1) Cortar custos é necessário durante crises, mas as empresas devem cortar os "custos invisíveis", como custos de transação, sinergia e atrito de gestão, ao invés de demitir funcionários. 2) Esses custos invisíveis, como burocracia e falta de colaboração, podem ser maiores do que os custos aparentes. 3) Transformando a organização e gestão da empresa em sistemas mais baseados em rede pode reduzir esses custos e trazer mais inovação e sustentabilidade à longo prazo.
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AS EMPRESAS DIANTE DA CRISE
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É necessário cortar os custos invisíveis
AUGUSTO DE FRANCO
Diante da crise as empresas costumam adotar a mesma solução: cortar
custos. Por incrível que pareça essa medida está... absolutamente correta!
É preciso mesmo cortar custos. A questão é: quais são os custos que as
empresas devem cortar?
Demitir colaboradores parece ser a saída universal. E faz sentido,
considerando o peso da folha de pagamento em relação ao conjunto dos
custos. Todavia, apenas tal medida não é uma solução. Um corte de
pessoal leva, não raro, a outros cortes e isso tem limites. Chega um
momento em que a máquina não pode mais funcionar a contento, sem
um número mínimo de operadores. Aí, é claro, todo mundo pensa em
outras medidas: racionalizar os processos e aumentar a eficiência
operacional (mas como fazer isso sem gastar mais recursos e, às vezes,
sem ter tempo para experimentar novos modelos?), economizar nos
insumos e subir os preços (mas ambas as medidas também têm limites)
e... (o que ninguém sabe direito como fazer assim de chofre) aumentar a
produtividade. Sabemos que se aumentamos o número de empregados a
produtividade costuma cair (dependendo do ramo de negócio, quando
você triplica o número de funcionários a produtividade - quer dizer o
profit-per-employee - cai pela metade). Mas o que acontece quando
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diminuímos o número de funcionários? Não sabemos como se comporta a
produtividade quando reduzimos significativamente o número de
empregados na vizinhança dos limites.
É claro que se deveria pensar em inovar (mudar radicalmente os produtos
ou serviços, os processos, os modelos de gestão). Para ter impacto essas
mudanças deveriam ser radicais, disruptivas mesmo e não apenas
cosméticas. Mas quem vai investir em inovação na hora da crise, quando a
empresa já está funcionando quase em modo de sobrevivência? Fica tudo
para depois. Na hora da crise, cortar os custos é o mais simples e o mais
efetivo.
OK. É isso mesmo. Cabe agora investigar quais são os custos que devem
ser reduzidos. O corte de custos não pode ser burro (do contrário, como
sabemos e já foi insinuado aqui, levará à novos cortes). Um corte de
custos inteligente não pode ser um salva-vidas (quando a empresa chega
nesse ponto suas perspectivas de continuidade não são nada boas), mas
deve ser um investimento no futuro da empresa. O resultado positivo
momentâneo (ganhar mais <=> gastar menos) não pode comprometer o
resultado "final" ou no longo prazo (durar mais porque foi capaz de se
transformar de acordo com a mudança das circunstâncias ou de se
adaptar tempestivamente às mudanças do meio = sustentabilidade).
Em outras palavras, ainda que possa parecer paradoxal ou contraditório:
cortar custos deve ser igual à inovar. Por que? Ora, porque isso é
definitivo nos tempos que correm: se não inovar, vai morrer (se não hoje,
amanhã) porque as mudanças internas capazes de permitir a adaptação a
um ambiente em rápida mudança (sim, a crise é isto: uma defasagem
entre a velocidade das mudanças no ambiente e a velocidade da
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adaptação que permita a conservação simultânea da adaptação e da
organização) exigem inovação. Dizendo de outro modo: as empresas feitas
para durar são empresas feitas para se transformar.
Note-se que ainda estamos falando de cortar custos, porém sob outro
ponto de vista: mais sistêmico. E desse ponto de vista a pergunta-chave é:
quais os custos que devemos cortar de modo a aumentar a capacidade da
empresa de fazer (mais e melhores) congruências múltiplas e recíprocas
com o meio? Eis o ponto!
De um ponto de vista sistêmico, os custos que devem ser cortados são os
custos invisíveis. São aqueles custos que em geral não aparecem nos
balanços, inclusive porque raramente são monetizados e, muitas vezes,
nem se imagina que eles existam. Esses custos invisíveis são, basicamente,
de três tipos: custos de transação, custos de sinergia e custos de atritos de
gestão.
1 - Custos de transação
Sobre os custos de transação já se sabe alguma coisa, desde que Ronald
Coase (1937) classificou esses custos em três principais categorias:
a) custos de busca de informação: os custos incorridos para verificar se o
produto já existe em determinado mercado, para verificar qual o menor
preço oferecido no mercado ou para verificar a utilidade e a
funcionalidade do produto;
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b) custos de barganha: os custos de se estabelecer, com o comprador, um
acordo que seja o mais justo possível; e
c) custos de policiamento: os custos incorridos ao garantir que o
comprador cumpra o acordo da transação e de tomar as providências
adequadas caso haja uma ruptura do acordo por parte deste (1).
