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Superior Tribunal de Justiça
RECURSO ESPECIAL Nº 1.130.103 - RJ (2009/0054605-4)

RELATOR                :   MINISTRO CASTRO MEIRA
RECORRENTE             :   FLÁVIO BRANDALISE E OUTRO
ADVOGADO               :   MONICA SZERMAN E OUTRO(S)
RECORRIDO              :   COMISSÃO DE VALORES MOBILIÁRIOS - CVM
PROCURADOR             :   CELSO LUIZ ROCHA SERRA FILHO E OUTRO(S)

                                             RELATÓRIO

            O EXMO. SR. MINISTRO CASTRO MEIRA (Relator): Trata-se de recurso
especial interposto com base no art. 105, inciso III, alínea "a", da CF, contra acórdão do Tribunal
Regional Federal da 2ª Região, assim ementado:

                         ADMINISTRATIVO. INQUÉRITO ADMINISTRATIVO. NULIDADE. ATO
               ADMINISTRATIVO.            CVM.       ABUSO        DE    PODER.       IRREGULARIDADES.
               DEMONSTRAÇÕES FINANCEIRAS.
                         1. Trata-se de apelação cível contra sentença proferida nos autos da ação ordinária
               em que os autores objetivam a anulação das penalidades imposta pela ré, no âmbito do
               inquérito administrativo CVM nº 04/0004.
                         2. Alegam os Apelantes que, tendo respondido a inquérito administrativo aberto
               pela ré depois de denúncias publicadas na revista “Veja”, em 24.11.1993, ao fim do qual
               foram acusados de, nas demonstrações financeiras dos anos de 1990 e 1991 da PERDIGÃO
               AGROINDUSTRIAL S/A, terem feito registrar crédito de mútuo obtido junto a “holdings”
               familiares em favor daquela empresa como se fosse “saldo a receber de clientes”, ao invés
               de considerá-lo como mútuo, isto em operações feitas antes de 1992, pelo quais sofreram a
               imposição de multa, no valor de R$ 4.428.977,00 (quatro milhões, quatrocentos e vinte e
               oito mil, novecentos e setenta e sete reais) a cada um dos autores, bem como a declaração de
               inabilitação para o exercício do cargo administrador de companhia aberta por dez anos,
               também a cada um dos autores.
                         3. O juízo a quo julgou improcedente o pedido, sob o fundamento de que as
               irregularidades apontadas pela CVM (fls. 189) e que restaram incontroversas, indicam que
               houve verdadeiro abuso de poder de controle, com práticas de atos comprometedores do
               patrimônio da PERDIGÃO (fls. 189, item 3 do Relatório), “inclusive sem autorização da
               assembléia de acionistas ou do conselho de administração” (fls. 189, item 2 do Relatório).
                         4. Com efeito, a eventual ausência de dano fático, que de resto está demonstrado
               (fls. 199/257, fls. 259/312 e fls. 314/354) nos autos, inautorizaria, de qualquer sorte, o
               acolhimento de pretensão, porquanto sobressai na hipótese, o dano jurídico, não se
               cogitando, no caso, em tela, de eventual ação de responsabilidade civil proposta pelos
               lesados. O ato administrativo, portanto, restou hígido, subsistindo a sua presunção de
               legitimidade, legalidade e veracidade, amplamente respaldados nos autos.
                         5. Apelação conhecida, porém desprovida (e-STJ fl. 569).

            Embargos de declaração foram opostos, mas não receberam provimento (e-STJ fls. 580
a 588).
           No recurso especial, alega-se, em síntese, violação do artigo 11, § 1º, inciso I, da Lei n.º
6.385/76, devido à pretensa desproporcionalidade da multa aplicada pela Comissão de Valores
Mobiliários, com base nos fatos apurados no Inquérito Administrativo CVM n.º 07/94.
           Os recorrentes sustentam, ainda, serem as penalidades aplicadas decorrentes de dupla
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sanção, em relação ao mesmo ato ilícito, o que configuraria bis in idem, porque foram motivadas
pela prática das infrações constantes do art. 117, § 1º, alíneas "a" e "c", e 154, § 2º, alínea "b",
ambos da Lei n.º 6.404/76. Nesse ponto, defendem que a conduta capitulada na alínea "c" está
contida naquela descrita na alínea "a", ambas do art. 117, § 1º, da Lei n.º 6.404/76, além de que o
fato de serem controladores e administradores, ao mesmo tempo, da sociedade Perdigão
Agroindustrial S.A. não justificaria dupla punição. Defendem, também, a ausência de prejuízo para
a sociedade supracitada, razão pela qual não deve perseverar a cifra de R$ 6.045.422,29 (seis
milhões, quarenta e cinco mil, quatrocentos e vinte e dois reais e vinte e nove centavos), imposta a
título de multa.
             Nas contrarrazões, a recorrida sustenta, em síntese, a improcedência da anulação, tendo
em vista o Princípio da Separação dos Poderes, da vedada sindicância do mérito administrativo e da
incidência, ao caso, da Súmula 07/STJ. Defende, também, não ter havido violação do art. 11, § 1º,
da Lei 6.385/76 ou bis in idem, já que a aplicação da pena de inabilitação temporária não impede
sua cumulação com a pena de multa, no caso de diversas infrações praticadas. Outrossim, alega ser
a multa impingida proporcional aos danos materiais e jurídicos ocasionados pelas condutas ilícitas
perpetradas pelos recorrentes, bem como obedeceu ao modelo previsto em lei.
            Após o recurso especial ser admitido na origem, vieram os autos para o Superior
Tribunal de Justiça.
            Houve vista dos autos, requerida por Flávio Brandalise, às e-STJ fl. 888, com juntada
de substabelecimento ( e-STJ fls. 887 e 888).
            Instada a manifestar-se, a ilustre Subprocuradora-Geral da República, Dra. Dulcinéa
Moreira de Barros, opinou pelo não-provimento do recurso especial, nos termos da seguinte
ementa:

                         Recurso especial. Administrativo. Gestão fraudulenta da sociedade.
               Inquérito administrativo no âmbito da CVM. Dano aos sócios minoritários
               expressamente reconhecidos em segunda instância. Matéria de prova insuscetível de
               reexame via especial. Súmula nº 7/STJ. Aplicação de pena de multa e de
               inabilitação para o exercício de cargo de administração societária. Legalidade.
               Inexistência de bis in idem anti-jurídico. Montante da multa. Exorbitância não
               caracterizada. Parecer pelo parcial conhecimento do recurso especial e, nessa parte,
               pelo seu não provimento (e-STJ fl. 889).

            É o relatório.




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RECURSO ESPECIAL Nº 1.130.103 - RJ (2009/0054605-4)

                                              EMENTA

              RECURSO          ESPECIAL.      REVISÃO.       FATOS.       SÚMULA        07/STJ.
      PROPORCIONALIDADE. ARTIGO 11, § 1º, DA LEI N.º 6.385/76. TRINTA POR
      CENTO DO VALOR DA OPERAÇÃO IRREGULAR. POSSIBILIDADE.
      PROPORCIONALIDADE. MULTA. INTERDIÇÃO TEMPORÁRIA DO EXERCÍCIO
      DA ATIVIDADE DE ADMINISTRADOR. CUMULATIVIDADE. CABIMENTO.
      PROIBIÇÃO DA PROTEÇÃO DEFICIENTE AOS BENS JURÍDICOS.
      INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA E TELEOLÓGICA. CABIMENTO. PODER DE
      POLÍCIA. DISCRICIONARIEDADE.
              1. Os recorrentes realizaram operação de mútuo com "holdings" familiares, na
      época em que ocupavam concomitantemente as funções de administradores e sócios
      controladores da pessoa jurídica, contudo, na contabilidade da empresa, fizeram registrar
      esta operação como se fosse "saldo a receber de clientes", ao invés de a lançarem como
      mútuo, razão pela qual a Comissão de Valores Mobiliários aplicou-lhes as sanções de
      multa e de inabilitação para o exercício do cargo de administrador, pelo prazo de dez
      anos, com base nos artigos 117 e 153, da Lei n.º 6.404/1976, e 11 da Lei n.º 6.385/76.
              2. Pretendem anular a multa que lhes foi imposta pela Comissão de Valores
      Mobiliários, sustentando a ilegitimidade e a ilegalidade da sanção, devido à inexistência
      de conduta ilícita e porque o montante fixado seria supostamente desproporcional em
      relação ao desvalor da conduta e aos elementos fáticos do caso concreto.
              3. É cediço que o recurso especial não se presta à reapreciação do conjunto
      probatório dos autos, razão pela qual torna-se defeso aferir a compatibilidade fática das
      condutas dos recorrentes às infrações tipificadas nos artigos 117 e 153, da Lei n.º
      6.404/76, ou a gravidade do dano decorrente de atos societários perpetrados. Inteligência
      da Súmula 07/STJ.
              4. Por outro lado, nos termos do art. 11, § 1º, da Lei n.º 6.385/76, a multa
      aplicada pela CVM não poderá ser superior ao maior dos seguintes valores: quinhentas
      vezes o valor nominal de 01 ORTN (Obrigação Reajustável do Tesouro Nacional) ou
      30% da valor da operação irregular. Assim, o limite da sanção será a cifra que se mostrar
      superior no caso concreto: se o valor correspondente a 30% do valor da operação
      irregular for superior a quinhentas vezes o valor de 01 ORTN, deverá prevalecer tal fator
      de cálculo, para o teto da multa.
              5. A CVM não estava obrigada a aplicar o menor valor da multa, que
      corresponderia a quinhentas ORTNs, pois a Lei n.º 6.385/76 apenas determina que a
      sanção não poderia ultrapassar o maior dos tetos previstos no art. 11, § 1º.
              6. Deve-se assegurar ao Poder Judiciário a apreciação da razoabilidade da
      atuação administrativa, porém este não pode simplesmente substituir a mens legis,
      inovando ou indo além do que o Legislativo previu, sob pena de usurpação da função do
      legislador e de completo menoscabo ao regime de tripartição de Poderes.
              7. Os recorrentes também sustentam ter ocorrido bis in idem, pois a Comissão de
      Valores Mobiliários aplicou as sanções de multa e de interdição temporária do exercício
      da atividade de administrador, cumulativamente, em vista da mesma conduta ilícita,
      imputada aos agentes econômicos.
              8. As penalidades de multa e de interdição temporária do exercício da atividade
      de administrador foram impostas de maneira simultânea, justamente porque as infrações
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      foram praticadas quando os recorrentes ocupavam, cumulativamente, funções diversas
      no âmbito da sociedade: como administradores e sócios-controladores.
              9. Constatou-se falta de transparência na realização da operação financeira em
      destaque, com impacto direto sobre o patrimônio da empresa e sobre o direito à
      informação dos acionistas minoritários, quando a companhia encontrava-se sob
      orientação decisiva dos recorrentes, acionistas controladores e administradores à data dos
      fatos.
              10. No atual cenário da economia nacional e internacional, altamente dependente
      da saúde financeira do setor empresarial, a eticidade nas relações interna corporis das
      companhias é bem jurídico igualmente digno de tutela, por meio do estímulo à segurança
      e à transparência das operações financeiras. Por tais motivos, urge aplicar-se o princípio
      da confiança, a fim de resguardar a boa-fé dos sócios minoritários, bem como de toda a
      comunidade, diante de eventuais situações jurídicas geradas por um comportamento
      desleal dos administradores e sócios-controladores das pessoas jurídicas.
              11. A Lei das Sociedades por Ações também é informada por essa principiologia,
      como se extrai da Exposição de Motivos n.º 196, de 24 de junho de 1976, segundo a qual
      a responsabilidade social que passou a ser exigida dos acionistas-controladores e dos
      administradores das pessoas jurídicas impõe-lhes comportamento idôneo e probo,
      conforme as diretrizes lançadas nos artigos 116, 117, 153 e 154, da Lei n.º 6.404/76.
              12. Seria completamente desproporcional aplicar somente a pena de multa,
      mantendo-se os agentes na direção da empresa, quando estes agiram ilicitamente na
      gestão dos recursos da sociedade. Por outro lado, a pura interdição temporária do
      exercício da atividade de administrador também mostrar-se-ia desproporcional, já que,
      isoladamente, não seria suficiente para repreender e emendar agentes econômicos que, às
      custas da regularidade do mercado de valores mobiliários, praticaram ilícitos visando ao
      seu locupletamento. Deste modo, crucial a medida de cunho patrimonial, como
      reprimenda adequada para o intento de lucro desmedido.
              13. Para o cumprimento das atribuições da Comissão de Valores Mobiliários, não
      se mostra razoável limitar o uso das sanções disponíveis ao poder de polícia dessa
      autarquia, quando a lei assim não fez. O silêncio do art. 11 da Lei n.º 6.385/76, quanto à
      possibilidade de aplicação cumulativa de sanções, antes de representar espécie de
      "silêncio eloquente", a impedir tal espécie de apenação, deve ser interpretado como
      técnica legislativa, voltada justamente a assegurar o exercício efetivo das funções
      técnicas da CVM, diante de ilícitos de jaez tão complexo e aprimorado, devido às
      peculiaridades do mercado em destaque.
              14. Ciente dos desafios que o exercício do poder de polícia impõe à
      Administração Pública, no referente à interpretação dos fatos e à escolha dos meios mais
      adequados para restringir e condicionar a liberdade dos cidadãos, com vistas ao interesse
      público, a doutrina brasileira tende a atribuir-lhe o caráter discricionário, máxime quando
      a lei não detalha a forma como tal prerrogativa pública deverá ser desempenhada, o que
      ocorre no caso dos autos.
              15. Recurso especial em parte conhecido e, nesta parte, não provido.



