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Prosa Quente
10 DBO setembro 2018
E
le é uma referência quando o assunto é saúde
animal. Professor e pesquisador da Faculdade de
Medicina Veterinária da Unesp deAraçatuba, SP,
Iveraldo Santos Dutra começou cedo sua trajetória no
setor pecuário. Natural de Jales, também interior pau-
lista, “nasceu dentro de uma propriedade rural”, como
diz, acompanhando o pai na atividade leiteira. Mudou-
-se com a família para o Rio de Janeiro, por influência
do avô, que comprava e vendia gado na companhia do
ex-boiadeiro Sebastião Ferreira Maia, o Tião Maia, mí-
tico pecuarista que inspiraria a criação do personagem
Sinhozinho Malta, sucesso da novela Roque Santeiro,
da TV Globo, em meados dos anos 80.
Dutra ingressou na Universidade Federal Rural do
Rio de Janeiro (UFRRJ), para cursar veterinária aos 17
anos de idade. No segundo ano de faculdade, começou
a estagiar como bolsista no antigo Instituto de Biologia
Animal, que mais tarde se tornaria a Embrapa. Foi lá que
conheceu “os maiores nomes da área de saúde animal”,
como faz questão de enfatizar. Gente da estirpe dos mes-
tres Jürgen Dôbereiner e Carlos Tokarnia, aos quais se
refere com carinho e admiração. A oportunidade de tra-
Brasil precisa de um Plano
Nacional de Saúde Animal
Segundo o professor Iveraldo Dutra, da Unesp-Araçatuba, SP,
isso evitaria problemas como a falta de tuberculina.
balhar com os mestres lhe trouxe uma lição valiosa, que
nortearia sua trajetória: o apreço pela pesquisa e o espí-
rito empreendedor dentro da saúde animal. O início da
carreira, já pela Embrapa, foi na cidade de Carrancas,
no sul de Minas Gerais, com a missão de fazer a difusão
de tecnologia dentro da saúde animal nos moldes que se
via na área agronômica. “O Dr. Eliseu Alves nos dizia:
‘Vocês têm de falar a mesma linguagem dos produtores,
falar tanto da saúde quanto da doença”’. O jovem veteri-
nário seguiu à risca o desafio lançado pelo pesquisador,
um dos fundadores da Embrapa. “Íamos até as fazendas
explicar para os produtores o que era mastite subclínica,
por que era importante vacinar, fornecer suplementação
mineral para o gado”, recorda.
Dois anos depois, Dutra deixou Carrancas rumo à
Alemanha, graças a um convênio entre a Embrapa e o
Instituto Nacional de Educação. “Quando me dei con-
ta, estava de botina no aeroporto de Frankfurt”, relem-
bra rindo. O mestrado e doutorado foram concluídos em
três anos na Universidade de Giessen. O aprendizado de
uma nova língua e a vivência de uma nova cultura so-
maram-se ao amadurecimento profissional do pesquisa-
dor. “Aprendi a fazer ciência”. Quando retornou ao Bra-
sil, em 1986, a unidade em Carrancas havia sido extinta.
Dutra retornou então para A UFRRJ; depois, foi contra-
tado como consultor nacional da Embrapa e, em 1990,
prestou concurso para a Unesp de Jaboticabal, na área de
planejamento e saúde animal.
A abertura de um novo curso de graduação em me-
dicina veterinária na Unesp de Araçatuba e motivações
familiares – sua esposa, que também é pesquisadora, ha-
via passado num concurso na universidade – fizeram
com que mudasse de endereço em 1992. Fiel ao ensino,
pesquisa e extensão, pilares que sempre alicerçaram sua
carreira e lhe ditaram o rumo a seguir, Dutra se envolveu
com um projeto de pesquisa de grande envergadura na
Amazônia. Com apoio financeiro da Academia Nacio-
nal de Ciências, dos Estados Unidos, o pesquisador está
prestes a desvendar a origem do mal da cara inchada,
doença que causou grande estrago nas décadas de 70 e
80, mas que nunca desapareceu por completo. Nesta en-
trevista à editora Maristela Franco e ao repórter Rena-
to Villela, Iveraldo fala sobre a pesquisa, além de outros
temas, como a recente crise no controle da brucelose e
tuberculose por falta de insumos, falha vacinal e febre
aftosa. Confira!
Cerca de
85% dos
produtores
desconhece
as normas
para
erradicar a
brucelose e
tuberculose
de suas
fazendas”.
DBO setembro 2018 11
Maristela – Como o senhor vê a falta de antígenos para testes
de tuberculose?
Dutra – Com tristeza. Isso reflete a descontinuidade dos
programas de saúde animal no País. O Programa Nacio-
nal de Controle e Erradicação da Brucelose e Tuberculo-
se tecnicamente é fantástico, muito bem elaborado. Mas
onde é que a gente esbarra? Na falta de insumos, cuja pro-
dução deveria ser responsabilidade do Estado, para ga-
rantir a execução do programa. Nos anos 80 e 90, o Mi-
nistério da Agricultura construiu o Lanagro, em Pedro
Leopoldo, MG, para dar suporte a todos os programas
oficiais, inclusive à produção de tuberculina. O problema
é que as prioridades vão mudando. Nessas circunstâncias,
deixa-se de produzir determinado insumo, imprescindível
para realização dos testes e você simplesmente mata um
programa.
Renato – Com a suspensão da produção de tuberculina pelo Ins-
tituto de Tecnologia do Paraná (TecPar), o Instituto Biológico, de
SãoPaulo,assumiuessatarefa,masademandaémuitosuperior
à capacidade do laboratório. A indústria veterinária não poderia
entrar neste segmento?
