comunicação através dos desenhos se torna mais
interativa, agradável e sincera. Pode não ser um método infalível de conhecer as
pessoas como diz a sabedoria popular: para se conhecer alguém vivam juntos e
juntos comam um saco de sal. Mas, o uso junto a outra ferramenta que possa ser
reflexiva, analítica e interpretativa o analista e/ou o pesquisador terá um
envolvimento de conhecimento próximo da sabedoria popular e não correrá o risco
de que seu compromisso com o aluno dure até que a morte os separe, uma vez que
a relação investigador, analista, professor e aluno está interagindo no campo do
prazer.
A maioria das crianças pequenas mostra interesse e prazer em
desenhar e, nas creches e nas escolas, professores tiram partido
desse entusiasmo, acreditando que a atividade artística é parte
importante do desenvolvimento infantil. Seus desenhos,
executados de maneira ousada e descontraída, enfeitam as
paredes das salas de aula e nos encantam a todos69.
Energizados pelo crescente interesse científico sob o aspecto projetivo do
desenho infantil um grupinho de estudiosos da Psicologia Clínica da Infância,
alguém apresenta timidamente o método de desenhos-his(estória) cujo significado é,
na prática, associar as virtudes do estímulo gráfico com as da apercepção temática,
para a investigação da mente. Na prática seu contexto é analisar os segredos
inconscientes da personalidade projetados pelos desenhos livres junto à apercepção
temática das his(estórias).
O desenho livre, associado à estórias em que ele figura como
estímulo para essas estórias, constitui instrumento com
características próprias sobre a personalidade em aspectos que não
são facilmente detectáveis pela entrevista psicológica direta70.
Avançando em seu processo científico e sistematizado pelos estudos do autor
com ampla amostra de sujeitos variáveis na faixa etária, nível sócio-econômico,
__________________
69
COX, op. Cit. (grifo nosso)
70
TRINCA, W. (org). “Formas de investigação clínica em psicologia”. São Paulo: Vetor, 1997. p.13
24. 14
escolaridade, nível intelectual, de ambos os sexos o procedimento de desenhos-
estórias (D-E) se alastrou por diversas áreas de atuação profissional: área escolar,
áreas clínica, área da saúde, área da família e área social.
3.2 O Contexto Pedagógico do Desenho
As primeiras manifestações da criatividade infantil estão nos desenhos. Uma
expressão pessoal de aprendizagem de seu entorno físico e psíquico sem a
preocupação da lógica consciente que permeiam os adultos. Através deles acontece
seu amadurecimento lógico, espacial e motor. Isto é, seus contornos estão
estritamente relacionados ao processo de maturação, onde o corpo é a origem das
aquisições cognitivas, afetivas e orgânicas e o desenho a expressão mais fiel de sua
aprendizagem escondida sob o manto da inconsciência. Pelos seus contornos flui
pensamentos sem censura que parecem emergir de um vazio.
Para os psicomotricistas, os desenhos além de terem um caráter de avaliação
psicomotora, trazem um contexto pedagógico de ensinar a criança à vê-la por si
mesma quando desenham figuras humanas.
A criança desenha o ser humano em função do conhecimento que
possui de si mesma, do que sabe e do que sente e não somente do
que vê71.
Esse conhecimento de si mesmo traz implícito à aquisição dos conhecimentos
das pedagogias sensoriais no desenvolvimento do indivíduo. Espontaneamente as
crianças sintetizam simplificadamente em contornos, massa e cor, ou seja, uma
cena projetada, as informações decodificadas em sua mente dos conhecimentos
adquiridos dos aspectos do movimento, do tato, do som, do cheiro e da cor. A
pedagogia da linguagem gráfica promove um amadurecimento cognitivo para a
compreensão da linguagem escrita desenvolvendo sua capacidade criadora e de
_________________
71
OLIVEIRA, G.C. “Avaliação psicomotora à luz da psicologia e da psicopedagogia”. 5ª. ed.
Petrópolis: Vozes, 2007, p.51.
25. 15
percepção de mundo evoluindo das “garatujas”72 até atingir o estágio operatório
formal73 onde a criança começa a raciocinar a lógica, aproximadamente após os 12
anos, adquirindo auto-crítica e também interação perceptiva do ambiente partilhando
o realismo visual iniciando sua adaptação ao realismo em detrimento do abstrato.
Esse é um período crítico no contexto da pedagogia do desenho. O educador deverá
ter consciência que o desenvolvimento da criança não poderá ser diagnosticado
num desenho cujo conceito de sua subjetividade poderá ser bonito ou feio, uma vez
que nos desenhos das crianças estão as expressões de seus sentimentos
transmitindo informações inconscientes de sua formação física, psíquica e cognitiva.
As crianças estão representando um símbolo da construção de suas personalidades
os quais a pedagogia do desenho da criança representa o meio ambiente desse
sujeito, suas manifestações e seus comportamentos. Tanto um conceito como outro
são restrições à sua capacidade criadora que poderá promover distúrbios ou
transtornos na característica de expressão de sua individualidade e muitos
expandem essa decepção aos problemas emocionais.
Os psicólogos, em geral, empregam a palavra personalidade para
descrever as diferenças na maneira pela qual as crianças e os
adultos se relacionam com as pessoas e com os objetos do mundo
que os cerca. Como o conceito de inteligência, o conceito da
personalidade visa a descrever diferenças individuais duradouras
no comportamento. O fato de sermos extrovertidos ou tímidos,
independentes ou dependentes, confiantes ou inseguros, de nos
atirarmos a coisas novas ou segurarmos-nos – todos esses
aspectos (e muitos outros) são vistos como elementos da
personalidade74.
Assim, por meio da pedagogia do desenho, a criança manifesta expressivamente
o conhecimento adquirido e sua práxis inconsciente de percepção de seu mundo em
construção relacionado à sua educação primária (família) e a trajetória de sua
educação secundária (escola), num contexto de imaginação, reflexão e percepção
que associado à pedagogia escrita de apercepção temática produziu um farto
material para análise efetivado neste trabalho de pesquisa.
___________________
72
AURÉLIO, NOVO DICIONÁRIO – desenho mal feito, tosco, de pouca importância; rabisco
73
Teoria Cognitiva de Jean Piaget
74
BEE, H. “A criança em desenvolvimento”. 9ª. ed Porto Alegre: Artemed, 2003, p.289. (grifo do autor)
26. 16
Compare o contexto da narrativa com o desenho-estória abaixo
Unidade de Produção 1 – fig. 1
Estória: “O carinha e policial e trabalha muito bem. ele apanhou para um ladram na
Priga de rua, mas dodos os policial pateram em todos os ladram mas uma Policia
moreu na priga”.
