1) O documento discute como fatores de estresse na gravidez, como guerras, podem influenciar o desenvolvimento psicológico da criança.
2) A história de Ana é analisada, sugerindo que os traumas da guerra civil espanhola e da família disfuncional podem ter contribuído para sua psicose.
3) A teoria psicanalítica é usada para explicar como a falta de vínculo saudável com a mãe levou Ana a desenvolver fantasias e dificuldades em distinguir real
Influência do estresse materno na psicose infantil
1. Sob a luz dos Estudos das Relações entre Organizações Cerebrais e
Processos Psicológicos, os fundamentos empíricos da Neurologia mostram que
o estresse provocado pelo meio vivente de um indivíduo e principalmente na
mulher, quando grávida, a produção, por exemplo, de um excesso de
adrenalina pode provocar no feto uma diminuição na produção de neurônios,
cuja conseqüência pode ser percebida após o nascimento da criança por volta
de seus sete ou oito anos de idade.
UNESP
A guerra é um padecimento extrínseco, coletivo, exógeno e irreversível.
Na época em que a mãe de Ana estava grávida a Espanha estava ainda
mergulhada nos efeitos de uma Guerra Civil (1936-39) que foi o
acontecimento mais dramático e traumático que ocorreu antes da eclosão da
Segunda Guerra Mundial que dizimou diretamente meio milhão de pessoas e
outras tantas após seu término nos anos que se sucederam. É possível que
isso possa ter tido alguma influência no caráter psíquico de Ana, já que seu
marido participou diretamente do conflito como voluntário? Não se pode dizer
com certeza, pois, o filme não traz detalhes que se possa fundamentar,
apesar de que diversos estudiosos indicarem a influência de fatores sociais
para o desencadeamento do processo psicótico. Investigações fisiológicas e
psicológicas consagram o conceito de que as doenças mentais são doenças
cerebrais.
Certamente é a teoria Psicanalítica que explica a Psicose de Ana que se
insere no universo da psicose infantil e esta oferece uma melhor concepção
do sujeito. A maior parte dos teóricos que segue essa linha acredita que o
bom desenvolvimento psíquico é decorrente da saudável relação mãe-bebê e
caso isso não ocorra, podem surgir, as patologias.
A constituição da subjetividade do sujeito se
dá a partir da relação saudável, que se
estabelece entre a mãe e o bebê.
(D. W. Winnicott).
Ao imitar os trejeitos da tia, Ana não traz consigo a característica de um
psicótico infantil autista, mas as dificuldades de se afastar da mãe cujo
relato parte da própria fala de Rosa:
“Você nasceu a Fórceps. Tiveram de arrancá-
la, porque você não queria deixar o ventre de
sua mãe”,
que se prolonga até a fase adulta, as alucinações durante suas insônias ao
encontrar com apor que certas pessoas se referem à infância como a
“Não sei mãe que lhe dá carinho e conta histórias, seu isolamento
num momento mais feliz de filme vidas. Eu lembro os meus lhe preenche o
época antológico do suas em que ouve a música que dias de
vazio, o fascínio pela morte, a interminável, monótono e triste,com seus
criança, como um período agressividade (quando brinca onde
bonecos) em contraste como medo dominava tudo com a avó e os cuidados
a preocupação carinhosa
com o hamster, mostrando que da mesma forma que é capaz de amar é
–medo do desconhecido.
capaz de Para mim, o paraísoainfantil em um quadro de conduta na
odiar:intensidade, coloca não existe. Não acredito fantasiosa
e destrutiva inserida num contexto psicótico infantilcrianças.” ser classificado
bondade, nem na inocência das que pode
como distúrbios difusos do desenvolvimento com início na infância.
Ana.
2. 02 Allencar Rodriguez
Dentro de um contexto de amargura e a dor, a mãe de Ana (histérica)
agoniza diante de si sofrendo dores uterinas externando uma neurose
proveniente do relacionamento de seu pai com Amélia: a mulher de seu
melhor amigo. Tempos depois, Ana vê seu pai morto em seu quarto após ter
mantido uma relação sexual com Amélia. A menina conclui-se responsável
pela morte do pai, pois colocara em seu leite um pó branco que julgava ser
veneno. A partir daí, Ana começa uma caminhada de onipotência (Ana
pensava ter um estranho poder sobre a vida e a morte) diante do quadro
familiar.
O filme é um complexo de símbolos (corvo, pés de galinha=morte,
ritual=uso da mesma roupa no momento da morte do pai, da mãe e da tia
que ela pensava ter matado, mistério=o momento da reza ao enterrar o
hamster). Nesse contexto o cineasta Carlos Saura pode estar mostrando, pela
simbolização de Ana uma nova Espanha que começa a caminhar em direção
de um futuro mais claro, mas ainda preso às correntes do passado. Uma
Espanha ainda sob a luz da neurose e da psicose da guerra que quer exorcizar
de sua história as marcas da ditadura franquista que apoiada pela Igreja
Católica manteve o país calado por 40 anos, tão muda e tão calada quanto à
avó de Ana que vive das recordações do passado. E também pelos utensílios
e acessórios usados pelo pai à mostra no quarto e difícil de serem enterrados.