                                                VOTO

            O EXMO. SR. MINISTRO CASTRO MEIRA (Relator): Os ora recorrentes, Flávio
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Brandalise e Saul Brandalise Júnior, ex-administradores e sócios controladores da empresa
Perdigão Agroindustrial S/A, ajuizaram ação ordinária contra a Comissão de Valores Mobiliários
objetivando anular as sanções que lhes foram aplicadas, por terem feito inserir, nas demonstrações
financeiras desta empresa, entre 1990 e 1991, registro de receitas como se fossem "saldo a receber
de clientes", ao invés de lançarem a operação como mútuo, realizada com "holdings" familiares.
            Em consequência, foram-lhes aplicadas as penas de multa e de inabilitação para o
exercício do cargo de administrador de companhia aberta, pelo prazo de dez anos.
            Julgada a ação improcedente e mantida a sentença pelo acórdão proferido pelo Tribunal
Regional Federal da 2ª Região, foi interposto o recurso especial ora em exame, cujos fundamentos
passo a analisar.

            DO CABIMENTO E DA PROPORCIONALIDADE DA MULTA AO CASO
CONCRETO
            Os recorrentes visam, primeiramente, a anular multa imposta pela Comissão de Valores
Mobiliários - CVM, defendendo a ilegitimidade e a ilegalidade da sanção devido à inexistência de
conduta ilícita e porque o montante fixado seria supostamente desproporcional em relação ao
desvalor da conduta e aos elementos fáticos do caso concreto.
            Na sentença, mantida pelo acórdão recorrido, considerou-se ter havido abuso do
poder de controle dos recorrentes e prática de atos comprometedores do patrimônio da
Perdigão e dos direitos dos acionistas minoritários, máxime devido à falta de normalidade e
de transparência na direção do empreendimento.
            Vejamos:

                          Entretanto, as irregularidades apontadas pela CVM (fls. 189) e que restaram
               incontroversas, indicam que houve verdadeiro abuso de poder de controle, com práticas de
               atos comprometedores do patrimônio da PERDIGÃO (fls. 189, item 3 do Relatório),
               “inclusive sem autorização da assembléia de acionistas ou do conselho de administração”
               (fls. 189, item 2 do Relatório).
                          É de notar-se, ainda, que a responsabilidade dos administradores das sociedades
               por ações decorre não apenas dos prejuízos causados à sociedade por sua conduta abusiva na
               direção desta, mas também pela falta de normalidade nas operações a que levaram a termo.”
                          [...]
                          Pretendem os autores, ainda, que a base de cálculo da multa que lhes foi imposta
               seria excessiva, seja porque o valor tomado por base correspondeu ao encargo acumulado no
               ano de 1992 e os atos ilícitos foram cometidos nos anos de 1990 e de 1991 (fls. 16, item 19,
               sexto parágrafo), seja porque, de todo modo, não haveria “como precisar no relatório em
               questão se os Cr$ 97.296,000,00” (noventa e sete milhões, duzentos e noventa e seis mil
               cruzeiros 'correspondem aos encargos acumulados desde 1990 ou se se tratam dos encargos
               relativos apenas ao ano de 1992” (fls. 16, penúltimo parágrafo).
                          É de observar-se que nem os autores foram capazes de trazer aos autos as
               demonstrações financeiras de 1990 e de 1991 que seriam as corretas, assim
               desvinculando-as de qualquer repercussão que delas pudesse ter recebido as demonstrações
               financeiras de 1992.
                          Exigir que a CVM o tivesse feito, portanto, resultaria em beneficiar-se o infrator
               por sua infração, com prejuízo à fiscalização e ao mercado como um todo.
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                         Raciocinam os autores que, já que eram detentores de setenta e cinco por cento das
               ações da PERDIGÃO, o prejuízo da sociedade teria sido limitado a vinte e cinco por cento
               daquela base de cálculo, ou seja, ao percentual de ações possuídas pelos acionistas
               minoritários.
                         O raciocínio parece desconhecer que os acionistas minoritários são apenas um dos
               sujeitos passivos dos ilícitos por eles praticados, assim qualificados em âmbito
               administrativo, e cujos atos restaram incontroversos neste feito.
                         Outro destinatário, e para cujos interesses volta-se também a proteção representada
               pelo poder de polícia exercido pela CVM e pela obrigação legal de transparência das
               demonstrações financeiras das empresas de capital aberto é o público, em geral.
                         Trata-se de princípio geral da Lei das Sociedades por Ações, como
               consubstanciado no art. 4º, da Lei nº 6.404/76.”
                         [...]
                         De todo modo, é o caso de observar que, não se confundindo as pessoas da
               sociedade com as dos sócios, não há como se estabelecer a vinculação direta de prejuízos à
               sociedade e igual prejuízo direto aos sócios majoritários; não raro, ocorre justamente o
               contrário, em afronta à lei.
                         Alegaram os autores que a “sanção pecuniária” representada pela multa, por não
               ter “caráter retributivo ou compensatório para o minoritário, só pode ser aplicada pela
               autoridade fiscalizadora com observância das regras relativas à proporcionalidade e
               razoabilidade”. (fls. 17, último parágrafo).
                         Deve-se ter em mente, porém, que em matéria de gestão ilícita de empresas,
               notadamente as abertas, o risco representado pela conduta abusiva de uma delas pode vir a
               contaminar largos segmentos da atividade econômica, justificando, assim, uma resposta
               administrativa mais rigorosa quando da imputação de sanções administrativas aos
               responsáveis, não tanto limitada pelo princípio da proporcionalidade ou da razoabilidade,
               ou, pelo menos, sem que tenha por base apenas a situação concreta em que tipificadas
               aquelas condutas ilícitas.”
                         [...]
                         Daí porque, e.g. admissível o afastamento da aplicação do princípio da
               proporcionalidade em caso de crime de apropriação indébita de créditos previdenciários,
               como decidido quando do julgamento da Acr nº 3486-RS, TRF-4ª Região, 2ª, Turma, Rel.
               Juiz Vilson Darós, dec. um. Pub. DJU 22.03.2000, p. 975.
                         Quanto à alegação de bis in idem, também não assiste melhor sorte aos autores,
               dada a diversidade dos fatos típicos e ilícitos, que mereceram a resposta sancionatória
               imposta pela CVM.
                         Assim é que, enquanto a interdição temporária do exercício da atividade de
               administrador lhes foi imposta por desconformidade da conduta dos autores ao que deles
               seria de se esperar, como administradores probos, a multa lhes foi imposta o favorecimento
               dado às empresas HUAINE e PAPEETE, de sua propriedade.
                         Inexiste, assim, ainda que em tese, concurso formal de ilícitos, a resultar em
               imputação de dupla sanção sobre o mesmo fato ilícito (e-STJ fls. 437 - 441).

           No aresto atacado, o Tribunal de origem também ratificou o entendimento quanto à
existência de dano ao patrimônio da Perdigão Agroindustrial S/A, bem como à higidez do
mercado e à confiabilidade do público investidor, nestes termos:

                        A meu juízo, correta a fundamentação, conforme salientado nas contra-razões:

                               “Com efeito, a finalidade do processo administrativo sancionador levado
                        a cabo pela CVM tem por objetivo a apuração de condutas contrárias aos bens
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                        jurídicos protegidos pela legislação relativa a títulos e valores mobiliários, dos
                        quais se sobressaem a proteção ao público investidor e a proteção à higidez do
                        mercado, esta considerada não só a regularidade das operações envolvendo
                        valores mobiliários como também a própria gestão das companhias que têm esses
                        valores passíveis de serem negociados livremente no mercado.
                                Ademais, o “dano” a que se refere o art. 117 da Lei nº 6.404/76 é
                        pressuposto tão-somente de ação indenizatória porventura intentada pelos que se
                        julgarem prejudicados pelos atos praticados com abuso de poder.”
                                “Nada obstante, o dano ocasionado pela conduta temerária dos Apelantes
                        no controle da Perdigão Agroindustrial foi mais do que demonstrado em todo o
                        mencionado no inquérito, inclusive e principalmente do ponto de vista numérico,
                        crucial para a fixação quantitativa da multa.
                                Com efeito, o relatório da Comissão de Inquérito (Doc. 01, anexo à
                        contestação), o qual serviu de elemento-chave ao julgamento pelo Colegiado da
                        Autarquia/Recorrida, após exaustiva explanação acerca da conduta dos
                        Recorrentes, assim concluiu, à pág. 41:

                                         'O procedimento de captar recursos financeiros em bancos e
                                direcioná-los para essas outras empresas acarretou prejuízos à Perdigão
                                Agroindustrial e a seus acionistas minoritários, à medida que contribuiu
                                para exaurir sua capacidade creditícia, com reflexos negativos no custo
                                dos empréstimos que se sucediam.'”

                         Destarte, a eventual ausência de dano fático, que de resto está demonstrado (fls.
               199/257, fls. 259/312 e fls. 314/354) nos autos, inautorizaria, de qualquer sorte, o
               acolhimento de pretensão, porquanto sobressai na hipótese, o dano jurídico, não se
               cogitando, no caso, em tela, de eventual ação de responsabilidade civil proposta pelos
               lesados.
                         O ato administrativo, portanto, restou hígido, subsistindo a sua presunção de
               legitimidade, legalidade e veracidade, amplamente respaldados nos autos (e-STJ fls. 563 -
               564).

           A partir de então, postularam os recorrentes a revisão da penalidade com esteio nos
motivos expostos no seguinte trecho do recurso especial:

                         Pretende-se, isto, sim, anular o ato administrativo dada a sua ilegalidade
               (aplicação da multa em desconformidade com o modelo legal) e a sua ilegitimidade
               (desconformidade entre os motivos determinantes da prática do ato de imposição de multa e
               a realidade no caso concreto).
                         [...]
                         Assim, equivocam-se, data venia, o MM. Juízo de primeira instância e a C. 8ª
               Turma Especializada do E. Tribunal Regional Federal da Segunda Região, ao
               afirmarem que as irregularidades apontadas pela Recorrida haveriam restado
               incontroversas, indicando que teria havido verdadeiro abuso de poder de controle por
               parte dos Recorrentes ante a prática de atos comprometedores do patrimônio do
               Grupo Perdigão.
                         [...]
                         Cotejando-se as normas em questão, têm-se como pressupostos da aplicação de
               pena pecuniária ao acionista controlador pela prática de ato com abuso de poder:
                         (i) que, em decorrência do abuso de poder, para fim estranho ao objeto social, o
               controlador tenha causado dano;

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                          (ii) que a prática do ato vise a beneficiar outra sociedade; e
                          (iii) que os acionistas minoritários tenham sofrido prejuízo em razão do ato
               praticado pelo acionista controlador.
                          Ora, para que se pudesse penalizar patrimonialmente os Recorrentes, haveria
               que se demonstrar a ocorrência de dano aos acionistas minoritários, que o ato tenha
               sido praticado com abuso de poder e que os acionistas controladores tenham
               experimentado benefício próprio com a prática do ato. O que se vê, no entanto, do
               relatório da CVM, são supostas ilações, meras conjecturas, no sentido de que os
               Recorrentes ganharam e os minoritários perderam com a operação de empréstimo.
               Não existe efetiva prova do dano, nem tampouco parca idéia do montante desse
               prejuízo. Não há prova do ganho por parte dos Recorrentes.
                          [...]
                          Logo, é possível concluir que a falta cometida pelos Recorrentes decorria não
               apenas do desconhecimento da especificidade da técnica contábil, mas principalmente
               porque, na qualidade de administradores no passado, haviam permitido que as
               demonstrações financeiras fossem elaboradas com imprecisão. De se notar, no entanto, que
               a imprecisão é de caráter meramente técnico, vale dizer: diz respeito apenas à forma e não
               ao conteúdo, posto que, a partir de 31/12/92 as referidas demonstrações passaram a
               consignar os mesmos valores constantes das demonstrações anteriores, só que especificadas
               de acordo com a melhor técnica contábil.
                          Não houve, assim, qualquer supressão de informação, ocultação de valores, com o
               fim deliberado de prejudicar terceiros ou os organismos fiscalizadores, pois se assim o fosse,
               bastaria que os Recorrentes mantivessem os anteriores auditores e que eles mesmos se
               mantivessem na administração da sociedade. A irregularidade formal, pois, longe de se
               configurar instrumento para permitir o enriquecimento dos controladores à custa dos
               acionistas minoritários, tão logo detectada foi sanada publicamente com a regularização dos
               lançamentos antes de qualquer providência do Poder Público e antes de qualquer denúncia
               jornalística.
                          [...]
                          Com efeito, não se logrou demonstrar qual o dano efetivo e concreto incorrido
               pelos acionistas minoritários. A pena foi atribuída com base na simples suposição de
               que, não tendo sido os encargos da dívida referidos claramente nas demonstrações
               financeiras, os mutuários teria auferido vantagem e a sociedade mutuante teria sofrido
               dano.
                          Ora, como se disse anteriormente, dano nenhum houve, já que os encargos da
               dívida foram efetivamente pagos à sociedade mutuante. Não ocorreu sonegação ou
               apropriação dos encargos, mas mera ausência de referência específica, em apenas dois
               exercícios, dos encargos contratados. Confundiu a Apelada ausência de informação
               precisa no tocante aos encargos com apropriação, por parte dos Recorrentes, dos
               aludidos encargos (e-STJ fls. 604-610 - sem grifos no original).