Titulo: Priga de rua
Paulo Soares75 (12 anos)
Pesquisa que corroborou o universo de pesquisadores do assunto de que a
pedagogia do desenho da criança é mais do que um simples rabisco (uma
guaratuja). Suas implicações estão nas interfaces e intersecções psíquicas e
cognitivas no ato de brincar, de falar, refletir, expressar, assimilar e projetar.
_________________
75
Nome fictício – um dos sujeitos participantes da pesquisa – 13 anos, 5ª. Série E.F. (2008) – Retido
por falta
27. 17
Como vimos na introdução desse trabalho à questão da educação formal e não
formal76 no contexto dos choques entre as realidades metódicas e a não metódicas é
nesse último que há décadas desenhos reproduzem a expressão da cultura popular
em narrativas e o folclore igual à mula sem cabeça o curupira e o saci pererê.
Somado a isso, no âmbito da sexualidade foi em livretos mal-impressos e mal-
desenhados, conhecidos como catecismos77, que na pedagogia desses desenhos
que circulavam clandestinamente num período conhecido como “anos de chumbo” 78,
ocorreu a iniciação sexual de praticamente três gerações do público masculino.
___________________
76
Por educação forma, entendem-se o tipo de organização organizada com uma determinada
seqüência e proporcionada pelas escolas enquanto que a designação educação informal abrange
todas as possibilidades educativas no decurso da vida do indivíduo, constituindo um processo
permanente e não organizado. Pó último, a educação não-formal, embora obedeça também a uma
estrutura e a uma organização (distintas, porém, das escolas) e possa levar a uma certificação
(mesmo que não seja essa a finalidade), diverge ainda da educação formal no que respeita à não
fixação de tempos e locais e à flexibilidade na adaptação dos conteúdos de aprendizagem a cada
grupo concreto AFONSO, A.J. (1989, p.78)
77
Revista de quadrinhos eróticos com aventuras pornográficas em traços simples e sem cor de
autoria de Carlos Zéfiro.
78
Período da ditadura militar (1964 – 1985), período onde todas as liberdades de expressões foram
sufocadas.
28. 18
Os aspectos sexuais do desenvolvimento infantil também se fazem presentes na
exposição projetiva de seus desenhos. Sua linguagem pode estar querendo dizer
que existe uma curiosidade reprimida o qual não consegue verbalizar.
Veja a narrativa com o desenho-estória abaixo
Unidade de Produção 2 – fig. 2
Estória: “Foi convocada para uma reunião da defenção dos animals em Americana.
Ela foi e os caras falaram que ela poderia pegar qualquer cavalo. A minha tia pegou
um cavalo muito bom (no sentido bom enteiro). Chegou um dia que ele não
agüentou por que ele era muito velinho mas era muito bom”.
Titulo: No citiu da minha tia
Joaquim Ruiz79 (12 anos)
Interpretação: Desenho exprimindo uma fase fálica do sujeito, nesse caso possivelmente
esse sujeito está preso a essa fase fálica.
__________________
79
Nome fictício – um dos sujeitos participantes da pesquisa - 12 anos, 5ª. Série E.F. (2008)
29. 19
Estudos freudianos comprovaram que a fase fálica é um período importante no
desenvolvimento da sexualidade e
Uma das manifestações sexuais mais freqüentes nessa fase é a
masturbação. As crianças, através de toques corporais, descobrem
que essa exploração proporciona sensações prazerosas e
relaxantes80.
Interpretação: O fato é que essa ocorrência se processa por um período do
desenvolvimento da sexualidade e o desenho de Lee está projetando uma constante
ocorrência da moral familiar no âmbito da educação sexual que pode trazer distúrbios
psicossexuais à criança.
Se os adultos que convivem com uma criança, nessa fase, não
conseguirem entendê-la ou passar uma inadequada educação
sexual, repreendendo-a, poder-se-á instalar um caráter fálico na
mesma. Provavelmente será uma pessoa que pode ficar
narcisicamente fixada nesta fase, superestimando o pênis e
confundindo-o com o corpo81.
__________________
80
BRAGA, E.R.M. e YASLLE E.G. “A formação da sexualidade infantil segundo a teoria
psicossexual”, in RIBEIRO, P.R.M. e FIGUEIRÓ, M.N.D. (org.), “Sexualidade, cultura e educação
sexual: propostas para reflexão. Araraquara: FCL UNESP Laboratório Editorial; São Paulo: Cultura
Acadêmica Editora, 2006, p.131.
81
BRAGA e YASLLE, loc. Cit.
30. 20
3.3. Como Analisar e Interpretar Desenhos
Narrativas de histórias e os desenhos de crianças tem sido fontes projetivas de
sentimentos e concepções das crianças que aguça a imaginação científica de
psicopedagogos, psicólogos, pedagogos e pesquisadores de áreas diversas.
Analisar e interpretar o inconsciente que se revela através de aspectos simbólicos
do desenho, na área da psicopedagogia para nós profissionais especializados com a
questão das dificuldades de aprendizagem, utilizamos o diagnóstico dessa análise e
interpretação para analisar, compreender e descrever o vínculo que a criança
estabelece com a aprendizagem. E quando é dito análise e interpretação que se
dizer que
Analisar um desenho não é o mesmo que interpretá-lo, pos existe
uma diferença real e concreta entre ambos os conceitos. A análise
responde a um enfoque técnico e racional e se fundamenta em
bases solidamente comprovadas. (...) A interpretação dos desenhos
das crianças é o resultado ou a síntese da análise82.
Daí a importância da apercepção simbólica do desenho da criança projetando
seus sentimentos, seus amadurecimentos cognitivo e emocional para além das
principais problemáticas que as perturbam e também a importância de um
conhecimento aprofundado da simbolização dos desenhos para uma avaliação e
interpretação fenomenológico, epistemológico e filosófico em seus fundamentos de
caráter científico. Nesse caso, o que menos importa é a estética dos desenhos.
Dezenas são os símbolos para análise e interpretação na produção dos
desenhos. Nesta pesquisa foi priorizado: a) Maior freqüência dos indícios de
variáveis psciológicas; b) Maior freqüência dos temas, Bédard (1998), Campos
(2007); c) Maior freqüência dos itens que compõem o referencial D-E, Trinca (1997),
que são inerentes para o diagnóstico psicopedagógico a partir das características
dos aspectos formais83.
