Este artigo discute a avaliação hemodinâmica de pacientes criticamente enfermos. Revisa a fisiologia da regulação do volume do líquido extracelular e aborda o diagnóstico de volemia com base em critérios clínicos e hemodinâmicos. Explica que o diagnóstico clínico de volemia é complexo e que é importante o nefrologista conhecer ferramentas de avaliação hemodinâmica invasiva para tomar decisões terapêuticas adequadas.
2. Avaliação hemodinâmica em paciente criticamente enfermo
Esse problema, de alta complexidade, muitas vezes vascular periférica, débito cardíaco e, sobretudo, ex-
não é elucidado adequadamente, preferindo os médi- creção renal de sódio.
cos lançar mão de testes terapêuticos empíricos: Na vigência de depleção do VIVE, como no
- “Vamos tirar líquido; se o paciente melhorar, sa- choque por hemorragia digestiva, ocorre uma res-
beremos que a decisão foi acertada.” posta hemodinâmica imediata, mediada por ca-
- “Vamos dar líquido; se o paciente melhorar, sa tecolaminas, angiotensina e vasopressina, objeti-
beremos que a decisão foi acertada.” vando aumentar o débito cardíaco e a resistência
Em outros casos, o grau de indecisão é tão grande vascular periférica. Ocorre também uma resposta
que o nefrologista é chamado para iniciar diálise com renal, mediada sobretudo pelo sistema renina-
o intuito de remover volume de um paciente em cho- angiotensina-aldosterona (SRAA) e pelo hormô-
que, o qual o intensivista está ativamente expandindo nio antidiurético (ADH), visando à reabsorção
com soluções cristaloides. de água e de sódio para restaurar a volemia. Por
- “Eu vou continuar expandindo porque o pacien- outro lado, na hipervolemia, a resposta renal é a
te está em choque, mas preciso que você faça a diálise mais importante, e o aumento na excreção renal
e remova líquido para melhorar as trocas gasosas.” de sódio é a resposta desejada. Essa resposta é me-
Salvo essa última situação, que não faz nenhum diada por aumento no ritmo de filtração glomeru-
sentido (embora ocorra na prática clínica diária!), lar, natriurese pressórica e secreção de peptídios
não há nada de intrinsecamente errado com testes te- natriuréticos (Tabela 1).
rapêuticos, desde que sigam um uso racional e sejam Em geral, o VIVE varia diretamente com o vo-
orientados por determinadas metas. Contudo, o que lume do LEC. No exemplo mencionado antes, do
ocorre frequentemente é que, depois de tomada a de- paciente que sofre uma hemorragia digestiva, exis-
cisão de remover ou administrar volume, a conduta é te depleção do LEC e do VIVE. Da mesma forma,
mantida por várias horas, ou até dias, sem a necessá- quando um paciente previamente euvolêmico rece-
ria verificação dos parâmetros que poderiam indicar be 1 litro de soro fisiológico endovenoso, ocorre
se o procedimento foi – e continua sendo – acertado. expansão do LEC e do VIVE. No entanto, existem
Para minimizar a chance de decisões incorretas, situações em que o volume do LEC está aumenta-
como, por exemplo, ultrafiltrar um paciente que do, mas o VIVE está contraído. Nas enfermarias
deveria estar sendo expandido, é imperativo que o clínicas, os principais exemplos são as síndromes
nefrologista conheça as ferramentas disponíveis pa- edematosas, como insuficiência cardíaca conges-
ra avaliação hemodinâmica invasiva e de estimativa tiva, cirrose hepática e síndrome nefrótica. Nas
de adequação da volemia no paciente com doença unidades de terapia intensiva (UTIs), encontramos
crítica. Neste artigo, fazemos uma breve revisão situação semelhante nos pacientes com hemodinâ-
da fisiologia da regulação do volume do líquido mica instável, albumina baixa, aumento na perme-
extracelular e, em seguida, abordamos o diagnós- abilidade capilar, que receberam um excesso de re-
tico de volemia, com base em critérios clínicos e posição de soluções. Nessa conjuntura complexa,
hemodinâmicos. o volume do LEC está evidentemente aumentado à
custa de acúmulo de líquido em um terceiro espa-
REGULAÇÃO DO VOLUME DO LÍQUIDO EXTRACELULAR ço, mas coexiste hipotensão arterial, além de uma
(LEC) grande incerteza quanto ao estado do VIVE e, por
conseguinte, do grau de adequação da volemia.
A regulação do volume do LEC assemelha-se à re-
gulação da tensão arterial e é feita por meio de ajus-
DIAGNÓSTICO CLÍNICO DE VOLEMIA
tes no metabolismo do sódio. O que é percebido é
o volume intravascular efetivo (VIVE), que equivale O diagnóstico do estado osmolar de um paciente é
grosseiramente ao volume intravascular contido no relativamente simples, podendo ser feito por meio
sistema arterial, que perfunde os tecidos e estimula de exames laboratoriais como sódio, glicose, ureia
barorreceptores situados no arco aórtico, no seio ca- e osmolaridade séricos (Tabela 1). Podemos dizer
rotídeo e nos rins (sistema justaglomerular-mácula que um paciente hipernatrêmico se encontra hipe-
densa). Alterações no VIVE, percebidas pelo siste- rosmolar e – quase sempre – desidratado (salvo
ma sensor aferente dos barorreceptores, determinam as raras exceções de hipernatremia iatrogênica por
ativação dos sistemas efetores que visam restaurar administração excessiva de sódio hipertônico, em
a normovolemia por meio de ajustes na resistência geral evidentes pela história clínica).