             Depreende-se que o juízo a quo bem analisou a justa causa da sanção aplicada, à vista
dos elementos fáticos que cercaram o cometimento de infração capitulada nos artigos 117 e 154, da
Lei n.º 6.404/76.
             Assim, considerou ter havido o cometimento de infração administrativa, após a análise
da conduta factualmente praticada, de acordo com o arcabouço de provas coligidas aos autos, a
exemplo do inquérito administrativo instaurado pela Comissão de Valores Mobiliários - CVM.
             Cediço que o recurso especial não se presta à reapreciação do conjunto probatório dos
autos, torna-se defeso aferir a compatibilidade fática das condutas dos recorrentes às infrações
tipificadas nos artigos 117 e 154, da Lei n.º 6.404/76, ou avaliar a gravidade do dano e sua relação
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com os atos societários perpetrados.
             Tendo em vista os recorrentes argumentarem não ter havido prejuízo patrimonial
concreto à Perdigão Agroindustrial, nem abuso no poder de controle societário, quando do registro
contábil de mútuo celebrado com as "holdings", torna-se claro o intento de revolvimento do
contexto fático-probatório, razão pela qual inadmite-se o recurso especial, no concernente às
alegações de inexistência de infração, com base na Súmula 07/STJ.
             Por outro lado, em relação à alegada desproporcionalidade do valor da multa aplicada,
observa-se que o juízo a quo avalizou o montante fixado, segundo os limites legais previstos no
artigo 11, § 1º, da Lei n.º 6.385/76. Abaixo, a redação deste dispositivo, vigente ao tempo dos fatos:

                          Art. 11. A Comissão de Valores Mobiliários poderá impor aos infratores das
               normas desta Lei, da lei de sociedades por ações, das suas resoluções, bem como de outras
               normas legais cujo cumprimento lhe incumba fiscalizar, as seguintes penalidades:
                          I - advertência;
                          II - multa;
                          III - suspensão do exercício de cargo de administrador de companhia aberta ou de
               entidade do sistema de distribuição de valores;
                          IV - inabilitação para o exercício dos cargos referidos no inciso anterior;
                          V - suspensão da autorização ou registro para o exercício das atividades de que
               trata esta Lei;
                          VI - cassação da autorização ou registro indicados no inciso anterior.
                          § 1º - A multa não excederá o maior destes valores:
                          I - quinhentas vezes o valor nominal de uma Obrigação Reajustável do
               Tesouro Nacional;
                          II - trinta por cento do valor da emissão ou operação irregular.

            Nos termos do art. 11, § 1º, da Lei n.º 6.385/76, a multa não poderá ser superior ao
maior dos seguintes valores: quinhentas vezes o valor nominal de 01 ORTN (Obrigação
Reajustável do Tesouro Nacional) ou 30% da valor da operação irregular.
            Assim, o limite da sanção será a cifra que se mostrar superior no caso concreto: se o
valor correspondente a 30% do valor da operação irregular for superior a quinhentas vezes o valor
de 01 ORTN, deverá prevalecer aquele fator de cálculo, para o teto da multa.
            No caso dos autos, adotou-se para o cálculo da sanção o parâmetro previsto no § 1º,
inciso II, do art. 11, da Lei n.º 6.385/76, que não se mostra desarrazoado, justamente porque se
alinha ao critério previsto em lei para a fixação da multa. Com efeito, a CVM não estava obrigada a
aplicar o menor valor, que corresponderia a quinhentas vezes o valor nominal de 01 ORTN. O
limite previsto na Lei n.º 6.385/76 impede apenas que a sanção ultrapasse os tetos previstos de
forma alternativa no art. 11, § 1º. Desta feita, nada impede a aplicação da multa, na quantia de 30%
do valor da operação irregular, ainda que seja superior a quinhentas ORTNs.
            Efetivamente, a análise da desproporcionalidade de determinada medida administrativa
não pode simplesmente alterar os critérios fixados pelo Legislador para a regulação do caso
concreto. Ao Poder Judiciário deve-se assegurar a apreciação da razoabilidade da atuação
administrativa, porém, este não pode simplesmente substituir a mens legis, inovando ou indo além
do que o Legislativo previu, sob pena de usurpação da vontade do legislador e de completo
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menoscabo ao regime de tripartição de Poderes.
             Deste modo, porque o valor da multa não excedeu os limites legais previstos no § 1º, do
art. 11, da Lei n.º 6.385/76, não se pode cogitar de desproporcionalidade em seu cálculo.

            BIS IN IDEM

            Os recorrentes também sustentam ter havido bis in idem na apenação, ao fundamento de
que o acionista, quando punido por ato exercido na função de administrador, não poderia sofrer
nova sanção, por ostentar também a condição de sócio-controlador.
            Com efeito, o ilícito administrativo-financeiro imputado aos recorrentes decorreu do
fato de terem feito registrar receitas como se fossem "saldo a receber de clientes", ao invés de
mútuo, realizado com "holdings" familiares, na época em que ocupavam concomitantemente as
funções de administradores e sócios-controladores da Perdigão Agroindustrial S/A.
            Após apuração e julgamento das condutas perpetradas pelos recorrentes, a Comissão de
Valores Mobiliários concluiu que houve a prática dos ilícitos enumerados nos artigos 117, § 1º,
alíneas "a" e "c", e 154, § 2º, alínea "b", ambos da Lei n.º 6.404/76:

                         Art. 117. O acionista controlador responde pelos danos causados por atos
               praticados com abuso de poder.
                         § 1º São modalidades de exercício abusivo de poder:
                         a) orientar a companhia para fim estranho ao objeto social ou lesivo ao
               interesse nacional, ou levá-la a favorecer outra sociedade, brasileira ou estrangeira, em
               prejuízo da participação dos acionistas minoritários nos lucros ou no acervo da
               companhia, ou da economia nacional;
                         [...]
                         c) promover alteração estatutária, emissão de valores mobiliários ou adoção
               de políticas ou decisões que não tenham por fim o interesse da companhia e visem a
               causar prejuízo a acionistas minoritários, aos que trabalham na empresa ou aos
               investidores em valores mobiliários emitidos pela companhia;

                        Art. 154. [...]
                        § 2° É vedado ao administrador:
                        [...]
                        b) sem prévia autorização da assembléia-geral ou do conselho de
               administração, tomar por empréstimo recursos ou bens da companhia, ou usar, em
               proveito próprio, de sociedade em que tenha interesse, ou de terceiros, os seus bens,
               serviços ou crédito (sem grifos no original).

           Conforme registrado pelo juízo a quo, as penalidades de multa e de interdição
temporária do exercício da atividade de administrador foram impostas de maneira simultânea,
justamente porque as infrações foram praticadas quando os recorrentes ocupavam,
cumulativamente, duas funções diversas no âmbito da sociedade: como administradores e
sócios-controladores.
           Nestes termos, o seguinte trecho do acórdão recorrido:

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                         Quanto à alegação de bis in idem, também não assiste melhor sorte aos autores,
               dada a diversidade dos fatos típicos e ilícitos, que mereceram a resposta sancionatória
               imposta pela CVM.
                         Assim é que, enquanto a interdição temporária do exercício da atividade de
               administrador lhes foi imposta por desconformidade da conduta dos autores ao que deles
               seria de se esperar, como administradores probos, a multa lhes foi imposta o favorecimento
               dado às empresas HUAINE e PAPEETE, de sua propriedade.
                         Inexiste, assim, ainda que em tese, concurso formal de ilícitos, a resultar em
               imputação de dupla sanção sobre o mesmo fato ilícito.”
                         [...]
                         Raciocinam os autores que, já que eram detentores de setenta e cinco por cento das
               ações da PERDIGÃO, o prejuízo da sociedade teria sido limitado a vinte e cinco por cento
               daquela base de cálculo, ou seja, ao percentual de ações possuídos pelos acionistas
               minoritários.
                         O raciocínio parece desconhecer que os acionistas minoritários são apenas um dos
               sujeitos passivos dos ilícitos por eles praticados, assim qualificados em âmbito
               administrativo, e cujos atos restaram incontroversos neste feito.
                         Outro destinatário, e para cujos interesses volta-se também a proteção representada
               pelo poder de polícia exercido pela CVM e pela obrigação legal de transparência das
               demonstrações financeiras das empresas de capital aberto é o público, em geral (e-STJ fl.
               564).

            No caso concreto, constatou-se falta de transparência na realização da operação
financeira em destaque, com impacto direto sobre o patrimônio da empresa e sobre o direito à
informação dos acionistas minoritários, quando a companhia encontrava-se sob orientação decisiva
dos recorrentes, acionistas-controladores e administradores à data dos fatos.
            Desta forma, pelo que foi apurado, os recorrentes atentaram precipuamente contra a
credibilidade, a segurança e a estabilidade que devem nortear o mercado de valores mobiliários,
bens jurídicos não resumidos na mera apuração de déficit numérico no caixa da empresa, como
assim quiseram aludir os recorrentes, nas razões do apelo.
            Ainda que sejam eles detentores da maioria do capital societário e pudessem ser, em
tese, os maiores prejudicados financeiramente, com a operação irregular praticada em detrimento da
sociedade, há de se ter em vista que a finalidade almejada pelo conjunto de regras editadas para a
proteção e fortalecimento do mercado de capitais de risco, no país, não se adstringe ao aumento da
rentabilidade da empresa.
            No cenário contemporâneo da economia nacional e internacional, altamente dependente
da saúde financeira do setor empresarial e da confiabilidade das informações, a eticidade nas
relações interna corporis das companhias é bem jurídico igualmente digno de tutela, por meio do
estímulo à segurança e à transparência das operações financeiras.
            Por tais motivos, é indispensável uma proteção substancial da confiança dos sócios
minoritários, bem como de toda a comunidade, diante de eventuais situações jurídicas geradas pelo
comportamento desleal dos administradores e sócios-controladores das pessoas jurídicas.
            Nesse contexto, devem ser observadas as diretrizes norteadas pelo princípio da
confiança, que visa a resguardar a boa-fé e a segurança jurídica de todas as relações sociais, a partir
do qual a atuação proba e adequada passa a ser reconhecida como bem jurídico altamente essencial
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e digno de proteção jurídica.
            Esse princípio ganha ainda maior relevo, quando se trata de tutelar situações jurídicas
travadas no âmbito das sociedades anônimas que detêm natural posição de hegemonia econômica e
financeira na economia de escala. Neste campo, os órgãos de proteção do mercado de capitais
exercem relevante papel na manutenção da segurança jurídica das relações econômico-sociais,
travadas dentro e fora destas empresas.
            Ao abordar o princípio da confiança e a função do Estado na construção e preservação
da segurança jurídica, anota J. J. Gomes Canotilho:

                         O homem necessita de segurança para conduzir, planificar e conformar autônoma e
               responsavelmente a sua vida. Por isso, desde cedo se consideravam os princípios da
               segurança jurídica e da proteção à confiança como elementos constitutivos do Estado de
               direito. Esses dois princípios – segurança jurídica e proteção da confiança – andam
               estreitamente associados a ponto de alguns autores considerarem o princípio da protecção de
               confiança como um subprincípio ou como uma dimensão especifica da segurança jurídica.
               Em geral, considera-se que a segurança jurídica está conexionada com elementos objectivos
               da ordem jurídica – garantia de estabilidade jurídica, segurança de orientação e realização
               do direito – enquanto a protecção da confiança se prende mais com as componentes
               subjectivas da segurança, designadamente a calculabilidade e previsibilidade dos indivíduos
               em relação aos efeitos jurídicos dos actos dos poderes públicos. A segurança e a protecção
               da confiança, exigem, no fundo: (1) fiabilidade, clareza, racionalidade e transparência dos
               actos do poder; (2) de forma que em relação a eles o cidadão veja garantida a segurança nas
               suas disposições pessoais e nos efeitos jurídicos dos seus próprios actos. Deduz-se já que os
               postulados da segurança jurídica e da protecção da confiança são exigíveis perante qualquer
               acto de qualquer poder – Legislativo, Executivo e Judicial. O princípio geral da segurança
               jurídica em sentido amplo (abrangendo, pois, a idéia de protecção da confiança) pode
               formular-se do seguinte modo: o indivíduo tem do direito poder confiar em que aos seus
               actos ou às decisões públicas incidentes sobre os seus direitos, posições ou relações
               jurídicas alicerçadas em normas jurídicas vigentes e válidas se ligam os efeitos jurídicos
               previstos e prescritos por essas mesmas normas (José Joaquim Gomes Canotilho. Direito
               Constitucional e Teoria da Constituição. 4. ed. Coimbra: Almedina, 2000, p. 256).

            A Lei das Sociedades por Ações (Lei n.º 6.404/76) também é informada por essa
principiologia, como extrai-se dos objetivos por ela visados, consoante descrito na Exposição de
Motivos n.º 196, de 24 de junho de 1976, in verbis :

                         4. O Projeto visa basicamente a criar a estrutura jurídica necessária ao
               fortalecimento do mercado de capitais de risco no País, imprescindível à sobrevivência
               da empresa privada na fase atual da economia brasileira. A mobilização da poupança
               popular e o seu encaminhamento voluntário para o setor empresarial exigem, contudo,
               o estabelecimento de uma sistemática que assegure ao acionista minoritário o respeito
               a regras definidas e eqüitativas, as quais, sem imobilizar o empresário em suas
               iniciativas, ofereçam atrativos suficientes de segurança e rentabilidade.
                         5. Com o objetivo anteriormente definido - que, afinal, constitui a base
               institucional das Sociedades Anônimas - o Projeto busca elaborar um sistema baseado nos
               seguintes princípios:
                         a) ampla liberdade para o empresário escolher os valores mobiliários que melhor
               se adaptem ao tipo de empreendimento e às condições do mercado, num grande espectro de

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               alternativas que vai da disciplina das novas ações, com ou sem valor nominal, à criação das
               várias espécies de debêntures, bônus de subscrição e partes beneficiárias (estas conservadas,
               porém com limitações);
                         b) a essa liberdade devem corresponder regras estritas de responsabilidade dos
               administradores, de direito e de fato (o acionista controlador);
                         [...]
                         f) atento ao fato básico de que as instituições mercantis - sobretudo na escala
               que a economia moderna lhes impõe - revestem-se de crescente importância social,
               com maiores deveres para com a comunidade em que vivem e da qual vivem, o Projeto
               introduziu o fato novo do dever de lealdade dessas instituições, imposto como norma
               de comportamento a controladores e administradores, para com o país; nesse dever
               estão igualadas empresas nacionais ou estrangeiras que aqui funcionem, de forma a
               construir o embasamento legal para um Código de Ética da grande empresa, nacional
               ou multinacional, o qual tende a constituir-se em imperativo da ciência universal;
                         [...]
                         6. Estas, Senhor Presidente, as linhas mestras e os objetivos principais que
               inspiraram o anexo Projeto de Lei, que, caso venha a obter a concordância de Vossa
               Excelência e a aprovação do Congresso Nacional, poderá constituir-se em instrumento
               essencial para a criação e o fortalecimento da empresa privada nacional.