Dutra – Sem dúvida, mas é preciso fazer um plano de ne-
gócios. Quanto custa? Quem está interessado em produ-
zir? Quais as exigências regulatórias? Há uma conjun-
ção de fatores desfavoráveis. Não tem incentivo, não tem
prioridade. Todo novo medicamento precisa passar pelo
crivo do Ministério da Agricultura, procedimento impor-
tante e necessário, mas muitas vezes são criadas exigên-
cias que dificultam o trabalho da indústria. Por que a pro-
dução de antígenos não é um negócio? Tem de ser um
negócio.
Renato – Além da falta de antígenos,o que mais dificulta a erra-
dicação dessas doenças?
Dutra – Precisamos de uma coordenação mais efetiva,
mais contemporânea. Ficamos obsoletos na forma de exe-
cutar tarefas de saúde animal. É inconcebível pensar em
erradicar uma doença de cada vez – primeiro aftosa, de-
pois a brucelose e tuberculose, etc. O mundo mudou. O
Brasil carece de um plano nacional de saúde animal e não
temos essa diretriz. As coisas vão acontecendo pontual-
mente e muitas vezes afetam não apenas os programas de
erradicação, mas a continuidade das ações de educação e
saúde. Há uma descontinuidade no processo de comuni-
cação com os produtores. No caso da brucelose e tubercu-
lose, essa é uma lacuna cruel.Temos uma massa crítica de
veterinários capacitados, que pagaram para fazer cursos
de treinamento para erradicação das duas doenças, produ-
tores sensibilizados e, mesmo assim, nunca decolamos no
número de propriedade livres certificadas.
Maristela – Por que não avançamos?
Dutra – Porque atrelamos a certificação a um programa
oficial. Temos exemplos de propriedades que percorre-
ram todo o processo para certificação e, na última etapa,
que exigia a presença de um técnico da Secretaria, não
conseguiu a certificação porque ele não pode ir. Inicial-
mente, eram muitos os produtores que queriam certificar
suas propriedades, mas eles desanimaram, por falta de
incentivo. Não falta somente antígeno (tuberculina), fal-
ta uma coordenação mais clara do programa, dizer quais
são os objetivos, as metas. Acredito que essa iniciativa
deveria partir do setor produtivo, dos próprios produto-
res, mas, infelizmente, ficamos à espera das autoridades
sanitárias. É preciso tratar esse assunto com clareza: se
tenho um animal na propriedade com brucelose ou tu-
berculose, o que faço? Tenho de abater, sacrificar, com
quem fica o prejuízo?
AÁfrica do Sul fez um programa de erradicação que
contava com iniciativas voluntárias dos produtores, mas
também com um programa de indenização. Por que não
criamos um fundo de indenização para as áreas mais crí-
ticas e começamos a fazer um programa efetivo de er-
radicação? Fizemos um trabalho de pesquisa de campo
para verificar a percepção de risco dos produtores sobre
essas doenças. Perguntamos por que não buscam a cer-
tificação de livre de brucelose e tuberculose para suas
propriedades. Cerca de 85% dos entrevistados disseram
que desconhecem o programa. Está aí um ponto-chave.
O Ministério da Agricultura, que regulamenta as ações
do programa, a capacitação dos técnicos e a produção de
insumos deveria estar fomentando esse processo.
Renato – Após a edição da IN 10,de 2017 pelo Mapa,o produtor
pode usar a vacina B19 também nas bezerras de três a oito
meses. Que achou dessa estratégia e da classificação de risco
para a brucelose e tuberculose?
Dutra – São grandes avanços. A vacina com cepa RB 51
não induz à produção de anticorpos, portanto não gera
testes “falso positivos” [como as fêmeas estão mais
precoces, ciclando muito cedo, esse problema pode
ocorrer também na faixa etária de até 8 meses quan-
do se usa B19, levando ao descarte de animais sadios].
Quanto à classificação de risco, ela pode ajudar a ata-
car a brucelose e tuberculose regionalmente, conside-
rando-se a dinâmica dos fluxos comerciais, como se
fez com a febre aftosa.
Maristela – Como o produtor pode se livrar dessas doenças?
Dutra – Vacinando corretamente as fêmeas e fazendo
análise de risco dentro da propriedade. Muitas vezes, o
nível de prevalência é baixo. Com pouco investimen-
to na segregação/descarte dos animais doentes, ele pode
Prosa Quente
12 DBO setembro 2018
Se o Brasil
quer ser
tratado como
fornecedor
de proteína
animal de
qualidade,
precisa
eliminar
doenças
‘jurássicas’
de seu
rebanho”.
Renato – Professor, vamos falar um pouco, agora, de reação
vacinal, causa do embargo norte-americano à carne brasileira.
Foram feitas mudanças na vacina antiaftosa, como a retirada
do vírus tipo C e a redução da dose de 5 para 2 ml. O senhor
acha que essas medidas são suficientes?
Dutra – Essas medidas podem reduzir, mas não eliminar
as reações vacinais. A questão principal, a meu ver, é a
falta de educação sanitária. Gosto de insistir neste pon-
to. Muitas vezes, o produtor pensa: se a vacina é obri-
gatória, a culpa por uma reação vacinal é de quem me
obrigou a vacinar, quando, na realidade, ele consegue
eliminar ou minimizar essas reações, em 80%-90% dos
casos, se adotar boas práticas na compra, conservação e
aplicação do produto.