__________________
82
Ìd. Cox. Londrina: Eduel, 2007, p.5
83
Análise da produção gráfica
31. 21
3.3.1 - Maior Freqüência dos Indícios de Variáveis Psciológicas
a) bem ajustado ao meio;
b) confiança em si;
c) ansiedade;
d) agressividade;
e) depressão;
f) insegurança;
g) inferioridade;
h) timidez;
i) obstinação e teimosia;
j) inteligência concreta;
k) habilidade criadora;
l) dificuldades de lidar com impulsos sexuais;
m) dependência e descontrole;
n) segurança;
o) introversão;
p) equilíbrio emocional e mental;
q) imaturidade emocional;
r) incapacidade de adequação ao meio.
3.3.2 – Maior Freqüência dos Temas
a) interpretação do desenho da casa (teto, telha, paredes, porta, janelas);
b) interpretação de desenho de árvore (tronco, raiz, copa);
c) interpretação de figuras humanas (figura cabalística, figura grotesca, figura
não inteira);
d) interpretação de cada parte específica da figura humana (cabeça, rosto,
olhos, sobrancelhas e pestanas, cabelo, bigode e barba, nariz, boca,
orelhas, queixo, pescoço, ombros, costelas, braços, mãos, dedos , pernas
e pé;
e) elementos acessórios: chapéu (indica dificuldade de aprendizagem)
f) a repetição de um mesmo tema (entrave na socialização de conhecimento.
g) a diversidade de temas (associação com o meio)
32. 22
h) uso das cores (dispersão – dificuldades na área afetiva)
i) o sol (influência ; entusiasmo; autonomia; violência verbal)
j) a lua (adaptação; intuição feminina)
k) as nuvens (bons ou maus momentos, depende da cor)
l) as flores (necessidade de segurança)
m) as montanhas (busca de estabilidade emotiva)
n) os animais (comunicação de alguma necessidade)
o) os veículos (símbolo de atitude social)
p) o barco (capacidade de adaptação – depende do barco)
q) cartuns (falta de habilidade de interação com a realidade)
3.3.3 - Maior Freqüência dos Itens que Compõem o Referencial D-E no
contexto da análise dos aspectos formais
a) tema do desenho: compatibilidade com idade;
b) tema da estória: 1) compatibilidade com idade e 2) compatibilidade com
desenho;
c) título: 1) adequação do desenho e 2) adequação à estória;
d) posição da folha; Normal: horizontal
e) localização da página; Normal: central
f) tamanho em relação à folha; Normal: médio
g) qualidade do grafismo: 1) tipo de linha e 2) consistência do traçado.
h) resistências; Normal: baixo nível de resistência
i) transparências; Normal: baixo nível de transparência
j) sombreamento; Normal: baixa freqüência de sombreamento
k) perspectiva ou movimento; Norma: figura indicando movimento
l) uso das cores. Anormal: Desenhos acromáticos (dispersão, retração)
33. 23
3.4 - O Procedimento Desenhos-Estórias como Forma de Investigação da
Personalidade para a Apercepção das Dificuldades de Aprendizagem
Temos por definição:
A maioria das crianças é normal, e ao crescerem aprendem mais e
se tornam mais maduras intelectualmente. Por certo, a maturidade
intelectual de algumas crianças ultrapassa em muito a sua idade
cronológica, e elas são consideradas mais dotadas; seus desenhos
da figura humana assemelham-se aos de grupos de mais idade. Ao
contrário, a maturidade de certas crianças fica muito aquém de sua
idade cronológica. Embora no passado estas fossem chamadas de
crianças “subnormais” ou “retardadas”, hoje em dia são
denominadas “crianças com dificuldades de aprendizagem”. Suas
dificuldades podem ser leves ou graves84.
A partir da ampliação e expansão da aplicação do Procedimento de Desenhos-
Estórias85 (abreviadamente, D-E) da utilização clínica à pesquisa qualitativa e
quantitativa, esse instrumento de avaliação de conteúdos mentais com objetivos
diagnósticos, surgido em 1972, trouxe valiosos e comprovados subsídios de caráter
científico para ser aplicado à área escolar principalmente na área de atuação do
Psicopedagogo relativo às questões das dificuldades de aprendizagem.
Sua característica como técnica de investigação é associar, para análise e
interpretação, os desenhos livres (produções gráficas atemáticas) onde elementos
subconscientes, inconscientes projetam-se como estímulo a apercepção temática
com os relatos, estórias contadas a partir do processo expressivo do desenho. No
contexto da comunicação esse procedimento é muito vantajoso frente a
questionamentos verbais estruturados e diretos. Numa entrevista direta crianças e
__________________
84
Id. Cox. Londrina: Eduel, 2007, p.88
85
Id. Trinca, 1997, p.11
34. 24
adolescentes omitem suas necessidades, desejos, fantasias e perturbações no
âmbito emocional. Sua aplicação é simples e fácil. Trinca (1997) propõe que a
aplicação seja individual. Por estarmos em ambiente escolar optamos pela
realização em grupo. Segundo Hammer86, o teste com desenhos sofre menor
interferência emocional e física da interação examinando e examinador quando
aplicado em grupo. Quando há uma distância entre ambos o material projetado é
mais livre e consequentemente seu contexto está mais próximo da projeção
inconsciente do examinando.
A técnica consiste na realização de uma série de cinco desenhos livres
(cromáticos ou acromáticos); cada desenho serve de estímulo para que se conte
uma estória; (nessa pesquisa, pela quantidade de participantes, demos preferência
que após um breve relato, a estória fosse escrita em uma folha a parte), o
participante deve ter a sua disposição sobre a carteira escolar, lápis preto e
coloridos. Ao término do desenho o participante faz escreve o relato de uma estória
e após isso é solicitado ao examinando um título inerente ao relato. Isso tudo forma
uma unidade de produção. O procedimento desenhos-estórias (D-E) prevê que se
alcance até cinco unidades de produção no máximo em duas sessões de aplicação.
No caso dessa pesquisa cada procedimento desenho-estória foi realizado em uma
única sessão. Suas formas de avaliação variam de acordo com a área profissional
do aplicador. Na área escolar deu-se preferência de um referencial de análise de
aspectos “formais ou estruturais” que privilegiam nos desejos os aspectos descritos
em 3.3.3. Em uma representação esquemática podemos representar o núcleo em
que se converge os aspectos formais como uma unidade triangular cujo esquema
representa um ciclo holístico que tem como resultado a apercepção futura para o
desempenho escolar. desenho
projeções estória
____________________
86
HAMMER, E.F. Psicólogo, Autor e Professor e inovado pensador no campo das Técnicas dos
Desenhos Projetivos.
