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Pesq. Vet. Bras. 27(7):282-286, julho 2007




                  L esões orofaríngeas e neurológicas em ovinos associadas ao
                                  uso de pistolas dosificadoras1
                         Fabiano J.F. de Sant’Ana2*, Edismair C. Garcia3, Rogério E. Rabelo4, Yara L. da
                                          Costa5, Ana L. Schild6 e Franklin Riet-Correa7

                    ABSTRACT.- Sant’Ana F.J.F., Garcia E.C., Rabelo R.E., Costa Y.L., Schild A.L. & Riet-Correa F. 2007.
                    ABSTRACT.-
                    [Oropharyngeal and neurologic lesions in sheep associated with the use of drenching
                     Oropharyngeal
                     Orophar
                    guns Lesões orofaríngeas e neurológicas em ovinos associadas ao uso de pistolas dosificadoras.
                    guns.]
                    Pesquisa Veterinária Brasileira 27(7):282-286. Laboratório de Patologia Veterinária, Universidade
                    Federal de Goiás, Campus Jataí, 75800-000 Jataí, GO, Brazil. E-mail: santanafjf@yahoo.com
                        Six outbreaks of oropharyngeal lesions caused by drenching guns in sheep are reported. In
                    2 outbreaks in Rio Grande do Sul the morbidity was 6.25% and 15%, and the lesions observed
                    after antihelmintic treatment in adult sheep were characterized by a fistula extending from
                    mouth to skin of the face. All sheep died or were euthanatized after continuous weight loss
                    for up to 8 months. Another outbreak in the same State affected 26 out of 360 adult sheep
                    after being dosed with molasses, causing lesions in the oral mucosa followed by malignant
                    edema of the oral and subcutaneous tissues. All sheep died within 10 days after treatment.
                    Another case observed in Rio Grande do Sul affected one out of 88 adult ewes. The animal
                    died with hemorrhages from the nose and mouth 8 days after antihelmintic treatment. At
                    necropsy an ulcerated lesion covered by a clot of fibrine was found in the oral mucosa. The
                    lesion had a fistulated tract with purulent exudate extending through the soft tissues in direc-
                    tion to the right eye. Two outbreaks occurred in the State of Goiás 16-20 days after antihelmintic
                    treatment in 5-9 months old lambs. Morbidity was 11.43% and 15.62% and fatality rate was
                    7.14% and 9.38%. Main clinical signs were nervous signs caused by abscesses with a diameter of
                    0.5-3cm, containing purulent exudates in the oropharynx, soft palate and adjacent muscles
                    extending to the meninges through the atlantoaxial joint. Not-purulent meningitis was ob-
                    served histologically. The need to use proper drenching guns and pay attention during dosing
                    to avoid lesions of the oropharynx is pointed out.
                    INDEX TERMS: Oropharyngeal abscess, neurologic alterations, drenching guns, sheep.

RESUMO.- Descrevem-se 6 surtos de lesões orofaríngeas em
RESUMO.-                                                                              helmínticos. Em 2 surtos ocorridos no Rio Grande do Sul, com
ovinos causadas por pistolas para administração oral de anti-                         morbidade de 6,25% e 15% as lesões ocorreram em ovinos de
                                                                                      diferentes idades após o tratamento anti-helmíntico. Carac-
  1
                                                                                      terizaram-se por fístulas que se estendiam através dos teci-
    Recebido em 19 de dezembro de 2006.
                                                                                      dos moles desde a boca até a pele da face. Todos os animais
    Aceito para publicação em 3 de janeiro de 2007.
  2 Laboratório de Patologia Veterinária (LPV), Universidade Federal de Goiás         morreram ou foram eutanasiados após perda contínua de peso
(UFG), Campus Jataí (CAJ), BR 364 Km 192, Setor Parque Industrial, Jataí, GO          após um curso clínico de até 8 meses. Outro surto nesse mes-
75800-000, Brasil. *Autor para correspondência: santanafjf@yahoo.com                  mo Estado, com uma morbidade de 7,22% caracterizou-se por
  3 Graduando em Medicina Veterinária, Monitor de Anatomia Patológica
                                                                                      lesões de edema maligno originadas por traumatismos cau-
Animal, LPV, UFG-CAJ, Jataí, GO 75800-000.                                            sados na mucosa oral durante a administração de melaço.
  4 Ambulatório Veterinário, UFG-CAJ, Jataí, GO 75800-000.
                                                                                      Todos os animais morreram em 10 dias após o tratamento.
  5 Graduanda em Medicina Veterinária, Bolsista de Extensão (PROBEC/UFG),
                                                                                      No quarto surto observado no Rio Grande do Sul, houve uma
LPV, UFG-CAJ, Jataí, GO 75800-000.
  6 Laboratório Regional de Diagnóstico, Faculdade de Veterinária, Universi-
                                                                                      ovelha adulta afetada, de um total de 88, que apresentou se-
dade Federal de Pelotas, 96010-900 Pelotas, Rio Grande do Sul.                        vera hemorragia pelo nariz e pela boca 8 dias após ter sido
  7 Hospital Veterinário, CSTR, Universidade Federal de Campina Grande,               tratada oralmente com anti-helmíntico. Na necropsia apre-
58700-000 Patos, Paraíba.                                                             sentava aumento de volume pela face interna da mandíbula

