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Saúde Animal
108 DBO julho 2018
Coccidiose causa diarreia
e pode matar
Doença, que costuma acometer bezerros com até 60 dias de idade, ocasiona perda de
peso e atraso no crescimento. Quando aparece em surtos, taxa de mortalidade é alta.
Diarreia com sangue (curso vermelho) e... desidratação e profundidade do globo ocular são sinais clínicos da eimeriose.
Renato Villela
renato.villela@revistadbo.com.br
U
ma doença bastante conhecida por avicultores e
produtores de leite está tirando o sono de cria-
dores de gado de corte. É a coccidiose ou eime-
riose, causada por protozoários do gênero Eimeria, que
provocam danos ao intestino do animal. Dependendo
da severidade com que a enfermidade se manifesta, os
bezerros apresentam diarreia com sangue vivo ou coa-
gulado, razão pela qual ela também é conhecida no
campo como curso vermelho ou curso negro. A
doença, que costuma acometer os animais com
até 60 dias de idade, ocasiona perda de peso e
atraso no crescimento. Pode estar presente de
forma assintomática, mais comum, ou apresen-
tar sinais clínicos evidentes, como febre alta,
prostração e desidratação (“olho fundo”), além da
diarreia. Quando aparece em surtos no rebanho, o
que é esporádico, a coccidiose faz grande estrago, pois os
índices de mortalidade nessas circunstâncias costumam
ser elevados.
O produtor Domingos de Pietro, da Fazenda Formo-
sa, em Areal, SP, conhece de perto os prejuízos que a do-
ença é capaz de provocar. Com um rebanho de 350 matri-
zes Nelore, Pietro registrou, há quatro anos, uma taxa de
mortalidade de bezerros bastante alta, de 6%. “Eles fica-
vam prostrados e permaneciam sempre próximo ao be-
bedouro, porque tinham febre. Em dois dias começava a
diarreia com sangue. Se a gente não agir rápido, morre
mesmo”, conta. Para saber o que se passava com os ani-
mais, o produtor coletou as fezes e enviou para análise
no laboratório, que confirmou se tratar de coccidiose. O
diagnóstico é feito por meio de exame coproparasitológi-
co (fezes) e da quantificação de oocistos por grama, (OPG
e OoPG) de fezes. Para conter o avanço do surto, o produ-
tor adotou um tratamento profilático à base de toltrazuril.
Como se verá adiante nesta reportagem, o uso do medica-
mento associado à medidas de manejo é a estratégia mais
adequada para o controle da coccidiose.
Fontes de infecção
Os protozoários responsáveis pela coccidiose en-
contram condições favoráveis para seu desenvolvimen-
to em locais de alta densidade de animais e, consequen-
temente, de acúmulo de matéria orgânica. Isso causa
uma estranheza: por que uma enfermidade de ocorrên-
cia mais frequente nesse tipo de ambiente, característi-
co de granjas avícolas ou estábulos leiteiros, está aco-
metendo bezerros criados a pastos? O professor Welber
Daniel Zanetti Lopes, do Departamento Parasitologia
da UFG (Universidade Federal de Goiás), sugere al-
gumas respostas. Lopes relatou, em parceria com ou-
tros pesquisadores, dois surtos consecutivos (agosto de
2015 e 2016) de coccididose em bezerros Nelore e Can-
chim, com cerca de 45 dias de idade, em uma proprie-
“Atenção
aos fatores
de risco na
propriedade”.
Welber Lopes,
da UFG
DBO julho 2018 109
dade de cria, recria e engorda localizada no município
de São João da Boa Vista, interior paulista. O primei-
ro surto foi diagnosticado em um lote de 78 bezerros
(32 Nelore e 46 Canchim), dos quais oito apresenta-
ram diarreia sanguinolenta. O segundo, no ano seguin-
te, acometeu 66 bezerros (36 e 47, respectivamente).
Em quatro deles, foi observado sangue vivo nas fezes.
“Inspecionamos os pastos e constatamos que os be-
bedouros eram compostos por lagoas formadas por cur-
sos d`água oriundos de nascentes da propriedade, que
podem servir como fonte de infecção para os oocistos
(formas de resistência) do protozoário”, relata. O pro-
fessor descarta a participação das mães na transmissão
da doença. “Provavelmente as vacas não foram a fonte
de infecção, uma vez que a espécie causadora da cocci-
diose, nos bezerros, a Eimeria zuernii, não foi encon-
trada nas fezes das mães quando fizemos as análises”.
Há outro aspecto importante a ser destacado. Os sur-
tos que acometeram os animais por dois anos seguidos
aconteceram em um mesmo piquete, usado na fazenda
como maternidade. “É possível que o local tenha per-
manecido contaminado após o primeiro surto, já que os
oocistos da Eimeria sobrevivem no ambiente por, no
mínimo, um ano”. Segundo Lopes, o fato de os nasci-
mentos serem mais concentrados por conta da IATF (in-
seminação artificial em tempo fixo), pode ter contribuí-
do para a ocorrência do surto, por conta do aumento do
número de bezerros em uma mesma área. “Mas esse é
um fator de risco que vale para qualquer agente patogê-
nico, não somente a Eimeria”, ressalta.
