O documento descreve o botulismo, uma doença causada pela toxina produzida pela bactéria Clostridium botulinum. Os principais sintomas incluem fraqueza muscular progressiva e paralisia que pode levar à morte se não tratada. O diagnóstico é feito através dos sintomas e detecção da toxina no sangue ou alimentos, e o tratamento envolve soroterapia com antitoxina e suporte intensivo.
1. Botulismo
Aspectos clínicos
Foi descrito pela primeira vez em 1897 por Emile Pierre Van Emergem, após um surto de
33 casos na cidade de Ellezelles, na Bélgica. O termo botulismo vem da palavra “botulus”
que significa salsicha, responsável pelo surto epidêmico em 1897.
É uma doença adquirida pela ingestão de alimentos contaminados com a bactéria
Clostridium botulinum, principalmente embutidos e conservas em latas ou vidros. Sua
evolução é rápida e de grande letalidade. Pode-se iniciar como uma intoxicação alimentar
comum, mas com evolução neurológica rápida e comprometimento da visão, voz,
deglutição, sistema muscular, respiratório e cardiovascular, podendo levar a morte por
parada cardio-respiratória.
Também pode ser adquirida com a ingestão de carne contaminada com o agente botulínico.
Em casos em que a doença é leve, os sintomas neurológicos somem sem que o paciente
procure assistência medica, mas a recuperação de casos severos pode demorar de 2 a 8
semanas, e alguns pacientes podem requerer suporte respiratório por até 7 meses, e os casos
de morte podem chegar a 10% dos casos.
Agente etiológico
O Clostridium botulinium é um bacilo Gram positivo que se desenvolve em meio com
baixa concentração de oxigênio. São descritos 7 tipos de Clostridium botulinium, os tipos
A, B, E e o F (este ultimo mais raro), são responsáveis pela maioria dos casos humanos. Os
tipos C e D são os responsáveis pela doença em gados e outros animais. O tipo E está
associado ao consumo de pescados e frutos do mar.
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2. A toxina é uma exotoxina mais forte que a tetânica, de ação neurotrópica (ação no sistema
nervoso), sendo a única a ter a característica de ser letal por ingestão, sendo um verdadeiro
veneno biológico letal na dose de 1/100 ou 1/120 ng.
Modos de transmissão
1. Por ingestão de alimentos – é a forma mais comum e responsável por surtos
esporádicos, através do consumo insuficientemente esterilizados e cocção prévia
que contém a toxina. É conhecido também o botulismo em lactentes (associado com
a Síndrome da Morte Súbita do Recém-Nascido) e em crianças mais jovens,
desenvolvido a partir do consumo de esporos nos alimentos, que no intestino, sem
microbiota de proteção, desenvolvem e liberam a toxina.
Em virtude de as crianças pequenas não conseguirem se queixar ou manifestar os
efeitos precoces do botulismo, a constipação intestinal muitas vezes passa a ser o
primeiro sinal da contaminação, e em seguida a disfunção neurológica.
2. Por ferimentos – a ferida contaminada pela bactéria C. botulinium é o lugar ideal
para o desenvolvimento da toxina com produção do quadro clínico e patogenia
idênticos ao do quadro por ingestão oral, sendo freqüentes nos EUA, a
contaminação por usuários de drogas injetáveis. Os achados neurológicos são os
mesmos do botulismo alimentar, entretanto, sintomas gastrointestinais não ocorrem.
3. Há ainda a descrição de casos de intoxicação por via conjuntival, através de
aerossóis ou liquido, por acidentes em laboratório, em que a toxina alcança
imediatamente a corrente sanguínea. Também pode haver a intoxicação por via
respiratória, através da inalação da toxina, que acaba por atingir a corrente
sanguínea, sistema nervoso e demais órgãos.
Período de incubação
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3. Os sintomas aparecem entre 2 horas a 5 dias, em período médio de 12 a 36 horas,
dependendo da quantidade da toxina ingerida. É muito raro o aparecimento vários dias
após a ingestão do alimento contaminado. Quanto mais toxina ingerida, mais curto o
tempo entre a ingestão e o aparecimento dos sintomas. Quanto menor o tempo de
aparecimento dos sintomas, maior a gravidade e a letalidade da doença.
Diagnóstico
O botulismo é diagnosticado através dos sinais e sintomas, pela detecção e tipo da
toxina no sangue do paciente e pelos testes complementares nos alimentos suspeitos.