                                                                                282
Lesões orofaríngeas e neurológicas em ovinos associadas ao uso de pistolas dosificadoras                             283



do lado direito e bochecha cuja mucosa estava ulcerada, com                 que morreram naturalmente ou que foram eutanasiados in extremis
um coágulo e secreção purulenta com formação de fístula                     (devido ao prognóstico desfavorável) foram submetidos à necropsia,
que se estendia pelos tecidos moles em direção ao globo ocu-                sendo coletados fragmentos de vários órgãos, os quais foram fixados
lar. Dois surtos ocorreram no Estado de Goiás, 16-20 dias após              em formol tamponado a 10%, processados rotineiramente para
                                                                            histopatologia e corados por HE. Amostras de fígado e de soro fo-
o tratamento oral com anti-helmínticos em cordeiros de 5-9
                                                                            ram coletadas de três animais para dosagem de cobre. Foram
meses de idade. A morbidade foi de 11,43% e 15,62% e morta-                 realizados hemogramas em dois ovinos da Propriedade A e em um
lidade de 7,14% e 9,38%. Os animais apresentaram, principal-                da Propriedade B.
mente, sinais nervosos, causados por abscessos que variavam
de 0,5-3cm de diâmetro, contendo exsudato purulento ama-                                                RESULTADOS
                                                                                                        RESULT
relado no seu interior, localizados na orofaringe, palato mole
e musculatura esquelética adjacente estendendo-se às menin-                         observados
                                                                            Surtos obser vados no Rio Grande do Sul
ges através da articulação atlanto-occipital. Meningite não-                   No Surto 1, ocorrido no município de Piratiní, em agosto
purulenta foi observada histologicamente. Alerta-se para a                  de 1979, foram afetados 5 (6,25%) ovinos de um rebanho de
necessidade de utilização de pistolas em boas condições e                   80, de 2 anos de idade. No Surto 2, no município de Herval,
prestar atenção no momento do tratamento oral com anti-                     em 1986 foram afetados 30 (15%) ovelhas adultas, de um re-
helmínticos para evitar ferimentos na orofaringe de ovinos.                 banho de 200. Nestes dois surtos os sinais clínicos, observa-
                                                                            dos 15-20 dias após o tratamento oral com anti-helmínticos,
TERMOS DE INDEXAÇÃO: Abscessos orofaríngeos, alterações neu-                caracterizaram-se por emagrecimento progressivo e morte,
rológicas, tratamento oral com anti-helmínticos, ovinos.                    com presença de uma fístula com conteúdo purulento mistu-
                                                                            rado com alimento, localizada na pele lateralmente à mandí-
                         INTRODUÇÃO                                         bula ou intermandibular (Fig.1). No Surto 2, as 30 mortes ocor-
Em ovinos, uma das principais formas de tratamento anti-                    reram de maio a dezembro. Na necropsia de dois ovinos, foi
helmíntico consiste na aplicação de drogas, via oral, utilizan-
do as denominadas pistolas dosificadoras. Quando essa téc-
nica não é realizada com os devidos cuidados, lesões traumá-
ticas penetrantes na boca, faringe, laringe e tecidos circunvizi-
nhos podem ocorrer (López 1998). Nesses casos pode-se ob-
servar edema, inflamação local, perfuração da parede póstero-
dorsal da faringe, abscessos e celulite (López 1998, Radostits
et al. 2002).
    Este trabalho tem por objetivo descrever 6 surtos de le-
sões orofaríngeas em ovinos que ocorreram em conseqüên-
cia da administração oral de anti-helmínticos ou melaço com
pistolas dosificadoras. Quatro surtos ocorreram no Rio Gran-
de do Sul e dois no sudoeste de Goiás. Estes últimos apresen-
taram comprometimento neurológico secundário às altera-
ções orofaríngeas.

                   MATERIAL E MÉTODOS
                   MATERIAL
                                                                             Fig.1. Fístula na região mandibular (seta) que comunica com a cavi-
Os 4 surtos relatados no Rio Grande do Sul ocorreram nos anos de
                                                                                 dade oral, em ovino do Surto 2.
1978-2006 e os dados relativos à epidemiologia e aos sinais clínicos
foram obtidos nos protocolos de necropsias do Laboratório Regional
de Diagnóstico da Faculdade de Veterinária da Universidade Federal
de Pelotas. Algumas informações de alguns desses surtos não estavam
disponíveis nos protocolos. Dois ovinos do Surto 2 e um de cada um
dos surtos restantes foram enviados mortos ao laboratório e
necropsiados. Fragmentos dos diversos órgãos foram fixados em
formalina 10%, cortados com 5µm de espessura e corados com
hematoxilina-eosina (HE). Material das lesões observadas no ovino
do Surto 3 foi coletado para realização de culturas bacterianas
aeróbicas e anaeróbicas.
    Os 2 surtos observados no Estado de Goiás ocorreram em
rebanhos de criação extensiva (Propriedade A e B). Quatro ovinos da
Propriedade A e três da Propriedade B foram enviados vivos (dois da
A e um da B) e mortos (dois da A e dois da B) para exame clínico e/ou
necropsia na Universidade Federal de Goiás, Campus Jataí. Nos
animais que chegaram vivos, após exame físico geral e prévia
identificação, foi realizado exame neurológico específico. O histórico
clínico foi obtido com os proprietários e/ou tratadores. Os animais         Fig.2. Edema submandibular em ovino do Surto 3.

                                                                                                             Pesq. Vet. Bras. 27(7):282-286, julho 2007
284                                                 Fabiano J.F. de Sant’Ana et al.




3                                                                                                                                           4




                                                                                                                                            6
                                                                      Fig.3. Úlcera (seta) lateral à língua, na amídala esquerda do ovino da
                                                                          Figura 2.
                                                                      Fig.4. Ovino do Surto 5 com marcante depressão, apatia e decúbito
                                                                          esternal.
                                                                      Fig.5. Articulação atlanto-occipital com exsudato purulento intra e
                                                                          extrarticular (setas), em ovino do Surto 6.
                                                                      Fig.6. Articulação atlanto-occipital de ovino do Surto 6, apresentan-
5                                                                         do na face interna do atlas exsudato purulento intrarticular (seta).