Mas é claro que existem outros custos de transação que não cabem bem
nessas velhas categorias, como os custos de transação interna decorrentes
de descumprimento ou desfuncionalidade dos contratos de trabalho.
Ademais, é preciso ver que quando Coase escreveu o célebre The nature
of the firm (há 78 anos) o ambiente era radicalmente diferente: em 1937 a
expectativa média de vida das empresas era de 75 anos e hoje é de menos
de 15 anos (2) e não se sabia direito (na verdade ainda não se sabe) qual a
relação entre os custos de transação e a sustentabilidade de uma
empresa. Apenas um exemplo para ilustrar a ampliação do conceito de
custo de transação: a empresa não adota uma plataforma de rede (uma
ferramenta virtual, funcionando em tempo-real ou sem-distância) para a
gestão - e a execução - do trabalho remoto por temer que o empregado
entre na justiça exigindo pagamento de horas-extra com base na alegação
de que trabalhou virtualmente em casa depois do expediente e ao não
fazer isso desaproveita a imensa potencialidade do seu capital humano. A
redução das possibilidades de aproveitar o capital humano da empresa
diante das restrições (reais ou imaginárias) da legislação trabalhista,
também é custo de transação. Observa-se que os custos de transação
interna aumentam quando há custos de sinergia e custos de atrito de
gestão.
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2 - Custos de sinergia
Sobre os custos de sinergia, sabe-se muito pouco. Esses custos estão
relacionados ao sobre-esforço que se faz para alcançar sinergias que não
surgem espontaneamente, em geral porque o padrão de organização e os
modos de funcionamento da empresa não deixam. Caixinhas fechadas,
departamentos que não se comunicam, pessoas que não conversam,
excesso de competição interna, verdadeiros feudos conformados por vice-
presidentes, diretores e gerentes - tudo isso dificulta a sinergia. E quando
a sinergia é baixa, várias pessoas, departamentos ou aéreas acabam
fazendo a mesma coisa, contratam consultores diferentes para projetos
que têm o mesmo objetivo ou objetivos congruentes, não compartilham
as avaliações sobre os resultados positivos e negativos de suas iniciativas
et coetera. Tudo que dificulta a sinergia espontânea é custo de sinergia:
=> Estamos falando da falta de conexão banda larga de qualidade
acessível em toda empresa.
=> Estamos falando de dispositivos móveis de conexão e de
programas de mensagens instantâneas (como o Whatsapp) e das
mídias sociais (como o Facebook) que não são liberados (e, quando
são, não são usados para a interação (dos empregados entre si e da
empresa com o público).
=> Estamos falando da falta de espaços livres e de ambientes
compartilháveis (e de espaços de não-trabalho nos locais de
trabalho; e, ainda, da escala e da feição não-humanas dos
ambientes físicos) dentro da empresa.
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=> Estamos falando do excesso de reuniões presenciais de
alinhamento e da falta de plataformas de rede para todo o fluxo de
gestão.
=> Estamos falando da não-adoção de processos de rede voltados à
inovação, como o crowdsourcing, a open innovation, a interactive
co-creation.
=> Estamos falando da falta de estímulos e incentivos ao
empreendedorismo (interno e externo) dos colaboradores.
=> E estamos falando da não adoção do trabalho por projeto (em
que os trabalhadores são também empreendedores associados em
comunidades de projeto).
Os óbices à sinergia que deveria brotar espontaneamente das relações
entre as pessoas empregadas na empresa e seus stakeholders externos
são sumidouros de recursos que, se fossem monetizados, calculados e
incluídos no balanço de uma empresa, escandalizariam os seus donos ou
acionistas e deixariam o conselho de administração e o CEO em sérias
dificuldades. Mas os custos de sinergia são também, em parte, custos de
atrito de gestão.
3 - Custos de atrito de gestão
Sobre os custos de atrito de gestão - os maiores de todos os custos
invisíveis - já se tem, de fato, a desconfiança de que eles existem, mas em
geral as pessoas evitam olhar para o problema, preferindo achar que esses
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custos são inerentes à qualquer organização: um preço inevitável a pagar
(e que deve ser pago sem reclamação). Esses custos são decorrentes do
modelo de gestão baseado em comando-e-controle. Eles são custos
altíssimos para manter um padrão de organização hierárquico regido por
modos de regulação autocráticos (para verticalizar o tecido social da
empresa é necessária uma operação constante e um gasto intensivo em
energia não-produtiva).
