Conheça a nova vacina contra a BVD, fabricada pela Boehringer Ingelheim e prevista para chegar ao mercado brasileiro em março de 2018. Aqui em slideshare.
1. Internacional
84 DBO dezembro 2017
renato villela
de Modena, Itália
renato.villela@revistadbo.com.br
E
ndêmica no Brasil, a diarreia viral bovina,
mais conhecida por sua sigla, BVD, está am-
plamente disseminada no rebanho nacional.
Estima-se que de 70% a 80% dos animais com idade
acima de três anos possuam anticorpos contra o vírus
da BVD 1 e 2. A doença reduz a eficiência repro-
dutiva das fêmeas, mas também pode afetar animais
confinados, causando problemas respiratórios. Agora
o produtor poderá contar com uma nova arma para
combatê-la: está chegando ao País a primeira “vacina
viva” contra a BVD, fabricada a partir de vírus
vivos, porém atenuados, enquanto as demais
usam vírus ou fragmentos de vírus inativa-
dos. O fármaco promete prevenir a morte
embrionária, maior problema causado pela
BVD, e proteger o feto de modo mais efi-
ciente, reduzindo o risco de infecção intrau-
terina, responsável pelo nascimento de animais
“persistentemente infectados” ou PI, aqueles que
resistem à infecção durante o período de gestação,
mas nascem positivos para a doença, sendo respon-
sáveis pela manutenção do vírus circulante no plan-
tel.
DBO viajou à Itália a convite da fabricante Bo-
ehringer-Ingelheim para conhecer a tecnologia usada
na obtenção da nova vacina, que consumiu 17 anos
de estudos, e também visitar fazendas que já a utili-
zam em seus plantéis. Do tour técnico, batizado de
“Bovela Experience” em alusão ao nome comercial
do produto, participaram produtores rurais, donos de
revendas agropecuárias, cooperados, pesquisadores e
professores, além de profissionais de imprensa e técni-
cos da empresa, num total de 85 pessoas. Como todas
as vacinas vivas contendo vírus atenuados, a Bove-
la – que chega ao País em março de 2018 – promete
efeito imunogênico superior, em comparação com as
vacinas inativadas, por produzir mais anticorpos e in-
duzir imunidade celular mais sólida. Isso talvez sus-
cite uma dúvida: por que somente agora esse tipo de
vacina chega ao mercado nacional? A resposta está no
próprio patógeno causador da BVD que, mesmo ate-
nuado, mantém preservada sua capacidade de trans-
por a barreira placentária e atingir o feto, provocando
aborto. Diante do risco que esse tipo de vacina poderia
trazer às fêmeas em gestação, seu uso ainda não havia
sido autorizado no Brasil.
Para chegar a uma vacina que atingisse uma boa
titulação de anticorpos – referência do status de prote-
ção contra o vírus – sem causar esses efeitos colaterais,
pesquisadores da Boehringer desenvolveram uma bio-
tecnologia chamada L2D (live double deleted) ou “vivo
duplamente deletado”, em tradução livre. Num primeiro
momento, por meio do genoma do vírus, foi identificado
e retirado o gene responsável pela virulência, caracterís-
tica diretamente relacionada à manifestação de sinais clí-
nicos da doença. O problema estava parcialmente resol-
vido porque, embora a virulência tivesse sido eliminada,
o vírus continuava sendo capaz de provocar aborto. O
passo seguinte foi vasculhar o gene que, de modo seme-
lhante ao que acontece com o zika vírus na espécie hu-
mana, lhe conferia a capacidade de transpor a placenta e
causar estragos. “Encontramos esse gene e fizemos uma
dupla deleção, o que nos permitiu chegar a uma vacina
eficiente e segura”, informa Fernando Dambrós, gerente
de Marketing da linha de produtos para bovinos. A va-
cina a ser comercializada no Brasil será produzida pela
fábrica da Boehringer nos Estados Unidos. A empresa
não informou o valor da dose.
Experiência italiana
Com o objetivo de conhecer mais de perto a re-
alidade de uma fazenda na Itália e constatar os re-
sultados do uso da Bovela, que foi introduzida há
dois anos na Europa, a comitiva brasileira foi até a
Fazenda San Rocco, situada no pequeno município
Combate mais eficaz contra a BVD
Chega ao Brasil primeira “vacina viva” contra a Diarreia Viral Bovina,
que garante proteção mais efetiva das fêmeas prenhes.
Vacina já é usada há dois anos por pecuaristas italianos
EnricoChiavassa
Vacina eficiente
e segura”.
Fernando
Dambrós, da
Boehringer.