observada lesão purulenta, situada, lateralmente à raiz da lín-       de pistolas dosificadoras ocorreu no município de Capão do
gua ou no vestíbulo, que se difundia em forma de fístula atra-        Leão em maio de 2006 em uma ovelha, de um rebanho de 88
vés dos tecidos moles até atingir a pele.                             ovelhas adultas, a qual apresentou severa hemorragia pelo
    O Surto 3, que ocorreu em 1981 no município de Piratiní,          nariz e pela boca 8 dias após ter sido tratada oralmente com
afetou 26 (7,2%) ovinos de um rebanho de 360 ovelhas adul-            anti-helmíntico. Na necropsia apresentava aumento de volu-
tas. Nesses casos a lesão causada pelo aparelho de dosificar          me da face interna da mandíbula e da bochecha do lado direi-
caraterizou-se por edema maligno nos tecidos intermandibu-            to. A mucosa da bochecha estava ulcerada contendo um coá-
lares. Aos animais tinha sido administrado melaço diluído a           gulo e secreção purulenta com formação de fístula que se
10% com água. Apresentaram marcada apatia, emagrecimen-               estendia pelos tecidos moles em direção ao globo ocular.
to e severo edema submandibular (Fig.2), morrendo em até                  Nos diversos órgãos coletados de todos os animais
10 dias após a dosificação. Na necropsia observaram-se le-            necropsiados para estudo histológico não foram observadas
sões ulcerativas localizadas lateralmente à raiz da língua e na       lesões histológicas significativas.
faringe (Fig.3). Os tecidos inter-mandibulares apresentavam
lesões de edema maligno, caracterizadas por edema de cor              Surtos no Estado de Goiás
marrom amarelada e odor fétido. Nas culturas realizadas do               Os 2 surtos observados no Estado de Goiás ocorreram
material obtido das lesões foi isolada flora polimicrobiana           durante os meses de abril e maio de 2006 em dois rebanhos
incluindo Clostridium spp.                                            pertencentes às Propriedades A e B, ambas localizadas no
    Um último caso (Surto 4) de lesões associadas à utilização        município de Jataí, sudoeste de Goiás.

Pesq. Vet. Bras. 27(7):282-286, julho 2007
Lesões orofaríngeas e neurológicas em ovinos associadas ao uso de pistolas dosificadoras                             285



    Na Propriedade A, de um total de 280 ovinos sem raça                  occipital associada à hiperemia de arteríolas (Fig.7). Nas de-
definida (SRD), que tinham entre 4 meses e 2 anos de idade,               mais regiões do encéfalo, notaram-se apenas focos discretos
32 adoeceram e 20 morreram (morbidade 11,43%, mortalida-                  de gliose e tumefação de algumas células endoteliais. Não
de 7,14%). Na Propriedade B, de um rebanho de 96 animais (8-              foram detectadas alterações significativas na medula espi-
36 meses) SRD e Santa Inês, 15 adoeceram e nove morreram                  nhal.
(morbidade 15,62%, mortalidade 9,38%). Nas duas proprieda-                    Nenhuma alteração foi detectada nos exames hematológi-
des, os animais enfermos tinham entre 5 e 9 meses e os sinais             cos realizados. As concentrações de cobre no soro (X=81,2ppm)
clínicos da enfermidade surgiram, em média, 16-20 dias após               e no fígado (X=72,4ppm) estavam dentro dos parâmetros con-
o tratamento oral de todos os animais do rebanho com anti-                siderados normais para a espécie.
helmínticos utilizando pistola dosificadora. Os tratamentos
anti-helmínticos estavam sendo realizados a cada 30 (Propri-                                          DISCUSSÃO
                                                                                                      DISCUSSÃO
edade A) ou 60 dias (Propriedade B). Na Propriedade B, era                Em 5 surtos descritos neste trabalho as lesões orofaríngeas
prática comum o fornecimento de sal mineral de origem des-                foram associadas ao tratamento com anti-helmínticos utili-
conhecida formulada pelo proprietário e na Propriedade A                  zando aparelhos para administrar anti-helmínticos oralmen-
não havia fornecimento de mineralização suplementar.                      te, denominados também como pistolas dosificadoras (Sur-
    Os sinais clínicos manifestados pelos animais nas duas                tos 1, 2, 4, 5 e 6) ou após à administração de melaço (Surto 3),
propriedades eram semelhantes e consistiam de apatia, le-                 também, com pistola dosificadora. Esta associação é sugerida
targia, prostração, decúbito esternal, tremores musculares                pelas lesões de provável origem traumáticas encontradas na
especialmente na região cervical e na altura da escápula, pa-             boca e porque ocorreram num período de 15-20 dias após o
ralisia espástica dos membros torácicos e pélvicos, bruxismo              tratamento nos Surtos 1, 2, 5 e 6 nos quais as lesões eram
(em alguns animais), queda do pescoço, apesar do apetite                  purulentas, ou ainda mais rápido, no Surto 3 no qual ocorre-
preservado (Fig.4). Não foram detectadas alterações signifi-              ram lesões gangrenosas, e no Surto 4 no qual um caso indivi-
cativas associadas a déficits de nervos cranianos.                        dual apresentou sangramento pelas narinas e boca associa-
    Macroscopicamente, observou-se, em todos os animais                   dos a uma lesão hemorrágica.
necropsiados, abscessos que variavam de 0,5-3cm de diâme-                     Apesar de todos os surtos terem aparentemente a mesma
tro, contendo exsudato purulento amarelado no seu interior,               causa, traumatismos causados pelas pistolas dosificadoras,
que estavam localizados na orofaringe, palato mole e muscu-               seguidos de um processo purulento, hemorrágico ou gan-
latura esquelética adjacente. No momento de desarticular a                grenoso, resultaram em quatro formas clínicas diferentes. Nos
cabeça do pescoço, via articulação atlanto-occipital, para re-            Surtos 1 e 2 as lesões ocorreram na boca lateralmente à lín-
tirada posterior do encéfalo, foi notado em três dos sete ovi-            gua, instalando-se um processo purulento secundário que por
nos necropsiados que a inflamação purulenta, ora descrita,                gravidade se difunde através dos tecidos moles drenando na
estendia-se no sentido dessa articulação inflamando todos                 pele e causando uma fístula desde a cavidade oral, que por
os músculos cervicais vizinhos, inclusive com exsudação no                conter resíduos de alimentos não tinha possibilidade de cu-
espaço articular (Fig.5 e 6). Além disso, evidenciou-se hiper-            rar espontaneamente. No Surto 3 o que ocorreu foi uma in-
emia moderada do encéfalo e fígado com coloração discreta-                fecção das feridas causadas pelo aparelho de dosar por
mente amarelada e com aumento do padrão lobular, sugerin-                 Clostridium spp. e outras bactérias que causaram lesões típi-
do processo degenerativo.                                                 cas de edema maligno. É provável que neste caso a contami-
    No exame histológico do encéfalo, foi observada leptome-              nação tenha sido proveniente do melaço que foi administra-
ningite não-supurada discreta a moderada em cortes do córtex              do aos animais. No animal afetado no Surto 4 havia lesões
                                                                          hemorrágicas.
                                                                              Nos Surtos 5 e 6, o que mais chamou a atenção foi o com-
                                                                          prometimento secundário neurológico. Os aspectos clínicos
                                                                          e, principalmente, os anatomopatológicos observados, suge-
                                                                          rem que as alterações neurológicas foram causadas por ex-
                                                                          tensão do processo inflamatório supurado localizado na
                                                                          orofaringe e palato mole até a articulação atlanto-occipital
                                                                          migrando para o sistema nervoso central. Nestes surtos em-
                                                                          bora não tenha sido informado pelos proprietários e trata-
                                                                          dores, é possível que a contenção inadequada associada ao
                                                                          estresse dos animais no momento do tratamento oral com
                                                                          anti-helmínticos tenha contribuído para as lesões traumáti-
                                                                          cas orofaríngeas, provavelmente causadas pela pistola
                                                                          dosificadora, uma vez que todos os animais das duas propri-
                                                                          edades passaram pelo mesmo manejo antiparasitário. Ao con-
                                                                          trário do que ocorreu nos Surtos 1 a 4 nos quais foram afeta-
Fig.7. Leptomeningite não-purulenta no córtex occipital, em ovino         dos ovinos de diversas idades, nos Surtos 5 e 6 foram afeta-
    do Surto 5. HE, obj.10.                                               dos apenas animais jovens o que sugere que esta faixa etária