O padrão de organização mais centralizado do que distribuído obriga os
fluxos (de informações, objetos e pessoas) a passar por caminhos únicos,
pré-traçados, não raro dando voltas e mais voltas: quanto maior o
percurso, obviamente, maior o atrito. Mais energia dissipada: que não
produz luz, só calor! A falta de múltiplos caminhos (quer dizer, de redes
internas à empresa e ao seu ecossistema ou a pouca "vascularização do
organismo") aumenta incrivelmente o atrito de gestão e o seu respectivo
custo:
=> Estamos falando daquele memorando que desce para o segundo
andar, sobe para o quinto andar e vai parar no terceiro andar antes
que a ação que deveria ser executada se realize.
=> Estamos falando dos colaboradores que só podem entrar por um
lugar determinado e sair por outro lugar também determinado,
tendo que passar por cancelas, catracas, portões eletrônicos.
=> Estamos falando dos computadores, infectados pela TI e pela
Segurança da Informação com programas maliciosos, que caem de 5
em 5 minutos e obrigam o usuário a digitar novamente login e
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senha e que dão um aviso que serão desativados 5 minutos antes
do final do expediente.
=> Estamos falando do aprisionamento de corpos (a proibição do
trabalho remoto: a exigência de presença física, indistintamente, de
todos os colaboradores, para atividades que não requerem
presença física) em um mundo que já abandou o feudalismo há
vários séculos.
=> Estamos falando dos controles feitoriais (empregados que não
produzem encarregados de vigiar e punir os que produzem), em um
mundo em que o escravismo como modo de produção já foi abolido
há mais de um século.
=> Estamos falando da organização vertical ou da organização dita
"matricial", que aliena os trabalhadores (que, a rigor, não sabem
bem o que estão fazendo) e, novamente, da não adoção do trabalho
por projeto.
=> Estamos falando da falta de democracia na empresa - isto
mesmo: democracia! Em um mundo que já abandonou há mais de
um século a monarquia (absolutista), as empresas ainda são, em
boa parte, monárquicas.
Estamos falando, enfim, de todos os mecanismos e procedimentos que
são adotados para compensar ou "corrigir" (como se isso fosse possível) a
falta de confiança (ou o baixíssimo capital social interno da empresa e do
seu ecossistema) e esses mecanismos e procedimentos que aumentam o
atrito de gestão, não raro também impedem a emergência espontânea da
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sinergia e, diretamente ou indiretamente, oneram a gestão (aparecendo
também, portanto, como custos de sinergia e custos de transação).
Sim, é preciso cortar os custos. Mas se fôssemos monetizar e somar os
custos de transação, os custos de sinergia e os custos de atrito de gestão,
veríamos que eles são tão grandes, mas tão absurdamente grandes, que
deveriam ser os primeiros a ser cortados. Cortar pessoal pode ser
necessário, mas demissões capazes de ter um impacto significativo (de 10
a 20% dos funcionários, quando isso é possível) não representam uma
economia tão grande quanto reduzir uma pequena parte dos custos
invisíveis. E - o que é pior - não é uma solução que alcança a raiz do
problema.
Porque mesmo com pessoal reduzido, os custos invisíveis continuarão.
Aliás, em geral, eles até tendem a aumentar. Pois menos gente fazendo as
mesmas coisas:
a) estressa todo mundo, instaura o pânico para bater metas, gera
desavenças entre dirigentes e subordinados, aumenta a competição entre
subordinados (que querem mostrar serviço para não ser demitidos na
próxima leva), acarreta um declínio do capital social interno da empresa
(quer dizer, derrui a confiança) aumentando os custos de transação;
b) reduz o tempo livre dos colaboradores para se relacionar e para criar,
diminuindo a interatividade e, consequentemente, a inovatividade da
empresa e aumentando os custos de sinergia; e
c) obriga a mais comando e mais controle e esse superavit de ordem top
down aumenta inevitavelmente os custos de atrito de gestão.
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Investigadores da nova ciência das redes que vêm aplicando processos de
rede em empresas - ora envolvidos no projeto chamado ENTERPRISE -
estão chegando à conclusão de que é necessário, para as empresas que
querem durar mais, tomar a decisão de começar a cortar os custos
invisíveis. E que é possível fazer isso, sobretudo em momentos de crise
como o que estamos vivendo (quando as empresas ficam tentadas a
adotar a solução que parece mais fácil e mais garantida: cortar pessoal).
Isso, é claro, exige uma transformação mais profunda. Mas não há outro
jeito. Empresas que querem durar mais (e atravessar as crises) têm que
ser empresas capazes de se transformar mais.
(1) Cf. COASE, Ronald (1937). The Nature of the Firm. Economica, New Series,
Vol. 4, No. 16. (Nov., 1937), pp. 386-405. London: London School of Economics
and Political Science, 1933. Disp. in http://goo.gl/Ruzb1F
(2) Cf. Resultados do levantamento de 2011 sobre expectativa média de vida
das empresas na base das 500 Standar & Poors.
FIP Draft 13set2015