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3. Avaliação hemodinâmica em paciente criticamente enfermo
Tabela 1 COMPARAÇÃO ENTRE OSMORREGULAÇÃO E REGULAÇÃO DA VOLEMIA
Osmorregulação Regulação da volemia
(metabolismo da água) (metabolismo do sódio)
O que é percebido? Osmolaridade sérica VIVE
Sensores Osmorreceptores Barorreceptores em arco aórtico,
hipotalâmicos seio carotídeo e rins
Efetores Osm elevada: secreção Expansão do VIVE: natriurese
de ADH e sede pressórica, secreção de FNA
Osm reduzida: inibição Depleção do VIVE: secreção de
do ADH e da sede catecolaminas e ADH, ativação do SRAA
Resposta renal Excreção ou retenção de água Excreção ou retenção de sódio
Marcadores diagnósticos Sódio, ureia, glicose e História, exame clínico, exames complementa-
osmolaridade séricos res simples, avaliação hemodinâmica invasiva
Osm = osmolaridade; ADH = hormônio antidiurético; VIVE = volume intravascular efetivo; FNA = fator natriurético atrial;
SRAA = sistema renina-angiotensina-aldosterona.
Já o diagnóstico da volemia é bem mais desafia- em pacientes clínicos foi de 73%; já em pacientes
dor, sobretudo quando o VIVE e o volume do LEC internados em UTIs, a sensibilidade foi de apenas
variam em direções opostas. Não existe um único 40%.1 De fato, o clínico consciencioso precisa do-
achado de história, de exame físico ou de labora- minar diferentes metodologias de avaliação hemo-
tório capaz de estabelecer a volemia com precisão dinâmica aplicáveis ao paciente grave e integrar ao
(Tabela 2). Tomemos o sódio urinário como exem- seu raciocínio uma ampla gama de informações para
plo. Sabemos que a resposta renal a alterações na vo- estabelecer um diagnóstico mais preciso do estado
lemia envolve retenção ou excreção de sódio. Dessa volêmico e, assim, definir a conduta terapêutica com
forma, um paciente hipovolêmico deve ter um sódio maior propriedade.
urinário baixo (geralmente < 20 mEq/L). Embora is-
so seja frequentemente verdadeiro, pode não ajudar AVALIAÇÃO HEMODINÂMICA NA UTI
na tomada de conduta terapêutica. Evidentemente,
um paciente que sofre uma hemorragia digestiva Considerando a necessidade de se estabelecer um diag-
e tem um sódio urinário < 20 mEq/L necessita de nóstico preciso de volemia nos pacientes internados em
expansão volêmica. Já o paciente com insuficiência UTIs, principalmente naqueles que apresentam choque
cardíaca (ICC) que está edemaciado e com edema circulatório, e a dificuldade de se estabelecer esse diag-
pulmonar precisa receber diurético, mesmo que seu nóstico com base apenas na avaliação clínica, torna-se
sódio urinário esteja < 20 mEq/L, pois, nesse caso, necessária a utilização de medidas invasivas. A maioria
a retenção renal de sódio representa uma resposta dos pacientes internados em UTIs acaba necessitando
ao pobre desempenho cardíaco em perfundir tecidos de um cateter venoso central (CVC) para administração
e barorreceptores (redução no VIVE). O Quadro 1 de medicamentos e coleta de exames, e de um cateter
mostra alguns exemplos em que o sódio urinário não arterial, para monitoração contínua da tensão arterial
se presta para avaliação de volemia. e coleta de gasometrias. Esses cateteres são suficientes
Alguns estudos têm mostrado que o diagnóstico para a avaliação hemodinâmica invasiva da maioria dos
clínico de volemia não é confiável. Uma revisão da pacientes. Em casos em que há maior dúvida, pode-se
literatura de 1966 a 1988 mostrou que, consideran- lançar mão de um cateter de artéria pulmonar (Swan-
do o cateter de Swan-Ganz padrão-ouro, a sensibili- Ganz), embora este venha sendo cada vez menos utili-
dade da avaliação clínica em detectar hipervolemia zado nas UTIs.
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4. Avaliação hemodinâmica em paciente criticamente enfermo
Tabela 2 DADOS CLÍNICOS QUE PODEM AJUDAR NA DETERMINAÇÃO DA VOLEMIA
Hipovolemia Hipervolemia
História clínica Sintomas da doença de base Sintomas da doença de base
Vômitos Nefropatia: hematúria,
Diarreia oligúria, urina espumosa,
Poliúria edema facial
Hemorragia Cardiopatia: dispneia,
Sintomas de hipovolemia ortopneia, DPN, edema MMII
Fadiga, letargia Hepatopatia: icterícia,
Sede colúria, ascite
Câimbras Sintomas de hipervolemia
Tontura postural Quadro edematoso
Oligúria Ganho de peso
Dor abdominal
Dor torácica
Sintomas sec. aos DHEAB
Fraqueza muscular: K+
Encefalopatia: Na+
Exame físico Hipotensão, taquicardia Sinais da doença de base
Agitação, confusão Nefropatia: hipertensão,
Ressecamento de pele, língua edema facial
e mucosas Cardiopatia: B3, crépitos,
Redução no turgor da pele turgência jugular,
Enchimento capilar retardado hepatomegalia, ascite, edema
Achatamento das veias de MMII
do pescoço Hepatopatia: hipotensão,
Extremidades frias sinais periféricos de
e cianóticas hepatopatia, ascite
Exames complementares Relação ureia/creatinina BNP
simples Ácido úrico Radiografia de tórax
Índices urinários PaO2
o Na urinário
o FENa
o FEUreia
o Osmolaridade
DHEAB = distúrbios hidroeletrolíticos e ácido-básicos; DPN = dispneia paroxística noturna; MMII =
membros inferiores; FE = fração de excreção; BNP = brain natriuretic peptide.