Lembro que, na década de 90, iniciamos uma cam-
panha, pelo Fundepec, no Estado de São Paulo, para ti-
rar a vacinação do traseiro, onde estão os cortes mais no-
bres, e aplicar no dianteiro. Era um problema sério para
a cadeia produtiva nessa época, quando começamos a
exportar mais carne e tínhamos que acessar novos mer-
cados. Por isso, precisávamos acabar com essa não con-
formidade, esse risco. Comprava-se picanha com abs-
cessos. Conseguimos tranferir a vacinação para a tábua
do pescoço. Depois, criaram os produtos de longa ação,
para reduzir o número de manejos do gado no curral.
Quantos milhões de doses de vacinas e vermífugos te-
mos aplicado na tábua do pescoço? E nós não fizemos
nenhuma análise de risco sobre os resíduos, os veículos
dos vermífugos e das vacinas. Isso tudo já era previsível.
Maristela – O senhor é favor do fim da vacinação contra febre
aftosa no Brasil como propõe o Ministério?
Dutra – Isso é uma necessidade. Quantos anos mais pre-
cisamos vacinar para conseguir erradicar essa doença?
Do ponto de vista epidemiológico, temos um cenário fa-
vorável à retirada da vacinação e vejo isso como uma
evolução natural, muito bem-vinda. Se o Brasil quer ser
tratado como fornecedor de proteína animal de qualida-
de, tem de eliminar doenças “jurássicas” dentro do ce-
nário internacional.Aretirada da vacinação abrirá novas
fronteiras para a carne brasileira. Se agregarmos valor à
tonelada de carne exportada, será fantástico, estaremos
gerando riqueza. A aftosa não gera riqueza. Temos, na-
turalmente, de tomar todas as medidas necessárias para
impedir a reintrodução da doença. Para isso, é funda-
mental investir em educação sanitária. O produtor pre-
cisa saber o que fazer em caso de suspeita da doença.
Renato – Em 2011,a DBO fez uma reportagem sobre falha vaci-
nal na prevenção de clostridioses,como o carbúnculo sintomá-
tico e o botulismo, por exemplo. Na ocasião, o senhor alertou
para o fato de que algumas vacinas aprovadas pelo Mapa não
estarem conferindo proteção a determinados agentes infeccio-
sos causadores dessas doenças. Essa situação permanece?
Dutra – Nos últimos cinco anos, não acompanhei a evo-
lução das vacinas contra clostridioses presentes no mer-
cado, mas sei que alguns laboratórios investiram pesa-
do no desenvolvimento tecnológico de suas vacinas;
eliminar as doenças. Contratando um ve-
terinário habilitado pelo Ministério e pela
Secretaria daAgricultura, o produtor pode
fazer um levantamento epidemiológico de
seu rebanho [sorologia], identificar even-
tuais animais positivos e comunicar isso
ao órgão de Defesa, para fazer o abate sa-
nitário. Se a prevalência for baixa, o pro-
cesso não custa muito. Deixar a brucelose
se disseminar e atingir 10%-20% das fê-
meas, isso sim, custa caro.
Renato – Que outras ações podem ser feitas
para combater as duas doenças?
Dutra – Na reposição, comprar apenas fê-
meas vacinadas e imunizadas; fazer tes-
tes de brucelose nas plataformas de lei-
te, por meio de análise de amostras para
detecção de anticorpos, indicativos da presença da do-
ença, dentre outras medidas. O produtor precisa adqui-
rir o hábito de fazer o teste de brucelose e tuberculose
para todos os animais que vão entrar na propriedade.
Essa é uma boa prática. Não temos limitações tecnoló-
gicas, mas operacionais. É importante lembrar que esta-
mos tratando de duas zoonoses [doenças transmitidas
para humanos].
Maristela – É possível medir o prejuízo causado por essas en-
fermidades no Brasil?
Dutra – Acredito que de 10% a 15% do potencial que a
pecuária nacional tem para produzir bezerros vai para o
ralo por conta da brucelose, que é o principal problema
reprodutivo no gado de corte. Além disso, trata-se de
uma barreira sanitária para a União Aduaneira (Rússia,
Cazaquistão e Bielorrúsia). Cria-se uma situação difícil,
não somente para os frigoríficos, que não podem abater
animais oriundos de propriedades que tenham casos de
brucelose ou tuberculose, mas também para os consu-
midores nacionais. Como é que eu digo para a popula-
ção brasileira que estou proibido de exportar essa carne,
mas ela pode ser comercializada no mercado interno?
Renato – Quando se fala em tuberculose,normalmente se pen-
sa em leite. Qual o impacto da doença no gado de corte?
Dutra – Basta lembrar do macho leiteiro, que vai para o
confinamento. Mesmo quando não se tem sinais clínicos
da doença (adquirida pela ingestão de colostro na fazen-
da leiteira) nesses animais, ele podem apresentar lesões
causadas pela tuberculose no abate. O problema já gerou
restrições à exportação de carne brasileira em passado re-
cente. Veja que inusitado: uma doença do gado leiteiro se
transformou em uma barreira sanitária para exportação
de carne. Tudo isso pode ser previsto dentro de uma aná-
lise de risco, de um plano de saúde animal. Infelizmen-
te não é uma prioridade. Temos de trabalhar pela erradi-
cação, com muito mais velocidade do que no combate à
febre aftosa. Não dá para esperar 40 anos para erradicar
uma doença. Podemos fazer isso em 5 ou 10.