• A anamnese é dirigida buscando verificar os tipo de alimentos ingeridos, tempo
de ingestão e aparecimento da doença, a possível ingestão de outros casos e
fontes comuns de ingestão, além da caracterização dos sinais e sintomas
apresentados. O exame neurológico consiste na pesquisa do grau de capacidade
muscular devendo ser realizadas provas exploratórias motoras (cabeça,
pálpebras, membros inferiores e superiores, mãos e dedos, deslocamento
corporal no leito) e fonatórias, com registro de intensidade e localização, a cada
2 horas. A realização de eletromiografia para detecção de denervação precoce
(às 72 horas), para diagnóstico, tem sido exame tardio.
• Os exames laboratoriais específicos são a investigação da toxina no sangue do
paciente, cuja coleta deve ser a mais precoce possível e antes da administração
do soro (antitoxina) específico. A coleta tardia do sangue pode impedir a
identificação da toxina no sangue, pois esta vai sendo rapidamente absorvida
pelos tecidos. Após 8 dias do início da doença, a toxina não é mais encontrada.
A pesquisa da toxina nas fezes e lavado gástrico pode ser um meio auxiliar
importante de diagnóstico. Alem da determinação da toxina, o diagnóstico pode
ser complementado por cultura da C. botulinum nos casos de botulismo infantil,
por ferimentos e por causa indeterminada. As amostras devem ser transportadas
e conservadas sob refrigeração, por tratar-se de toxina termolábil. A coleta de
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4. rotina da coprocultura será importante também para diagnóstico diferencial
entre algumas doenças transmitidas por alimentos que possam apresentar
quadros similares.
• Os exames nos alimentos suspeitos são importantes para detecção da toxina,
auxiliando no diagnóstico da doença e para a tomada de providências sanitárias
de prevenção. A família deve ser orientada pelo serviço medico para guardar os
alimentos devidamente acondicionados e em geladeira para possibilitarem a
investigação epidemiológica e sanitária. As amostras coletadas devem ser
transportadas sob refrigeração.
• Os cuidados com os familiares (comunicantes) são extremamente importantes
para prevenir ou detectar precocemente mais casos de botulismo. Deve-se
identificar aqueles que fizeram ingestão comum dos alimentos, orientá-los
quanto ao aparecimento de sinais e sintomas e a procurar urgentemente os
cuidados médicos ao primeiro sinal; como ação preventiva, o hospital, em que
se encontra o paciente, deve examiná-los a procura de sinais neurológicos,
aproveitando os horários das visitas que fazem ao paciente ou marcando
consultas prévias. Quando possível, recomenda-se provocar o vômito, lavagem
gástrica ou indução de evacuação intestinal aos que partilharam da mesma
comida, para expulsão rápida do alimento.
O uso da antitoxina profilática a pessoas que ingeriram o mesmo alimento não é
rotineiramente recomendado devido ao risco de reações de hipersensibilidade.
Esta medida deve ser muito criteriosa.
Diagnóstico diferencial
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5. O diagnostico diferencial deve ser feito com as seguintes intoxicações e infecções a seguir:
• Bacterianas – salmonelas, enterotoxinas estafilocócica, enterococus fecais, que
evoluem sem sintomatologia neurológica e com manifestações gastrointestinais
muito agudas. Atenção especial deve ser dada a bactéria Campylobacter que pode
ser responsabilizada por quadros de paralisia flácida simulando a Síndrome de
Guillan Barre. A coprocultura ou hemocultura quando indicada são de grande valor,
nas doenças de origem bacteriana.
• Vírus – enterovírus e o vírus da poliomielite que são síndromes infecciosas, com
paralisias periféricas, sintomatologia e sinais meningeos e alterações de liquor.
• Vegetal – devem ser buscadas as intoxicações denominadas micetismo nervoso,
micetismo coleriforme, favismo, síndrome de Kwok ou do “restaurante chinês”.
• Animal – mariscos e peixes tropicais, ciguatera poisoning (barracuda), triquinelose
• Química – pesticidas clorados, pesticidas organofosforados e outros inseticidas,
raticidas, etc:
• Outros quadros neurológicos – Síndrome de Guillan Barre, meningoencefalites,
polineurites, acidentes vasculares cerebrais, miastenia gravis, neurastenia,
araneísmo, hipopotassemia, intoxicação por atropina ou beladona, intoxicação por
álcool/embriagues, envenenamento por curare.
Tratamento
O tratamento deverá ser feito em unidade de tratamento intensivo (UTI), com dois enfoques
importantes: o tratamento específico e o geral, sendo que da sua precocidade dependerá o
êxito terapêutico.
Tratamento específico – Soroterapia específica feita com soro antibotulinico (heterólogo)
específico para o tipo imunológico ou polivalente (anti-A, B, E ou F) a antitoxina atua
contra a toxina circulante e não contra o que se fixou no sistema nervoso, portanto sua
eficácia dependerá da precocidade do diagnóstico. Nos casos tardios, a antitoxina poderá
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6. não ser mais eficaz. Anatoxinoterapia – alguns autores preconizam o uso da anatoxina
batulinica simultaneamente com a antitoxina.