MEDIDAS ESTÁTICAS DE PRÉ-CARGA
meio de punção de veia jugular ou subclávia. A PVC
PRESSÃO VENOSA CENTRAL (PVC) é seguramente a medida mais largamente utilizada
A medida da PVC é relativamente simples, porém re- para avaliação de volemia. As diretrizes da Surviving
quer a presença de um CVC na junção da veia cava Sepsis Campaign recomendam que, na fase preco-
superior com o átrio direito, geralmente inserido por ce de ressuscitação volêmica do paciente séptico, as
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5. Avaliação hemodinâmica em paciente criticamente enfermo
Quadro 1. Alguns exemplos clínicos comuns em semelhante, sugerindo que um determinado valor de
que o sódio urinário não se presta para avaliação de PVC não é capaz de prever quem responderá ao teste
volemia
de volume.3
Sódio urinário baixo na AUSÊNCIA de hipovolemia Muitos argumentam que a PVC pode ser um bom
Drogas que causam vasoconstricção renal marcador de volemia em pacientes jovens, com boa
AINES função cardiopulmonar, internados em UTI com qua-
Inibidores de calcineurina dro de politraumatismo. Contudo, nos estudos dispo-
Contraste níveis na literatura envolvendo um grupo heterogê-
Glomerulonefrite neo de pacientes internados em UTIs, a PVC não foi
Estenose de artérias renais capaz de determinar a volemia nem de prever resposta
à expansão volêmica.3
Sódio urinário alto na PRESENÇA de hipovolemia
Necrose tubular aguda PRESSÃO DE OCLUSÃO DE ARTÉRIA PULMONAR (POAP)
Uso de diuréticos A determinação da POAP requer a presença de um
cateter de Swan-Ganz. Como a inserção (e o posicio-
AINES = anti-inflamatórios não esteroides.
namento adequado) desse cateter é mais complexa e,
principalmente, alguns estudos não mostraram bene-
fício com seu uso – sugerindo até aumento na mor-
metas de PVC sejam de 8 a 12 mmHg para pacientes talidade4 –, a utilização do cateter de Swan-Ganz e,
em ventilação espontânea e de 12 a 15 mmHg para consequentemente, da PAOP vem perdendo espaço
pacientes em ventilação mecânica (em virtude do au- na prática clínica. Assim como a PVC, a POAP é uti-
mento da pressão intratorácica) ou com aumento da lizada para avaliar a pressão (como marcador de vo-
pressão intra-abdominal.2 lume) de enchimento das câmaras cardíacas esquer-
Em indivíduos normais, a PVC reflete a pressão das. Entretanto, em um estudo recente, Osman et al.
em átrio direito, que, por sua vez, espelha a pressão observaram grande superposição de valores da POAP
diastólica final do ventrículo direito, que, finalmente, entre os respondedores e os não respondedores, de tal
reflete a pressão de enchimento do coração esquer- sorte que não foi possível prever quais pacientes res-
do. Essa pressão de enchimento apresenta, em geral, ponderiam ao desafio com volume.5
relação direta com o volume de enchimento. No en-
tanto, a PVC não será uma medida fidedigna do vo- AVALIAÇÃO DO DÉBITO CARDÍACO
lume de enchimento do coração esquerdo na presença Com a inadequação das medidas estáticas de pré
de: 1) anormalidades no ventrículo direito; 2) anor- -carga para diagnóstico de volemia e para previsão
malidades no ventrículo esquerdo; 3) anormalidades da resposta à administração de volume, tem havido
pulmonares. Infelizmente, boa parte dos pacientes interesse crescente em formas alternativas de monito-
internados em UTIs apresenta ao menos uma dessas ração hemodinâmica. Pode-se definir como resposta
anormalidades, o que prejudica a utilização da PVC positiva ao teste de volume a capacidade do cora-
como medida de avaliação de volemia. ção de aumentar seu volume sistólico em resposta
Marik, Baram e Vahid revisaram cinco estudos à expansão volêmica. Isso se deve ao mecanismo de
que compararam a PVC com medidas mais sofistica- Frank-Starling, que prediz que, quanto maior a dis-
das de avaliação de volume sanguíneo (como albumi- tensão do miocárdio na fase de enchimento, maior
na radiomarcada) em pacientes críticos e mostraram a força de contração. Na literatura de terapia in-
uma correlação muito pobre (r = 0,16 para todos os tensiva, por exemplo, muitos autores definem como
estudos combinados).3 Esses estudos revelaram que resposta positiva à expansão volêmica um aumento
pacientes com PVC baixa podem estar hipervolêmi- maior ou igual a 15% no índice cardíaco após de-
cos; e pacientes com PVC alta, hipovolêmicos. Os safio rápido com volume. Contudo, quando os limi-
mesmos autores revisaram 19 estudos que objetiva- tes fisiológicos são ultrapassados, distensões ainda
ram determinar se a PVC é capaz de prever quais pa- maiores do miocárdio não resultam em melhor de-
cientes responderão a um desafio hemodinâmico me- sempenho cardíaco. Percebe-se, então, a necessida-
diante infusão rápida de líquidos (desafio ou teste de de de verificar em que parte da curva de Starling se
volume). Esses estudos mostraram que, em média, a encontra o paciente, monitorando o débito cardíaco
PVC dos respondedores e dos não respondedores foi antes e após a infusão de volume.
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6. Avaliação hemodinâmica em paciente criticamente enfermo
CATETER DE SWAN-GANZ que o oxigênio captado pelos pulmões é inteiramente
O padrão-ouro para avaliação do débito cardíaco na transferido para o sangue. Desse modo, o débito car-
UTI continua sendo o método de termodiluição por díaco pode ser calculado como a razão entre o consu-
meio do cateter de Swan-Ganz. Além de obter as medi- mo de oxigênio (VO2) e a diferença arteriovenosa de
das estáticas de pré-carga, o Swan-Ganz pode ser usado oxigênio (DavO2).
de forma dinâmica, como, por exemplo, para avaliar o Com isso, monitores capazes de medir o VO2 po-
índice cardíaco antes e após uma prova com volume. dem ser utilizados para cálculo do débito cardíaco.