Neste momento, mais uma vez a pulsão destrutiva de Ana aparece ao
apoderar-se da pistola do pai usado na guerra civil que se soma, enquanto
pulsão destrutiva que se desloca por diferentes objetos passíveis de
destruição: o boneco, a tia, a avó quando pergunta: “você quer morrer?” e
seu desejo suicida que aparece em uma noite em que sonha com a mãe
acorda chorando e gritando: “Quero morrer, quero morrer”, ao seu
comportamento psicótico.
Ana pode não ter sido vítima diretamente do meio, mas foi vítima dos
dramas da família. Fruto de um complexo edipiano frustrado, sua
patologia a conduz buscar recursos de sobrevivência fora do sentido da
realidade, na acepção de um conflito ego versus realidade. A visão metafísica
de Ana voando se insere nesse contexto expressando seus sentimentos,
desejos e inquietações que são reflexos da falta das carícias maternas
transferidas para a avó em forma de carinho e ao hamster em forma de
cuidados. E ao “matar” o pai, Ana se vinga de sua situação de abandono e
desprezo buscando na mãe uma relação fantasmática, idealizada que satisfaça
suas necessidades Edipianas. Isso não ocorre, pois, a mãe logo morre.
“(...) se uma criança não superar seu
Complexo de Édipo terá problemas psíquicos,
caso contrário terá uma vida normal.” FREUD.
3. psicopedagogia psicanalítica 03
E no relato de Ana já adulta mostra que ela não superou seu problema:
“Não sei por que certas pessoas se referem à
infância como a época mais feliz de suas
vidas. Eu lembro os meus dias de criança,
como um período interminável, monótono e
triste, onde o medo dominava tudo – medo do
desconhecido. Para mim, o paraíso infantil
não existe. Não acredito na bondade, nem na
inocência das crianças.” Ana (adulta)
Mesmo dependente de um mundo psicótico no qual Ana mata exatamente
aquilo que ama como forma de controlar o objeto amado e que preenche seu
ego narcisista, ela tenta se desvencilhar dos momentos perdidos no passado
deixando em segundo plano as fotografias nostálgicas apresentadas pela avó,
às músicas e suas próprias lembranças no momento que brinca com as irmãs
ouvinte sua música preferida. Mas, no relato de Ana adulta percebe-se que
pela coleção de fotos ela tenta tornar o passado em presente. E, os
flashbacks mostrados no filme, (recordação de um passeio que fizera ao sítio
de um amigo de sua tia onde são fortalecidos seus traumas infantis ao
surpreender a tia beijando o amigo e por ter sido esbofeteada por ela),
acentuam a dificuldade de rompimento entre o passado e o presente. Existem
as dificuldades de renuncia, em se desprender.
Outra seqüência de cenas recorrente ao processo das dificuldades de
dissociação fantasmática ou fantasiosa serve também para entender o título
do filme e o provérbio ao qual ele é qualificado:
“Cria cuervos y te picarán los ojos”
A seqüência é a imagem dos grandes seios de Rosa e o momento em que
Ana amamenta uma boneca:
“És um impaciente. Já sei o que queres, mas tens de esperar.”
“Ai, tu me mordeste.”
“És má, e desobediente, fazes sofrer tua tia e tuas irmãs.”
Para Winnicott, o início da vida do bebê, inserido no contexto do ambiente
de carinho e amor, significa apetite, excitação e ânsia. Estes elementos
significativos, Ana, devido aos constantes atritos entre sua mãe e seu pai que
deixou sua mãe fraca e doente, ela perdeu na sua essência o seu direito de
expressar e externar. Pois, foi amamentada pela Rosa e por uma mamadeira.
A expressão da cria comer o criador é alimentar-se do próprio criador sem,
contudo, desejar sua destruição. O bebê tem por interesse apenas saciar sua
satisfação primitiva do corpo e da alma.
4. 04 Allencar Rodriguez
Sob o ponto de vista de Winnicot, a aquisição saudável da posição
depressiva no desenvolvimento emocional pressupõe, além de um cuidadoso
manejo do desmame, um desenvolvimento anterior adequado. Para
compreender as psicoses, precisamos remeter a esses estágios mais
primordiais da psique. A desilusão, para Winnicott, é um fenômeno mais
amplo que antecede ao desmame. Enquanto o desmame implica uma
alimentação bem sucedida, a desilusão está relacionada ao fornecimento
adequado de oportunidades para ilusão. Ou seja, a mãe deve inicialmente
fornecer ao bebê a ilusão de que o que ele cria está mesmo lá para ser
encontrado.
Na seqüência final do filme a imagem real de Ana é de uma menina igual
às outras, com seus medos e fantasias, segredos e mistérios, típicos da
existência infantil. Mas, foi a partir do relato de um sonho de Irene que Ana se
volta à realidade ao inferir um comentário no sonho de sua irmã.
“Homens me raptaram e me levaram num carro para uma
casa que ficava numa colina. Ao entrarmos na casa
passamos por uma cozinha imunda. Trancaram-me num
quarto e vendaram os olhos. Traziam-me comida que eu não
queria comer, pois imaginava ter sido feita naquela
frigideira. Mandaram que telefonasse para papai e mamãe,
mas eles não estavam em casa. Disseram que tentasse
novamente: Se eles não atendessem me matariam. Ninguém
respondia. Encostaram um revólver na minha cabeça.
Quando iam me matar eu acordei.”
“Papai e mamãe estão mortos, Irene.”