35. 25
3.5 – Aplicação Institucional do Procedimento Desenhos-Estórias
Após ser introduzido por Walter Trinca, em 1972, como instrumento de
investigação clínica da personalidade foram realizados dezenas de estudos
abrangendo diversas áreas de atuação e com variados temas como 87: adolescência
(Santos, 1996); (Paula, 1998), adolescentes infratores (Alves, 2001), asma
(Mestriner, 1989); (Sarti, 1996), avaliação conjugal (Farias, 1997), câncer de mama
(Barbosa, 1989, 1991), câncer em crianças (Flores, 1984); (Perina, 1992),
cardiopatia (Gianotti-Hallage, 1988), cegueira (Amiralian, 1990, 1991, 1992a, 1992b,
1993, 1997b); (Villela, 1999), consulta terapêutica infantil (Borges, 1998), deficiência
auditiva (Tardivo ET AL, 1999), deficiência mental (Moreno, 1985), Psicopedagogia
(Barone e trinca, 1984); (Trinca e Barone, 1996) entre outros.
Já na área escolar houve estudos na ordem da Aprendizagem da Leitura e
Escrita (Trinca e Barone, 1984) 88; (Chistofi, 1995)89; Desempenho Escolar (Paiva,
1992)90; Fobia Escolar (Gimenez, 1983)91 e Fracasso Escolar (Brasil, 1989)92;
(Ferreira, 1998) 93; Representação de Escola e Trajetória Escolar (Cruz, 1997) 94.
Esses trabalhos evidenciam a importância do instrumento de investigação clinica
como também existe a necessidade de mais estudos desse instrumento na área
escolar.
___________________________________________________________________
87
Fonte www.desenhos-estorias.com
88 TRINCA,
W. e BARONE, L. M. C. “O procedimento de Desenhos-Estórias na avaliação das
dificuldades de aprendizagem”. In BOSSA, N. A. e OLIVEIRA, V. B. “Avaliação psicopedagógica da
criança de sete a onze anos”. Petrópolis/RJ: Vozes: 48-46.
89
CHRISTOFI, A .A. S. N. “o estudo dos aspectos dos desenhos no Procedimento de Desenhos-
Estórias, em crianças com dificuldades de aprendizado de leitura e escrita”. Monografia
(Especialização). São Paulo/SP, Universidade Federal de São Paulo – Escola Paulista de Medicina.
90
PAIVA. M. L. F. “Relações entre representações cognitivas, afetivas e desempenho escolar em
crianças de 4 a 5 anos de idade”. Tese (Doutorado) – Instituto de Psicologia. Universidade de São
Paulo, 1992.
91
GIMENEZ, M. T. “Estudo clínico da fobia escolar”. Dissertação (Mestrado) – Instituto de Psicologia
da Pontifícia Universidade Católica de Campinas, 1983.
92
BRASIL, A. M. R. C. “Fracasso escolar, uma questão simbólica: estudo analítico junguiano dos
dinamismos infantis na família, na escola e na cultura”. Dissertação (Mestrado) – Instituto de
Psicologia. Universidade de São Paulo, 1989.
93
FERREIRA, M. F. C. “Aspectos da dinâmica intrapsíquica e do desempenho cognitivo em crianças
com fracasso escolar”. Dissertação (Mestrado) – Instituto de Psicologia – Universidade de São Paulo,
1998.
94
CRUZ, H. V. “Representação de escola e trajetória escolar”. Psicol. USP, São Paulo, v.8, n.1, 1997.
Disponível em WWW.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103. Acesso 16/agosto/2009.
36. 26
CAPÍTULO 4. BASES METODOLÓGICAS DA PESQUISA
A lógica da pesquisa em educação [...] supõe a reconstituição das
articulações entre os diversos fatores que integram os processos da
produção do conhecimento. Suponhamos que todo processo de
produção do conhecimento se manifesta numa estrutura de
pensamento que inclui conteúdos filosóficos, lógicos,
95
epistemológicos, teóricos, metodológicos e técnicos .
4.1 - Abordagem Teórica-Metodológica
Essa pesquisa que prima pela busca de informações com critérios quantitativos e
qualitativos96, principalmente esta última, não se fundamentou apenas na criação de
um quadro de dados empíricos e/ou estatísticos de ocorrência momentânea num
lugar por um período de tempo. O que foi desvelado estava escondido nas práxis
dos sujeitos participantes, na projeção inconscientes de seus desenhos, no relato de
seus pensamentos, o significado de suas verbalizações, em seus gestos, e suas
posturas como também na estrutura didática-pedagógica e física do espaço da
problematização. Desta forma o percurso metodológico seguiu uma visão
fenomenológica dentro de um estudo de caso 97. A interseção das características da
pesquisa qualitativa e da pesquisa ação estimulou os sujeitos participantes da
pesquisa a superar diferentes desvios e condicionantes que reduzem a capacidade
de compreensão da problemática da realidade revelando novos conhecimentos de
caráter científico em detrimento de que esse estudo pudesse ser visto como um
simples exercício acadêmico de um curso de pós-graduação.
__________________
95
GAMBOA, S.S. Pesquisa em educação: métodos e epistemologias. Chapecó: Argos, 2007
96
BOGDAN, R e BIKLEN, S.K. De acordo com esses autores, a pesquisa qualitativa apresenta cinco
características básicas: 1) A pesquisa qualitativa mantém um estreito e longo contato do pesquisador
com o ambiente e a situação investigada; 2) Os dados coletados são predominantemente ricos em
descrições que incluem acontecimentos, depoimentos, documentos, etc.; 3) A preocupação com o
processo é muito maior do que com o produto, isto é, o interesse do pesquisador ao estudar um
determinado problema é verificar como ele se manifesta nas atividades, nos procedimentos e nas
interações cotidianas; 4) Senso de apercepção fenomenológica projetados dos sujeitos participantes
da pesquisa; 5) A análise dos dados tende a seguir um processo indutivo.