Identificam-se, desse modo, aqueles pacientes que estão Essa técnica é limitada em casos de instabilidade he-
na fase ascendente da curva de Starling e ainda são capa- modinâmica severa e quando a fração de oxigênio
zes de melhorar a performance cardíaca em resposta a inspirado é superior a 60%. Adicionalmente, há ne-
aumentos na pré-carga. No entanto, como mencionado cessidade de coleta de sangue venoso central e arterial
anteriormente, o método caiu em desfavor em virtude para cálculo da DavO2.
da observação recorrente de que sua utilização não re- Modernamente, a aferição do débito cardíaco por
sulta em melhora do prognóstico.6 Cabe lembrar que o oximetria foi substituída pela termodiluição, deriva-
cateter de Swan-Ganz é um instrumento diagnóstico, da do princípio de Fick. Nesses casos, o cateter possui
e não terapêutico. Portanto, só se poderia esperar im- um termistor em sua extremidade que fica posicionada
pacto positivo na sobrevida se as informações obtidas na artéria pulmonar. O débito cardíaco do ventrículo
com o uso do Swan-Ganz se traduzissem em melhorias direito é obtido mediante a injeção rápida, na pro-
no manejo do paciente. A despeito de mais de 30 anos ximidade do átrio direito, de um volume conhecido
de uso clínico desse cateter, não há consenso sobre sua de líquido resfriado. O cálculo baseia-se na queda da
utilização diagnóstica, tampouco sobre estratégias tera- temperatura do sangue venoso misto, mediante uma
pêuticas a serem utilizadas em resposta às informações equação que considera o volume injetado, a diferença
obtidas. de temperatura e outras constantes. Aparelhos mo-
Por toda a controvérsia que envolve o cateter de dernos permitem a monitoração quasi-contínua do
Swan-Ganz, formas menos invasivas para determinação débito cardíaco (a cada 3 a 6 minutos) através de um
do débito cardíaco na UTI têm sido promovidas, mas filamento térmico, localizado na proximidade do átrio
ainda não são de uso corriqueiro na maioria das UTIs direito, que emite pulsos de calor e calcula o débito
brasileiras. pelo incremento de temperatura captada no termistor
distal. No entanto, o sistema necessita de calibração
DOPPLER ESOFAGIANO a intervalos, com uso da técnica de injeção de líquido
resfriado. Uma nova linha de monitores vem sendo
O Doppler esofagiano é uma técnica que se baseia na
desenvolvida com o intuito de estimar o débito cardí-
mensuração da velocidade de fluxo sanguíneo na aorta
aco de forma não invasiva, aplicando o princípio de
descendente por meio de um transdutor localizado na
Fick ao CO2. Ainda há poucos estudos na literatura
extremidade distal de uma sonda flexível. Essa sonda
comparando essa nova técnica com métodos mais es-
é introduzida por via oral, avançada até que sua ponta
tabelecidos de estimativa de débito cardíaco, como a
esteja localizada aproximadamente no nível médio do
termodiluição, e os estudos existentes revelam certo
tórax, girada para que o transdutor esteja defronte da
grau de imprecisão (± 1,8 litro/minuto).7
aorta e ajustada a fim de obter o melhor sinal. O débito
cardíaco pode, então, ser monitorado continuamente
ANÁLISE DA CURVA DE PULSO (PULSE CONTOUR ANALYSIS)
utilizando-se os mesmos princípios do Doppler e da eco-
cardiografia convencionais. Alguns estudos de validação A forma do traçado da curva arterial resulta da inte-
sugerem que as estimativas do débito cardíaco por meio ração entre o volume sistólico e as características me-
do Doppler esofagiano são clinicamente úteis.7 Embora cânicas da árvore arterial. Berton e Cholley revisaram
a inserção e o posicionamento do aparelho sejam relati- recentemente alguns modelos propostos para des-
vamente simples, há problemas de deslocamento da son- crever essas propriedades físicas da árvore arterial.7
da com o passar do tempo e de mobilização do paciente, Recentemente, foram desenvolvidos monitores capa-
o que pode resultar em mensurações aberrantes. zes de estimar o débito cardíaco a partir do formato
do traçado da curva de pulso arterial e de modelos
MÉTODOS UTILIZANDO O PRINCÍPIO DE FICK da circulação sistêmica. Dois exemplos são o PiCCO
O primeiro método para estimar o débito cardíaco em (Pulsion Medical Systems, Munich, Germany) e o
humanos foi descrito por Fick em 1870. Ele postulou PulseCO (LiDCO Ltd., Cambridge, UK). O primeiro
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7. Avaliação hemodinâmica em paciente criticamente enfermo
utiliza termodiluição transpulmonar, e o segundo, clo- consequentemente, o débito do ventrículo esquerdo na
reto de lítio como técnica de diluição para calibração expiração. Portanto, a ventilação mecânica promove
do débito cardíaco médio. Recalibrações frequentes alterações cíclicas no débito cardíaco: ocorre aumento
(4/4 horas) podem ser necessárias para medidas acu- na insuflação e queda na expiração.
radas. Estudos comparando essa técnica com termo- Quatro marcadores dinâmicos têm sido estudados:
diluição revelam uma imprecisão de ± 1,5 litro/minu- • Variação no volume sistólico (em inglês, systolic
to (que é o comum quando a termodiluição é usada volume variation – SVV): percentual de mudança
como referência na comparação com qualquer outra
entre os volumes sistólicos máximo e mínimo ao
técnica de estimativa de débito cardíaco).7 Traçados
longo de um intervalo pré-determinado.
arteriais de má qualidade e arritmia cardíaca impossi-
• Delta down: queda na pressão arterial sistólica
bilitam o uso dessa técnica.
durante a expiração.