Prosa Quente
14 DBO setembro 2018
No Brasil,
perdemos
anualmente
16 milhões
de bovinos,
cujas
carcaças
ficam jogadas
no pasto,
trazendo
risco de
botulismo.
foram a campo descobrir quais cepas estavam presen-
tes no ambiente; melhoraram seus processos de desen-
volvimento e fizeram vacinas que protegem contra as
principais clostridioses que ocorrem no Brasil. Existem
vacinas que nunca geram reclamação, que seguem pro-
tocolos, com reforço 30 dias após a primeira aplicação,
mas outras que não funcionam tão bem, às vezes porque
se quer colocar tudo dentro do frasco. Por exemplo: antí-
geno contra tétano. Será que essa doença é tão importan-
te para o gado quanto a gangrena gasosa, o botulismo e o
carbúnculo sintomático? É aí que a vacina começa a se
fragilizar, porque, se eu coloco um componente, tenho
de tirar outro. Pesquisas já mostraram que alguns produ-
tos aprovados pelo Mapa conferiam proteção de apenas
três meses. No entanto, é preciso frisar que 99% dos sur-
tos se devem a falhas durante o processo de vacinação.
Maristela – Que tipo de erro o produtor comete?
Dutra – Por exemplo, ele não dá a dose de reforço 30 dias
após vacinar o animal pela primeira vez [primovacina-
dos], não garantindo uma produção adequada de anticor-
pos. Outro erro comum é não repetir a vacinação anual-
mente, como é recomendado. Aliás, não basta vacinar. É
preciso estar atento às demais ações profiláticas, como a
eliminação correta das carcaças [queima ou composta-
gem], a suplementação mineral correta, o fornecimento
de água de qualidade [cacimbas são fontes frequentes de
surtos de botulismo] e o monitoramento constante de ali-
mentos conservados [bactérias causadoras de clostridio-
ses podem proliferar em carcaças de roedores, por exem-
plo, que entram e morrem dentro dos silos]. São medidas
importantes para reduzir a mortalidade animal.
Maristela – Falando em mortalidade animal, ela ainda é alta no
Brasil e pouco diagnosticada. O produtor costuma atribuir as
mortes quase sempre às mordidas de cobra, onças ou plantas
tóxicas. Como jogar mais luz sobre isso?
Dutra – Segundo o IBGE, temos uma mortalidade de 8%
na pecuária, ou seja, perdemos anualmente 16 milhões
de bovinos, cujas carcaças ficam nas pastagens, trazen-
do riscos de botulismo. Não há estatística sobres essas
mortes, nem de suas causas. O diagnóstico correto seria
o ponto de partida para começar a buscar soluções. Cada
região tem doenças e perfis de mortalidade diferentes.
Deveríamos ter serviços veterinários atuando nessas
áreas, com suporte de laboratórios de diagnóstico. O La-
nagro deveria ser uma referência para os laboratórios re-
gionais, mas isso não foi adiante, por não ser prioridade.
Temos um serviço de patologia na Unesp de Araçatuba,
que vai até a fazenda para fazer diagnóstico, mas não são
todos os produtores que têm acesso a isso.
Renato – Desses diagnósticos, quais são as principais causas
de mortalidade?
Dutra – Nos bezerros, a principal causa são diarreias cau-
sadas por patógenos como a Escherichia coli e os Rota-
virus. Depois, vêm as infecções umbilicais. Algo banal,
primário. E a gente fica discutindo: curo ou não curo
o umbigo, enquanto isso provoca uma mortalidade tre-
menda. Nos animais de recria, as perdas estão mais as-
sociadas à verminose e às clostridioses, principalmente
o carbúnculo sintomático, e nos adultos, ao botulismo.
A raiva também é muito relevante, seguida pelas intoxi-
cações por plantas. São problemas relativamente fáceis
de prevenir com um bom programa de vacinação, ver-
mifugação e suplementação mineral. Os acidentes ofídi-
cos nem entram nessa lista, mas, quando fazemos uma
pesquisa de percepção de risco entre os produtores de
gado de corte, 60% atribuem as mortes de bovinos em
suas fazendas às cobras. Isso faz parte de uma cultura,
do imaginário popular. Frequentemente, são clostridio-
ses. Com vacinação contra essas doenças, se elimina de
70% a 80% da suposta “mortalidade por cobra”.
Maristela – Muito tem se falado em metafilaxia, principalmen-
te para prevenção de doenças respiratórias em confinamento.
Estamos fazendo corretamente ou exagerando no uso de me-
dicamentos?
Dutra – O problema é generalizar.Acredito que seja uma
ferramenta para ser usada eventualmente. Presenciei
uma ocasião, pouco tempo atrás, em que um lote intei-
ro, com peso perto de abate, contraiu pneumonia de um
lote recém-chegado ao confinamento. Nestes casos, em
que os animais apresentam febre alta e param de comer,
a mortalidade entre 6-12 horas é elevadíssima. Daí se
justifica aplicar um antibiótico, respeitando o período
de carência para evitar problemas de resíduo na carne.
Na minha opinião, ainda tem muita coisa a ser melho-
rada no transporte do gado, no manejo de entrada e na
ambiência do confinamento. Somente depois de ajustar
essas coisas é que devemos pensar em metafilaxia, mas
como ferramenta tática, não como preconização geral.
Renato – Para finalizar, poderia nos falar sobre as pesquisas
que está conduzindo na universidade, atualmente, na área de
saúde animal?
