O documento discute um fórum sobre inovações na saúde animal realizado em São Paulo, onde startups apresentaram novas tecnologias para investidores. Algumas inovações incluem um teste de DNA para diagnóstico rápido de mastite em leite e um dispositivo portátil para detecção de doenças em aves. No entanto, o documento aponta que falta investimento e agilidade regulatória no Brasil para levar essas tecnologias aos produtores.
1. Sanidade
112 DBO junho 2018
Fórum discute inovações
na saúde animal
Encontro em São Paulo aproxima startups agropecuárias de investidores nacionais
e estrangeiros interessados em novas tecnologias.
Renato Villela
renato.villela@revistadbo.com.br
E
mpreendedores brasileiros e de outros países
latino-americanos se reuniram em São Paulo,
SP, entre os dias 29 e 30 de maio, para apresen-
tar suas tecnologias durante o Fórum de Inovação para
Saúde Animal na América Latina. O encontro, promo-
vido pela instituição britânica Kisaco Research, foi uma
vitrine para startups à procura de um modelo de negó-
cios, pequenas empresas e até mesmo instituições de
pesquisa interessadas em oferecer ao mercado de saúde
animal novas tecnologias ou serviços. “Nossa missão é
aproximar inovadores de grandes empresas para ajudar
a criar oportunidades de investimento”, definiu Callan
Smith, diretor da Kisaco. O formato do fórum favoreceu
esse contato, ao promover reuniões privativas (sempre
cheias) em intervalos periódicos entre as apresentações.
Nem mesmo a greve dos caminhoneiros reduziu o públi-
co, composto por 126 pessoas previamente inscritas. Os
palestrantes que não puderam comparecer por causa da
greve falaram por videoconferência. O evento acontece
todos os anos na Europa, Ásia eAmérica Latina. Foi sua
segunda edição no Brasil.
Dentre as inovações apresentadas, um teste que extrai
DNA de amostras de leite, para diagnóstico de mastite.
“Sequenciamos a fita do material genético para identificar
quais patógenos estão presentes”, conta Polyana Tizioto,
gerente de Pesquisa e Desenvolvimento da NGS Solu-
ções Genômicas, de Piracicaba, SP. Sem a necessidade
de cultivar a bactéria em laboratório para conhecer o tipo
de patógeno e, então, iniciar o tratamento, o teste garante
mais agilidade. “Identificamos a doença antes mesmo de
os sinais clínicos aparecerem”, explicou Polyana. O vete-
rinário Breno Castello Branco Beirão, da ImunovaAnáli-
ses Biológicas, Curitiba, PR, mostrou à plateia um apare-
lho para detecção de doenças semelhante aos dispositivos
usados por diabéticos para medição dos níveis de glicose
no sangue. O teste, ainda em fase piloto, está sendo utili-
zado para diagnóstico de distúrbios metabólicos em fran-
gos, mas Beirão acredita que a tecnologia também pode
ajudar a identificar causas de aborto em bovinos. “Por
meio da análise do material biológico, é possível revelar a
presença de vírus ou bactérias”, conta.
Oportunidades de inovação
Em um evento sobre inovações, não poderiam faltar
tecnologias de informação. E elas estavam lá. De aplica-
tivos para gerenciamento de rebanho e controle da pro-
dução às plataformas de venda on line, disponíveis em
desktops ou smartphones. Cada vez mais presentes no
campo, essas ferramentas estão criando novas formas
de comunicação dos produtores rurais com profissio-
nais do setor, principalmente técnicos. À frente do Vet
Smart, um dos principais aplicativos de veterinária para
grandes e pequenos animais, o publicitário Bruno Ducat-
ti acredita que o segredo está na simplicidade da lingua-
gem. “O conteúdo técnico precisa ser veiculado de forma
clara, simples, de modo que possa ser lido, compartilha-
do e viralizado nas redes sociais”, diz. Dentre os forma-
tos disponíveis para levar essa informação, Ducatti aposta
na plataforma de vídeos. “Existem dados estatísticos que
mostram que a retenção dos usuários é maior para o ví-
deo, que na minha opinião é um meio muito eficaz para
se contar uma história”.