MARCADORES DINÂMICOS • Variação na pressão sistólica (em inglês, systolic
Os marcadores dinâmicos utilizam-se das varia- pressure variation – SPV): diferença entre a pres-
ções do débito cardíaco ou da pressão arterial que são sistólica máxima e a pressão sistólica mínima
ocorrem em resposta às variações na pressão intrato- ao longo de um ciclo respiratório.
rácica com a ventilação mecânica (Figura 1). • Variação na pressão de pulso, ou Delta PP (em
A ventilação mecânica com pressão positiva promo- inglês, pulse pressure variation – PPV): diferença
ve um aumento da pressão intratorácica na insuflação entre a pressão de pulso máxima e a pressão de
que, por sua vez, resulta em uma diminuição no enchi- pulso mínima dividida pela média das duas ao
mento e na ejeção do ventrículo direito, reduzindo sua longo de um ciclo respiratório.
performance. Quanto maior o volume corrente e/ou a
Para determinação da variação no volume sistó-
pressão positiva expiratória final (em inglês, positive
lico, é necessário um monitor de débito cardíaco; os
end expiratory pressure – PEEP), mais intensos os efei-
demais marcadores dinâmicos requerem apenas um
tos da insuflação mecânica sobre o desempenho ventri-
cateter de pressão arterial média (PAM) para análise
cular direito. A redução no débito do ventrículo direito
do traçado do pulso arterial. Destes, vamos focar no
na insuflação reduz a pré-carga, o volume sistólico e,
Delta PP, que é o marcador que tem demonstrado me-
lhor desempenho nos estudos clínicos.
Figura 1. Variações cíclicas no débito cardíaco durante
ventilação mecânica. VARIAÇÃO NA PRESSÃO DE PULSO (DELTA PP)
A pressão de pulso é dada pela diferença entre a TA
Insuflação Mecância
(pressão positiva)
sistólica e a diastólica. Ela é diretamente proporcio-
nal ao volume sistólico e inversamente proporcional
Pressão pleural Influências Pressão Transpulmonar à elastância aórtica; como esta última se mantém
Enchimento de VD
VC, PEEP
Ejeção de VD constante entre um batimento cardíaco e outro, a
Volume sistólico do VD pressão de pulso pode ser utilizada como um marca-
dor indireto do volume sistólico. Em 1999, Michard
pré-carga do VE
et al. demonstraram que a variação na pressão de
pulso ao longo de um ciclo respiratório poderia ser
Volume sistólico do VE utilizada na beira do leito para prever os efeitos he-
modinâmicos adversos do PEEP.8 A fórmula utiliza-
Expiração
da para cálculo do Delta PP foi: Delta PP% = 100x
Débito cardíaco {(PPmáx. - PP mín.) ÷ [(PPmáx. + PPmín.) ÷2]}.
Os autores mostraram que os pacientes com va-
As variações cíclicas no débito cardíaco que ocorrem com
a ventilação mecânica sofrem influência do volume corrente lores mais elevados de Delta PP antes da aplicação
(VC) e do PEEP, e são mais acentuadas em pacientes hipo- do PEEP eram também aqueles que sofriam maio-
volêmicos. A pressão de pulso é diretamente proporcional
res reduções no índice cardíaco após aplicação do
ao volume sistólico e inversamente proporcional à elastância
aórtica. Como esta última permanece constante entre um ba- PEEP.8 Em 2000, Michard et al. utilizaram o Delta
timento e outro, a pressão de pulso pode ser utilizada como PP como previsor de resposta a volume em pacientes
substituta para o volume sistólico. Consequentemente, as
variações na pressão de pulso que ocorrem durante a venti- com choque séptico.9 Trinta pacientes foram subme-
lação mecânica refletem as variações no débito cardíaco. tidos a um desafio com 500 mL de coloide sintético
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8. Avaliação hemodinâmica em paciente criticamente enfermo
em 30 minutos. A resposta ao teste de volume foi de- 1. Os pacientes precisam estar em ventilação mecâ-
finida como uma elevação no índice cardíaco maior nica, sedados e paralisados.
ou igual a 15%. Entre os 16 respondedores, o Delta 2. A ventilação mecânica deve estar em modo de
PP foi de 24 ± 9% contra 7 ± 3% entre os não res- controle de volume, com volume corrente > 8
pondedores (p < 0,001). Ao avaliar a performance mL/kg.
diagnóstica do Delta PP em uma curva ROC, os au- 3. Não deve haver arritmia, shunt intracardíaco
tores demonstraram que um ponto de corte de 13% ou doença valvular significativa.
era capaz de discriminar entre respondedores (Delta 4. Os traçados do pulso arterial e da ventilação
PP > 13%) e não respondedores (Delta PP < 13%), mecânica precisam ser impressos em uma mes-
com uma sensibilidade de 94% e especificidade de ma folha, e o Delta PP deve ser calculado com
96%. Adicionalmente, o Delta PP mostrou-se um in- a fórmula mencionada anteriormente (sem re-
dicador de resposta a volume mais confiável que a correr ao “olhômetro”). De forma alternativa,
variação na pressão sistólica, a PVC e a POAP.9 o Delta PP pode ser monitorado continuamen-
De acordo com os estudos de Michard et al., um te (online) por meio do uso de um dos novos
valor de Delta PP > 13% é um bom indicador de monitores mencionados (PiCCO ou PulseCO).
que o paciente vai responder a um desafio com vo- Recentemente, Auler et al. desenvolveram uma
lume. A Figura 2 ilustra como a análise da variação técnica que permite cálculo automático do Delta
na pressão de pulso pode ajudar a identificar em que PP utilizando-se um monitor convencional (DX
fase da curva de Frank-Starling se encontra o pa- 2020, Dixtal, São Paulo, SP, Brasil), o que pode
ciente. No entanto, algumas condições precisam ser ajudar a popularizar a técnica.10
satisfeitas: A influência do volume corrente sobre a mensu-
ração do Delta PP pôde ser demonstrada no estudo
Figura 2. Resposta a volume e Delta PP. de De Backer et al.11 Os autores observaram que, em
pacientes ventilados com volume corrente inferior a
5/5
0 8 mL/kg, o ponto de corte de 13% de Delta PP clas-
Paciente 11 0
0/5 sificou corretamente apenas 51% dos pacientes. Em
B 11
Volume Sistólico
pacientes com volume corrente mais baixo, a redu-
ção do ponto de corte do Delta PP para 8% melho-
PAM
0
5/5
11
90
/40 23 mmHg rou a performance diagnóstica, mas, mesmo assim,
Paciente classificou corretamente apenas 61% dos pacien-
A
tes.11 Esse fato não surpreende, pois, quanto maior
o volume corrente, maiores as alterações cíclicas no
débito cardíaco (e, consequentemente, na pressão de
Pré-carga
pulso) com a respiração.