Dutra – Estamos investigando a origem da cara in-
chada. As duas doenças que mais ocorrem em acha-
dos arqueológicos são as periodontais e os desgastes
dentários. Uma de nossas orientandas, Ana Caroli-
na Borsanelli. fez o primeiro microbioma da boca do
boi, em um trabalho realizado na Escócia. O objetivo
é saber quais microrganismos existem na boca des-
ses animais e relacioná-los com a doença da cara in-
chada, que é a mais antiga que se conhece. Estamos
voltando a algumas das 52 fazendas que o Dr. Jurgen
Dobereiner, pesquisador da Embrapa, visitou nas dé-
cadas de 1960 e 1970, acompanhando os grandes sur-
tos da cara inchada. Para nossa surpresa, o problema
nunca desapareceu. Quando você analisa aquelas va-
cas de fundo, magras, e abre a boca delas, observa
que têm severas lesões periodontais, afrouxamento
dos dentes e desgaste dentário. Isso interfere direta-
mente na produção. Eu digo: nessas regiões, perde-
mos de 15% a 20% da produção potencial devido a
esse problema, que nunca foi solucionado.	 n

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  • 1. Prosa Quente 10 DBO setembro 2018 E le é uma referência quando o assunto é saúde animal. Professor e pesquisador da Faculdade de Medicina Veterinária da Unesp deAraçatuba, SP, Iveraldo Santos Dutra começou cedo sua trajetória no setor pecuário. Natural de Jales, também interior pau- lista, “nasceu dentro de uma propriedade rural”, como diz, acompanhando o pai na atividade leiteira. Mudou- -se com a família para o Rio de Janeiro, por influência do avô, que comprava e vendia gado na companhia do ex-boiadeiro Sebastião Ferreira Maia, o Tião Maia, mí- tico pecuarista que inspiraria a criação do personagem Sinhozinho Malta, sucesso da novela Roque Santeiro, da TV Globo, em meados dos anos 80. Dutra ingressou na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), para cursar veterinária aos 17 anos de idade. No segundo ano de faculdade, começou a estagiar como bolsista no antigo Instituto de Biologia Animal, que mais tarde se tornaria a Embrapa. Foi lá que conheceu “os maiores nomes da área de saúde animal”, como faz questão de enfatizar. Gente da estirpe dos mes- tres Jürgen Dôbereiner e Carlos Tokarnia, aos quais se refere com carinho e admiração. A oportunidade de tra- Brasil precisa de um Plano Nacional de Saúde Animal Segundo o professor Iveraldo Dutra, da Unesp-Araçatuba, SP, isso evitaria problemas como a falta de tuberculina. balhar com os mestres lhe trouxe uma lição valiosa, que nortearia sua trajetória: o apreço pela pesquisa e o espí- rito empreendedor dentro da saúde animal. O início da carreira, já pela Embrapa, foi na cidade de Carrancas, no sul de Minas Gerais, com a missão de fazer a difusão de tecnologia dentro da saúde animal nos moldes que se via na área agronômica. “O Dr. Eliseu Alves nos dizia: ‘Vocês têm de falar a mesma linguagem dos produtores, falar tanto da saúde quanto da doença”’. O jovem veteri- nário seguiu à risca o desafio lançado pelo pesquisador, um dos fundadores da Embrapa. “Íamos até as fazendas explicar para os produtores o que era mastite subclínica, por que era importante vacinar, fornecer suplementação mineral para o gado”, recorda. Dois anos depois, Dutra deixou Carrancas rumo à Alemanha, graças a um convênio entre a Embrapa e o Instituto Nacional de Educação. “Quando me dei con- ta, estava de botina no aeroporto de Frankfurt”, relem- bra rindo. O mestrado e doutorado foram concluídos em três anos na Universidade de Giessen. O aprendizado de uma nova língua e a vivência de uma nova cultura so- maram-se ao amadurecimento profissional do pesquisa- dor. “Aprendi a fazer ciência”. Quando retornou ao Bra- sil, em 1986, a unidade em Carrancas havia sido extinta. Dutra retornou então para A UFRRJ; depois, foi contra- tado como consultor nacional da Embrapa e, em 1990, prestou concurso para a Unesp de Jaboticabal, na área de planejamento e saúde animal. A abertura de um novo curso de graduação em me- dicina veterinária na Unesp de Araçatuba e motivações familiares – sua esposa, que também é pesquisadora, ha- via passado num concurso na universidade – fizeram com que mudasse de endereço em 1992. Fiel ao ensino, pesquisa e extensão, pilares que sempre alicerçaram sua carreira e lhe ditaram o rumo a seguir, Dutra se envolveu com um projeto de pesquisa de grande envergadura na Amazônia. Com apoio financeiro da Academia Nacio- nal de Ciências, dos Estados Unidos, o pesquisador está prestes a desvendar a origem do mal da cara inchada, doença que causou grande estrago nas décadas de 70 e 80, mas que nunca desapareceu por completo. Nesta en- trevista à editora Maristela Franco e ao repórter Rena- to Villela, Iveraldo fala sobre a pesquisa, além de outros temas, como a recente crise no controle da brucelose e tuberculose por falta de insumos, falha vacinal e febre aftosa. Confira! Cerca de 85% dos produtores desconhece as normas para erradicar a brucelose e tuberculose de suas fazendas”.