            Este documento também enfatiza a responsabilidade social que passou a ser exigida dos
acionistas-controladores e dos administradores das pessoas jurídicas objetivando o comportamento
idôneo e a probidade que estes devem diuturnamente perseguir, conforme as diretrizes lançadas nos
artigos 116, 117, 153 e 154, da Lei n.º 6.404/76:

                                                        Seção IV
                                                  Acionista Controlador

                         O artigo 116 dá "status" próprio, no direito brasileiro, à figura do "acionista
               controlador". Esta é inovação em que a norma jurídica visa a encontrar-se com a realidade
               econômica subjacente. Com efeito, é de todos sabido que as pessoas jurídicas têm o
               comportamento e a idoneidade de quem as controla, mas nem sempre o exercício desse
               poder é responsável, ou atingível pela lei, porque se oculta atrás do véu dos procuradores ou
               dos terceiros eleitos para administrar a sociedade. Ocorre que a empresa, sobretudo na
               escala que lhe impõe a economia moderna, tem poder e importância social de tal maneira
               relevantes na comunidade que os que a dirigem devem assumir a primeira cena na vida
               econômica, seja para fruir do justo reconhecimento pelos benefícios que geram, seja para
               responder pelos agravos a que dão causa. O tema cresce em importância quando se
               considera que o controlador, muita vez, é sociedade ou grupo estrangeiro, que fica, por força
               de sua origem, excluído até mesmo das sanções morais da comunidade.
                         O principio básico adotado pelo Projeto, e que constitui o padrão para apreciar o
               comportamento do acionista controlador, é o de que o exercício do poder de controle só é
               legítimo para fazer a companhia realizar o seu objeto e cumprir sua função social, e
               enquanto respeita e atende lealmente aos direitos e interesses de todos aqueles vinculados à
               empresa - o que nela trabalham, os acionistas minoritários, os investidores do mercado e os
               membros da comunidade em que atua.
                         A caracterização do "acionista controlador" é definida no parágrafo único do
               artigo 116 e pressupõe, além da maioria dos votos, o efetivo exercício do poder de controle
               para dirigir a companhia. Exemplificando, no artigo 117, modalidades mais freqüentes de
               exercício abusivo do poder pelo controlador, o Projeto não exclui outras hipóteses, que a
               vida e a aplicação da lei se incumbirão de evidenciar.
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                                              Deveres e Responsabilidades

                         Os artigos 154 a 161 definem, em enumeração minuciosa, e até pedagógica, os
               deveres e responsabilidades dos administradores. É Seção da maior importância no Projeto
               porque procura fixar os padrões de comportamento dos administradores, cuja observância
               constitui a verdadeira defesa da minoria e torna efetiva a imprescindível responsabilidade
               social do empresário. Não é mais possível que a parcela de poder, em alguns casos
               gigantesca, de que fruem as empresas - e, através delas, seus controladores e
               administradores - seja exercido em proveito apenas de sócios majoritários ou dirigentes, e
               não da companhia, que tem outros sócios, e em detrimento, ou sem levar em consideração,
               os interesses da comunidade.
                         As normas desses artigos são, em sua maior parte, meros desdobramentos e
               exemplificações do padrão de comportamento dos administradores definido pela lei em
               vigor - o do "homem ativo e probo na administração dos seus próprios negócios" (§7º do art.
               116 do Decreto-lei nº 2.627) e, em substância, são as que vigoram, há muito tempo, nas
               legislações de outros povos; formuladas, como se encontram, tendo presente a realidade
               nacional, deverão orientar os administradores honestos, sem entorpecê-los na ação, com
               excessos utópicos. Servirão, ainda, para caracterizar e coibir abusos.

            Com efeito, é o administrador quem exerce as atividades de gestão e direção diuturna
da sociedade, para a realização do objeto a que ela se propõe, colocando em prática medidas de
caráter econômico-financeiro, de comando e representação, para o desenvolvimento de todo plexo
de serviços, esforços, bens e recursos que, conjugadamente, compõem a convenção societária.
            De fato, seria desproporcional aplicar somente a pena de multa, mantendo agentes como
os recorrentes na direção da empresa, após terem apresentado comportamento ilícito na
administração dos recursos da sociedade, em prejuízo dos sócios minoritários e da comunidade em
geral.
            Nesse caso, as finalidades pedagógica e repressiva da multa ficariam prejudicadas, visto
que o sócio-administrador poderia simplesmente embutir a sanção no conjunto dos custos da
empreitada financeira ilícita, tornando vantajoso descumprir a lei, já que teria a expectativa de
continuar gerindo, de maneira abusiva, a sociedade, sem solução de continuidade, e o ilícito poderia
gerar cifras tão exitosas, a ponto de compensar eventual sanção da Comissão de Valores
Mobiliários.
            Por outro lado, a pura interdição temporária do exercício da atividade de administrador
também não seria suficiente, já que, isoladamente, não seria adequada para repreender e emendar
agentes econômicos que, às expensas da regularidade do mercado de valores mobiliários,
praticaram ilícitos visando ao seu locupletamento. Desse modo, é indispensável a medida de cunho
igualmente patrimonial, como reprimenda adequada para o intento de lucro desmedido.
            Há muito que a leitura do princípio da proporcionalidade não mais se assenta apenas
sobre a proibição do excesso, tendo-se expandido, também, para vedar a proteção deficiente dos
bens jurídicos, segundo a lição de Lênio Luiz Streck:

                        Trata-se de entender, assim, que a proporcionalidade possui uma dupla face: de
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               proteção positiva e de proteção de omissões estatais. Ou seja, a inconstitucionalidade pode
               ser decorrente de excesso do Estado, caso em que determinado ato é desarrazoado,
               resultando desproporcional o resultado do sopesamento (Abwägung) entre fins e meios; de
               outro, a inconstitucionalidade pode advir de proteção insuficiente de um direito
               fundamental-social, como ocorre quando o Estado abre mão do uso de determinadas sanções
               penais ou administrativas para proteger determinados bens jurídicos. Este duplo viés do
               princípio da proporcionalidade decorre da necessária vinculação de todos os atos estatais à
               materialidade da Constituição, e que tem como conseqüência a sensível diminuição da
               discricionariedade (liberdade de conformação) do legislador (Lênio Luiz Streck. A dupla
               face do princípio da proporcionalidade: da proibição de excesso (Übermassverbot) à
               proibição de proteção deficiente (Untermassverbot) ou de como não há blindagem
               contra normas penais inconstitucionais. Revista da Ajuris, Ano XXXII, n.º 97,
               marco/2005, p.180).

           Ademais, relembro o disposto no art. 11 da Lei n.º 6.385/76, que traça o modelo legal
de sanções administrativas atribuídas à Comissão de Valores Mobiliários, prevendo as seguintes
penalidades: I - advertência; II - multa; III - suspensão do exercício de cargo de administrador de
companhia aberta ou de entidade do sistema de distribuição de valores; IV - inabilitação para o exercício
dos cargos referidos no inciso anterior; V - suspensão da autorização ou registro para o exercício das
atividades de que trata esta Lei; VI - cassação da autorização ou registro indicados no inciso anterior.
             De fato, a interpretação dessa norma deve levar em conta as finalidades do exercício do
poder de polícia da Comissão de Valores Mobiliários, com vista à proteção e à guarda dos bens
jurídicos e fins sociais, assim previstas pelo mesmo Diploma Legal:

                         Art. 4º O Conselho Monetário Nacional e a Comissão de Valores Mobiliários
               exercerão as atribuições previstas na lei para o fim de:
                         [...]
                         II - promover a expansão e o funcionamento eficiente e regular do mercado de
               ações, e estimular as aplicações permanentes em ações do capital social de companhias
               abertas sob controle de capitais privados nacionais;
                         III - assegurar o funcionamento eficiente e regular dos mercados da bolsa e de
               balcão;
                         IV - proteger os titulares de valores mobiliários e os investidores do mercado
               contra:
                         a) emissões irregulares de valores mobiliários;
                         b) atos ilegais de administradores e acionistas controladores das companhias
               abertas, ou de administradores de carteira de valores mobiliários.
                         [...]

                         Art. 9º A Comissão de Valores Mobiliários, observado o disposto no § 2º do
               art. 15, poderá:
                         [...]
                         V - apurar, mediante processo administrativo, atos ilegais e práticas não
               eqüitativas de administradores, membros do conselho fiscal e acionistas de companhias
               abertas, dos intermediários e dos demais participantes do mercado;
                         VI - aplicar aos autores das infrações indicadas no inciso anterior as
               penalidades previstas no Art. 11, sem prejuízo da responsabilidade civil ou penal.
                         § 1º. Com o fim de prevenir ou corrigir situações anormais do mercado, a
               Comissão poderá:
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                         I - suspender a negociação de determinado valor mobiliário ou decretar o recesso
               de bolsa de valores;
                         Il - suspender ou cancelar os registros de que trata esta Lei;
                         III - divulgar informações ou recomendações com o fim de esclarecer ou orientar
               os participantes do mercado;
                         IV - proibir aos participantes do mercado, sob cominação de multa, a prática
               de atos que especificar, prejudiciais ao seu funcionamento regular (sem grifos no
               original).

             Ora, para o cumprimento de tais misteres, não se mostraria razoável restringir o uso das
sanções disponíveis à CVM, tendo em vista seu melhor aparelhamento quando da apuração dos
fatos ilícitos e da reprimenda do caso concreto.
             O silêncio do art. 11 da Lei n.º 6.385/76, quanto à possibilidade de aplicação
cumulativa de sanções, antes de representar espécie de "silêncio eloquente", a impedir tal espécie de
apenação, deve ser interpretado como técnica legislativa que prestigia a garantia do exercício
efetivo, autônomo e independente das funções da Comissão de Valores Mobiliários que, no mais
das vezes, depende de um juízo de oportunidade e conveniência quanto ao tipo e grau de
reprimenda adequada ao caso concreto, devido à natureza altamente cambiante e complexa do
mercado em destaque e dos ilícitos que lhe são peculiares. Desse modo, deixa-lhe margem de
liberdade para aplicar a sanção de acordo com a espécie e a gravidade da falta cometida.
             Ciente dos desafios que o exercício do poder de polícia impõe à Administração Pública,
no referente à interpretação dos fatos e à escolha dos meios mais adequados para restringir e
condicionar a liberdade dos cidadãos, com vistas ao interesse público, a doutrina brasileira tende a
atribuir-lhe o caráter discricionário, máxime quando a lei não detalha a forma como tal prerrogativa
pública deverá ser desempenhada, o que ocorre no caso dos autos.
             Neste sentido, é o ensinamento de Maria Sylvia Zanella Di Pietro:

                         Quanto à discricionariedade, embora esteja presente na maior parte das medidas de
               polícia, nem sempre isso ocorre. Às vezes, a lei deixa certa margem de liberdade de
               apreciação quando a determinados elementos, como o motivo ou o objeto, mesmo porque ao
               legislador não é dado prever todas as hipóteses possíveis a exigir a atuação de polícia.
               Assim, em grande parte dos casos concretos, a Administração terá que decidir qual o melhor
               momento de agir, qual o meio de ação mais adequado, qual a sanção cabível diante das
               previstas na norma legal. Em tais circunstâncias, o poder de polícia será discricionário.
                         Em outras hipóteses, a lei já estabelece que, diante de determinados requisitos, a
               Administração terá que adotar a solução previamente estabelecida, sem qualquer
               possibilidade de opção. Nesse caso, o poder será vinculado. O exemplo mais comum do ato
               de polícia vinculado é o da licença. Para o exercício de atividades ou para a prática de atos
               sujeitos ao poder de polícia do Estado, a lei exige alvará de licença ou de autorização. No
               primeiro caso, o ato é vinculado, porque a lei prevê os requisitos diante dos quais a
               Administração é obrigada a conceder o alvará de licença ou de autorização. No primeiro
               caso, o ato é vinculado, porque a lei prevê os requisitos diante dos quais a Administração é
               obrigada a conceder o alvará; é o que ocorre na licença para dirigir veículo automotores,
               para exercer determinadas profissões, para construir. No segundo caso, o ato é
               discricionário, porque a lei consente que a Administração aprecie a situação concreta e
               decida se deve ou não conceder a autorização, diante do interesse público em jogo; é o que
               ocorre com a autorização para porte de arma, com a autorização para circulação de veículos
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               com peso ou alturas excessivos, com a autorização para produção ou distribuição de material
               bélico.
                        Diante disso, pode-se dizer que o poder de polícia tanto pode ser discricionário (e
               assim é na maior parte dos casos), como vinculado (Maria Sylvia Zanella Di Pietro.
               Direito Administrativo. 20. ed. São Paulo: Atlas, 2007, p. 106-107).

            Na mesma linha, são a lição de José dos Santos Carvalho Filho:

                          Reina alguma controvérsia quanto à caracterização do poder de polícia, se
               vinculado ou discricionário. Em nosso entender, porém, a matéria tem de ser examinada à
               luz do enfoque a ser dado à atuação administrativa.
                          Quando tem a lei diante de si, a Administração pode levar em consideração a área
               de atividade em que vai impor a restrição em favor do interesse público e, depois de
               escolhê-la, o conteúdo e a dimensão das limitações. É o caso, por exemplo, em que as
               autoridades públicas enumeram apenas alguns rios onde a pesca se tornará proibida. Sem
               dúvida que nesse momento a Administração age no exercício de seu poder discricionário.
                          [...]
                          O inverso ocorre quando já está fixada a dimensão da limitação. Nessa hipótese, a
               Administração terá de cingir-se a essa dimensão, não podendo, sem alteração da norma
               restritiva, ampliá-la em detrimento dos indivíduos. A atuação, por via de conseqüência, se
               caracterizará como vinculada . No exemplo acima dos rios, será vedado à Administração
               impedir a pesca (não havendo, obviamente, outra restrição) naqueles cursos d'água não
               arrolados como alvo das medidas restritivas de polícia (José dos Santos Carvalho Filho.
               Manual de Direito Administrativo. 20. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2008, p. 80).