                                                                                                           Pesq. Vet. Bras. 27(7):282-286, julho 2007
286                                                 Fabiano J.F. de Sant’Ana et al.



está sob maior risco de desenvolver lesões que se estendam            de cobre, como degeneração da mielina (degeneração
ao sistema nervoso.                                                   walleriana), degeneração neuronal, hipomielinogênese ou
    Os resultados deste trabalho mostram que traumatismos             hidranencefalia, conforme descrito por outros autores
causados na orofaringe por aparelhos para tratar ovinos oral-         (Tokarnia et al. 1966, Riet-Correa 2001, Riet-Correa et al. 2002).
mente podem causar quadros clínicos diferentes, dependen-                 Este trabalho mostra a necessidade de se prestar atenção
do, provavelmente do tipo de aparelho, do local da lesão e dos        no momento do tratamento oral com anti-helmínticos em
agentes que causem infecção. Rivero et al. (1989) descrevem           ovinos para evitar ferimentos na orofaringe, constatando que
outro tipo de alteração causada por pistolas dosificadoras ca-        a pistola dosificadora não tenha irregularidades ou áreas cor-
racterizada por lesões da faringe, que evoluem para abscessos         tantes que possam ferir a orofaringe dos animais; imobilizan-
ou flegmões retrofaríngeos e periesofágicos. Nesses casos, os         do corretamente aos animais durante a administração de
ovinos apresentam 15-20 dias após terem sido tratados,                medicamentos via oral evitando ferimentos com a pistola de
marcada depressão e anorexia e, em alguns animais, detecta-           dosar em conseqüência de movimentos bruscos; e depositan-
se tumefação localizada, na maioria das vezes, na zona ventral        do o medicamento com a extremidade da pistola em cima da
do pescoço. Na necropsia observa-se coleção de pus, que se            língua evitando alcançar a faringe do animal.
estende desde a região retrofaríngea até a entrada do peito,
passando dorsalmente à traquéia e ao esôfago. Radostits et al.                                     REFERÊNCIAS
(2002) alertam para o fato de que lesões traumáticas na cavida-
                                                                      López A. 1998. Sistema respiratório, p.132-193. In: Carlton W.W. & McGavin
de oral de ruminantes podem trazer sérias conseqüências, pois           M.D. (ed.), Patologia Veterinária Especial de Thomson. 2ª ed. Artmed, Por-
agentes oportunistas, principalmente bacterianos, podem apro-           to Alegre.
veitar essa porta de entrada e migrarem para outros tecidos e         Radostits O.M., Gay C.C., Blood D.C. & Hinchcliff K.W. 2002. Clínica Veteriná-
sistemas causando alterações inflamatórias graves como ocor-            ria: um tratado de doenças dos bovinos, ovinos, suínos, caprinos e eqüinos.
re na actinobacilose, actinomicose e listeriose.                        9ª ed., Guanabara Koogan, Rio de Janeiro. 1737p.
    O diagnóstico da enfermidade, com base no histórico e na          Riet-Correa F. 2001. Deficiência de cobre, p.312-320. In: Riet-Correa F., Schild
localização e tipo de lesões observadas é relativamente fácil.          A.L., Méndez M.C. & Lemos R.A.A. (ed.), Doenças de Ruminantes e Eqüinos.
No entanto, nos Surtos 5 e 6, o quadro clínico era semelhan-            2ª ed. Vol. 2. Varela, São Paulo.
te, em alguns aspectos, ao encontrado na deficiência de co-           Riet-Correa F., Riet-Correa G. & Schild A.L. 2002. Importância do exame clíni-
                                                                        co para o diagnóstico das enfermidades do sistema nervoso em ruminan-
bre, mas as dosagens desse mineral feitas com amostras de
                                                                        tes e eqüídeos. Pesq. Vet. Bras. 22(4):161-168.
fígado e soro dos ovinos mostraram resultados dentro dos
                                                                      Rivero R., Quintana S., Féola R. & Haedo F. 1989. Principales enfermedades
parâmetros normais para a espécie. Essa deficiência mineral             diagnosticadas en el area de influência del Laboratorio de Diagnóstico
foi incluída no diagnóstico diferencial também em função do             Regional Noroeste del CIVET Miguel C. Rubino. 17ª Jornada Uruguaya de
histórico de falhas na mineralização do rebanho, nos dois               Buiatría, Seção I, p.1-73.
criatórios. Ademais, não foram detectadas alterações histoló-         Tokarnia C.H., Döbereiner J., Canella C.F.C. & Guimarães G.A. 1966. Ataxia
gicas, encefálicas ou medulares, compatíveis com deficiência            enzoótica em cordeiros no Piauí. Pesq. Agropec. Bras. 1:375-382.