Tratamento e prevenção
A diarreia é um sintoma comum a muitas doenças
infecciosas. A falta de uma inspeção rigorosa sobre sua
origem pode ocasionar uma série de prejuízos que re-
velam a importância do diagnóstico preciso. Nesta pro-
priedade em São João da Boa Vista, os pesquisadores
descobriram que o problema era recorrente há, pelo me-
nos, três anos, e o tratamento era realizado com doxici-
clina ou uma combinação de sulfa + trimetropim. Os
funcionários da fazenda relataram que o quadro clíni-
co dos animais doentes que recebiam essa medicação
apresentava melhora pouco significativa e que alguns
bezerros morriam. O tratamento para a coccidiose é es-
pecífico e deve ser feito com administração de um an-
ticoccidicida à base de toltrazuril. Este foi o procedi-
mento realizado na fazenda. Logo no primeiro dia após
a administração do medicamento não foi mais detecta-
da a presença de sangue nas fezes. “Por outro lado, to-
dos os animais que apresentavam fezes sanguinolentas
antes de ser medicados continuaram com diarreia por
até quatro dias”, relata. De acordo com o professor, seis
dias após o tratamento não foram detectados sinais clí-
nicos sugestivos da doença nos bezerros.
É possível prevenir a ocorrência da coccidiose. A
recomendação é administrar dose única do mesmo me-
dicamento usado no tratamento, quando os bezerros es-
tão com 10 a 15 dias de idade. Para Lopes, no entanto, a
decisão de aplicar o produto deve passar pela avaliação
dos fatores de risco na propriedade, assim como o his-
tórico de doenças. “Se o produtor não tem condições,
por exemplo, de oferecer água de poço artesiano para
o rebanho, a aguada natural deve ser considerada como
um fator de risco”, diz. Outro aspecto a ser considerado
é o custo do tratamento, relativamente alto. A dose do
anticoccidicida à base de toltrazuril custa de R$ 30 a R$
40 para um bovino de 150 kg. Por isso, enquanto alguns
produtores optam por administrar o medicamento em
todos os bezerros (tratamento preventivo), outros prefe-
rem que os sinais clínicos apareçam em alguns animais
para então realizar o procedimento nos doentes e sa-
dios (metafilaxia). Medidas de manejo também são im-
portantes na prevenção da doença, como a alternância
do piquete maternidade, providência que foi tomada na
propriedade, como forma de “quebrar” o ciclo do pató-
geno no ambiente. 	 		 n
Aguada natural: possível fonte de contaminação dos bezerros.

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Atenção aos fatores de risco na propriedade para prevenir coccidiose em bezerros

  • 1. Saúde Animal 108 DBO julho 2018 Coccidiose causa diarreia e pode matar Doença, que costuma acometer bezerros com até 60 dias de idade, ocasiona perda de peso e atraso no crescimento. Quando aparece em surtos, taxa de mortalidade é alta. Diarreia com sangue (curso vermelho) e... desidratação e profundidade do globo ocular são sinais clínicos da eimeriose. Renato Villela renato.villela@revistadbo.com.br U ma doença bastante conhecida por avicultores e produtores de leite está tirando o sono de cria- dores de gado de corte. É a coccidiose ou eime- riose, causada por protozoários do gênero Eimeria, que provocam danos ao intestino do animal. Dependendo da severidade com que a enfermidade se manifesta, os bezerros apresentam diarreia com sangue vivo ou coa- gulado, razão pela qual ela também é conhecida no campo como curso vermelho ou curso negro. A doença, que costuma acometer os animais com até 60 dias de idade, ocasiona perda de peso e atraso no crescimento. Pode estar presente de forma assintomática, mais comum, ou apresen- tar sinais clínicos evidentes, como febre alta, prostração e desidratação (“olho fundo”), além da diarreia. Quando aparece em surtos no rebanho, o que é esporádico, a coccidiose faz grande estrago, pois os índices de mortalidade nessas circunstâncias costumam ser elevados. O produtor Domingos de Pietro, da Fazenda Formo- sa, em Areal, SP, conhece de perto os prejuízos que a do- ença é capaz de provocar. Com um rebanho de 350 matri- zes Nelore, Pietro registrou, há quatro anos, uma taxa de mortalidade de bezerros bastante alta, de 6%. “Eles fica- vam prostrados e permaneciam sempre próximo ao be- bedouro, porque tinham febre. Em dois dias começava a diarreia com sangue. Se a gente não agir rápido, morre mesmo”, conta. Para saber o que se passava com os ani- mais, o produtor coletou as fezes e enviou para análise no laboratório, que confirmou se tratar de coccidiose. O diagnóstico é feito por meio de exame coproparasitológi- co (fezes) e da quantificação de oocistos por grama, (OPG e OoPG) de fezes. Para conter o avanço do surto, o produ- tor adotou um tratamento profilático à base de toltrazuril. Como se verá adiante nesta reportagem, o uso do medica- mento associado à medidas de manejo é a estratégia mais adequada para o controle da coccidiose. Fontes