            Por todos os motivos ora delineados, concluo pela não-ocorrência do bis in idem no
caso dos autos, em relação à aplicação cumulativa das sanções de multa e de interdição temporária
do exercício da atividade de administrador.
            Ante o exposto, conheço em parte do recurso especial e, nesta parte, nego-lhe
provimento.

            É como voto.




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Inquerito administrativo nulidade ato administrativo

  • 1. Superior Tribunal de Justiça RECURSO ESPECIAL Nº 1.130.103 - RJ (2009/0054605-4) RELATOR : MINISTRO CASTRO MEIRA RECORRENTE : FLÁVIO BRANDALISE E OUTRO ADVOGADO : MONICA SZERMAN E OUTRO(S) RECORRIDO : COMISSÃO DE VALORES MOBILIÁRIOS - CVM PROCURADOR : CELSO LUIZ ROCHA SERRA FILHO E OUTRO(S) RELATÓRIO O EXMO. SR. MINISTRO CASTRO MEIRA (Relator): Trata-se de recurso especial interposto com base no art. 105, inciso III, alínea "a", da CF, contra acórdão do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, assim ementado: ADMINISTRATIVO. INQUÉRITO ADMINISTRATIVO. NULIDADE. ATO ADMINISTRATIVO. CVM. ABUSO DE PODER. IRREGULARIDADES. DEMONSTRAÇÕES FINANCEIRAS. 1. Trata-se de apelação cível contra sentença proferida nos autos da ação ordinária em que os autores objetivam a anulação das penalidades imposta pela ré, no âmbito do inquérito administrativo CVM nº 04/0004. 2. Alegam os Apelantes que, tendo respondido a inquérito administrativo aberto pela ré depois de denúncias publicadas na revista “Veja”, em 24.11.1993, ao fim do qual foram acusados de, nas demonstrações financeiras dos anos de 1990 e 1991 da PERDIGÃO AGROINDUSTRIAL S/A, terem feito registrar crédito de mútuo obtido junto a “holdings” familiares em favor daquela empresa como se fosse “saldo a receber de clientes”, ao invés de considerá-lo como mútuo, isto em operações feitas antes de 1992, pelo quais sofreram a imposição de multa, no valor de R$ 4.428.977,00 (quatro milhões, quatrocentos e vinte e oito mil, novecentos e setenta e sete reais) a cada um dos autores, bem como a declaração de inabilitação para o exercício do cargo administrador de companhia aberta por dez anos, também a cada um dos autores. 3. O juízo a quo julgou improcedente o pedido, sob o fundamento de que as irregularidades apontadas pela CVM (fls. 189) e que restaram incontroversas, indicam que houve verdadeiro abuso de poder de controle, com práticas de atos comprometedores do patrimônio da PERDIGÃO (fls. 189, item 3 do Relatório), “inclusive sem autorização da assembléia de acionistas ou do conselho de administração” (fls. 189, item 2 do Relatório). 4. Com efeito, a eventual ausência de dano fático, que de resto está demonstrado (fls. 199/257, fls. 259/312 e fls. 314/354) nos autos, inautorizaria, de qualquer sorte, o acolhimento de pretensão, porquanto sobressai na hipótese, o dano jurídico, não se cogitando, no caso, em tela, de eventual ação de responsabilidade civil proposta pelos lesados. O ato administrativo, portanto, restou hígido, subsistindo a sua presunção de legitimidade, legalidade e veracidade, amplamente respaldados nos autos. 5. Apelação conhecida, porém desprovida (e-STJ fl. 569). Embargos de declaração foram opostos, mas não receberam provimento (e-STJ fls. 580 a 588). No recurso especial, alega-se, em síntese, violação do artigo 11, § 1º, inciso I, da Lei n.º 6.385/76, devido à pretensa desproporcionalidade da multa aplicada pela Comissão de Valores Mobiliários, com base nos fatos apurados no Inquérito Administrativo CVM n.º 07/94. Os recorrentes sustentam, ainda, serem as penalidades aplicadas decorrentes de dupla Documento: 10532696 - RELATÓRIO, EMENTA E VOTO - Site certificado Página 1 de 17
  • 2. Superior Tribunal de Justiça sanção, em relação ao mesmo ato ilícito, o que configuraria bis in idem, porque foram motivadas pela prática das infrações constantes do art. 117, § 1º, alíneas "a" e "c", e 154, § 2º, alínea "b", ambos da Lei n.º 6.404/76. Nesse ponto, defendem que a conduta capitulada na alínea "c" está contida naquela descrita na alínea "a", ambas do art. 117, § 1º, da Lei n.º 6.404/76, além de que o fato de serem controladores e administradores, ao mesmo tempo, da sociedade Perdigão Agroindustrial S.A. não justificaria dupla punição. Defendem, também, a ausência de prejuízo para a sociedade supracitada, razão pela qual não deve perseverar a cifra de R$ 6.045.422,29 (seis milhões, quarenta e cinco mil, quatrocentos e vinte e dois reais e vinte e nove centavos), imposta a título de multa. Nas contrarrazões, a recorrida sustenta, em síntese, a improcedência da anulação, tendo em vista o Princípio da Separação dos Poderes, da vedada sindicância do mérito administrativo e da incidência, ao caso, da Súmula 07/STJ. Defende, também, não ter havido violação do art. 11, § 1º, da Lei 6.385/76 ou bis in idem, já que a aplicação da pena de inabilitação temporária não impede sua cumulação com a pena de multa, no caso de diversas infrações praticadas. Outrossim, alega ser a multa impingida proporcional aos danos materiais e jurídicos ocasionados pelas condutas ilícitas perpetradas pelos recorrentes, bem como obedeceu ao modelo previsto em lei. Após o recurso especial ser admitido na origem, vieram os autos para o Superior Tribunal de Justiça. Houve vista dos autos, requerida por Flávio Brandalise, às e-STJ fl. 888, com juntada de substabelecimento ( e-STJ fls. 887 e 888). Instada a manifestar-se, a ilustre Subprocuradora-Geral da República, Dra. Dulcinéa Moreira de Barros, opinou pelo não-provimento do recurso especial, nos termos da seguinte ementa: Recurso especial. Administrativo. Gestão fraudulenta da sociedade. Inquérito administrativo no âmbito da CVM. Dano aos sócios minoritários expressamente reconhecidos em segunda instância. Matéria de prova insuscetível de reexame via especial. Súmula nº 7/STJ. Aplicação de pena de multa e de inabilitação para o exercício de cargo de administração societária. Legalidade. Inexistência de bis in idem anti-jurídico. Montante da multa. Exorbitância não caracterizada. Parecer pelo parcial conhecimento do recurso especial e, nessa parte, pelo seu não provimento (e-STJ fl. 889). É o relatório. Documento: 10532696 - RELATÓRIO, EMENTA E VOTO - Site certificado Página 2 de 17
  • 3. Superior Tribunal de Justiça RECURSO ESPECIAL Nº 1.130.103 - RJ (2009/0054605-4) EMENTA RECURSO ESPECIAL. REVISÃO. FATOS. SÚMULA 07/STJ. PROPORCIONALIDADE. ARTIGO 11, § 1º, DA LEI N.º 6.385/76. TRINTA POR CENTO DO VALOR DA OPERAÇÃO IRREGULAR. POSSIBILIDADE. PROPORCIONALIDADE. MULTA. INTERDIÇÃO TEMPORÁRIA DO EXERCÍCIO DA ATIVIDADE DE ADMINISTRADOR. CUMULATIVIDADE. CABIMENTO. PROIBIÇÃO DA PROTEÇÃO DEFICIENTE AOS BENS JURÍDICOS. INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA E TELEOLÓGICA. CABIMENTO. PODER DE POLÍCIA. DISCRICIONARIEDADE. 1. Os recorrentes realizaram operação de mútuo com "holdings" familiares, na época em que ocupavam concomitantemente as funções de administradores e sócios controladores da pessoa jurídica, contudo, na contabilidade da empresa, fizeram registrar esta operação como se fosse "saldo a receber de clientes", ao invés de a lançarem como mútuo, razão pela qual a Comissão de Valores Mobiliários aplicou-lhes as sanções de multa e de inabilitação para o exercício do cargo de administrador, pelo prazo de dez anos, com base nos artigos 117 e 153, da Lei n.º 6.404/1976, e 11 da Lei n.º 6.385/76. 2. Pretendem anular a multa que lhes foi imposta pela Comissão de Valores Mobiliários, sustentando a ilegitimidade e a ilegalidade da sanção, devido à inexistência de conduta ilícita e porque o montante fixado seria supostamente desproporcional em relação ao desvalor da conduta e aos elementos fáticos do caso concreto. 3. É cediço que o recurso especial não se presta à reapreciação do conjunto probatório dos autos, razão pela qual torna-se defeso aferir a compatibilidade fática das condutas dos recorrentes às infrações tipificadas nos artigos 117 e 153, da Lei n.º 6.404/76, ou a gravidade do dano decorrente de atos societários perpetrados. Inteligência da Súmula 07/STJ. 4. Por outro lado, nos termos do art. 11, § 1º, da Lei n.º 6.385/76, a multa aplicada pela CVM não poderá ser superior ao maior dos seguintes valores: quinhentas vezes o valor nominal de 01 ORTN (Obrigação Reajustável do Tesouro Nacional) ou 30% da valor da operação irregular. Assim, o limite da sanção será a cifra que se mostrar superior no caso concreto: se o valor correspondente a 30% do valor da operação irregular for superior a quinhentas vezes o valor de 01 ORTN, deverá prevalecer tal fator de cálculo, para o teto da multa. 5. A CVM não estava obrigada a aplicar o menor valor da multa, que corresponderia a quinhentas ORTNs, pois a Lei n.º 6.385/76 apenas determina que a sanção não poderia ultrapassar o maior dos tetos previstos no art. 11, § 1º. 6. Deve-se assegurar ao Poder Judiciário a apreciação da razoabilidade da atuação administrativa, porém este não pode simplesmente substituir a mens legis, inovando ou indo além do que o Legislativo previu, sob pena de usurpação da função do legislador e de completo menoscabo ao regime de tripartição de Poderes. 7. Os recorrentes também sustentam ter ocorrido bis in idem, pois a Comissão de Valores Mobiliários aplicou as sanções de multa e de interdição temporária do exercício da atividade de administrador, cumulativamente, em vista da mesma conduta ilícita, imputada aos agentes econômicos. 8. As penalidades de multa e de interdição temporária do exercício da atividade de administrador foram impostas de maneira simultânea, justamente porque as infrações Documento: 10532696 - RELATÓRIO, EMENTA E VOTO - Site certificado Página 3 de 17
  • 4. Superior Tribunal de Justiça foram praticadas quando os recorrentes ocupavam, cumulativamente, funções diversas no âmbito da sociedade: como administradores e sócios-controladores. 9. Constatou-se falta de transparência na realização da operação financeira em destaque, com impacto direto sobre o patrimônio da empresa e sobre o direito à informação dos acionistas minoritários, quando a companhia encontrava-se sob orientação decisiva dos recorrentes, acionistas controladores e administradores à data dos fatos. 10. No atual cenário da economia nacional e internacional, altamente dependente da saúde financeira do setor empresarial, a eticidade nas relações interna corporis das companhias é bem jurídico igualmente digno de tutela, por meio do estímulo à segurança e à transparência das operações financeiras. Por tais motivos, urge aplicar-se o princípio da confiança, a fim de resguardar a boa-fé dos sócios minoritários, bem como de toda a comunidade, diante de eventuais situações jurídicas geradas por um comportamento desleal dos administradores e sócios-controladores das pessoas jurídicas. 11. A Lei das Sociedades por Ações também é informada por essa principiologia, como se extrai da Exposição de Motivos n.º 196, de 24 de junho de 1976, segundo a qual a responsabilidade social que passou a ser exigida dos acionistas-controladores e dos administradores das pessoas jurídicas impõe-lhes comportamento idôneo e probo, conforme as diretrizes lançadas nos artigos 116, 117, 153 e 154, da Lei n.º 6.404/76. 12. Seria completamente desproporcional aplicar somente a pena de multa, mantendo-se os agentes na direção da empresa, quando estes agiram ilicitamente na gestão dos recursos da sociedade. Por outro lado, a pura interdição temporária do exercício da atividade de administrador também mostrar-se-ia desproporcional, já que, isoladamente, não seria suficiente para repreender e emendar agentes econômicos que, às custas da regularidade do mercado de valores mobiliários, praticaram ilícitos visando ao seu locupletamento. Deste modo, crucial a medida de cunho patrimonial, como reprimenda adequada para o intento de lucro desmedido. 13. Para o cumprimento das atribuições da Comissão de Valores Mobiliários, não se mostra razoável limitar o uso das sanções disponíveis ao poder de polícia dessa autarquia, quando a lei assim não fez. O silêncio do art. 11 da Lei n.º 6.385/76, quanto à possibilidade de aplicação cumulativa de sanções, antes de representar espécie de "silêncio eloquente", a impedir tal espécie de apenação, deve ser interpretado como técnica legislativa, voltada justamente a assegurar o exercício efetivo das funções técnicas da CVM, diante de ilícitos de jaez tão complexo e aprimorado, devido às peculiaridades do mercado em destaque. 14. Ciente dos desafios que o exercício do poder de polícia impõe à Administração Pública, no referente à interpretação dos fatos e à escolha dos meios mais adequados para restringir e condicionar a liberdade dos cidadãos, com vistas ao interesse público, a doutrina brasileira tende a atribuir-lhe o caráter discricionário, máxime quando a lei não detalha a forma como tal prerrogativa pública deverá ser desempenhada, o que ocorre no caso dos autos. 15. Recurso especial em parte conhecido e, nesta parte, não provido. VOTO O EXMO. SR. MINISTRO CASTRO MEIRA (Relator): Os ora recorrentes, Flávio Documento: 10532696 - RELATÓRIO, EMENTA E VOTO - Site certificado Página 4 de 17