2. O que a infecção pode causar
Dias de gestação Consequências para o feto
Até 40 dias Morte embrionária
40 a 120 dias
Animal persistentemente
infectado (PI)
120 a 190 dias
Defeitos congênitos e
abortamento
Final da gestação
Produção de anticorpos
e eliminação viral (pode
haver comprometimento do
desenvolvimento corporal
Fonte: Instituto Biológico
de Monteveglio, na região conhecida como Emília-
-Romanha, na província de Bolonha. A propriedade
é especializada na produção do famoso Parmegiano-
-Reggiano, o verdadeiro queijo parmesão, com de-
nominação de origem controlada. Somente cinco
municípios da Planície do Rio do Pó, na região norte
da Itália, estão autorizados a fabricá-lo. Enquanto a
turma se deliciava experimentando os Parmeigiano-
-Reggiano de todas as idades – tinha de 12, 24 e 36
meses de maturação – ou a inesquecível (na opinião
deste repórter) Cattiota, um tipo de queijo fresco ita-
liano, Marcos Ablondi, consultor da Boehringer na
Itália, explicava o processo de funcionamento do
novo fármaco. A fazenda tem 380 vacas em lactação
e decidiu adotar um protocolo de vacinação contra
a BVD, que se constitui no principal problema re-
produtivo nos plantéis de gado leiteiro europeu. “Em
dois anos conseguimos reduzir as perdas embrioná-
rias de 24% para 13%”, afirmou Ablondi, que presta
assistência à propriedade.
A experiência do uso da vacina no gado de cor-
te foi apresentada por Enrico Chiavassa, renomado
veterinário italiano, que discorreu sobre a prevenção
da BVD na fábrica da Ferrari, em Maranello, local
escolhido para a apresentação oficial da Bovela aos
convidados brasileiros. Mostrando os números de um
rebanho de Piemontês, Chiavassa comparou o inter-
valo entre partos do plantel na safra 2014/2015, quan-
do as fêmeas não haviam sido vacinadas, com a safra
2016/2017, após o efeito da vacinação, realizada em
julho de 2015. O resultado foi a redução de 26 dias no
intervalo entre partos, que passou de 400 dias (13,3
meses) para 374 dias (12,4 meses). Para mostrar o
efeito disso sobre a eficiência reprodutiva do plantel,
o veterinário multiplicou as fêmeas do rebanho (157)
pelo número de dias que foram “economizados” entre
um parto e outro (26). O total (4.082 dias) foi dividido
pelo período de gestação (290 dias) e então se chegou
a um ganho de 14 bezerros a favor das fêmeas vacina-
das contra a BVD.
Para Chiavassa, tão importante quanto a melhora
no índice reprodutivo é a possibilidade de erradicar a
doença do plantel. “A vacinação impede o nascimento
de animais PI (persistentemente infectados),
que disseminam a doença para o restante do
rebanho”, disse o veterinário. A erradicação
da BVD está na pauta dos países com tradi-
ção pecuária na Europa, que já se livraram de
doenças importantes como a febre aftosa, a bru-
celose e a tuberculose.AItália tornou compulsória
a vacinação contra a BVD, assim como a Alemanha,
que instituiu a obrigatoriedade em 2011. Em seis anos,
este último país reduziu a prevalência de animais PI,
que são a principal fonte de disseminação da doença,
de 0,5% para 0,03%. Nas propriedades, o uso da vaci-
na aliada a outras medidas de controle, como a elimi-
nação de animais PI, reduziu a prevalência de 3,44%,
em 2011, para 0,16%, em 2016.
BVD abre caminho para outras doenças
Os problemas reprodutivos são a face mais visível
da BVD, que, junto com a IBR e a leptospirose,
constituem as três mais importantes doen-
ças reprodutivas, mas ela causa outros
danos, quase sempre imperceptíveis.
“O vírus causador da moléstia é imuno-
depressor, ou seja, tem a capacidade de
deprimir o sistema imunológico, abrindo
as portas para outras doenças, em especial as respi-
ratórias, principal problema sanitário em confinamen-
dezembro 2017 DBO 85
Aborto é um dos problemas causados pela doença
MaristelaPituco/IB-SP
Comitiva brasileira em visita a fazenda no norte da Itália
AltairAlbuquerque/TextoAssessoria
BVD abre portas
para outras
doenças”.
Amauri Alfieri,
da UEL
Itália
Modena
Roma
3. Internacional
86 DBO dezembro 2017
to”, afirma Amauri Alfieri, professor da Universidade
Estadual de Londrina (UEL). O professor explica que
o trato respiratório superior dos bovinos é habitado por
bactérias (microbiota), que “convivem” em harmonia
com o animal saudável. Quando o vírus da BVD en-
tra em ação, provoca um baque em seu sistema de
defesa. Imunodeprimido, o organismo baixa a
guarda. “As bactérias se aproveitam disso e se
multiplicam. Essa superpopulação desce para
o trato respiratório inferior, desencadeando
infecções secundárias, em especial a pneumo-
nia”, afirma.