  • 2. DBO setembro 2018 11 Maristela – Como o senhor vê a falta de antígenos para testes de tuberculose? Dutra – Com tristeza. Isso reflete a descontinuidade dos programas de saúde animal no País. O Programa Nacio- nal de Controle e Erradicação da Brucelose e Tuberculo- se tecnicamente é fantástico, muito bem elaborado. Mas onde é que a gente esbarra? Na falta de insumos, cuja pro- dução deveria ser responsabilidade do Estado, para ga- rantir a execução do programa. Nos anos 80 e 90, o Mi- nistério da Agricultura construiu o Lanagro, em Pedro Leopoldo, MG, para dar suporte a todos os programas oficiais, inclusive à produção de tuberculina. O problema é que as prioridades vão mudando. Nessas circunstâncias, deixa-se de produzir determinado insumo, imprescindível para realização dos testes e você simplesmente mata um programa. Renato – Com a suspensão da produção de tuberculina pelo Ins- tituto de Tecnologia do Paraná (TecPar), o Instituto Biológico, de SãoPaulo,assumiuessatarefa,masademandaémuitosuperior à capacidade do laboratório. A indústria veterinária não poderia entrar neste segmento? Dutra – Sem dúvida, mas é preciso fazer um plano de ne- gócios. Quanto custa? Quem está interessado em produ- zir? Quais as exigências regulatórias? Há uma conjun- ção de fatores desfavoráveis. Não tem incentivo, não tem prioridade. Todo novo medicamento precisa passar pelo crivo do Ministério da Agricultura, procedimento impor- tante e necessário, mas muitas vezes são criadas exigên- cias que dificultam o trabalho da indústria. Por que a pro- dução de antígenos não é um negócio? Tem de ser um negócio. Renato – Além da falta de antígenos,o que mais dificulta a erra- dicação dessas doenças? Dutra – Precisamos de uma coordenação mais efetiva, mais contemporânea. Ficamos obsoletos na forma de exe- cutar tarefas de saúde animal. É inconcebível pensar em erradicar uma doença de cada vez – primeiro aftosa, de- pois a brucelose e tuberculose, etc. O mundo mudou. O Brasil carece de um plano nacional de saúde animal e não temos essa diretriz. As coisas vão acontecendo pontual- mente e muitas vezes afetam não apenas os programas de erradicação, mas a continuidade das ações de educação e saúde. Há uma descontinuidade no processo de comuni- cação com os produtores. No caso da brucelose e tubercu- lose, essa é uma lacuna cruel.Temos uma massa crítica de veterinários capacitados, que pagaram para fazer cursos de treinamento para erradicação das duas doenças, produ- tores sensibilizados e, mesmo assim, nunca decolamos no número de propriedade livres certificadas. Maristela – Por que não avançamos? Dutra – Porque atrelamos a certificação a um programa oficial. Temos exemplos de propriedades que percorre- ram todo o processo para certificação e, na última etapa, que exigia a presença de um técnico da Secretaria, não conseguiu a certificação porque ele não pode ir. Inicial- mente, eram muitos os produtores que queriam certificar suas propriedades, mas eles desanimaram, por falta de incentivo. Não falta somente antígeno (tuberculina), fal- ta uma coordenação mais clara do programa, dizer quais são os objetivos, as metas. Acredito que essa iniciativa deveria partir do setor produtivo, dos próprios produto- res, mas, infelizmente, ficamos à espera das autoridades sanitárias. É preciso tratar esse assunto com clareza: se tenho um animal na propriedade com brucelose ou tu- berculose, o que faço? Tenho de abater, sacrificar, com quem fica o prejuízo? AÁfrica do Sul fez um programa de erradicação que contava com iniciativas voluntárias dos produtores, mas também com um programa de indenização. Por que não criamos um fundo de indenização para as áreas mais crí- ticas e começamos a fazer um programa efetivo de er- radicação? Fizemos um trabalho de pesquisa de campo para verificar a percepção de risco dos produtores sobre essas doenças. Perguntamos por que não buscam a cer- tificação de livre de brucelose e tuberculose para suas propriedades. Cerca de 85% dos entrevistados disseram que desconhecem o programa. Está aí um ponto-chave. O Ministério da Agricultura, que regulamenta as ações do programa, a capacitação dos técnicos e a produção de insumos deveria estar fomentando esse processo. Renato – Após a edição da IN 10,de 2017 pelo Mapa,o produtor pode usar a vacina B19 também nas bezerras de três a oito meses. Que achou dessa estratégia e da classificação de risco para a brucelose e tuberculose? Dutra – São grandes avanços. A vacina com cepa RB 51 não induz à produção de anticorpos, portanto não gera testes “falso positivos” [como as fêmeas estão mais precoces, ciclando muito cedo, esse problema pode ocorrer também na faixa etária de até 8 meses quan- do se usa B19, levando ao descarte de animais sadios]. Quanto à classificação de risco, ela pode ajudar a ata- car a brucelose e tuberculose regionalmente, conside- rando-se a dinâmica dos fluxos comerciais, como se fez com a febre aftosa. Maristela – Como o produtor pode se livrar dessas doenças? Dutra – Vacinando corretamente as fêmeas e fazendo análise de risco dentro da propriedade. Muitas vezes, o nível de prevalência é baixo. Com pouco investimen- to na segregação/descarte dos animais doentes, ele pode