97
Entre as várias formas que pode assumir uma pesquisa qualitativa, destacam-se a pesquisa do tipo
etnográfico e o estudo de caso. Ambos vêem ganhando crescente aceitação na área da educação,
devido principalmente ao seu potencial para estudar as questões relacionadas à escola. Entre suas
principais características estão: 1) Os estudos de caso visam à descoberta; 2) Enfatizar a
“interpretação em contexto”; 3) Busca retratar a realidade de forma completa e profunda; 4) Usa uma
variedade de fontes de informação; 5) Permitem generalizações naturalísticas; 6) Procura representar
os diferentes e às vezes conflitantes pontos de vista presentes numa situação social; 7) Utiliza uma
linguagem e uma forma mais acessível do que os outros relatórios de pesquisa.
37. 27
4.2 - Os Sujeitos Participantes da Pesquisa
Os participantes da pesquisa forma alunos da 5ª. Séries do Ensino Fundamental
da Rede Pública do Estado de São Paulo. A amostra foi de 119 alunos
caracterizados pelas etapas do desenvolvimento humano, como, crianças, pré-
adolescentes e adolescentes com idades que variam entre 11 e 16 anos. O total dos
participantes corresponde a quatro 5ª. Séries o qual foi denominado a cada uma
dela um grupo. Desta forma, temos os grupos A, B, C e D que forma o universo
desta pesquisa.
Tabela 1 – Síntese da amostra pesquisada dos sujeitos participantes da pesquisa
Sexo Total Porcentagem
Masculino 52 43,6
Feminino 67 56,4
total 119 100
Esse quadro demonstra a distribuição dos participantes por sexo revelando uma
quantidade de meninas 84% superior a quantidade de meninos.
Tabela 2 – Distribuição dos sujeitos participantes da pesquisa por idade
Idade Meninos Meninas Total
(quantidade) (quantidade)
11 34 55 89
12 14 09 23
13 03 01 04
14 - 01 01
15 01 - 01
16 - 01 01
Esse quadro demonstra que há alguns alunos defasados idade cronológica e
idade escolar.
38. 28
4.3 - O Tempo e o Espaço da Problematização
A pesquisa ocorreu numa cidade da região de Campinas, em 2008, cuja
população, pelos dados do IBGE98, entre as 50 cidades mais populosas do Estado
de São Paulo. A escola sujeito da problematização é tradicional e antiga (foi fundada
em 1908) na área central da cidade. Pelo índice do IDESP99 a escola se posiciona
num índice intermediário entre as 5.183 escolas do Estado com uma média em
português de 4,71 e matemática 2,34. Na mesma cidade existe escola posicionada
na 7ª posição e 88ª posição. Segundo relato dos alunos, por escrito, a escola
apresenta problemas estruturais de grande monta, como, banheiros entupidos e mal
cuidados, torneiras entupidas, grandes goteiras na maioria das salas, lousa mal
posicionada em sala de aula, sala de aula antipedagógica (aluno dois em dois nas
carteiras em todas as séries provocando excesso de lotação e muita conversa),
acanhada biblioteca e sala de informática inoperante. No período da pesquisa (10
meses – fevereiro a dezembro) nenhum evento, em seu recinto, foi realizado que
pudesse trazer a comunidade para dentro da escola. A questão da indisciplina é
alarmante em algumas salas sem que providências sejam tomadas, por exemplo,
houve aluno que teve 26 ocorrências sem que o gestor tivesse conhecimento.
4.4 - Procedimentos
Para a coleta de dados foi adotado o Procedimento Desenhos-Estórias, Trinca
(1972). Em cinco sessões sucessivas, foi aplicado a sequência:
►Distribuição de Materiais:
a) cada aluno recebeu uma folha de sulfite modelo A4 em branco, sem pauta;
b) Lápis preto (ponta sulfite);
c) Lápis de cor;
__________________
98
Instituto Brasileiro de Geografia: Ranking estimativo das populações IBGE 2007.
99
Índice de Desenvolvimento da Educação do Estado de São Paulo. É um indicador de qualidade das
séries iniciais (1ª a 4ª séries e finais 5ª a 8ª e 1º a 3º do Ensino Médio).
39. 29
►Técnica de Aplicação:
a) Após dado o início, cada aluno, teve cerca de 30 minutos para fazer um desenho
livre;
b) Após a conclusão do desenho, o participante fez um breve relato associado ao
desenho. Após isso foi pedido que, em outra folha em branca e sem pauta, sulfite
modelo A4, fizesse o relato da estória por escrito;
c) Após o término da estória, pede-se-lhe o título da produção;
d) Feito isso dá-se por terminado a primeira unidade de produção composta pelo
desenho livre, o breve relato, a estória e o título.
Esse procedimento é repetido por mais quatro vezes, sempre no mesmo dia da
semana, num intervalo de sete dias e no mesmo horário. Três grupos participaram
no período da manhã e um grupo no período da tarde.
Quanto às observações gerais100 do Procedimento Desenhos-Estórias, foi
seguido à observação dada pelo próprio autor da técnica de investigação que inclui:
a) O examinador não deverá se deixar levar facilmente pelas primeiras recusas
do examinando perante a tarefa, especialmente quando este se encontra em
processo de elaboração anterior. Muitas vezes uma recusa formal pode ser
contornada pelo estabelecimento de um bom rapport101.
b) Diante de perguntas como: “que tipo de estória?”, “que desenho?”, “precisa
pintar?”, “qual o modo de fazer?” e outras semelhantes, o examinador
esclarecerá que o sujeito deve proceder como quiser.
c) O uso de borracha deve ser evitado para melhor se caracterizarem certas
áreas em que o sujeito tem maiores dificuldades de desenhar. O uso da
borracha faria desaparecer algumas configurações gráficas de valor
psicológico. Se o examinado quiser, ser-lhe-ão entregues novas folhas de
papel onde ele possa refazer o trabalho, recolhendo-se, porém, a produção
anterior.
___________________
100
Idib., p.16 – 17
101
Técnica usada por profissionais de diferentes segmentos. Através dessa técnica o interlocutor é
levado a uma situação de conforto e muitas vezes persuadido a concordar com ele.
40. 30
CAPÍTULO 5. A CRIANÇA E A PRÉ-ADOLESCÊNCIA
5.1 – O Pré-adolescente e a Teoria Cognitiva de Jean Piaget
Revolução, terremoto, hecatombe. Parece que isso ocorre para milhões de
crianças quando iniciam a 5ª. Série do ensino fundamental. E não poderia ser
diferente. Somado a nova prática didático/pedagógica com vários professores, várias
matérias, escola diferente e diferentes colegas, para muitos, esse é o momento de
começar a dar adeus à infância. Têm início intensas transformações físicas. Os
hormônios do crescimento e sexuais são produzidos mais intensamente pelo
organismo. Aparecem os pelos, os órgãos sexuais se desenvolvem, para os
meninos a voz engrossa e nas meninas a cintura fica mais fina e o quadril, mais
largo. É a puberdade. O período da pré-adolescência.