Para Alfieri, um aspecto inerente à Bovela
pode favorecer seu uso em confinamentos no Bra-
sil. Enquanto para uma vacina inativada o tempo de
resposta imunológica varia de 15 a 20 dias, a produção
de anticorpos, numa vacina viva, começa no quinto
dia. “Isso pode fazer total diferença no manejo sani-
tário, uma vez que os problemas respiratórios no con-
finamento costumam ocorrer nos primeiros 15 dias”,
afirma, recomendando, porém, cautela. “Antes de va-
cinar os animais, o produtor deve fazer uma classifica-
ção de risco dos lotes que entrarão no confinamento.
Aqueles que viajam mais de 500 km, sem parada ou
que não são submetidos a uma dieta de adaptação, cer-
tamente podem ser classificados como de alto risco e
devem ser vacinados. O mesmo não acontece com os
criados na fazenda, adaptados ou que não percorreram
grandes distâncias”, alerta. n
Convidada a ministrar uma palestra
durante o evento, a pesquisadora Ma-
ristela Pituco, do Instituto Biológico, de
São Paulo, SP, apresentou um panora-
ma da doença no Brasil e explicou por
que a prevalência no rebanho nacional
é alta. “Não temos programas de con-
trole coordenados pelas autoridades
sanitárias. As ações são voluntárias, de
produtores que tiveram prejuízo com a
doença”, explicou. Para a pesquisadora,
o que mais preocupa são os animais PI,
que apresentam essa condição quando a
infecção de suas mães pelo vírus da BVD
se dá no intervalo entre o 40º e 120º dia
de gestação (veja quadro na página 85).
“Eles têm uma carga viral muito alta e
disseminam o vírus para todos os outros
animais susceptíveis do rebanho.”
Por ser um produto novo no mercado,
a vacina suscitou dúvidas nos participan-
tes e gerou discussões técnicas sobre a
BVD. Durante almoço servido na Acetaia
Terra del Tuono, estabelecimento familiar
especializado na produção de azeite bal-
sâmico (desde 1892), José Omero Dor-
nele, produtor e dono de uma revenda
agropecuária em Alegrete, RS, lançou à
mesa a seguinte questão. “Por que usar
uma vacina exclusivamente para a BVD
se há no mercado vacinas polivalentes,
que protegem também contra a IBR e
leptospirose?” Para Fernando Dambrós,
da Boehringer, a resposta está na garan-
tia de proteção superior conferida por
uma vacina viva. “A produção de anticor-
pos é maior, o que faz toda a diferença na
prevenção da doença, principalmente se
o desafio epidemiológico for alto.” Para
o veterinário Christian Guidarini, gerente
técnico global do produto, a Bovela não
se restringe à prevenção de problemas
reprodutivos. “Muitos produtores euro-
peus a estão usando no confinamento
para evitar doenças respiratórias”, disse.
Segundo ele, de 2015 para cá, a vaci-
na vendeu 6,3 milhões de doses, sendo
40% desse montante destinado ao gado
de corte.
Membro da comitiva brasileira, o pro-
fessor Amauri Alfieri, da UEL, questionou
sobre o posicionamento da vacina no
mercado nacional após a sessão plenária,
evento que encerrou o tour técnico e an-
tecedeu a visita ao museu de Enzo Ferrari,
para conhecer suas supermáquinas. En-
quanto a Bovela foi mostrada como uma
ferramenta importante para a erradicação
da doença, Alfieri acredita que o foco em
território brasileiro seja outro. “Nossos
rebanhos são grandes, o que torna a er-
radicação muito difícil. Acredito que a va-
cina deva ser usada de modo estratégico
para controle das doenças reprodutivas
e problemas respiratórios.” Segundo o
professor, as análises que chegam ao la-
boratório da UEL indicam, em alguns ca-
sos, taxas de sorologia positiva para BVD
acima de 80%, principalmente em vacas
multíparas, índice que deve ser levado em
conta na decisão de vacinar. “Se tiver um
rebanho de 1.000 vacas, considerando
que 80% delas sejam positivas para a do-
ença, não faz sentido vacinar todo o reba-
nho para proteger os 20% susceptíveis.”
Para Alfieri, o mais indicado é fazer uma
“fotografia epidemiológica” do rebanho
antes de vacinar. “Em muitos situações,
preconizei a vacinação somente das novi-
lhas e primíparas, que têm mais chances
de ainda não terem entrado em contato
com o vírus. Mas é preciso analisar caso
a caso. Cada rebanho tem sua particulari-
dade”, afirma.
Plenária técnica aqueceu
debate sobre a vacina
DBO viajou à Itália a convite da Boehringer-Ingelheim
Animal com secreção nasal denuncia
problema respiratório no confinamento
AmauriAlfieri/UEL
BVD tem
prevalência alta
no Brasil”.
Maristela
Pituco, do
Instituto Biológico