  • 5. Superior Tribunal de Justiça Brandalise e Saul Brandalise Júnior, ex-administradores e sócios controladores da empresa Perdigão Agroindustrial S/A, ajuizaram ação ordinária contra a Comissão de Valores Mobiliários objetivando anular as sanções que lhes foram aplicadas, por terem feito inserir, nas demonstrações financeiras desta empresa, entre 1990 e 1991, registro de receitas como se fossem "saldo a receber de clientes", ao invés de lançarem a operação como mútuo, realizada com "holdings" familiares. Em consequência, foram-lhes aplicadas as penas de multa e de inabilitação para o exercício do cargo de administrador de companhia aberta, pelo prazo de dez anos. Julgada a ação improcedente e mantida a sentença pelo acórdão proferido pelo Tribunal Regional Federal da 2ª Região, foi interposto o recurso especial ora em exame, cujos fundamentos passo a analisar. DO CABIMENTO E DA PROPORCIONALIDADE DA MULTA AO CASO CONCRETO Os recorrentes visam, primeiramente, a anular multa imposta pela Comissão de Valores Mobiliários - CVM, defendendo a ilegitimidade e a ilegalidade da sanção devido à inexistência de conduta ilícita e porque o montante fixado seria supostamente desproporcional em relação ao desvalor da conduta e aos elementos fáticos do caso concreto. Na sentença, mantida pelo acórdão recorrido, considerou-se ter havido abuso do poder de controle dos recorrentes e prática de atos comprometedores do patrimônio da Perdigão e dos direitos dos acionistas minoritários, máxime devido à falta de normalidade e de transparência na direção do empreendimento. Vejamos: Entretanto, as irregularidades apontadas pela CVM (fls. 189) e que restaram incontroversas, indicam que houve verdadeiro abuso de poder de controle, com práticas de atos comprometedores do patrimônio da PERDIGÃO (fls. 189, item 3 do Relatório), “inclusive sem autorização da assembléia de acionistas ou do conselho de administração” (fls. 189, item 2 do Relatório). É de notar-se, ainda, que a responsabilidade dos administradores das sociedades por ações decorre não apenas dos prejuízos causados à sociedade por sua conduta abusiva na direção desta, mas também pela falta de normalidade nas operações a que levaram a termo.” [...] Pretendem os autores, ainda, que a base de cálculo da multa que lhes foi imposta seria excessiva, seja porque o valor tomado por base correspondeu ao encargo acumulado no ano de 1992 e os atos ilícitos foram cometidos nos anos de 1990 e de 1991 (fls. 16, item 19, sexto parágrafo), seja porque, de todo modo, não haveria “como precisar no relatório em questão se os Cr$ 97.296,000,00” (noventa e sete milhões, duzentos e noventa e seis mil cruzeiros 'correspondem aos encargos acumulados desde 1990 ou se se tratam dos encargos relativos apenas ao ano de 1992” (fls. 16, penúltimo parágrafo). É de observar-se que nem os autores foram capazes de trazer aos autos as demonstrações financeiras de 1990 e de 1991 que seriam as corretas, assim desvinculando-as de qualquer repercussão que delas pudesse ter recebido as demonstrações financeiras de 1992. Exigir que a CVM o tivesse feito, portanto, resultaria em beneficiar-se o infrator por sua infração, com prejuízo à fiscalização e ao mercado como um todo. Documento: 10532696 - RELATÓRIO, EMENTA E VOTO - Site certificado Página 5 de 17
  • 6. Superior Tribunal de Justiça Raciocinam os autores que, já que eram detentores de setenta e cinco por cento das ações da PERDIGÃO, o prejuízo da sociedade teria sido limitado a vinte e cinco por cento daquela base de cálculo, ou seja, ao percentual de ações possuídas pelos acionistas minoritários. O raciocínio parece desconhecer que os acionistas minoritários são apenas um dos sujeitos passivos dos ilícitos por eles praticados, assim qualificados em âmbito administrativo, e cujos atos restaram incontroversos neste feito. Outro destinatário, e para cujos interesses volta-se também a proteção representada pelo poder de polícia exercido pela CVM e pela obrigação legal de transparência das demonstrações financeiras das empresas de capital aberto é o público, em geral. Trata-se de princípio geral da Lei das Sociedades por Ações, como consubstanciado no art. 4º, da Lei nº 6.404/76.” [...] De todo modo, é o caso de observar que, não se confundindo as pessoas da sociedade com as dos sócios, não há como se estabelecer a vinculação direta de prejuízos à sociedade e igual prejuízo direto aos sócios majoritários; não raro, ocorre justamente o contrário, em afronta à lei. Alegaram os autores que a “sanção pecuniária” representada pela multa, por não ter “caráter retributivo ou compensatório para o minoritário, só pode ser aplicada pela autoridade fiscalizadora com observância das regras relativas à proporcionalidade e razoabilidade”. (fls. 17, último parágrafo). Deve-se ter em mente, porém, que em matéria de gestão ilícita de empresas, notadamente as abertas, o risco representado pela conduta abusiva de uma delas pode vir a contaminar largos segmentos da atividade econômica, justificando, assim, uma resposta administrativa mais rigorosa quando da imputação de sanções administrativas aos responsáveis, não tanto limitada pelo princípio da proporcionalidade ou da razoabilidade, ou, pelo menos, sem que tenha por base apenas a situação concreta em que tipificadas aquelas condutas ilícitas.” [...] Daí porque, e.g. admissível o afastamento da aplicação do princípio da proporcionalidade em caso de crime de apropriação indébita de créditos previdenciários, como decidido quando do julgamento da Acr nº 3486-RS, TRF-4ª Região, 2ª, Turma, Rel. Juiz Vilson Darós, dec. um. Pub. DJU 22.03.2000, p. 975. Quanto à alegação de bis in idem, também não assiste melhor sorte aos autores, dada a diversidade dos fatos típicos e ilícitos, que mereceram a resposta sancionatória imposta pela CVM. Assim é que, enquanto a interdição temporária do exercício da atividade de administrador lhes foi imposta por desconformidade da conduta dos autores ao que deles seria de se esperar, como administradores probos, a multa lhes foi imposta o favorecimento dado às empresas HUAINE e PAPEETE, de sua propriedade. Inexiste, assim, ainda que em tese, concurso formal de ilícitos, a resultar em imputação de dupla sanção sobre o mesmo fato ilícito (e-STJ fls. 437 - 441). No aresto atacado, o Tribunal de origem também ratificou o entendimento quanto à existência de dano ao patrimônio da Perdigão Agroindustrial S/A, bem como à higidez do mercado e à confiabilidade do público investidor, nestes termos: A meu juízo, correta a fundamentação, conforme salientado nas contra-razões: “Com efeito, a finalidade do processo administrativo sancionador levado a cabo pela CVM tem por objetivo a apuração de condutas contrárias aos bens Documento: 10532696 - RELATÓRIO, EMENTA E VOTO - Site certificado Página 6 de 17
  • 7. Superior Tribunal de Justiça jurídicos protegidos pela legislação relativa a títulos e valores mobiliários, dos quais se sobressaem a proteção ao público investidor e a proteção à higidez do mercado, esta considerada não só a regularidade das operações envolvendo valores mobiliários como também a própria gestão das companhias que têm esses valores passíveis de serem negociados livremente no mercado. Ademais, o “dano” a que se refere o art. 117 da Lei nº 6.404/76 é pressuposto tão-somente de ação indenizatória porventura intentada pelos que se julgarem prejudicados pelos atos praticados com abuso de poder.” “Nada obstante, o dano ocasionado pela conduta temerária dos Apelantes no controle da Perdigão Agroindustrial foi mais do que demonstrado em todo o mencionado no inquérito, inclusive e principalmente do ponto de vista numérico, crucial para a fixação quantitativa da multa. Com efeito, o relatório da Comissão de Inquérito (Doc. 01, anexo à contestação), o qual serviu de elemento-chave ao julgamento pelo Colegiado da Autarquia/Recorrida, após exaustiva explanação acerca da conduta dos Recorrentes, assim concluiu, à pág. 41: 'O procedimento de captar recursos financeiros em bancos e direcioná-los para essas outras empresas acarretou prejuízos à Perdigão Agroindustrial e a seus acionistas minoritários, à medida que contribuiu para exaurir sua capacidade creditícia, com reflexos negativos no custo dos empréstimos que se sucediam.'” Destarte, a eventual ausência de dano fático, que de resto está demonstrado (fls. 199/257, fls. 259/312 e fls. 314/354) nos autos, inautorizaria, de qualquer sorte, o acolhimento de pretensão, porquanto sobressai na hipótese, o dano jurídico, não se cogitando, no caso, em tela, de eventual ação de responsabilidade civil proposta pelos lesados. O ato administrativo, portanto, restou hígido, subsistindo a sua presunção de legitimidade, legalidade e veracidade, amplamente respaldados nos autos (e-STJ fls. 563 - 564). A partir de então, postularam os recorrentes a revisão da penalidade com esteio nos motivos expostos no seguinte trecho do recurso especial: Pretende-se, isto, sim, anular o ato administrativo dada a sua ilegalidade (aplicação da multa em desconformidade com o modelo legal) e a sua ilegitimidade (desconformidade entre os motivos determinantes da prática do ato de imposição de multa e a realidade no caso concreto). [...] Assim, equivocam-se, data venia, o MM. Juízo de primeira instância e a C. 8ª Turma Especializada do E. Tribunal Regional Federal da Segunda Região, ao afirmarem que as irregularidades apontadas pela Recorrida haveriam restado incontroversas, indicando que teria havido verdadeiro abuso de poder de controle por parte dos Recorrentes ante a prática de atos comprometedores do patrimônio do Grupo Perdigão. [...] Cotejando-se as normas em questão, têm-se como pressupostos da aplicação de pena pecuniária ao acionista controlador pela prática de ato com abuso de poder: (i) que, em decorrência do abuso de poder, para fim estranho ao objeto social, o controlador tenha causado dano; Documento: 10532696 - RELATÓRIO, EMENTA E VOTO - Site certificado Página 7 de 17
  • 8. Superior Tribunal de Justiça (ii) que a prática do ato vise a beneficiar outra sociedade; e (iii) que os acionistas minoritários tenham sofrido prejuízo em razão do ato praticado pelo acionista controlador. Ora, para que se pudesse penalizar patrimonialmente os Recorrentes, haveria que se demonstrar a ocorrência de dano aos acionistas minoritários, que o ato tenha sido praticado com abuso de poder e que os acionistas controladores tenham experimentado benefício próprio com a prática do ato. O que se vê, no entanto, do relatório da CVM, são supostas ilações, meras conjecturas, no sentido de que os Recorrentes ganharam e os minoritários perderam com a operação de empréstimo. Não existe efetiva prova do dano, nem tampouco parca idéia do montante desse prejuízo. Não há prova do ganho por parte dos Recorrentes. [...] Logo, é possível concluir que a falta cometida pelos Recorrentes decorria não apenas do desconhecimento da especificidade da técnica contábil, mas principalmente porque, na qualidade de administradores no passado, haviam permitido que as demonstrações financeiras fossem elaboradas com imprecisão. De se notar, no entanto, que a imprecisão é de caráter meramente técnico, vale dizer: diz respeito apenas à forma e não ao conteúdo, posto que, a partir de 31/12/92 as referidas demonstrações passaram a consignar os mesmos valores constantes das demonstrações anteriores, só que especificadas de acordo com a melhor técnica contábil. Não houve, assim, qualquer supressão de informação, ocultação de valores, com o fim deliberado de prejudicar terceiros ou os organismos fiscalizadores, pois se assim o fosse, bastaria que os Recorrentes mantivessem os anteriores auditores e que eles mesmos se mantivessem na administração da sociedade. A irregularidade formal, pois, longe de se configurar instrumento para permitir o enriquecimento dos controladores à custa dos acionistas minoritários, tão logo detectada foi sanada publicamente com a regularização dos lançamentos antes de qualquer providência do Poder Público e antes de qualquer denúncia jornalística. [...] Com efeito, não se logrou demonstrar qual o dano efetivo e concreto incorrido pelos acionistas minoritários. A pena foi atribuída com base na simples suposição de que, não tendo sido os encargos da dívida referidos claramente nas demonstrações financeiras, os mutuários teria auferido vantagem e a sociedade mutuante teria sofrido dano. Ora, como se disse anteriormente, dano nenhum houve, já que os encargos da dívida foram efetivamente pagos à sociedade mutuante. Não ocorreu sonegação ou apropriação dos encargos, mas mera ausência de referência específica, em apenas dois exercícios, dos encargos contratados. Confundiu a Apelada ausência de informação precisa no tocante aos encargos com apropriação, por parte dos Recorrentes, dos aludidos encargos (e-STJ fls. 604-610 - sem grifos no original). Depreende-se que o juízo a quo bem analisou a justa causa da sanção aplicada, à vista dos elementos fáticos que cercaram o cometimento de infração capitulada nos artigos 117 e 154, da Lei n.º 6.404/76. Assim, considerou ter havido o cometimento de infração administrativa, após a análise da conduta factualmente praticada, de acordo com o arcabouço de provas coligidas aos autos, a exemplo do inquérito administrativo instaurado pela Comissão de Valores Mobiliários - CVM. Cediço que o recurso especial não se presta à reapreciação do conjunto probatório dos autos, torna-se defeso aferir a compatibilidade fática das condutas dos recorrentes às infrações tipificadas nos artigos 117 e 154, da Lei n.º 6.404/76, ou avaliar a gravidade do dano e sua relação Documento: 10532696 - RELATÓRIO, EMENTA E VOTO - Site certificado Página 8 de 17