Nessa etapa do desenvolvimento humano, é o alvorecer do realismo. A criança
percebe que é um ser social, portanto, começa a entender que possui mais
responsabilidades de ordem grupal e social o que provoca conflitos em seu
desenvolvimento psicológico. Para a criança a pré-adolescência é uma época de
profunda inquietação e excitação, pois pelos seus impulsos ela não se sente como
uma criança e não é um adulto. Essa manifestação de indefinição é pior do que na
fase seguinte, a adolescência. Nesse momento as alterações hormonais provocam
distúrbios em seu comportamento. Suas fantasias, sonhos e desenhos são focos de
conflito com seu novo mundo. Sua iminente adaptação ao novo eixo social pode
gerar angústias, estresse, isolamento e a depressão. Observa-se nesse período o
impacto das transformações corporais, a instabilidade de adaptação ao novo mundo
que surge e a construção de sua própria identidade mediante as interferências
desse mundo.
Pela teoria dos estágios do desenvolvimento cognitivo de Jean Piaget (Neuchâte,
9 de agosto de 1896, Genebra, 16 de setembro de 1980 – biólogo, zoólogo, filósofo,
epistemólogo e psicólogo) a pré-adolescência é o estágio operatório concreto, que
dura dos 7 aos 11 anos de vida.
41. 31
A criança começa a lidar com conceitos abstratos. É o início do período do
raciocínio e a formação de hipóteses. No desenho expressa o realismo na
representação da figura humana. Aparecem as dobras da roupa, as luzes e as
sombras marcando a geometria do corpo humano. De acordo com a teoria de Piaget
(1948) na fase operacional concreto a criança já deve apresentar um realismo visual
em suas imagens em detrimento do realismo mental.
Realismo visual: Wagner Luiz (11 anos)
Realismo mental: Cláudio Faria (11 anos)
Nesse período é natural que a criança apresente nos desenhos de figura humana
maior definição das características sexuais, principalmente as meninas com os
seios, cintura, quadris e o corpo já formado.
42. 32
Cláudia Rodrigues (11 anos) Carla Antunes (11 anos) Raissa Menezes (11 anos)
Outra característica desta fase de desenvolvimento, as operações concretas, a
criança possui seus pensamentos descentrado da percepção e ação. Deve
apresentar a capacidade de classificar, enumerar e ordenar. No desenvolvimento da
leitura seu foco é a leitura interpretativa com capacidade de ler e compreender
textos curtos e de leitura fácil e menor dependência da ilustração. Sua leitura favorita
transita pelos contos fantásticos, contos de fadas e animismo.
43. 33
5.2 O Referencial Psicanalítico de Donald Woods Winnicott
Entender a constituição do mundo psíquico winnicottiano é agregar valores
teóricos e empíricos de pelo menos 46 anos das condições normais do
desenvolvimento humano. É renascer e transitar pelos símbolos e sensações da
própria existência revivida de cada um que atua no campo da compreensão da
construção da personalidade de um indivíduo no amplo âmbito do contexto social.
Isso tudo, dentro dos padrões de seu desenvolvimento físico, intelectual e emocional
não importando, portanto, com aspectos subjetivos de raça, credo e/ou cultura. Mãe
é mãe em qualquer sentido físico, psíquico, biológico e estrutural de mundo da
mesma forma que os bebês. Na relação entre ambos se forma o ser suficientemente
bom. E é sob esse prisma que Donald Woods Winnicott (Plymouth, 7 de abril de
1896 – 28 de janeiro de 1971 – pediatra e psicanalista inglês) fundamentou as bases
teóricas de sua imensa obra que é uma das abordagens mais precisas para a
compreensão do amadurecimento psíquico do ser humano.
É natural no ser humano (faz parte da natureza humana, mas não é garantia)
uma força de aspecto psicológico que de suporte ao amadurecimento e a sua
integração, porém esse fato só é determinante se existir um ambiente facilitador
para essa ocorrência. Esse ambiente facilitador, no início do processo, é
representado pela mãe e depois de todo o meio ambiente que da sustentabilidade
ao indivíduo. Não basta a ocorrência cronológica do tempo para a efetivação do
amadurecimento e sim que o ambiente seja essencialmente sustentador das
necessidades básicas do existir humano, isto é, a existência de um ambiente
suficientemente bom tanto nas fases iniciais do bebê quanto da criança e do adulto
dentro de sua característica de ser e continuar sendo. Isso determina o indivíduo
sempre dependente no processo de seu amadurecimento. Por isso, falhas nos
primeiros meses de vida do bebê nas três funções essenciais da maternagem, boa o
bastante, no âmbito
44. 34
do holding102, handling103 e a relação objetal104 afetam o indivíduo em seu caminho
para a dependência relativa e no sentido da independência. De acordo com
Winnicott:
Fundamental a tudo isso é a idéia de dependência individual,
sendo a dependência o princípio quase absoluto, e alterando-se
gradativamente, e de maneira ordenada, para a dependência
relativa e no sentido da independência. A independência não se
torna absoluta e o indivíduo visto como unidade autônoma nunca, de
fato, é independente no meio ambiente, embora existam maneiras
pelas quais, na maturidade, ele possa sentir-se livre e independente,
tanto quando contribua para a felicidade e para o sentimento de
estar de posse de uma identidade pessoal. Através das
identificações cruzadas, a linha nítida existente entre o eu e o não-
eu é toldada. 105
Em “Pensando sobre crianças” (Winnicott, 1997) disserta que são possíveis três
abordagens distintas da criança pequena; elas se referem respectivamente ao
desenvolvimento físico, intelectual e emocional. A criança pequena, ainda frágil na
interrelação entre seu mundo egóico e o real, que se apega aos objetos transicionais
rumo à natureza de seu amadurecimento não pode ser privado 106 ou, na evolução de
sua idade cronológica, deprivado107 de suas necessidades internas daqueles que as
cercam para que seu desenvolvimento emocional prossiga sem traumas. Seu
desenvolvimento emocional é muito rápido em comparação aos que já estão na fase
escolar (que já possuem a capacidade de buscar e encontrar pelas experiências
emocionais vividas um suporte para suas necessidades internas).