de infecção Os protozoários responsáveis pela coccidiose en- contram condições favoráveis para seu desenvolvimen- to em locais de alta densidade de animais e, consequen- temente, de acúmulo de matéria orgânica. Isso causa uma estranheza: por que uma enfermidade de ocorrên- cia mais frequente nesse tipo de ambiente, característi- co de granjas avícolas ou estábulos leiteiros, está aco- metendo bezerros criados a pastos? O professor Welber Daniel Zanetti Lopes, do Departamento Parasitologia da UFG (Universidade Federal de Goiás), sugere al- gumas respostas. Lopes relatou, em parceria com ou- tros pesquisadores, dois surtos consecutivos (agosto de 2015 e 2016) de coccididose em bezerros Nelore e Can- chim, com cerca de 45 dias de idade, em uma proprie- “Atenção aos fatores de risco na propriedade”. Welber Lopes, da UFG
  • 2. DBO julho 2018 109 dade de cria, recria e engorda localizada no município de São João da Boa Vista, interior paulista. O primei- ro surto foi diagnosticado em um lote de 78 bezerros (32 Nelore e 46 Canchim), dos quais oito apresenta- ram diarreia sanguinolenta. O segundo, no ano seguin- te, acometeu 66 bezerros (36 e 47, respectivamente). Em quatro deles, foi observado sangue vivo nas fezes. “Inspecionamos os pastos e constatamos que os be- bedouros eram compostos por lagoas formadas por cur- sos d`água oriundos de nascentes da propriedade, que podem servir como fonte de infecção para os oocistos (formas de resistência) do protozoário”, relata. O pro- fessor descarta a participação das mães na transmissão da doença. “Provavelmente as vacas não foram a fonte de infecção, uma vez que a espécie causadora da cocci- diose, nos bezerros, a Eimeria zuernii, não foi encon- trada nas fezes das mães quando fizemos as análises”. Há outro aspecto importante a ser destacado. Os sur- tos que acometeram os animais por dois anos seguidos aconteceram em um mesmo piquete, usado na fazenda como maternidade. “É possível que o local tenha per- manecido contaminado após o primeiro surto, já que os oocistos da Eimeria sobrevivem no ambiente por, no mínimo, um ano”. Segundo Lopes, o fato de os nasci- mentos serem mais concentrados por conta da IATF (in- seminação artificial em tempo fixo), pode ter contribuí- do para a ocorrência do surto, por conta do aumento do número de bezerros em uma mesma área. “Mas esse é um fator de risco que vale para qualquer agente patogê- nico, não somente a Eimeria”, ressalta. Tratamento e prevenção A diarreia é um sintoma comum a muitas doenças infecciosas. A falta de uma inspeção rigorosa sobre sua origem pode ocasionar uma série de prejuízos que re- velam a importância do diagnóstico preciso. Nesta pro- priedade em São João da Boa Vista, os pesquisadores descobriram que o problema era recorrente há, pelo me- nos, três anos, e o tratamento era realizado com doxici- clina ou uma combinação de sulfa + trimetropim. Os funcionários da fazenda relataram que o quadro clíni- co dos animais doentes que recebiam essa medicação apresentava melhora pouco significativa e que alguns bezerros morriam. O tratamento para a coccidiose é es- pecífico e deve ser feito com administração de um an- ticoccidicida à base de toltrazuril. Este foi o procedi- mento realizado na fazenda. Logo no primeiro dia após a administração do medicamento não foi mais detecta- da a presença de sangue nas fezes. “Por outro lado, to- dos os animais que apresentavam fezes sanguinolentas antes de ser medicados continuaram com diarreia por até quatro dias”, relata. De acordo com o professor, seis dias após o tratamento não foram detectados sinais clí- nicos sugestivos da doença nos bezerros. É possível prevenir a ocorrência da coccidiose. A recomendação é administrar dose única do mesmo me- dicamento usado no tratamento, quando os bezerros es- tão com 10 a 15 dias de idade. Para Lopes, no entanto, a decisão de aplicar o produto deve passar pela avaliação dos fatores de risco na propriedade, assim como o his- tórico de doenças. “Se o produtor não tem condições, por exemplo, de oferecer água de poço artesiano para o rebanho, a aguada natural deve ser considerada como um fator de risco”, diz. Outro aspecto a ser considerado é o custo do tratamento, relativamente alto. A dose do anticoccidicida à base de toltrazuril custa de R$ 30 a R$ 40 para um bovino de 150 kg. Por isso, enquanto alguns produtores optam por administrar o medicamento em todos os bezerros (tratamento preventivo), outros prefe- rem que os sinais clínicos apareçam em alguns animais para então realizar o procedimento nos doentes e sa- dios (metafilaxia). Medidas de manejo também são im- portantes na prevenção da doença, como a alternância do piquete maternidade, providência que foi tomada na propriedade, como forma de “quebrar” o ciclo do pató- geno no ambiente. n Aguada natural: possível fonte de contaminação dos bezerros.