  • 9. Superior Tribunal de Justiça com os atos societários perpetrados. Tendo em vista os recorrentes argumentarem não ter havido prejuízo patrimonial concreto à Perdigão Agroindustrial, nem abuso no poder de controle societário, quando do registro contábil de mútuo celebrado com as "holdings", torna-se claro o intento de revolvimento do contexto fático-probatório, razão pela qual inadmite-se o recurso especial, no concernente às alegações de inexistência de infração, com base na Súmula 07/STJ. Por outro lado, em relação à alegada desproporcionalidade do valor da multa aplicada, observa-se que o juízo a quo avalizou o montante fixado, segundo os limites legais previstos no artigo 11, § 1º, da Lei n.º 6.385/76. Abaixo, a redação deste dispositivo, vigente ao tempo dos fatos: Art. 11. A Comissão de Valores Mobiliários poderá impor aos infratores das normas desta Lei, da lei de sociedades por ações, das suas resoluções, bem como de outras normas legais cujo cumprimento lhe incumba fiscalizar, as seguintes penalidades: I - advertência; II - multa; III - suspensão do exercício de cargo de administrador de companhia aberta ou de entidade do sistema de distribuição de valores; IV - inabilitação para o exercício dos cargos referidos no inciso anterior; V - suspensão da autorização ou registro para o exercício das atividades de que trata esta Lei; VI - cassação da autorização ou registro indicados no inciso anterior. § 1º - A multa não excederá o maior destes valores: I - quinhentas vezes o valor nominal de uma Obrigação Reajustável do Tesouro Nacional; II - trinta por cento do valor da emissão ou operação irregular. Nos termos do art. 11, § 1º, da Lei n.º 6.385/76, a multa não poderá ser superior ao maior dos seguintes valores: quinhentas vezes o valor nominal de 01 ORTN (Obrigação Reajustável do Tesouro Nacional) ou 30% da valor da operação irregular. Assim, o limite da sanção será a cifra que se mostrar superior no caso concreto: se o valor correspondente a 30% do valor da operação irregular for superior a quinhentas vezes o valor de 01 ORTN, deverá prevalecer aquele fator de cálculo, para o teto da multa. No caso dos autos, adotou-se para o cálculo da sanção o parâmetro previsto no § 1º, inciso II, do art. 11, da Lei n.º 6.385/76, que não se mostra desarrazoado, justamente porque se alinha ao critério previsto em lei para a fixação da multa. Com efeito, a CVM não estava obrigada a aplicar o menor valor, que corresponderia a quinhentas vezes o valor nominal de 01 ORTN. O limite previsto na Lei n.º 6.385/76 impede apenas que a sanção ultrapasse os tetos previstos de forma alternativa no art. 11, § 1º. Desta feita, nada impede a aplicação da multa, na quantia de 30% do valor da operação irregular, ainda que seja superior a quinhentas ORTNs. Efetivamente, a análise da desproporcionalidade de determinada medida administrativa não pode simplesmente alterar os critérios fixados pelo Legislador para a regulação do caso concreto. Ao Poder Judiciário deve-se assegurar a apreciação da razoabilidade da atuação administrativa, porém, este não pode simplesmente substituir a mens legis, inovando ou indo além do que o Legislativo previu, sob pena de usurpação da vontade do legislador e de completo Documento: 10532696 - RELATÓRIO, EMENTA E VOTO - Site certificado Página 9 de 17
  • 10. Superior Tribunal de Justiça menoscabo ao regime de tripartição de Poderes. Deste modo, porque o valor da multa não excedeu os limites legais previstos no § 1º, do art. 11, da Lei n.º 6.385/76, não se pode cogitar de desproporcionalidade em seu cálculo. BIS IN IDEM Os recorrentes também sustentam ter havido bis in idem na apenação, ao fundamento de que o acionista, quando punido por ato exercido na função de administrador, não poderia sofrer nova sanção, por ostentar também a condição de sócio-controlador. Com efeito, o ilícito administrativo-financeiro imputado aos recorrentes decorreu do fato de terem feito registrar receitas como se fossem "saldo a receber de clientes", ao invés de mútuo, realizado com "holdings" familiares, na época em que ocupavam concomitantemente as funções de administradores e sócios-controladores da Perdigão Agroindustrial S/A. Após apuração e julgamento das condutas perpetradas pelos recorrentes, a Comissão de Valores Mobiliários concluiu que houve a prática dos ilícitos enumerados nos artigos 117, § 1º, alíneas "a" e "c", e 154, § 2º, alínea "b", ambos da Lei n.º 6.404/76: Art. 117. O acionista controlador responde pelos danos causados por atos praticados com abuso de poder. § 1º São modalidades de exercício abusivo de poder: a) orientar a companhia para fim estranho ao objeto social ou lesivo ao interesse nacional, ou levá-la a favorecer outra sociedade, brasileira ou estrangeira, em prejuízo da participação dos acionistas minoritários nos lucros ou no acervo da companhia, ou da economia nacional; [...] c) promover alteração estatutária, emissão de valores mobiliários ou adoção de políticas ou decisões que não tenham por fim o interesse da companhia e visem a causar prejuízo a acionistas minoritários, aos que trabalham na empresa ou aos investidores em valores mobiliários emitidos pela companhia; Art. 154. [...] § 2° É vedado ao administrador: [...] b) sem prévia autorização da assembléia-geral ou do conselho de administração, tomar por empréstimo recursos ou bens da companhia, ou usar, em proveito próprio, de sociedade em que tenha interesse, ou de terceiros, os seus bens, serviços ou crédito (sem grifos no original). Conforme registrado pelo juízo a quo, as penalidades de multa e de interdição temporária do exercício da atividade de administrador foram impostas de maneira simultânea, justamente porque as infrações foram praticadas quando os recorrentes ocupavam, cumulativamente, duas funções diversas no âmbito da sociedade: como administradores e sócios-controladores. Nestes termos, o seguinte trecho do acórdão recorrido: Documento: 10532696 - RELATÓRIO, EMENTA E VOTO - Site certificado Página 1 0 de 17
  • 11. Superior Tribunal de Justiça Quanto à alegação de bis in idem, também não assiste melhor sorte aos autores, dada a diversidade dos fatos típicos e ilícitos, que mereceram a resposta sancionatória imposta pela CVM. Assim é que, enquanto a interdição temporária do exercício da atividade de administrador lhes foi imposta por desconformidade da conduta dos autores ao que deles seria de se esperar, como administradores probos, a multa lhes foi imposta o favorecimento dado às empresas HUAINE e PAPEETE, de sua propriedade. Inexiste, assim, ainda que em tese, concurso formal de ilícitos, a resultar em imputação de dupla sanção sobre o mesmo fato ilícito.” [...] Raciocinam os autores que, já que eram detentores de setenta e cinco por cento das ações da PERDIGÃO, o prejuízo da sociedade teria sido limitado a vinte e cinco por cento daquela base de cálculo, ou seja, ao percentual de ações possuídos pelos acionistas minoritários. O raciocínio parece desconhecer que os acionistas minoritários são apenas um dos sujeitos passivos dos ilícitos por eles praticados, assim qualificados em âmbito administrativo, e cujos atos restaram incontroversos neste feito. Outro destinatário, e para cujos interesses volta-se também a proteção representada pelo poder de polícia exercido pela CVM e pela obrigação legal de transparência das demonstrações financeiras das empresas de capital aberto é o público, em geral (e-STJ fl. 564). No caso concreto, constatou-se falta de transparência na realização da operação financeira em destaque, com impacto direto sobre o patrimônio da empresa e sobre o direito à informação dos acionistas minoritários, quando a companhia encontrava-se sob orientação decisiva dos recorrentes, acionistas-controladores e administradores à data dos fatos. Desta forma, pelo que foi apurado, os recorrentes atentaram precipuamente contra a credibilidade, a segurança e a estabilidade que devem nortear o mercado de valores mobiliários, bens jurídicos não resumidos na mera apuração de déficit numérico no caixa da empresa, como assim quiseram aludir os recorrentes, nas razões do apelo. Ainda que sejam eles detentores da maioria do capital societário e pudessem ser, em tese, os maiores prejudicados financeiramente, com a operação irregular praticada em detrimento da sociedade, há de se ter em vista que a finalidade almejada pelo conjunto de regras editadas para a proteção e fortalecimento do mercado de capitais de risco, no país, não se adstringe ao aumento da rentabilidade da empresa. No cenário contemporâneo da economia nacional e internacional, altamente dependente da saúde financeira do setor empresarial e da confiabilidade das informações, a eticidade nas relações interna corporis das companhias é bem jurídico igualmente digno de tutela, por meio do estímulo à segurança e à transparência das operações financeiras. Por tais motivos, é indispensável uma proteção substancial da confiança dos sócios minoritários, bem como de toda a comunidade, diante de eventuais situações jurídicas geradas pelo comportamento desleal dos administradores e sócios-controladores das pessoas jurídicas. Nesse contexto, devem ser observadas as diretrizes norteadas pelo princípio da confiança, que visa a resguardar a boa-fé e a segurança jurídica de todas as relações sociais, a partir do qual a atuação proba e adequada passa a ser reconhecida como bem jurídico altamente essencial Documento: 10532696 - RELATÓRIO, EMENTA E VOTO - Site certificado Página 1 1 de 17
  • 12. Superior Tribunal de Justiça e digno de proteção jurídica. Esse princípio ganha ainda maior relevo, quando se trata de tutelar situações jurídicas travadas no âmbito das sociedades anônimas que detêm natural posição de hegemonia econômica e financeira na economia de escala. Neste campo, os órgãos de proteção do mercado de capitais exercem relevante papel na manutenção da segurança jurídica das relações econômico-sociais, travadas dentro e fora destas empresas. Ao abordar o princípio da confiança e a função do Estado na construção e preservação da segurança jurídica, anota J. J. Gomes Canotilho: O homem necessita de segurança para conduzir, planificar e conformar autônoma e responsavelmente a sua vida. Por isso, desde cedo se consideravam os princípios da segurança jurídica e da proteção à confiança como elementos constitutivos do Estado de direito. Esses dois princípios – segurança jurídica e proteção da confiança – andam estreitamente associados a ponto de alguns autores considerarem o princípio da protecção de confiança como um subprincípio ou como uma dimensão especifica da segurança jurídica. Em geral, considera-se que a segurança jurídica está conexionada com elementos objectivos da ordem jurídica – garantia de estabilidade jurídica, segurança de orientação e realização do direito – enquanto a protecção da confiança se prende mais com as componentes subjectivas da segurança, designadamente a calculabilidade e previsibilidade dos indivíduos em relação aos efeitos jurídicos dos actos dos poderes públicos. A segurança e a protecção da confiança, exigem, no fundo: (1) fiabilidade, clareza, racionalidade e transparência dos actos do poder; (2) de forma que em relação a eles o cidadão veja garantida a segurança nas suas disposições pessoais e nos efeitos jurídicos dos seus próprios actos. Deduz-se já que os postulados da segurança jurídica e da protecção da confiança são exigíveis perante qualquer acto de qualquer poder – Legislativo, Executivo e Judicial. O princípio geral da segurança jurídica em sentido amplo (abrangendo, pois, a idéia de protecção da confiança) pode formular-se do seguinte modo: o indivíduo tem do direito poder confiar em que aos seus actos ou às decisões públicas incidentes sobre os seus direitos, posições ou relações jurídicas alicerçadas em normas jurídicas vigentes e válidas se ligam os efeitos jurídicos previstos e prescritos por essas mesmas normas (José Joaquim Gomes Canotilho. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 4. ed. Coimbra: Almedina, 2000, p. 256). A Lei das Sociedades por Ações (Lei n.º 6.404/76) também é informada por essa principiologia, como extrai-se dos objetivos por ela visados, consoante descrito na Exposição de Motivos n.º 196, de 24 de junho de 1976, in verbis : 4. O Projeto visa basicamente a criar a estrutura jurídica necessária ao fortalecimento do mercado de capitais de risco no País, imprescindível à sobrevivência da empresa privada na fase atual da economia brasileira. A mobilização da poupança popular e o seu encaminhamento voluntário para o setor empresarial exigem, contudo, o estabelecimento de uma sistemática que assegure ao acionista minoritário o respeito a regras definidas e eqüitativas, as quais, sem imobilizar o empresário em suas iniciativas, ofereçam atrativos suficientes de segurança e rentabilidade. 5. Com o objetivo anteriormente definido - que, afinal, constitui a base institucional das Sociedades Anônimas - o Projeto busca elaborar um sistema baseado nos seguintes princípios: a) ampla liberdade para o empresário escolher os valores mobiliários que melhor se adaptem ao tipo de empreendimento e às condições do mercado, num grande espectro de Documento: 10532696 - RELATÓRIO, EMENTA E VOTO - Site certificado Página 1 2 de 17
  • 13. Superior Tribunal de Justiça alternativas que vai da disciplina das novas ações, com ou sem valor nominal, à criação das várias espécies de debêntures, bônus de subscrição e partes beneficiárias (estas conservadas, porém com limitações); b) a essa liberdade devem corresponder regras estritas de responsabilidade dos administradores, de direito e de fato (o acionista controlador); [...] f) atento ao fato básico de que as instituições mercantis - sobretudo na escala que a economia moderna lhes impõe - revestem-se de crescente importância social, com maiores deveres para com a comunidade em que vivem e da qual vivem, o Projeto introduziu o fato novo do dever de lealdade dessas instituições, imposto como norma de comportamento a controladores e administradores, para com o país; nesse dever estão igualadas empresas nacionais ou estrangeiras que aqui funcionem, de forma a construir o embasamento legal para um Código de Ética da grande empresa, nacional ou multinacional, o qual tende a constituir-se em imperativo da ciência universal; [...] 6. Estas, Senhor Presidente, as linhas mestras e os objetivos principais que inspiraram o anexo Projeto de Lei, que, caso venha a obter a concordância de Vossa Excelência e a aprovação do Congresso Nacional, poderá constituir-se em instrumento essencial para a criação e o fortalecimento da empresa privada nacional. Este documento também enfatiza a responsabilidade social que passou a ser exigida dos acionistas-controladores e dos administradores das pessoas jurídicas objetivando o comportamento idôneo e a probidade que estes devem diuturnamente perseguir, conforme as diretrizes lançadas nos artigos 116, 117, 153 e 154, da Lei n.º 6.404/76: Seção IV Acionista Controlador O artigo 116 dá "status" próprio, no direito brasileiro, à figura do "acionista controlador". Esta é inovação em que a norma jurídica visa a encontrar-se com a realidade econômica subjacente. Com efeito, é de todos sabido que as pessoas jurídicas têm o comportamento e a idoneidade de quem as controla, mas nem sempre o exercício desse poder é responsável, ou atingível pela lei, porque se oculta atrás do véu dos procuradores ou dos terceiros eleitos para administrar a sociedade. Ocorre que a empresa, sobretudo na escala que lhe impõe a economia moderna, tem poder e importância social de tal maneira relevantes na comunidade que os que a dirigem devem assumir a primeira cena na vida econômica, seja para fruir do justo reconhecimento pelos benefícios que geram, seja para responder pelos agravos a que dão causa. O tema cresce em importância quando se considera que o controlador, muita vez, é sociedade ou grupo estrangeiro, que fica, por força de sua origem, excluído até mesmo das sanções morais da comunidade. O principio básico adotado pelo Projeto, e que constitui o padrão para apreciar o comportamento do acionista controlador, é o de que o exercício do poder de controle só é legítimo para fazer a companhia realizar o seu objeto e cumprir sua função social, e enquanto respeita e atende lealmente aos direitos e interesses de todos aqueles vinculados à empresa - o que nela trabalham, os acionistas minoritários, os investidores do mercado e os membros da comunidade em que atua. A caracterização do "acionista controlador" é definida no parágrafo único do artigo 116 e pressupõe, além da maioria dos votos, o efetivo exercício do poder de controle para dirigir a companhia. Exemplificando, no artigo 117, modalidades mais freqüentes de exercício abusivo do poder pelo controlador, o Projeto não exclui outras hipóteses, que a vida e a aplicação da lei se incumbirão de evidenciar. Documento: 10532696 - RELATÓRIO, EMENTA E VOTO - Site certificado Página 1 3 de 17