___________________________
102
Holding (sustentação) – É utilizado aqui para significar não apenas o segurar físico de um lactente,
mas também a provisão ambiental total anterior ao conceito do viver com que implica relações
objetais, e a emergência do lactente do estado de estar fundido com a mãe, e sua percepção dos
objetos como externos a ele próprio. WINNICOTT, D.W. “O ambiente e os processos de maturação”.
Porto Alegre: Artmed, 1983, p. 44
103
Handling (manejo) – É a experiência de entrar em contato, pelas mãos da mãe, com as diversas
partes do corpo num processo psicossomático.
104
Examinando-se diretamente a comunicação e a capacidade de se comunicar, pode-se ver que elas
estão intimamente ligadas às relações objetais. Relações com os objetos são um fenômeno
complexo, e o desenvolvimento de uma capacidade para se relacionar com os objetos de forma
alguma é um ponto simples no processo de maturação. WINNICOTT, D.W. “O ambiente e os
processos de maturação”. Porto Alegre: Artmed, 1983, p. 164
105
WINNICOTT, D.W. “O brincar e a realidade”. Rio de Janeiro: Imago Editora, 1975, p. 188.
106
Ausência de afeto e/ou do objeto de amor antes mesmo de ser reconhecido como tal na relação
com a mãe
107
É a perda do objeto de amor depois de tê-lo experimentado. Essa perda pode ser por rejeição,
falta de afeto, repressão, afastamento temporário ou pela morte. Isto é, “uma criança torna-se de-
privada quando é destituída de algum aspecto de sua vida em família”. WINNICOTT, D.W. “Da
pediatria a psicanálise”. Rio de Janeiro: Imago Editora, 2000, p.409
45. 35
Isso se tiverem tido o amparo daqueles que o cercam suficientemente bom). A falha
desse contexto na criança pequena provoca traumas que são muito mais danosos
na idade pré-escolar, consequentemente, promoverá transtornos e/ou distúrbios na
idade escolar se estendendo à pré-adolescência, adolescência e idade adulta no
âmbito intelectual e emocional. O contexto da falha se insere na rotina inicial de seu
desenvolvimento físico e mental. O desenvolvimento emocional envolve inibições
intelectuais: ansiedade e depressão que são um mecanismo da coerção intelectual.
A criança privada ou deprivada de um ambiente de sustentação emocional se
sustenta criando um sistema próprio de defesa contra essa ansiedade e depressão.
Esse mecanismo o colocará num conflito entre o mundo real verdadeiro e o seu
criado pelo subjetivismo de suas necessidades fazendo crer que aquilo que é falso
para o mundo real lhe pareça verdadeiro em suas ações interrelacionais com o
ambiente que o envolve na sua visão de realidade e fantasia. Esse procedimento de
defesa Winnicott denominou de falso self (que pode ser entendido como o falso-eu
que se fundamenta nos conceitos de preservação do eu verdadeiro, ou seja, o self
verdadeiro). “Isso que chamamos de bebê não existe”. [...] se você me mostrarem
um bebê, mostrarão também, com certeza, alguém cuidando desse bebê, ou ao
menos um carrinho ao qual estão grudados os olhos e ouvidos de alguém. O que
vemos, então, é a “dupla amamentante”108.
Na idade inicial de vida do bebê ele ainda não existe como ser. Isso significa que
existe uma “coisa” que chamamos de bebê. Essa “coisa” é totalmente dependente
de sua mãe, portanto, não existe ainda a constituição de um ego. Seu ego é a sua
própria mãe.
O que vê o bebê quando olha para o rosto da mãe? Sugiro que,
novamente, o que o bebê vê é ele mesmo. Em outros termos, a mãe
está olhando para o bebê e aquilo com o que ela se parece se
acha relacionado com o que ela vê ali. (Winnicott, 1975, p. 154 ,
grifo do autor).
_________________
108
WINNICOTT, D.W. “Da pediatria à psicanálise”. Rio de Janeiro: Imago Editora, 2000, p. 165, grifo
do autor
46. 36
Disso decorre a importância da mãe suficientemente boa nessa fase da vida que
seja facilitadora de seu desenvolvimento sadio através de seu suporte egóico
promovendo ao bebê um caminho sem traumas na continuidade de seu processo de
maturação. Dessa forma a criança no decorrer de seu crescimento físico, intelectual
e mental vai integrando em seu ser em construção capacidades sensitivas,
perceptivas, lingüísticas e psicomotoras. A falha da mãe nesse processo de
construção do ego do recém nascido é sentido pelo próprio bebê como uma falha
ambiental no processo de continuidade de sua própria existência. Essa falha é um
apoio inadequado ou até mesmo patológico ao crescimento emocional da criança de
onde surgem os distúrbios e/ou transtornos de comportamento no futuro desse
indivíduo nos estágios sociais de uma comunidade, como, a apatia, inibição e
complacência. No âmbito dessas falhas a criança constitui o seu falso self109 que tem
com funções, a proteção, dissimulação ou dissociação do self110 verdadeiro de
acordo com as necessidades do ambiente o qual o indivíduo está inserido o qual se
constitui pelo ambiente externo ao seu próprio ego desagregado de elementos
concretos que formam esse meio externo. Ao fazer uso do falso self como forma de
proteção egóica a noção de mundo para o indivíduo se traduz como uma forma de
realismo mental, subjetivo e distorcido daquilo que é real. Em um extremo: “O falso
se implanta como real e é isso que os observadores tendem a pensar que é a
pessoa real. Nos relacionamentos de convivência, de trabalho e amizade, contudo, o
falso self começa a falhar.” (Winnicott, 1983, p. 130). Desta forma o falso self é uma
estratégia de sobrevivência em detrimento do viver como ser-no-mundo em toda sua
plenitude resultado de falhas de construção da personalidade por conta do
desenvolvimento do indivíduo num ambiente que não lhe proporcionou
sustentabilidade emocional para seu processo de integração objetal, que já começa
na fase da amamentação) no caminho de sua independência.
__________________
109
O falso self se constrói na base da submissão. Pode ter um função defensiva, que é a proteção do
self verdadeiro. WINNICOTT, D.W. “O ambiente e os processo de maturação”. Porto Alegre: Artmed,
1983, p. 122
110
No estágio inicial o self verdadeiro é a posição teórica de onde vem o gesto espontâneo e a idéia
pessoal. O gesto espontâneo é o self verdadeiro em ação. Somente o self verdadeiro é sentido como
real, a existência do falso self resulta em uma sensação de irrealidade e em um sentimento de
futilidade. Ibid., p.135
47. 37
Ao lidar com a amamentação ou com a alimentação por mamadeira
[...] a mãe e o bebê chegam a um acordo na situação de
alimentação, estão lançadas as bases de um relacionamento
humano. É a partir daí que se estabelece o padrão da capacidade
da criança de relacionar-se com os objetos e como o mundo111.
