As três principais teorias sobre a aquisição da linguagem discutidas no documento são: (1) o construtivismo cognitivo de Piaget, que vê a linguagem como resultado da construção da inteligência através da interação com o ambiente; (2) o interacionismo social de Vygotsky, que enfatiza a interação entre a criança e outras pessoas; (3) a visão sociocognitiva, que une os aspectos social e cognitivo e vê a compreensão da intenção comunicativa como fundamental para a aquisição da linguagem.
1. Aquisição da Linguagem
Hipóteses Construtivistas e
Interacionistas
(Fragmento do Manual de Linguística/Mario Eduardo Martelotta, (org.). 2 ed. – São Paulo:
Contexto, 2011. Vários autores)
3. Introdução
Há diferentes abordagens que tentam dar
conta da linguagem a partir das relações
interativas entre a criança e o ambiente,
sendo a linguagem consequência da
construção da inteligência em geral (hipótese
construtivista de Piaget) ou entre a criança e
as pessoas com ela convive (Hipóteses
Interacionistas). Veremos, resumidamente,
algumas dessas concepções.
4. Cognitivismo construtivista
Uma abordagem bastante conhecida é a
denonminada cognitivismo construtivista ou
epigenético, desenvolvida pelo estudioso
suíço Jean Piaget (1978-1990). Sua visão
tem por base a ideia de que o
desenvolvimento das estruturas do
conhecimento ou estruturas cognitivas é feito
pela interação entre ambiente e organismo.
Em outras palavras, para Piaget não existe
uma gramática independente de outros
domínios cognitivos.
5. Cognitivismo construtivista
(continuação)
O aparecimento da linguagem dá-se por volta dos 18
meses de idade, na superação do estágio que o autor
denominou de “estágio sensório-motor”. Nesse
momento há o desenvolvimento da função simbólica,
por meio da qual um significante representa um objeto
significado. Também há o desenvolvimento da
representação, que permite que experiências sejam
armazenadas e recuperadas. Nessa fase, a criança
começa a se reconhecer como indivíduo, como
senhora de seus movimentos, diferenciando-se das
outras pessoas, ou seja, a criança faz uma oposição
entre o “eu” e os “outros”.
6. Cognitivismo construtivista
(continuação)
Quando a criança chega a esse estágio
cognitivo começa o desenvolvimento da
linguagem, a qual é entendida por Piaget
como um sistema simbólico de
representações. Dessa forma, o
conhecimento linguístico não seria inato, mas
sim desenvolvido através da interação entre
o ambiente e o organismo, sendo uma
consequência da construção da inteligência
em geral.
7. O Interacionismo Social
Uma outra proposta não inatista é a do
psicólogo soviético Vygotsky (1996), que
explica o desenvolvimento da linguagem e do
pensamento com base na interação entre os
indivíduos. Segundo o autor, a fala e o
pensamento têm origens genéticas
diferentes, havendo fase pré-verbal do
pensamento, ligada à inteligência prática, e
uma fase pré intelectual da fala, relacionada
ao balbucio e ao choro.
8. O Interacionismo Social
(continuação)
Aos 2 anos, a fala e o pensamento se unem,
e a fala passa a servir ao intelecto. A criança,
nessa idade, fala sozinha quando está
brincando, desenhando e fazendo outras
tarefas. Essa fala egocêntrica é, para
Vygotsky, muito importante, pois serve de
instrumento para a criança planejar e
encontrar a solução de um problema.A fala
será internalizada à medida que a linguagem
e o pensamento são desenvolvidos.
9. O Interacionismo Social
(continuação)
Para o Autor, é na troca comunicativa entre a
criança e o adulto que a linguagem e o
pensamento são desenvolvidos. As
estruturas construídas socialemnte são
internalizadas quando a criança passa a
controlar o ambiente e o próprio
comportamento. A história das relações reais
entre a criança e as outras pessoas é
constitutiva dos processos de internalização.
10. A visão Sociocognitivista
A abordagem Sociocognitivista junta a base
social, interacional, com a base cognitiva. A
explicação para a Aquisição da Linguagem
dá-se em termos funcionalistas: a aquisição
começa quando a criança passa a entender
que existe uma intenção no ato comunicativo
dos adultos.
11. A visão Sociocognitivista
(continuação)
Segundo essa visão, não faz sentido caracterizar o
homem como detentor exclusivo da linguagem, cujas
propriedades gerais são determinadas por aspectos
mentais radicados na organização biológica da
espécie. Isso porque os seis milhões de anos que
separam os humanos dos grandes macacos
constituem um período de tempo muito curto para que
ocorressem os processos relativos à evolução
biológica e seleção natural essenciais ao surgimento
das habilidades necessárias para os humanos lidarem
com tecnologias, formas complexas de organização
social e comunicação.