Pesq. Vet. Bras. 27(7):282-286, julho 2007

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Lesões orofaríngeas e neurológicas em ovinos associadas ao uso de pistolas dosificadoras

  • 1. Pesq. Vet. Bras. 27(7):282-286, julho 2007 L esões orofaríngeas e neurológicas em ovinos associadas ao uso de pistolas dosificadoras1 Fabiano J.F. de Sant’Ana2*, Edismair C. Garcia3, Rogério E. Rabelo4, Yara L. da Costa5, Ana L. Schild6 e Franklin Riet-Correa7 ABSTRACT.- Sant’Ana F.J.F., Garcia E.C., Rabelo R.E., Costa Y.L., Schild A.L. & Riet-Correa F. 2007. ABSTRACT.- [Oropharyngeal and neurologic lesions in sheep associated with the use of drenching Oropharyngeal Orophar guns Lesões orofaríngeas e neurológicas em ovinos associadas ao uso de pistolas dosificadoras. guns.] Pesquisa Veterinária Brasileira 27(7):282-286. Laboratório de Patologia Veterinária, Universidade Federal de Goiás, Campus Jataí, 75800-000 Jataí, GO, Brazil. E-mail: santanafjf@yahoo.com Six outbreaks of oropharyngeal lesions caused by drenching guns in sheep are reported. In 2 outbreaks in Rio Grande do Sul the morbidity was 6.25% and 15%, and the lesions observed after antihelmintic treatment in adult sheep were characterized by a fistula extending from mouth to skin of the face. All sheep died or were euthanatized after continuous weight loss for up to 8 months. Another outbreak in the same State affected 26 out of 360 adult sheep after being dosed with molasses, causing lesions in the oral mucosa followed by malignant edema of the oral and subcutaneous tissues. All sheep died within 10 days after treatment. Another case observed in Rio Grande do Sul affected one out of 88 adult ewes. The animal died with hemorrhages from the nose and mouth 8 days after antihelmintic treatment. At necropsy an ulcerated lesion covered by a clot of fibrine was found in the oral mucosa. The lesion had a fistulated tract with purulent exudate extending through the soft tissues in direc- tion to the right eye. Two outbreaks occurred in the State of Goiás 16-20 days after antihelmintic treatment in 5-9 months old lambs. Morbidity was 11.43% and 15.62% and fatality rate was 7.14% and 9.38%. Main clinical signs were nervous signs caused by abscesses with a diameter of 0.5-3cm, containing purulent exudates in the oropharynx, soft palate and adjacent muscles extending to the meninges through the atlantoaxial joint. Not-purulent meningitis was ob- served histologically. The need to use proper drenching guns and pay attention during dosing to avoid lesions of the oropharynx is pointed out. INDEX TERMS: Oropharyngeal abscess, neurologic alterations, drenching guns, sheep. RESUMO.- Descrevem-se 6 surtos de lesões orofaríngeas em RESUMO.- helmínticos. Em 2 surtos ocorridos no Rio Grande do Sul, com ovinos causadas por pistolas para administração oral de anti- morbidade de 6,25% e 15% as lesões ocorreram em ovinos de diferentes idades após o tratamento anti-helmíntico. Carac- 1 terizaram-se por fístulas que se estendiam através dos teci- Recebido em 19 de dezembro de 2006. dos moles desde a boca até a pele da face. Todos os animais Aceito para publicação em 3 de janeiro de 2007. 2 Laboratório de Patologia Veterinária (LPV), Universidade Federal de Goiás morreram ou foram eutanasiados após perda contínua de peso (UFG), Campus Jataí (CAJ), BR 364 Km 192, Setor Parque Industrial, Jataí, GO após um curso clínico de até 8 meses. Outro surto nesse mes- 75800-000, Brasil. *Autor para correspondência: santanafjf@yahoo.com mo Estado, com uma morbidade de 7,22% caracterizou-se por 3 Graduando em Medicina Veterinária, Monitor de Anatomia Patológica lesões de edema maligno originadas por traumatismos cau- Animal, LPV, UFG-CAJ, Jataí, GO 75800-000. sados na mucosa oral durante a administração de melaço. 4 Ambulatório Veterinário, UFG-CAJ, Jataí, GO 75800-000. Todos os animais morreram em 10 dias após o tratamento. 5 Graduanda em Medicina Veterinária, Bolsista de Extensão (PROBEC/UFG), No quarto surto observado no Rio Grande do Sul, houve uma LPV, UFG-CAJ, Jataí, GO 75800-000. 6 Laboratório Regional de Diagnóstico, Faculdade de Veterinária, Universi- ovelha adulta afetada, de um total de 88, que apresentou se- dade Federal de Pelotas, 96010-900 Pelotas, Rio Grande do Sul. vera hemorragia pelo nariz e pela boca 8 dias após ter sido 7 Hospital Veterinário, CSTR, Universidade Federal de Campina Grande, tratada oralmente com anti-helmíntico. Na necropsia apre- 58700-000 Patos, Paraíba. sentava aumento de volume pela face interna da mandíbula 282