Esse processo da relação objetal permite ao indivíduo adaptar-se às suas
necessidades primitivas capacitando-o a descobrir o mundo d forma criativa em sua
aquisição e manifestação como também, bebês que não experimentam falhas
ambientais nesse período transitam satisfatoriamente de sua relação absoluta de
dependência para a independência mesmo sabendo que essa independência é
incompleta, não absoluta, o que é natural no desenvolvimento humano. Por outro
lado, bebês que experimentam falhas ambientais, quanto à dependência, em graus,
variados, experimenta um prejuízo concreto que pode ser muito difícil de reparar:
“Na pior das hipóteses, o desenvolvimento da criança como pessoa é distorcido
para sempre, e em conseqüência a personalidade é deturpada, ou o caráter é
deformado (WINNICOTT, D.W. “Os bebês e sua mães.” 3ª. ed. São Paulo: Martins
Fontes, 2006, p. 77), grifo nosso. Essa ocorrência se manifesta em famílias
estruturadas ou não. É possível então elaborar hipóteses à respeito daqueles que se
vêem privados ou deprivados de suas famílias.
Os efeitos podem ser enunciados em termos de dados clínicos e
atualmente há uma concordância considerável sobre o que se pode
esperar quando há separação do bebê ou criança pequena da figura
parental durante um período de tempo excessivamente longo. Foi
estabelecido que existe uma relação entre a tendência anti-social e
a privaçao112.
Os sintomas anti-sociais se manifestam principalmente na idade escolar no
âmbito da agressividade que se desvela em seus impulsos primitivos, sob a
proteção do falso self, ocasionando o isolamento e a depressão levando o indivíduo
a não integrar-se cognitivamente e emocionalmente promovendo atraso em seu
desenvolvimento intelectual e emocional.
___________________
111
WINNICOTT, D.W. “Os bebês e suas mães”. 3ª. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2006, p. 55
112
WINNICOTT, D.W. “Privação e delinqüência.” 4ª. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005, p. 148
48. 38
A escola é um reflexo da realidade social, portanto, um lugar que é possível
dimensionar a intensidade da desestruturação familiar nos dias de hoje pelos índices de
desenvolvimento escolar, da evasão, da repetência entre outros fatores em que a culpa
recai sobre o Estado e sobre a (De) gestão da Unidade Escolar. Essas famílias vivenciam
um horizonte sem desenvolvimento e progresso produzindo filhos com baixa auto-estima,
depressivos, intolerantes e agressivos.
Quando esses filhos chegam à adolescência a falta de controle de seus impulsos
primitivos não educados poderá incorrer em sérios problemas psicossociais. Sem regras
impostas pela educação primária não aprendem a seguir as regras sociais e nem lidar
com suas frustrações e perdas. Como defesa usam a agressividade como padrão de
comportamento. E, a escola pela sua incompetência administrativa não é para ele um
referencial para sua vida de crescimento, de harmonia, de socialização.
O referencial de desenvolvimento emocional para a criança é sua própria família. Se
houver uma falha nesse ambiente, essa criança buscará fora de casa um outro referencial
que lhe de sustentabilidade ambiental de amadurecimento. Essa sustentabilidade poderá
vir de seus tios, avós, amigos da família. A criança privada desses ambientes poderá
obter, ainda, na escola o que lhe faltou no próprio lar. Esse fato não acontece com a
criança anti-social.
A criança anti-social está simplesmente olhando um pouco mais
longe, recorrendo à sociedade em vez de recorrer a família ou à
escola para lhe fornecer a estabilidade de que necessita a fim de
transpor os primeiros e essenciais estágios de seu crescimento
emocional113.
Para piorar a situação dos indivíduos que se inserem nos fatores que produzem a
agressividade no padrão anti-social como os instintos agressivos, a bagagem hereditária
e seu ambiente familiar, pesquisas revelam que crianças oriundas de famílias de padrão
sócio-econômico baixo são mais agressivas e mais propensas de se tornarem
delinqüentes.
______________________
113
Ibid., p. 130
49. 39
Amor e ódio constituem os dois principais elementos a partir dos
quais se constroem as relações humanas. Mas, amor e ódio
envolvem agressividade. Por outro, a agressão pode ser sintoma de
medo114.
De onde vem à tendência agressiva humana é uma tarefa difícil de identificar. Por
Darwin ela é inerente à formação genética de nossos ancestrais que fundamentavam sua
sub-existência na luta contra a fome, em favor da vida e a natureza hostil. Diferente nos
períodos formadores das sociedades onde a agressividade e violência se confundem.
Hoje, em estudo profundo, Winnicott certifica e demonstra que ataques de impulsos
irracionais está intimamente relacionado ao desenvolvimento emocional do indivíduo e
que “em termos” o ato é influenciado pelo ambiente.
Para Winnicott, a agressividade pode tomar vários caminhos e estes caminhos estarão
em estreita relação com a resposta ambiental: o desenvolvimento normal da capacidade
de inquietude e duas alternativas patológicas, que seria a não capacidade para a
inquietude e a questão da formação do faso-self, ligado à questão da tendência anti-
social.
Mas, segundo Winnicott, à agressividade que configura em muitos casos como uma
tendência anti-social não pode ser vista como um diagnóstico de transtorno ou distúrbio
relacionado à saúde do indivíduo. A tendência anti-social é um sinal de pedido de socorro
pelo indivíduo que se sente preso à um meio que não foi ou ainda não é suficientemente
bom para ele.
Na fase escolar é comum a manifestação agressiva de crianças e adolescentes.
Principalmente nos adolescentes que precisam dominar seus impulsos agressivos e
sexuais. Atitudes anti-sociais extremas, muitas vezes, ajudam o adolescente a se sentir
real, num período de perturbação emocional depressiva ou de deprivação. Winnicott
afirma que o processo do amadurecimento é a cura da adolescência e dessas atitudes
hostis positivas no contexto do crescimento do indivíduo. Manifestações que giram em
função de sua defesa e conquistas, para o exercício da criatividade e a cumplicidade
amorosa. O grande problema é se o indivíduo tomar o viés da tendência à delinqüência,
onde a tendência à construção do seu próprio eu é substituído pela ação da
destrutividade e a violência.
_____________________
114
Ibid., p. 93