PVC / POAP
Recentemente, Huang et al. avaliaram a capa-
cidade do Delta PP em predizer resposta a volume
Delta PP % = 100 x {(PP máx - PP mín) ÷ [(PP máx + PP min) ÷ 2]} em pacientes ventilados com volume corrente baixo
Paciente A Delta PP % = 100 x {(65 - 50) ÷ [(65 + 50) ÷ 2]} = 26% e PEEP alto.12 Vinte e dois pacientes foram venti-
lados no modo de controle de pressão. O volume
Paciente B Delta PP % = 100 x {(65 - 60) ÷ [(65 + 60) ÷ 2]} = 8%
corrente médio foi de 6,4 ± 0,7 mL/kg; o PEEP, de
A figura mostra dois pacientes em choque circulatório que 14 ± 1,4 cm de água. Nesses pacientes, o ponto de
se encontram em fases diferentes da curva de Frank-Star- corte do Delta PP de 11,8% foi capaz de discriminar
ling. Os traçados da PAM antes do desafio com volume sug-
erem maior variação respiratória da pressão de pulso no entre respondedores e não respondedores com uma
paciente A que no paciente B. Após impressão simultânea sensibilidade de 68% e especificidade de 100%. Fica
das curvas de PAM e pressão de vias aéreas (não mostrado), sugerido, portanto, que o volume corrente baixo é
o Delta PP pode ser calculado ao longo de um ciclo respi-
ratório. Note que, após desafio com quantidades idênticas “compensado” pelo PEEP alto, fazendo com que
de volume (mesma variação na pré-carga), apenas o pa- as alterações cíclicas do débito cardíaco se tornem
ciente A apresenta um aumento significativo no volume sis-
tólico. Para tratar o choque do paciente A, deve-se investir
grandes o suficiente para avaliação do Delta PP. Tal
em expansão volêmica; no paciente B, a preferência é por dado é extremamente importante, pois essa estraté-
drogas vasoativas. gia de ventilação com volume corrente baixo e PEEP
PP = pressão de pulso; PAM = pressão arterial média; PVC =
pressão venosa central; POAP = pressão de oclusão de artéria alto é muito utilizada nas UTIs em pacientes sépticos
pulmonar. com síndrome de angústia respiratória do adulto.
208 J Bras Nefrol 2010;32(2):201-212
9. Avaliação hemodinâmica em paciente criticamente enfermo
TESTE DE ELEVAÇÃO PASSIVA DAS PERNAS ÍNDICE DE VARIAÇÃO DO CALIBRE DA VEIA CAVA SUPERIOR E
O teste de elevação passiva das pernas (EPP) a INFERIOR
45º não é propriamente um teste, mas manobra A simples observação visual da coluna de sangue
aplicada em associação com testes dinâmicos de na veia jugular interna direita é largamente uti-
avaliação de resposta a volume, e pode ser repe- lizada na prática clínica para estimar a pressão
tido com a frequência que se desejar sem risco de em átrio direito. De forma análoga, a avaliação
indução de hipervolemia (Figura 3). Assim como ecocardiográfica do calibre da veia cava pode ser
a posição de Trendelenburg, a EPP é frequente- utilizada para determinar as pressões de enchi-
mente utilizada na abordagem inicial do paciente mento e a resposta a volume no paciente critica-
em choque hipovolêmico. Trata-se de manobra mente enfermo. As variações nas pressões pleurais
simples que, ao “autotransfundir” o sangue das induzidas pela ventilação mecânica com pressão
veias de capacitância das pernas em direção ao positiva produzem alterações cíclicas no diâme-
compartimento intratorácico, mimetiza – de for- tro da veia cava. A veia cava superior (VCS), por
ma temporária e reversível – uma infusão rápida exemplo, atinge seu diâmetro mínimo na insu-
de volume. Boulain et al. demonstraram que a EPP flação (por compressão em virtude do aumento
por mais de 4 minutos promoveu alterações he- da pressão pleural) e máximo na expiração; es-
modinâmicas e no débito cardíaco semelhantes a sas alterações são mais acentuadas em pacientes
uma infusão rápida de 300 mL de volume; 13 a ma- hipovolêmicos. Nesse sentido, Vieillard-Baron
nobra aumenta a pré-carga e, em pacientes hipo- et al. estudaram 66 pacientes com choque sépti-
volêmicos, o débito cardíaco. Inicialmente, a EPP co em ventilação mecânica e mediram a variação
foi utilizada em conjunto com técnicas de ecodop- respiratória do calibre da VCS por meio de eco-
plercardiografia. Lafanechere et al. demonstraram cardiograma transesofágico. 16 Grandes variações
que uma resposta positiva ao teste de EPP, defini- no diâmetro da VCS (> 50%) foram observadas
da como um aumento > 8% no fluxo sanguíneo apenas no grupo de pacientes responsivos a um
aórtico medido através de doppler esofagiano, era desafio com volume, ao passo que, nos não res-
capaz de predizer resposta a volume com sensibili- pondedores, essa variação ficou, em geral, abaixo
dade e especificidades semelhantes a um Delta PP de 30%. O ponto de corte de 36% demonstrou-se
> 12%.14 A principal vantagem da EPP aliada ao capaz de discriminar os pacientes responsivos e
ecodoppler sobre o Delta PP é a possibilidade de não responsivos a volume com uma sensibilidade
uso em pacientes em ventilação espontânea e com de 90% e especificidade de 100%. 16
arritmia cardíaca. Mais recentemente, a manobra
A veia cava inferior (VCI) tem comportamento
foi adaptada com sucesso à mensuração do fluxo
oposto ao da VCS, atingindo seu diâmetro máxi-
sanguíneo nas válvulas aórtica ou pulmonar com
mo no final da insuflação mecânica (em virtude
um aparelho de ecodoppler transtorácico simpli-
da resistência a seu fluxo causada pelo aumen-
ficado, o que torna o método totalmente não in-
to da pressão intratorácica) e diâmetro mínimo
vasivo. 15 Embora essa metodologia aparente aliar
no final da expiração. Feissel et al. estudaram
grande simplicidade e sensibilidade, ainda são ne-
39 pacientes sob ventilação mecânica com sepse
cessários novos estudos e maior experiência para
grave ou choque séptico e demonstraram que um
determinar sua real utilidade na prática clínica.
