1. Sanidade
98 DBO abril 2018
Cure o umbigo do jeito certo
Canal de comunicação entre a mãe e o feto, o cordão umbilical pode ser
porta de entrada para bactérias indesejáveis, se mal tratado.
Copo aplicador
usado na cura
do umbigo.
Modelos
“sem retorno
de líquido”
são os mais
indicados.
Renato Villela
renato.villela@revistadbo.com.br
Q
ue o umbigo precisa ser tratado após o nas-
cimento do bezerro, todo produtor sabe.
O problema é que esse procedimento nem
sempre é realizado de forma adequada, o que pode pro-
vocar uma série de problemas. “Caruara”, “umbiguei-
ra” e “junta inchada” são alguns dos nomes pelos quais
os vaqueiros conhecem onfalites e poliartrites, conse-
quências da cura inadequada do umbigo dos bezerros.
Segundo o veterinário Enrico Ortolani, professor da
FMVZ – Faculdade de Medicina Veterinária e Zootec-
nia da USP e colunista de DBO, embora a diarreia seja
apontada como a principal enfermidade do bezerro de
corte (até 30 dias), em muitas situações ela perde lon-
ge para as infeccões umbilicais e suas complicações,
presentes em pelo menos 10% dos animais. Para o ve-
terinário Marcus Rezende, mesmo que os bezerros se
recuperem, o prejuízo já estará contabilizado. “Esses
animais desmamam 1 @ mais leves e por isso não con-
seguem acompanhar o desempenho dos contemporâ-
neos, se tornando refugo ou fundo de lote”.
Para evitar que isso aconteça, o produtor deve fa-
zer a cura do jeito certo. “O produto mais indicado
para a mumificação do cordão umbilical é o iodo, em
concentração de 5% a 10%”, afirma. O consultor diz
que costuma misturar ao iodo um produto comercial
à base de ácido pícrico. “Esse medicamento é extre-
mamente amargo, evitando que as vacas lambam o
umbigo da cria, comportamento instintivo, mas que
pode provocar lesões por tração do cordão umbilical”,
explica. Para promover o tratamento, o indicado é co-
locar a solução em um frasco de boca larga e mergu-
lhar o cordão umbilical nele por pelo menos um minu-
to. “O produtor pode utilizar a tampa do matabicheira,
que serve perfeitamente para isso”, afirma. Outra op-
ção são os copos aplicadores, muito utilizados em ma-
nejos de pré e pós-dipping em vacas leiteiras, mas é
importante dar preferência àqueles “sem retorno de lí-
quido”, que restringem a aplicação a uma única vez, já
que o iodo perde sua ação quando em contato com a
matéria orgânica, o que desaconselha sua reutilização.
Não há necessidade de cortar o umbigo, salvo em
situações muito específicas. “Animais filhos de FIV
(fecundação in vitro) têm, em geral, umbigos maio-
res e mais sensíveis, exigindo assim mais cuidado na
sua profilaxia e cura”, afirma Rezende. Caso haja ne-
cessidade de corte, o procedimento deve ser feito com
tesoura limpa e desinfetada, a 5 cm (largura de dois
dedos) a partir da base de inserção do umbigo. Muito
comum no campo, o uso de sprays matabicheiras não
promove a mumificação do cordão umbilical, servin-
do apenas para repelir moscas, mas por curto período.
Recomendações básicas
• Prepare a solução de iodo + ácido pícrico e guarde
em um recipiente fechado e protegido de luz.
• Redistribua essa solução em frascos menores, com
tampa, e entregue para vaqueiros devidamente trei-
nados, que serão os responsáveis pela cura do um-
bigo dos bezerros na maternidade.
• No campo, coloque a solução em um recipiente de
boca larga (pode ser a tampa de um matabicheiras)
e mergulhe completamente o toco umbilical nele por
um minuto.
• O corte do umbigo deve ser evitado. Somente deve-
rá ser feito se for muito longo, ao ponto de tocar o
chão com o bezerro em pé. Nesse caso, corte com
uma tesoura limpa e desinfetada a 5 cm (dois dedos)
da base de sua inserção.
• Não use a mesma solução de iodo várias vezes, por-
que ela perde a eficácia.
• Verifique sempre se o umbigo está bem seco.
• Para evitar a formação de bicheiras, recomenda-se
a aplicação de medicamento à base de avermectina.
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“Para se evitar bicheiras, pode-se medicar o bezerro,
ao nascimento, como produtos à base de avermectina”,
diz Ortolani. Segundo o professor, há um detalhe a ser
destacado na prevenção de infecções umbilicais. “A
gravidade das onfalites é muito dependente da quan-
tidade e rapidez com que os bezerros ingerem o colos-
tro. Recém-nascidos que tomaram pouco colostro po-
dem morrer a partir de quadros de onfalite”.
Porta fechada para as bactérias
Canal de comunicação entre mãe e feto, o cordão
umbilical se rompe um pouco abaixo do umbigo após o
nascimento do bezerro. Semelhante a uma tripinha úmi-
da, passa a ser um tecido morto, pois deixa de receber
sangue.Antes de cicatrizar, no entanto, o coto umbilical,
como é conhecido no campo o resto morto do cordão
umbilical externo, se constitui em uma fonte de alimen-
tação para bactérias indesejáveis, pois é rico em nutrien-
tes. Deste modo, se o coto umbilical tocar o chão con-
taminado com fezes, terra ou outras substâncias sujas,
logo ficará repleto de micróbios. “Como os vasos ainda
não estão atrofiados, se tornam vias de acesso para as
bactérias penetrarem no organismo do bezerro”, explica
Ortolani. Segundo ele, animais nascidos em locais sujos
e contaminados (por exemplo, em currais ou ao seu re-
dor) têm três vezes mais chance de ter onfalites do que
os paridos em pastagens limpas.
A infecção se dá de várias formas. As bactérias po-
dem colonizar apenas a região mais externa do um-
bigo, que se torna inchado, endurecido e dolorido (é
comom presença de pus em sua extremidade) ou pe-
netrar nas veias umbilicais, causando um quadro mais
grave. Pelo sangue, os micróbios podem chegar às
juntas e provocar inchaços, abscessos, manqueira,
dentre outros sintomas.
A presença de bicheira no umbigo é muito comum,
podendo atingir até 40% dos casos. “A onfalite ain-
da pode facilitar o surgimento de hérnia umbilical”,
completa Ortolani. Por isso, o produtor não pode bo-
bear. “É preciso fechar essa porta de entrada para as
bactérias o mais rapidamente possível. Quando feita
corretamente, uma única queima é o suficiente para
provocar a mumificação do coto umbilical”, diz o ve-
terinário Marcus Rezende. Segundo ele, muitos técni-
cos preconizam que o procedimento seja feito até duas
horas após o nascimento, o que nem sempre é possível
e ainda pode ser arriscado. “O importante é que a cura
do umbigo seja feita no dia do nascimento e com bas-
tante tranquilidade, para que o manejo não provoque
a rejeição da vaca pelo bezerro”. n