  • 14. Superior Tribunal de Justiça [...] Seção IV Deveres e Responsabilidades Os artigos 154 a 161 definem, em enumeração minuciosa, e até pedagógica, os deveres e responsabilidades dos administradores. É Seção da maior importância no Projeto porque procura fixar os padrões de comportamento dos administradores, cuja observância constitui a verdadeira defesa da minoria e torna efetiva a imprescindível responsabilidade social do empresário. Não é mais possível que a parcela de poder, em alguns casos gigantesca, de que fruem as empresas - e, através delas, seus controladores e administradores - seja exercido em proveito apenas de sócios majoritários ou dirigentes, e não da companhia, que tem outros sócios, e em detrimento, ou sem levar em consideração, os interesses da comunidade. As normas desses artigos são, em sua maior parte, meros desdobramentos e exemplificações do padrão de comportamento dos administradores definido pela lei em vigor - o do "homem ativo e probo na administração dos seus próprios negócios" (§7º do art. 116 do Decreto-lei nº 2.627) e, em substância, são as que vigoram, há muito tempo, nas legislações de outros povos; formuladas, como se encontram, tendo presente a realidade nacional, deverão orientar os administradores honestos, sem entorpecê-los na ação, com excessos utópicos. Servirão, ainda, para caracterizar e coibir abusos. Com efeito, é o administrador quem exerce as atividades de gestão e direção diuturna da sociedade, para a realização do objeto a que ela se propõe, colocando em prática medidas de caráter econômico-financeiro, de comando e representação, para o desenvolvimento de todo plexo de serviços, esforços, bens e recursos que, conjugadamente, compõem a convenção societária. De fato, seria desproporcional aplicar somente a pena de multa, mantendo agentes como os recorrentes na direção da empresa, após terem apresentado comportamento ilícito na administração dos recursos da sociedade, em prejuízo dos sócios minoritários e da comunidade em geral. Nesse caso, as finalidades pedagógica e repressiva da multa ficariam prejudicadas, visto que o sócio-administrador poderia simplesmente embutir a sanção no conjunto dos custos da empreitada financeira ilícita, tornando vantajoso descumprir a lei, já que teria a expectativa de continuar gerindo, de maneira abusiva, a sociedade, sem solução de continuidade, e o ilícito poderia gerar cifras tão exitosas, a ponto de compensar eventual sanção da Comissão de Valores Mobiliários. Por outro lado, a pura interdição temporária do exercício da atividade de administrador também não seria suficiente, já que, isoladamente, não seria adequada para repreender e emendar agentes econômicos que, às expensas da regularidade do mercado de valores mobiliários, praticaram ilícitos visando ao seu locupletamento. Desse modo, é indispensável a medida de cunho igualmente patrimonial, como reprimenda adequada para o intento de lucro desmedido. Há muito que a leitura do princípio da proporcionalidade não mais se assenta apenas sobre a proibição do excesso, tendo-se expandido, também, para vedar a proteção deficiente dos bens jurídicos, segundo a lição de Lênio Luiz Streck: Trata-se de entender, assim, que a proporcionalidade possui uma dupla face: de Documento: 10532696 - RELATÓRIO, EMENTA E VOTO - Site certificado Página 1 4 de 17
  • 15. Superior Tribunal de Justiça proteção positiva e de proteção de omissões estatais. Ou seja, a inconstitucionalidade pode ser decorrente de excesso do Estado, caso em que determinado ato é desarrazoado, resultando desproporcional o resultado do sopesamento (Abwägung) entre fins e meios; de outro, a inconstitucionalidade pode advir de proteção insuficiente de um direito fundamental-social, como ocorre quando o Estado abre mão do uso de determinadas sanções penais ou administrativas para proteger determinados bens jurídicos. Este duplo viés do princípio da proporcionalidade decorre da necessária vinculação de todos os atos estatais à materialidade da Constituição, e que tem como conseqüência a sensível diminuição da discricionariedade (liberdade de conformação) do legislador (Lênio Luiz Streck. A dupla face do princípio da proporcionalidade: da proibição de excesso (Übermassverbot) à proibição de proteção deficiente (Untermassverbot) ou de como não há blindagem contra normas penais inconstitucionais. Revista da Ajuris, Ano XXXII, n.º 97, marco/2005, p.180). Ademais, relembro o disposto no art. 11 da Lei n.º 6.385/76, que traça o modelo legal de sanções administrativas atribuídas à Comissão de Valores Mobiliários, prevendo as seguintes penalidades: I - advertência; II - multa; III - suspensão do exercício de cargo de administrador de companhia aberta ou de entidade do sistema de distribuição de valores; IV - inabilitação para o exercício dos cargos referidos no inciso anterior; V - suspensão da autorização ou registro para o exercício das atividades de que trata esta Lei; VI - cassação da autorização ou registro indicados no inciso anterior. De fato, a interpretação dessa norma deve levar em conta as finalidades do exercício do poder de polícia da Comissão de Valores Mobiliários, com vista à proteção e à guarda dos bens jurídicos e fins sociais, assim previstas pelo mesmo Diploma Legal: Art. 4º O Conselho Monetário Nacional e a Comissão de Valores Mobiliários exercerão as atribuições previstas na lei para o fim de: [...] II - promover a expansão e o funcionamento eficiente e regular do mercado de ações, e estimular as aplicações permanentes em ações do capital social de companhias abertas sob controle de capitais privados nacionais; III - assegurar o funcionamento eficiente e regular dos mercados da bolsa e de balcão; IV - proteger os titulares de valores mobiliários e os investidores do mercado contra: a) emissões irregulares de valores mobiliários; b) atos ilegais de administradores e acionistas controladores das companhias abertas, ou de administradores de carteira de valores mobiliários. [...] Art. 9º A Comissão de Valores Mobiliários, observado o disposto no § 2º do art. 15, poderá: [...] V - apurar, mediante processo administrativo, atos ilegais e práticas não eqüitativas de administradores, membros do conselho fiscal e acionistas de companhias abertas, dos intermediários e dos demais participantes do mercado; VI - aplicar aos autores das infrações indicadas no inciso anterior as penalidades previstas no Art. 11, sem prejuízo da responsabilidade civil ou penal. § 1º. Com o fim de prevenir ou corrigir situações anormais do mercado, a Comissão poderá: Documento: 10532696 - RELATÓRIO, EMENTA E VOTO - Site certificado Página 1 5 de 17
  • 16. Superior Tribunal de Justiça I - suspender a negociação de determinado valor mobiliário ou decretar o recesso de bolsa de valores; Il - suspender ou cancelar os registros de que trata esta Lei; III - divulgar informações ou recomendações com o fim de esclarecer ou orientar os participantes do mercado; IV - proibir aos participantes do mercado, sob cominação de multa, a prática de atos que especificar, prejudiciais ao seu funcionamento regular (sem grifos no original). Ora, para o cumprimento de tais misteres, não se mostraria razoável restringir o uso das sanções disponíveis à CVM, tendo em vista seu melhor aparelhamento quando da apuração dos fatos ilícitos e da reprimenda do caso concreto. O silêncio do art. 11 da Lei n.º 6.385/76, quanto à possibilidade de aplicação cumulativa de sanções, antes de representar espécie de "silêncio eloquente", a impedir tal espécie de apenação, deve ser interpretado como técnica legislativa que prestigia a garantia do exercício efetivo, autônomo e independente das funções da Comissão de Valores Mobiliários que, no mais das vezes, depende de um juízo de oportunidade e conveniência quanto ao tipo e grau de reprimenda adequada ao caso concreto, devido à natureza altamente cambiante e complexa do mercado em destaque e dos ilícitos que lhe são peculiares. Desse modo, deixa-lhe margem de liberdade para aplicar a sanção de acordo com a espécie e a gravidade da falta cometida. Ciente dos desafios que o exercício do poder de polícia impõe à Administração Pública, no referente à interpretação dos fatos e à escolha dos meios mais adequados para restringir e condicionar a liberdade dos cidadãos, com vistas ao interesse público, a doutrina brasileira tende a atribuir-lhe o caráter discricionário, máxime quando a lei não detalha a forma como tal prerrogativa pública deverá ser desempenhada, o que ocorre no caso dos autos. Neste sentido, é o ensinamento de Maria Sylvia Zanella Di Pietro: Quanto à discricionariedade, embora esteja presente na maior parte das medidas de polícia, nem sempre isso ocorre. Às vezes, a lei deixa certa margem de liberdade de apreciação quando a determinados elementos, como o motivo ou o objeto, mesmo porque ao legislador não é dado prever todas as hipóteses possíveis a exigir a atuação de polícia. Assim, em grande parte dos casos concretos, a Administração terá que decidir qual o melhor momento de agir, qual o meio de ação mais adequado, qual a sanção cabível diante das previstas na norma legal. Em tais circunstâncias, o poder de polícia será discricionário. Em outras hipóteses, a lei já estabelece que, diante de determinados requisitos, a Administração terá que adotar a solução previamente estabelecida, sem qualquer possibilidade de opção. Nesse caso, o poder será vinculado. O exemplo mais comum do ato de polícia vinculado é o da licença. Para o exercício de atividades ou para a prática de atos sujeitos ao poder de polícia do Estado, a lei exige alvará de licença ou de autorização. No primeiro caso, o ato é vinculado, porque a lei prevê os requisitos diante dos quais a Administração é obrigada a conceder o alvará de licença ou de autorização. No primeiro caso, o ato é vinculado, porque a lei prevê os requisitos diante dos quais a Administração é obrigada a conceder o alvará; é o que ocorre na licença para dirigir veículo automotores, para exercer determinadas profissões, para construir. No segundo caso, o ato é discricionário, porque a lei consente que a Administração aprecie a situação concreta e decida se deve ou não conceder a autorização, diante do interesse público em jogo; é o que ocorre com a autorização para porte de arma, com a autorização para circulação de veículos Documento: 10532696 - RELATÓRIO, EMENTA E VOTO - Site certificado Página 1 6 de 17
  • 17. Superior Tribunal de Justiça com peso ou alturas excessivos, com a autorização para produção ou distribuição de material bélico. Diante disso, pode-se dizer que o poder de polícia tanto pode ser discricionário (e assim é na maior parte dos casos), como vinculado (Maria Sylvia Zanella Di Pietro. Direito Administrativo. 20. ed. São Paulo: Atlas, 2007, p. 106-107). Na mesma linha, são a lição de José dos Santos Carvalho Filho: Reina alguma controvérsia quanto à caracterização do poder de polícia, se vinculado ou discricionário. Em nosso entender, porém, a matéria tem de ser examinada à luz do enfoque a ser dado à atuação administrativa. Quando tem a lei diante de si, a Administração pode levar em consideração a área de atividade em que vai impor a restrição em favor do interesse público e, depois de escolhê-la, o conteúdo e a dimensão das limitações. É o caso, por exemplo, em que as autoridades públicas enumeram apenas alguns rios onde a pesca se tornará proibida. Sem dúvida que nesse momento a Administração age no exercício de seu poder discricionário. [...] O inverso ocorre quando já está fixada a dimensão da limitação. Nessa hipótese, a Administração terá de cingir-se a essa dimensão, não podendo, sem alteração da norma restritiva, ampliá-la em detrimento dos indivíduos. A atuação, por via de conseqüência, se caracterizará como vinculada . No exemplo acima dos rios, será vedado à Administração impedir a pesca (não havendo, obviamente, outra restrição) naqueles cursos d'água não arrolados como alvo das medidas restritivas de polícia (José dos Santos Carvalho Filho. Manual de Direito Administrativo. 20. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2008, p. 80). Por todos os motivos ora delineados, concluo pela não-ocorrência do bis in idem no caso dos autos, em relação à aplicação cumulativa das sanções de multa e de interdição temporária do exercício da atividade de administrador. Ante o exposto, conheço em parte do recurso especial e, nesta parte, nego-lhe provimento. É como voto. Documento: 10532696 - RELATÓRIO, EMENTA E VOTO - Site certificado Página 1 7 de 17