Nesse caldeirão fervilhante de ideias e inovações,
James Lloyd, reitor e professor da Faculdade de Medi-
cina Veterinária da Flórida, evocou sua experiência para
fazer uma ponderação. “As oportunidades de inovação
não estão somente no desenvolvimento de novas tecno-
logias, mas na expansão das já existentes”. Esse parece
ser um desafio e tanto para o Brasil, não somente pela
ausência de instituições voltadas para extensão rural, a
quem caberia essa função, mas também pelo baixo in-
vestimento que caracteriza a atividade no País. Segun-
do a Vetnosis, companhia escocesa de pesquisas, o pro-
Sala cheia para
acompanhar as
propostas de
inovação
RENATOVILLELA
2. DBO junho 2018 113
dutor brasileiro gasta, em média, apenas US$ 3/cab/ano
em saúde animal, contra US$ 8/cab/ano dos australia-
nos, e US$ 22/animal/ano dos norte-americanos. “Ain-
da temos um nível baixo de tecnificação. Falta isso para
nosso produtor entender melhor os benefícios que pode
alcançar, se usar as tecnologias disponíveis”, disse Fá-
bio Paganini, diretor de SaúdeAnimal paraAmérica La-
tina da Boerhringer Ingelheim, que apresentou os dados.
Falta também financiamento para levar inovações até o
campo. É o caso de um produto inédito à base de an-
ticorpos policlonais que pode substituir os antibióticos
como promotores de crescimento. “Nos testes, o ganho
de peso foi 15% superior ao do tratamento com antibió-
ticos”, afirma o pesquisador Geraldo Balieiro Neto, doA
Apta-Ribeirão Preto, que detém a patente.
Celeridade nos processos
O último painel do Fórum – e também o mais debati-
do – foi dedicado ao papel governamental na implementa-
ção de tecnologias inovadoras, por meio do licenciamen-
to de novos produtos. Luís Eduardo Rangel, Secretário
de DefesaAgropecuária do Ministério daAgricultura, Pe-
cuária e Abastecimento, disse que “preocupa a pequena
quantidade de ‘reais inovações’ que chegam para análise
dos reguladores”. Antes de fazer uma mea-culpa dizendo
que o governo “pensa de modo cartesiano” e que talvez
por isso precise “repensar o conceito de inovação”, Ran-
gel justificou sua colocação afirmando que o modelo re-
gulatório atual, diferentemente de décadas passadas, re-
quer uma grande quantidade de testes para dar garantias
de segurança à sociedade. “Isso imprime um custo eleva-
do às empresas e retira 99% dos produtos da lista de ‘re-
gistráveis’”.
Mas não é só isso. Também falta celeridade na ava-
liação dos processos submetidos ao Ministério da
Agricultura, o que a própria pasta reconhece. Como
a demanda das empresas é muito maior do que a
capacidade de análise do órgão, que ainda sofre
com cortes de verbas, os prazos vêm aumentan-
do. “Vacinas já demandam 2,5 anos para análise.
Terapêuticos, 3,5 anos”, diz Flávia Schubert, dire-
tora de Assuntos Regulatórios da Elanco. Para zerar
esse “passivo regulatório” ou “Backlog” (acúmulo de
trabalho), como chamam os executivos – há processos
aguardando quatro anos na fila e que sequer foram ana-
lisados –, o Sindicato Nacional da Indústria de Produtos
para Saúde Animal (Sindan) firmou uma parceria com
o Ministério da Agricultura se propondo a financiar um
grupo de trabalho nessa área.
Os integrantes desse grupo, espécie de força-tarefa,
estarão vinculados à Fundação Eliseu Alves, entidade de
apoio à pesquisa e desenvolvimento científico-tecnológi-
co, e que já trabalha em parceria com a Embrapa, em Bra-
sília, DF.Aexpectativa é de que as análises via Fundação
comecem a ser feitas a partir do segundo semestre des-
te ano. “A partir do momento em que conseguirmos ze-
rar esse estoque regulatório (o que deve levar dois anos),
acredito que em menos de seis meses seremos capazes de
responder a cada solicitação”, disse Janaína Garçone, di-
retora de Fiscalização de Insumos Pecuários do Mapa. n
Modelo
regulatório atual
retira 99% dos
produtos da lista
de ‘registráveis’ “.
Luiz Rangel,
do Mapa.
Callan Smith, diretor da Kisaco: “Objetivo é aproximar
desenvolvedores e empresas”.
James Lloyd, da Flórida: “A inovação também está na
expansão das tecnologias existentes”.
RENATOVILLELA
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