índice de variação respiratória do diâmetro da
VCI > 12% era capaz de identificar os pacientes
Figura 3. Manobra para realização do teste de elevação que respondiam a um desafio com volume (valor
passiva das pernas. preditivo positivo de 93% e negativo de 92%). 17
Em estudo semelhante, mas utilizando critérios
ecocardiográficos diferentes, Barbier et al. de-
monstraram que o ponto de corte de 18% para
45o
variação respiratória do diâmetro da VCI era ca-
paz de predizer resposta a volume com 90% de
Aferição basal Aferição do teste sensibilidade e de especificidade. 18 Existem diver-
A aferição basal é realizada com o paciente em decúbito sas limitações para o uso dessas técnicas: 1) os pa-
dorsal, cabeceira a 45o e pernas na horizontal. A cabeceira
é, então, rebaixada e as pernas são elevadas a 45o. Após 4 cientes necessitam estar em ventilação mecânica
minutos, faz-se nova aferição. em modo controlado por volume, profundamente
J Bras Nefrol 2010;32(2):201-212 209
10. Avaliação hemodinâmica em paciente criticamente enfermo
sedados ou paralisados; 2) a técnica não foi tes- cálculo sofisticado que permita ao médico decidir
tada em pacientes ventilados com volume cor- com precisão quantos litros de volume devem ser
rente baixo e PEEP alto; 3) situações que au- ultrafiltrados em um determinado intervalo de
mentam a pressão intra-abdominal (obesidade, tempo. Comumente, o nefrologista utiliza-se ape-
trauma, laparotomia) inviabilizam seu emprego; nas de sua experiência e de dados essencialmente
4) falta de validação em pacientes com arritmias clínicos (descritos na Tabela 1) para determinar se
cardíacas ou doença cardiopulmonar grave. é necessário ultrafiltração e, nesse caso, sua taxa.
Esses mesmos dados clínicos são reavaliados após
MARCADORES DE PERFUSÃO TECIDUAL
a diálise para determinar se o volume de ultrafil-
O objetivo da ressuscitação volêmica dos pacien- tração foi adequado ou se é necessário aumentar
tes criticamente enfermos em choque circulatório ou diminuir as perdas. Em virtude da complexida-
é a restauração da perfusão e da oxigenação te- de do paciente com IRA na UTI e das dificuldades
cidual. Do ponto de vista clínico, deve-se alme- descritas anteriormente para estabelecer um diag-
jar uma PAM acima de 70 mmHg, um bom nível nóstico correto de volemia, muitas vezes o nefrolo-
de consciência e diurese adequada (> 0,5 mL/kg/ gista só percebe que calculou mal a taxa de ultra-
hora). Do ponto de vista bioquímico, os marcado- filtração quando o paciente desenvolve hipotensão
res mais utilizados são o lactato sérico e a satura- grave durante a diálise. É recomendável, portanto,
ção venosa central de oxigênio (ScvO 2). A ScvO 2 que, além dos dados clínicos, o nefrologista lance
é um marcador de extração de oxigênio pelos te- mão das medidas de pré-carga, do débito cardíaco
cidos (normal > 70%) e ganhou notoriedade com (antes e depois do desafio com volume) e de mar-
o artigo de Rivers et al.19 Nesse artigo, os auto- cadores dinâmicos, como o Delta PP, para melho-
res compararam a mortalidade intra-hospitalar de rar a acurácia de seu diagnóstico volêmico e mini-
133 pacientes com sepse grave ou choque séptico mizar as chances de cálculos incorretos da taxa de
submetidos à terapia-padrão com a de 130 pacien- ultrafiltração. Infelizmente, não há estudos bem
tes submetidos ao protocolo de terapia guiada por conduzidos demonstrando que qualquer estratégia
metas. As metas do protocolo eram: 1) PVC en- de avaliação de volemia no paciente com IRA está
tre 8 e 12 mmHg; 2) PAM entre 65 e 90 mmHg; associada a menos hipotensão durante a diálise.
3) ScvO 2 > 70%. Para atingir essas metas, os au- Na prática, o empirismo acaba predominando, e
tores se valeram de ressuscitação volêmica; drogas o bom nefrologista começa com taxas de ultrafil-
vasoativas; inotrópicos; oxigenoterapia, para man- tração mais conservadoras e vai tornando-se mais
ter a saturação arterial de O2 > 93%; e transfusão agressivo à medida que o paciente demonstra boa
sanguínea, para manter o hematócrito > 30%. tolerância à ultrafiltração.