  • 2. Lesões orofaríngeas e neurológicas em ovinos associadas ao uso de pistolas dosificadoras 283 do lado direito e bochecha cuja mucosa estava ulcerada, com que morreram naturalmente ou que foram eutanasiados in extremis um coágulo e secreção purulenta com formação de fístula (devido ao prognóstico desfavorável) foram submetidos à necropsia, que se estendia pelos tecidos moles em direção ao globo ocu- sendo coletados fragmentos de vários órgãos, os quais foram fixados lar. Dois surtos ocorreram no Estado de Goiás, 16-20 dias após em formol tamponado a 10%, processados rotineiramente para histopatologia e corados por HE. Amostras de fígado e de soro fo- o tratamento oral com anti-helmínticos em cordeiros de 5-9 ram coletadas de três animais para dosagem de cobre. Foram meses de idade. A morbidade foi de 11,43% e 15,62% e morta- realizados hemogramas em dois ovinos da Propriedade A e em um lidade de 7,14% e 9,38%. Os animais apresentaram, principal- da Propriedade B. mente, sinais nervosos, causados por abscessos que variavam de 0,5-3cm de diâmetro, contendo exsudato purulento ama- RESULTADOS RESULT relado no seu interior, localizados na orofaringe, palato mole e musculatura esquelética adjacente estendendo-se às menin- observados Surtos obser vados no Rio Grande do Sul ges através da articulação atlanto-occipital. Meningite não- No Surto 1, ocorrido no município de Piratiní, em agosto purulenta foi observada histologicamente. Alerta-se para a de 1979, foram afetados 5 (6,25%) ovinos de um rebanho de necessidade de utilização de pistolas em boas condições e 80, de 2 anos de idade. No Surto 2, no município de Herval, prestar atenção no momento do tratamento oral com anti- em 1986 foram afetados 30 (15%) ovelhas adultas, de um re- helmínticos para evitar ferimentos na orofaringe de ovinos. banho de 200. Nestes dois surtos os sinais clínicos, observa- dos 15-20 dias após o tratamento oral com anti-helmínticos, TERMOS DE INDEXAÇÃO: Abscessos orofaríngeos, alterações neu- caracterizaram-se por emagrecimento progressivo e morte, rológicas, tratamento oral com anti-helmínticos, ovinos. com presença de uma fístula com conteúdo purulento mistu- rado com alimento, localizada na pele lateralmente à mandí- INTRODUÇÃO bula ou intermandibular (Fig.1). No Surto 2, as 30 mortes ocor- Em ovinos, uma das principais formas de tratamento anti- reram de maio a dezembro. Na necropsia de dois ovinos, foi helmíntico consiste na aplicação de drogas, via oral, utilizan- do as denominadas pistolas dosificadoras. Quando essa téc- nica não é realizada com os devidos cuidados, lesões traumá- ticas penetrantes na boca, faringe, laringe e tecidos circunvizi- nhos podem ocorrer (López 1998). Nesses casos pode-se ob- servar edema, inflamação local, perfuração da parede póstero- dorsal da faringe, abscessos e celulite (López 1998, Radostits et al. 2002). Este trabalho tem por objetivo descrever 6 surtos de le- sões orofaríngeas em ovinos que ocorreram em conseqüên- cia da administração oral de anti-helmínticos ou melaço com pistolas dosificadoras. Quatro surtos ocorreram no Rio Gran- de do Sul e dois no sudoeste de Goiás. Estes últimos apresen- taram comprometimento neurológico secundário às altera- ções orofaríngeas. MATERIAL E MÉTODOS MATERIAL Fig.1. Fístula na região mandibular (seta) que comunica com a cavi- Os 4 surtos relatados no Rio Grande do Sul ocorreram nos anos de dade oral, em ovino do Surto 2. 1978-2006 e os dados relativos à epidemiologia e aos sinais clínicos foram obtidos nos protocolos de necropsias do Laboratório Regional de Diagnóstico da Faculdade de Veterinária da Universidade Federal de Pelotas. Algumas informações de alguns desses surtos não estavam disponíveis nos protocolos. Dois ovinos do Surto 2 e um de cada um dos surtos restantes foram enviados mortos ao laboratório e necropsiados. Fragmentos dos diversos órgãos foram fixados em formalina 10%, cortados com 5µm de espessura e corados com hematoxilina-eosina (HE). Material das lesões observadas no ovino do Surto 3 foi coletado para realização de culturas bacterianas aeróbicas e anaeróbicas. Os 2 surtos observados no Estado de Goiás ocorreram em rebanhos de criação extensiva (Propriedade A e B). Quatro ovinos da Propriedade A e três da Propriedade B foram enviados vivos (dois da A e um da B) e mortos (dois da A e dois da B) para exame clínico e/ou necropsia na Universidade Federal de Goiás, Campus Jataí. Nos animais que chegaram vivos, após exame físico geral e prévia identificação, foi realizado exame neurológico específico. O histórico clínico foi obtido com os proprietários e/ou tratadores. Os animais Fig.2. Edema submandibular em ovino do Surto 3. Pesq. Vet. Bras. 27(7):282-286, julho 2007
  • 3. 284 Fabiano J.F. de Sant’Ana et al. 3 4 6 Fig.3. Úlcera (seta) lateral à língua, na amídala esquerda do ovino da Figura 2. Fig.4. Ovino do Surto 5 com marcante depressão, apatia e decúbito esternal. Fig.5. Articulação atlanto-occipital com exsudato purulento intra e extrarticular (setas), em ovino do Surto 6. Fig.6. Articulação atlanto-occipital de ovino do Surto 6, apresentan- 5 do na face interna do atlas exsudato purulento intrarticular (seta). observada lesão purulenta, situada, lateralmente à raiz da lín- de pistolas dosificadoras ocorreu no município de Capão do gua ou no vestíbulo, que se difundia em forma de fístula atra- Leão em maio de 2006 em uma ovelha, de um rebanho de 88 vés dos tecidos moles até atingir a pele. ovelhas adultas, a qual apresentou severa hemorragia pelo O Surto 3, que ocorreu em 1981 no município de Piratiní, nariz e pela boca 8 dias após ter sido tratada oralmente com afetou 26 (7,2%) ovinos de um rebanho de 360 ovelhas adul- anti-helmíntico. Na necropsia apresentava aumento de volu- tas. Nesses casos a lesão causada pelo aparelho de dosificar me da face interna da mandíbula e da bochecha do lado direi- caraterizou-se por edema maligno nos tecidos intermandibu- to. A mucosa da bochecha estava ulcerada contendo um coá- lares. Aos animais tinha sido administrado melaço diluído a gulo e secreção purulenta com