  • 3. Prosa Quente 12 DBO setembro 2018 Se o Brasil quer ser tratado como fornecedor de proteína animal de qualidade, precisa eliminar doenças ‘jurássicas’ de seu rebanho”. Renato – Professor, vamos falar um pouco, agora, de reação vacinal, causa do embargo norte-americano à carne brasileira. Foram feitas mudanças na vacina antiaftosa, como a retirada do vírus tipo C e a redução da dose de 5 para 2 ml. O senhor acha que essas medidas são suficientes? Dutra – Essas medidas podem reduzir, mas não eliminar as reações vacinais. A questão principal, a meu ver, é a falta de educação sanitária. Gosto de insistir neste pon- to. Muitas vezes, o produtor pensa: se a vacina é obri- gatória, a culpa por uma reação vacinal é de quem me obrigou a vacinar, quando, na realidade, ele consegue eliminar ou minimizar essas reações, em 80%-90% dos casos, se adotar boas práticas na compra, conservação e aplicação do produto. Lembro que, na década de 90, iniciamos uma cam- panha, pelo Fundepec, no Estado de São Paulo, para ti- rar a vacinação do traseiro, onde estão os cortes mais no- bres, e aplicar no dianteiro. Era um problema sério para a cadeia produtiva nessa época, quando começamos a exportar mais carne e tínhamos que acessar novos mer- cados. Por isso, precisávamos acabar com essa não con- formidade, esse risco. Comprava-se picanha com abs- cessos. Conseguimos tranferir a vacinação para a tábua do pescoço. Depois, criaram os produtos de longa ação, para reduzir o número de manejos do gado no curral. Quantos milhões de doses de vacinas e vermífugos te- mos aplicado na tábua do pescoço? E nós não fizemos nenhuma análise de risco sobre os resíduos, os veículos dos vermífugos e das vacinas. Isso tudo já era previsível. Maristela – O senhor é favor do fim da vacinação contra febre aftosa no Brasil como propõe o Ministério? Dutra – Isso é uma necessidade. Quantos anos mais pre- cisamos vacinar para conseguir erradicar essa doença? Do ponto de vista epidemiológico, temos um cenário fa- vorável à retirada da vacinação e vejo isso como uma evolução natural, muito bem-vinda. Se o Brasil quer ser tratado como fornecedor de proteína animal de qualida- de, tem de eliminar doenças “jurássicas” dentro do ce- nário internacional.Aretirada da vacinação abrirá novas fronteiras para a carne brasileira. Se agregarmos valor à tonelada de carne exportada, será fantástico, estaremos gerando riqueza. A aftosa não gera riqueza. Temos, na- turalmente, de tomar todas as medidas necessárias para impedir a reintrodução da doença. Para isso, é funda- mental investir em educação sanitária. O produtor pre- cisa saber o que fazer em caso de suspeita da doença. Renato – Em 2011,a DBO fez uma reportagem sobre falha vaci- nal na prevenção de clostridioses,como o carbúnculo sintomá- tico e o botulismo, por exemplo. Na ocasião, o senhor alertou para o fato de que algumas vacinas aprovadas pelo Mapa não estarem conferindo proteção a determinados agentes infeccio- sos causadores dessas doenças. Essa situação permanece? Dutra – Nos últimos cinco anos, não acompanhei a evo- lução das vacinas contra clostridioses presentes no mer- cado, mas sei que alguns laboratórios investiram pesa- do no desenvolvimento tecnológico de suas vacinas; eliminar as doenças. Contratando um ve- terinário habilitado pelo Ministério e pela Secretaria daAgricultura, o produtor pode fazer um levantamento epidemiológico de seu rebanho [sorologia], identificar even- tuais animais positivos e comunicar isso ao órgão de Defesa, para fazer o abate sa- nitário. Se a prevalência for baixa, o pro- cesso não custa muito. Deixar a brucelose se disseminar e atingir 10%-20% das fê- meas, isso sim, custa caro. Renato – Que outras ações podem ser feitas para combater as duas doenças? Dutra – Na reposição, comprar apenas fê- meas vacinadas e imunizadas; fazer tes- tes de brucelose nas plataformas de lei- te, por meio de análise de amostras para detecção de anticorpos, indicativos da presença da do- ença, dentre outras medidas. O produtor precisa adqui- rir o hábito de fazer o teste de brucelose e tuberculose para todos os animais que vão entrar na propriedade. Essa é uma boa prática. Não temos limitações tecnoló- gicas, mas operacionais. É importante lembrar que esta- mos tratando de duas zoonoses [doenças transmitidas para humanos]. Maristela – É possível medir o prejuízo causado por essas en- fermidades no Brasil? Dutra – Acredito que de 10% a 15% do potencial que a pecuária nacional tem para produzir bezerros vai para o ralo por conta da brucelose, que é o principal problema reprodutivo no gado de corte. Além disso, trata-se de uma barreira sanitária para a União Aduaneira (Rússia, Cazaquistão e Bielorrúsia). Cria-se uma situação difícil, não somente para os frigoríficos, que não podem abater animais oriundos de propriedades que tenham casos de brucelose ou tuberculose, mas também para os consu- midores nacionais. Como é que eu digo para a popula- ção brasileira que estou proibido de exportar essa carne, mas ela pode ser comercializada no mercado interno? Renato – Quando se fala em tuberculose,normalmente se pen- sa em leite. Qual o impacto da doença no gado de corte? Dutra – Basta lembrar do macho leiteiro, que vai para o confinamento. Mesmo quando não se tem sinais clínicos da doença (adquirida pela ingestão de colostro na fazen- da leiteira) nesses animais, ele podem apresentar lesões causadas pela tuberculose no abate. O problema já gerou restrições à exportação de carne brasileira em passado re- cente. Veja que inusitado: uma doença do gado leiteiro se transformou em uma barreira sanitária para exportação de carne. Tudo isso pode ser previsto dentro de uma aná- lise de risco, de um plano de saúde animal. Infelizmen- te não é uma prioridade. Temos de trabalhar pela erradi- cação, com muito mais velocidade do que no combate à febre aftosa. Não dá para esperar 40 anos para erradicar uma doença. Podemos fazer isso em 5 ou 10.