No fim do estudo, a mortalidade intra-hospitalar Nesse contexto, seria extremamente útil que as
nos pacientes submetidos à terapia-padrão foi de máquinas de diálise contassem com equipamentos
46,5% contra 30,5% nos submetidos à terapia di- capazes de determinar com precisão a volemia,
rigida por metas (p = 0,009). 19 Esse protocolo con- permitind,o assim, que o nefrologista reduzisse a
templa todas as variáveis da equação de oxygen ultrafiltração antes de o paciente entrar em cho-
delivery (DO2), que rege a oferta de oxigênio aos que hipovolêmico. Ronco, Bellomo e Ricci publi-
tecidos: débito cardíaco e o conteúdo de oxigênio caram, em 2001, sua experiência com o Crit-Line
do sangue, que depende da concentração de hemo- (Hema Metrics, USA), um equipamento de moni-
globina e da saturação de oxigênio. toração de volemia durante diálise. Esse equipa-
mento contém um sensor que detecta, pelas varia-
AVALIAÇÃO DE VOLEMIA NA DIÁLISE
ções na reflexão de um feixe luminoso, mínimas
A diálise, contínua ou intermitente, é frequente- alterações no hematócrito. À medida que ocorre
mente utilizada na UTI para remover volume de a ultrafiltração, há um aumento no hematócrito
pacientes hipervolêmicos com insuficiência renal (por concentração), o que permite utilizar a varia-
aguda (IRA). Embora as novas máquinas de di- ção no hematócrito como estimativa da variação
álise sejam bastante precisas e removam apenas na volemia. Os autores avaliaram 22 pacientes
a quantidade de volume prescrita pelo médico, com ICC e hipervolemia, submetidos a duas mo-
essa prescrição continua sendo fundamentalmen- dalidades de ultrafiltração: 2,5 litros em 4 horas
te empírica. Em outras palavras, não há nenhum (625 mL/hora) e 2,5 litros em 24 horas (104 mL/
210 J Bras Nefrol 2010;32(2):201-212
11. Avaliação hemodinâmica em paciente criticamente enfermo
hora). Como já era esperado, houve mais instabi- Quadro 2. Principais mensagens
lidade hemodinâmica no grupo submetido à ultra-
filtração intermitente (4 horas). Tal instabilidade Objetivo principal no tratamento de pacientes em
hemodinâmica foi acompanhada de quedas signi- choque circulatório: melhorar a perfusão tecidual e
aporte de oxigênio para os tecidos.
ficativas na volemia determinada pelo Crit-Line,
o que não ocorreu no grupo submetido à ultra- Isoladamente, o exame clínico e as medidas de
filtração contínua. 20 Contudo, esse estudo não pré-carga não são suficientes para determinar se
o paciente necessita de expansão volêmica para
avaliou se a queda na volemia determinada pelo
atingir esse objetivo.
Crit-Line precedia a instabilidade hemodinâmica,
de modo a permitir que esta última fosse evitada. Observar a resposta clínica à expansão volêmica
Essa questão foi avaliada por Tonelli et al. em (isto é, aumento da TA e da diurese, queda no
lactato etc.) é uma estratégia muito utilizada,
2002, usando aparelho semelhante (Hemoscan,
mas que, em pacientes que não se beneficiam
Gambro). 21 Os autores estudaram 57 tratamentos de volume, pode piorar o quadro congestivo e
dialíticos consecutivos em 20 pacientes com IRA edematoso, além de retardar a conduta terapêutica
na UTI. Ocorreu hipotensão em 30% dos trata- adequada.
mentos; no entanto, o Hemoscan não foi capaz Diversas estratégias têm sido então desenvolvidas
de mostrar quedas na volemia antes da ocorrên- para identificar os pacientes que se beneficiarão de
cia de instabilidade hemodinâmica. Tal estudo uma expansão volêmica:
sugere que essa estratégia não deve ser capaz de a) aumento > 15% no índice cardíaco após
reduzir hipotensão em pacientes com IRA na UTI desafio rápido com volume;
submetidos à diálise intermitente. b) Delta PP > 13%;9
c) elevação passiva das pernas: aumento > 8%
C ONCLUSÕES no fluxo sanguíneo aórtico;14
d) índice de colapsividade de veia cava superior
O objetivo de determinar a volemia com segu-
> 36%;16
rança é identificar como conduzir a terapêutica
e) índice de colapsividade de veia cava inferior
volêmica do paciente: ofertar volume ou retirar
> 12%17 ou > 18%.18
volume. Contudo, o diagnóstico preciso da vole-
mia de um paciente criticamente enfermo é alta- Vale ressaltar que não há evidências na literatura
mente desafiador. A tendência atual é substituir de que a utilização das estratégias acima é capaz
de reduzir a mortalidade em pacientes criticamente
as medidas estáticas de pré-carga por marcadores enfermos.
dinâmicos, com ênfase na resposta a um desafio
com volume. Vale ressaltar que nenhuma medida Há evidências de que a utilização do protocolo de
Rivers19 nas seis primeiras horas de hospitalização é
usada isoladamente é 100% segura. O intensivis-
capaz de reduzir a mortalidade intra-hospitalar de pa-
ta experiente raciocina a partir de uma combi- cientes sépticos com hipotensão ou hiperlactatemia:
nação de dados da história, do exame físico, dos
a) expansão volêmica com cristaloide para
exames laboratoriais, das medidas estáticas e di- atingir PVC entre 8 e 12 mmHg;
nâmicas, e dos marcadores de perfusão tecidual.
b) se PAM < 65 mmHg, apesar de pré-carga ade-
Essas habilidades cognitivas podem e devem fazer quada, usar vasopressores; se PAM > 90 mmHg,
parte do treinamento do nefrologista, notadamen- usar vasodilatadores;
te daqueles que se ocupam da atenção a pacientes
c) se ScvO2 < 70 %, transfundir para atingir um
criticamente enfermos. Não se deve esquecer que, hematócrito > 30%;
em um ambiente de medicina de qualidade, nefro-
d) se ScvO2 < 70 % mesmo após otimização de
logistas e intensivistas devem colaborar e acordar pré-carga, PAM e hematócrito, usar dobutamina
na definição das metas de adequação volêmica e para aumentar o débito cardíaco;
nas ferramentas para aferi-las, além de conside- e) manter saturação de O2 > 93%.
rar que os pacientes devem ser reavaliados com
frequência, e não uma vez por dia, e que os pacien- A estratégia acima nada mais é que a aplicação
clínica da fórmula do oxygen delivery, cujas
tes instáveis podem exigir diversas modificações
variáveis são o débito cardíaco, a hemoglobina e
nos objetivos e nas condutas hemodinâmicas ao a saturação de O2.
longo de um único dia (Quadro 2).
J Bras Nefrol 2010;32(2):201-212 211
12. Avaliação hemodinâmica em paciente criticamente enfermo
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