formação de fístula que se 10% com água. Apresentaram marcada apatia, emagrecimen- estendia pelos tecidos moles em direção ao globo ocular. to e severo edema submandibular (Fig.2), morrendo em até Nos diversos órgãos coletados de todos os animais 10 dias após a dosificação. Na necropsia observaram-se le- necropsiados para estudo histológico não foram observadas sões ulcerativas localizadas lateralmente à raiz da língua e na lesões histológicas significativas. faringe (Fig.3). Os tecidos inter-mandibulares apresentavam lesões de edema maligno, caracterizadas por edema de cor Surtos no Estado de Goiás marrom amarelada e odor fétido. Nas culturas realizadas do Os 2 surtos observados no Estado de Goiás ocorreram material obtido das lesões foi isolada flora polimicrobiana durante os meses de abril e maio de 2006 em dois rebanhos incluindo Clostridium spp. pertencentes às Propriedades A e B, ambas localizadas no Um último caso (Surto 4) de lesões associadas à utilização município de Jataí, sudoeste de Goiás. Pesq. Vet. Bras. 27(7):282-286, julho 2007
  • 4. Lesões orofaríngeas e neurológicas em ovinos associadas ao uso de pistolas dosificadoras 285 Na Propriedade A, de um total de 280 ovinos sem raça occipital associada à hiperemia de arteríolas (Fig.7). Nas de- definida (SRD), que tinham entre 4 meses e 2 anos de idade, mais regiões do encéfalo, notaram-se apenas focos discretos 32 adoeceram e 20 morreram (morbidade 11,43%, mortalida- de gliose e tumefação de algumas células endoteliais. Não de 7,14%). Na Propriedade B, de um rebanho de 96 animais (8- foram detectadas alterações significativas na medula espi- 36 meses) SRD e Santa Inês, 15 adoeceram e nove morreram nhal. (morbidade 15,62%, mortalidade 9,38%). Nas duas proprieda- Nenhuma alteração foi detectada nos exames hematológi- des, os animais enfermos tinham entre 5 e 9 meses e os sinais cos realizados. As concentrações de cobre no soro (X=81,2ppm) clínicos da enfermidade surgiram, em média, 16-20 dias após e no fígado (X=72,4ppm) estavam dentro dos parâmetros con- o tratamento oral de todos os animais do rebanho com anti- siderados normais para a espécie. helmínticos utilizando pistola dosificadora. Os tratamentos anti-helmínticos estavam sendo realizados a cada 30 (Propri- DISCUSSÃO DISCUSSÃO edade A) ou 60 dias (Propriedade B). Na Propriedade B, era Em 5 surtos descritos neste trabalho as lesões orofaríngeas prática comum o fornecimento de sal mineral de origem des- foram associadas ao tratamento com anti-helmínticos utili- conhecida formulada pelo proprietário e na Propriedade A zando aparelhos para administrar anti-helmínticos oralmen- não havia fornecimento de mineralização suplementar. te, denominados também como pistolas dosificadoras (Sur- Os sinais clínicos manifestados pelos animais nas duas tos 1, 2, 4, 5 e 6) ou após à administração de melaço (Surto 3), propriedades eram semelhantes e consistiam de apatia, le- também, com pistola dosificadora. Esta associação é sugerida targia, prostração, decúbito esternal, tremores musculares pelas lesões de provável origem traumáticas encontradas na especialmente na região cervical e na altura da escápula, pa- boca e porque ocorreram num período de 15-20 dias após o ralisia espástica dos membros torácicos e pélvicos, bruxismo tratamento nos Surtos 1, 2, 5 e 6 nos quais as lesões eram (em alguns animais), queda do pescoço, apesar do apetite purulentas, ou ainda mais rápido, no Surto 3 no qual ocorre- preservado (Fig.4). Não foram detectadas alterações signifi- ram lesões gangrenosas, e no Surto 4 no qual um caso indivi- cativas associadas a déficits de nervos cranianos. dual apresentou sangramento pelas narinas e boca associa- Macroscopicamente, observou-se, em todos os animais dos a uma lesão hemorrágica. necropsiados, abscessos que variavam de 0,5-3cm de diâme- Apesar de todos os surtos terem aparentemente a mesma tro, contendo exsudato purulento amarelado no seu interior, causa, traumatismos causados pelas pistolas dosificadoras, que estavam localizados na orofaringe, palato mole e muscu- seguidos de um processo purulento, hemorrágico ou gan- latura esquelética adjacente. No momento de desarticular a grenoso, resultaram em quatro formas clínicas diferentes. Nos cabeça do pescoço, via articulação atlanto-occipital, para re- Surtos 1 e 2 as lesões ocorreram na boca lateralmente à lín- tirada posterior do encéfalo, foi notado em três dos sete ovi- gua, instalando-se um processo purulento secundário que por nos necropsiados que a inflamação purulenta, ora descrita, gravidade se difunde através dos tecidos moles drenando na estendia-se no sentido dessa articulação inflamando todos pele e causando uma fístula desde a cavidade oral, que por os músculos cervicais vizinhos, inclusive com exsudação no conter resíduos de alimentos não tinha possibilidade de cu- espaço articular (Fig.5 e 6). Além disso, evidenciou-se hiper- rar espontaneamente. No Surto 3 o que ocorreu foi uma in- emia moderada do encéfalo e fígado com coloração discreta- fecção das feridas causadas pelo aparelho de dosar por mente amarelada e com aumento do padrão lobular, sugerin- Clostridium spp. e outras bactérias que causaram lesões típi- do processo degenerativo. cas de edema maligno. É provável que neste caso a contami- No exame histológico do encéfalo, foi