12. A visão Sociocognitivista
(continuação)
Nesse sentido, o conjunto de habilidades
cognitivas que caracterizam os humanos
modernos constitui o resultado de algum tipo
de processo – característico unicamente da
espécie – de transmissão cultural: uma
espécie de evolução cultural cumulativa, que
não envolve apenas criação, mas,
principalmente, transmissão social.
Os humanos, portanto, parecem ter uma
capacidade de socializar suas habilidades
que os outros animais não têm.
13. A visão Sociocognitivista
(continuação)
O aprendizado cultural torna-se possóvel em
função de uma única e especial forma de
cognição social, que é a habilidade que os
indivíduos possuem de compreender seus
semelhantes como seres iguais, os quais têm
vida mental e intencional como eles mesmos.
Essa compreensão capacita os indivíduos a
imaginarem-se “na pele” de outra pessoa e ,
portanto, ela pode aprender não apenas com
a outra pessoa, mas através da outra pessoa.
14. A visão Sociocognitivista
(continuação)
A compreensão do outro como um ser intencional é
crucial no aprendizado cultural humano porque os
artefatos culturais (instrumentos) e as práticas
sociais apontam para além de si mesmos: os
artefatos apontam para sua função utilitária e os
símbolos linguísticos, para a situação comunicativa.
Portanto, para aprender socialmente o uso de um
instrumento ou de um símbolo, a criança precisa
compreender porque e para que as outras pessoas
estão utilizando aquele instrumento ou aquele
símbolo. Isso significa que elas precisam entender o
significado intencional do uso do instrumento ou da
prática simbólica.
15. A visão Sociocognitivista
(continuação)
No que se refere à aquisição da linguagem, por volta
dos 9 meses de idade, a criança, segundo essa
proposta, desenvolve a habilidade de compreender
outras pessoas como agente intencionais. Isso
porque nessa fase ela começa a interagir com outras
pessoas de vários modos. Para compreender os
sons e os movimentos de mão feitos pelos adultos
como algo com valor comunicativo que precisa ser
aprendido e usado, a criança tem de entender que
eles são motivados por um tipo especial de intenção
chamada intenção comunicativa.
16. A visão Sociocognitivista
(continuação)
Mas o entendimento da intenção comunicativa só
pode ocorrer dentro de algum tipo de cena de
atenção compartilhada, que provê a base
sociocognitiva para esse entendimento. Essa cena
de atenção compartilhada é fundamental quando se
considera que a referência linguística é ,sobretudo,
um ato social em que uma pessoa chama atenção de
outra para algo no mundo real. Nesse sentido, a
referência só pode ser compreendida como um tipo
de interação social, em que a criança e o adulto
estão com a atenção voltada para um terceiro
elemento, por um determinado espaço de tempo.
17. A visão Sociocognitivista
(continuação)
A cena de atenção compartilhada implica dois
aspectos:
1. Por um lado, as cenas de atenção compartilhada não
são eventos perceptuais. Elas incluem apenas uma
parte das coisas do mundo perceptual da criança.
Por outro lado, as cenas de atenção compartilhada
são também eventos linguísticos, pois contêm mais
coisas do que aquelas explicitamente indicadas por
qualquer conjunto de símbolos linguísticos. As cenas
de atenção compartilhada constituem algum tipo de
meio-termo – um meio-termo essencial da realidade
socialmente compartilhada – entre o grande mundo
perceptual e o pequeno mundo linguístico.
18. A visão Sociocognitivista
(continuação)
1. A compreensão da criança de uma cena de
atenção compartilhada inclui, como
elemento constituinte (integrante de cena),
própria criança e o seu papel na interação
conceptualizada a partir do mesmo
perceptual externo da outra pessoa e do
objeto. Isso significa que a criança entende
que todos participam de um formato
representacional comum, o que é de
importância crucial para o processo de
aquisição dos símbolos linguísticos.
19. A visão Sociocognitivista
(continuação)
Para funcionar como um “formato” para a aquisição
da linguagem, as cenas de atenção compartilhada
têm de ser compreendidas pela criança como tendo
funções participativas que são, em certo sentido,
intercambiáveis. Isso permite que a criança tome a
função do adulto e use uma nova palavra para
direcionar a atenção dele, da mesma maneira que o
adulto acabou de usar para direcionar a dela.
Tomasello (1999) chama esse processo de imitação
por reversão de papel, ou seja, aprender a expressar
a mesma situação comunicativa (usar os mesmos
meios comunicativos) que as outras pessoas requer
a compreensão de que as funções participativas do
evento comunicativo podem ser trocadas: eu faço
por ela o que ela fez por mim.