  • 4. Prosa Quente 14 DBO setembro 2018 No Brasil, perdemos anualmente 16 milhões de bovinos, cujas carcaças ficam jogadas no pasto, trazendo risco de botulismo. foram a campo descobrir quais cepas estavam presen- tes no ambiente; melhoraram seus processos de desen- volvimento e fizeram vacinas que protegem contra as principais clostridioses que ocorrem no Brasil. Existem vacinas que nunca geram reclamação, que seguem pro- tocolos, com reforço 30 dias após a primeira aplicação, mas outras que não funcionam tão bem, às vezes porque se quer colocar tudo dentro do frasco. Por exemplo: antí- geno contra tétano. Será que essa doença é tão importan- te para o gado quanto a gangrena gasosa, o botulismo e o carbúnculo sintomático? É aí que a vacina começa a se fragilizar, porque, se eu coloco um componente, tenho de tirar outro. Pesquisas já mostraram que alguns produ- tos aprovados pelo Mapa conferiam proteção de apenas três meses. No entanto, é preciso frisar que 99% dos sur- tos se devem a falhas durante o processo de vacinação. Maristela – Que tipo de erro o produtor comete? Dutra – Por exemplo, ele não dá a dose de reforço 30 dias após vacinar o animal pela primeira vez [primovacina- dos], não garantindo uma produção adequada de anticor- pos. Outro erro comum é não repetir a vacinação anual- mente, como é recomendado. Aliás, não basta vacinar. É preciso estar atento às demais ações profiláticas, como a eliminação correta das carcaças [queima ou composta- gem], a suplementação mineral correta, o fornecimento de água de qualidade [cacimbas são fontes frequentes de surtos de botulismo] e o monitoramento constante de ali- mentos conservados [bactérias causadoras de clostridio- ses podem proliferar em carcaças de roedores, por exem- plo, que entram e morrem dentro dos silos]. São medidas importantes para reduzir a mortalidade animal. Maristela – Falando em mortalidade animal, ela ainda é alta no Brasil e pouco diagnosticada. O produtor costuma atribuir as mortes quase sempre às mordidas de cobra, onças ou plantas tóxicas. Como jogar mais luz sobre isso? Dutra – Segundo o IBGE, temos uma mortalidade de 8% na pecuária, ou seja, perdemos anualmente 16 milhões de bovinos, cujas carcaças ficam nas pastagens, trazen- do riscos de botulismo. Não há estatística sobres essas mortes, nem de suas causas. O diagnóstico correto seria o ponto de partida para começar a buscar soluções. Cada região tem doenças e perfis de mortalidade diferentes. Deveríamos ter serviços veterinários atuando nessas áreas, com suporte de laboratórios de diagnóstico. O La- nagro deveria ser uma referência para os laboratórios re- gionais, mas isso não foi adiante, por não ser prioridade. Temos um serviço de patologia na Unesp de Araçatuba, que vai até a fazenda para fazer diagnóstico, mas não são todos os produtores que têm acesso a isso. Renato – Desses diagnósticos, quais são as principais causas de mortalidade? Dutra – Nos bezerros, a principal causa são diarreias cau- sadas por patógenos como a Escherichia coli e os Rota- virus. Depois, vêm as infecções umbilicais. Algo banal, primário. E a gente fica discutindo: curo ou não curo o umbigo, enquanto isso provoca uma mortalidade tre- menda. Nos animais de recria, as perdas estão mais as- sociadas à verminose e às clostridioses, principalmente o carbúnculo sintomático, e nos adultos, ao botulismo. A raiva também é muito relevante, seguida pelas intoxi- cações por plantas. São problemas relativamente fáceis de prevenir com um bom programa de vacinação, ver- mifugação e suplementação mineral. Os acidentes ofídi- cos nem entram nessa lista, mas, quando fazemos uma pesquisa de percepção de risco entre os produtores de gado de corte, 60% atribuem as mortes de bovinos em suas fazendas às cobras. Isso faz parte de uma cultura, do imaginário popular. Frequentemente, são clostridio- ses. Com vacinação contra essas doenças, se elimina de 70% a 80% da suposta “mortalidade por cobra”. Maristela – Muito tem se falado em metafilaxia, principalmen- te para prevenção de doenças respiratórias em confinamento. Estamos fazendo corretamente ou exagerando no uso de me- dicamentos? Dutra – O problema é generalizar.Acredito que seja uma ferramenta para ser usada eventualmente. Presenciei uma ocasião, pouco tempo atrás, em que um lote intei- ro, com peso perto de abate, contraiu pneumonia de um lote recém-chegado ao confinamento. Nestes casos, em que os animais apresentam febre alta e param de comer, a mortalidade entre 6-12 horas é elevadíssima. Daí se justifica aplicar um antibiótico, respeitando o período de carência para evitar problemas de resíduo na carne. Na minha opinião, ainda tem muita coisa a ser melho- rada no transporte do gado, no manejo de entrada e na ambiência do confinamento. Somente depois de ajustar essas coisas é que devemos pensar em metafilaxia, mas como ferramenta tática, não como preconização geral. Renato – Para finalizar, poderia nos falar sobre as pesquisas que está conduzindo na universidade, atualmente, na área de saúde animal? Dutra – Estamos investigando a origem da cara in- chada. As duas doenças que mais ocorrem em acha- dos arqueológicos são as periodontais e os desgastes dentários. Uma de nossas orientandas, Ana Caroli- na Borsanelli. fez o primeiro microbioma da boca do boi, em um trabalho realizado na Escócia. O objetivo é saber quais microrganismos existem na boca des- ses animais e relacioná-los com a doença da cara in- chada, que é a mais antiga que se conhece. Estamos voltando a algumas das 52 fazendas que o Dr. Jurgen Dobereiner, pesquisador da Embrapa, visitou nas dé- cadas de 1960 e 1970, acompanhando os grandes sur- tos da cara inchada. Para nossa surpresa, o problema nunca desapareceu. Quando você analisa aquelas va- cas de fundo, magras, e abre a boca delas, observa que têm severas lesões periodontais, afrouxamento dos dentes e desgaste dentário. Isso interfere direta- mente na produção. Eu digo: nessas regiões, perde- mos de 15% a 20% da produção potencial devido a esse problema, que nunca foi solucionado. n