observada leptome- nação tenha sido proveniente do melaço que foi administra- ningite não-supurada discreta a moderada em cortes do córtex do aos animais. No animal afetado no Surto 4 havia lesões hemorrágicas. Nos Surtos 5 e 6, o que mais chamou a atenção foi o com- prometimento secundário neurológico. Os aspectos clínicos e, principalmente, os anatomopatológicos observados, suge- rem que as alterações neurológicas foram causadas por ex- tensão do processo inflamatório supurado localizado na orofaringe e palato mole até a articulação atlanto-occipital migrando para o sistema nervoso central. Nestes surtos em- bora não tenha sido informado pelos proprietários e trata- dores, é possível que a contenção inadequada associada ao estresse dos animais no momento do tratamento oral com anti-helmínticos tenha contribuído para as lesões traumáti- cas orofaríngeas, provavelmente causadas pela pistola dosificadora, uma vez que todos os animais das duas propri- edades passaram pelo mesmo manejo antiparasitário. Ao con- trário do que ocorreu nos Surtos 1 a 4 nos quais foram afeta- Fig.7. Leptomeningite não-purulenta no córtex occipital, em ovino dos ovinos de diversas idades, nos Surtos 5 e 6 foram afeta- do Surto 5. HE, obj.10. dos apenas animais jovens o que sugere que esta faixa etária Pesq. Vet. Bras. 27(7):282-286, julho 2007
  • 5. 286 Fabiano J.F. de Sant’Ana et al. está sob maior risco de desenvolver lesões que se estendam de cobre, como degeneração da mielina (degeneração ao sistema nervoso. walleriana), degeneração neuronal, hipomielinogênese ou Os resultados deste trabalho mostram que traumatismos hidranencefalia, conforme descrito por outros autores causados na orofaringe por aparelhos para tratar ovinos oral- (Tokarnia et al. 1966, Riet-Correa 2001, Riet-Correa et al. 2002). mente podem causar quadros clínicos diferentes, dependen- Este trabalho mostra a necessidade de se prestar atenção do, provavelmente do tipo de aparelho, do local da lesão e dos no momento do tratamento oral com anti-helmínticos em agentes que causem infecção. Rivero et al. (1989) descrevem ovinos para evitar ferimentos na orofaringe, constatando que outro tipo de alteração causada por pistolas dosificadoras ca- a pistola dosificadora não tenha irregularidades ou áreas cor- racterizada por lesões da faringe, que evoluem para abscessos tantes que possam ferir a orofaringe dos animais; imobilizan- ou flegmões retrofaríngeos e periesofágicos. Nesses casos, os do corretamente aos animais durante a administração de ovinos apresentam 15-20 dias após terem sido tratados, medicamentos via oral evitando ferimentos com a pistola de marcada depressão e anorexia e, em alguns animais, detecta- dosar em conseqüência de movimentos bruscos; e depositan- se tumefação localizada, na maioria das vezes, na zona ventral do o medicamento com a extremidade da pistola em cima da do pescoço. Na necropsia observa-se coleção de pus, que se língua evitando alcançar a faringe do animal. estende desde a região retrofaríngea até a entrada do peito, passando dorsalmente à traquéia e ao esôfago. Radostits et al. REFERÊNCIAS (2002) alertam para o fato de que lesões traumáticas na cavida- López A. 1998. Sistema respiratório, p.132-193. In: Carlton W.W. & McGavin de oral de ruminantes podem trazer sérias conseqüências, pois M.D. (ed.), Patologia Veterinária Especial de Thomson. 2ª ed. Artmed, Por- agentes oportunistas, principalmente bacterianos, podem apro- to Alegre. veitar essa porta de entrada e migrarem para outros tecidos e Radostits O.M., Gay C.C., Blood D.C. & Hinchcliff K.W. 2002. Clínica Veteriná- sistemas causando alterações inflamatórias graves como ocor- ria: um tratado de doenças dos bovinos, ovinos, suínos, caprinos e eqüinos. re na actinobacilose, actinomicose e listeriose. 9ª ed., Guanabara Koogan, Rio de Janeiro. 1737p. O diagnóstico da enfermidade, com base no histórico e na Riet-Correa F. 2001. Deficiência de cobre, p.312-320. In: Riet-Correa F., Schild localização e tipo de lesões observadas é relativamente fácil. A.L., Méndez M.C. & Lemos R.A.A. (ed.), Doenças de Ruminantes e Eqüinos. No entanto, nos Surtos 5 e 6, o quadro clínico era semelhan- 2ª ed. Vol. 2. Varela, São Paulo. te, em alguns aspectos, ao encontrado na deficiência de co- Riet-Correa F., Riet-Correa G. & Schild A.L. 2002. Importância do exame clíni- co para o diagnóstico das enfermidades do sistema nervoso em ruminan- bre, mas as dosagens desse mineral feitas com amostras de tes e eqüídeos. Pesq. Vet. Bras. 22(4):161-168. fígado e soro dos ovinos mostraram resultados dentro dos Rivero R., Quintana S., Féola R. & Haedo F. 1989. Principales enfermedades parâmetros normais para a espécie. Essa deficiência mineral diagnosticadas en el area de influência del Laboratorio de Diagnóstico foi incluída no diagnóstico diferencial também em função do Regional Noroeste del CIVET Miguel C. Rubino. 17ª Jornada Uruguaya de histórico de falhas na mineralização do rebanho, nos dois Buiatría, Seção I, p.1-73. criatórios. Ademais, não foram detectadas alterações histoló- Tokarnia C.H., Döbereiner J., Canella C.F.C. & Guimarães G.A. 1966. Ataxia gicas, encefálicas ou medulares, compatíveis com deficiência enzoótica em cordeiros no Piauí. Pesq. Agropec. Bras. 1:375-382. Pesq. Vet. Bras. 27(7):282-286, julho 2007