O soro deverá ser solicitado a Vigilância Epidemiológica/Centro de referência do
Botulismo, que passará todas as informações para a obtenção, a partir da discussão
detalhada do caso e solicitação por escrito. O soro anti botulínico será fornecido pelo
Instituto Butantan, e pode atender a solicitações em todo país.
Tratamento geral – medidas para eliminar a toxina do aparelho digestivo, quando possível,
como lavagem do estômago, clisteres, etc. observa-se que os doentes que tiveram o quadro
inicial com vômitos e diarréia têm melhor prognóstico. Antibióticos também são indicados
para o tratamento de infecção secundária. Segundo a teoria da toxiinfecção de que há o
crescimento do C. botulinium no intestino humano e em ferimentos profundos, com
produção da toxina, estaria indicado também o uso de antibióticos contra o bacilo alem do
tratamento com o soro especifico. No botulismo infantil, a antibiótico terapia deve ser
empregada somente no combate a infecção secundaria, pois a destruição bacteriana
intraluminal pode aumentar a absorção da toxina. Aminoglicosideos podem potencializar a
ação da toxina. Ação no mecanismo fisiopatogênico da doença, com medicamentos usados
para neutralizar o bloqueio muscular tem resultados controversos. A utilização de indutores
da liberação da serotonina tem efeito antitóxico no botulismo, sendo os mais usados a
reserpina e a clorpromazina. Terapêutica de sustentação – o aspecto mais importante em
todas as formas da doença, são os cuidados de suporte ao paciente, principalmente
respiratórios e nutricionais. Realizar controles freqüentes do meio interno. O controle
oftalmológico e fundamental para evitar lesões da conjuntiva ou córnea, e o controle
cardiológico, uma vez que a toxina atinge todos os órgãos, podendo haver parada cardio-
respiratória e óbito.
Conduta epidemiológica
• Notificação do caso – o médico ao se deparar com quadros neurológicos abruptos,
em adultos geralmente saudáveis, e com história de ingestão de alimentos
considerados suspeitos deve notificar imediatamente a suspeita de botulismo ao
Serviço de Vigilância Epidemiológica Regional, municipal ou central, sendo que o
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7. centro de referencia do botulismo, sediado no Centro de Vigilância Epidemiológica
de São Paulo funciona 24 hs, para atender as notificações e orientar tecnicamente os
profissionais da saúde com relação a todas as doenças de notificação compulsória.
• A investigação epidemiológica parte da notificação do caso e deve ser
imediatamente realizada pela equipe de Vigilância Epidemiológica cumprindo-se os
seguintes passos;
1. Levantamento da história do doente e de sua internação nos serviços,
obtendo-se esses primeiros dados dos médicos que realizaram o atendimento
ao doente, bem como, de seus familiares.
2. Os dados importantes consistem em estabelecer o início preciso da doença,
sinais e sintomas, resultados dos exames neurológicos, alimentos
consumidos dentro de um período mínimo de 5 dias, relacionando-os por
ordem de data de consumo em relação ao início dos sintomas, procurando
estabelecer o consumo comum entre o doente e os demais familiares, ou
outras pessoas, o que todos comeram, o que só o paciente comeu, o quanto
foi ingerido de cada alimento para buscar a responsabilização sobre o
alimento suspeito.
3. Acionar imediatamente a Vigilância Sanitária para a coleta na casa do
paciente ou em restaurantes ou em outro estabelecimento dos alimentos
ingeridos para analise laboratorial de detecção da toxina nas sobras
encontradas. É muito importante que se consiga recolher exatamente o
alimento que foi consumido pelo paciente, e se não for possível, recolher
exemplares da mesma marca que tenha sido ingerida, ainda na casa do
paciente ou estabelecimento suspeito.
4. Vigilância e acompanhamento do paciente e seus familiares (quadro clínico
do paciente, resultado dos exames laboratoriais realizados, orientação aos
familiares ou pessoas próximas que consumiram o alimento para procurarem
o serviço médico frente a sinais e sintomas suspeitos) para detecção precoce
de novos casos.
5. Preenchimento da Ficha de Investigação de Surtos/Casos de DTAA e envio
dos dados aos vários níveis do sistema de informação.
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8. Fluxograma de Notificação
Caso Suspeito
Unidade de Saúde (notifica)
Secretaria municipal de Saúde/Vigilâcia Epidemiológica
Secretaria Estadual de Saúde
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9. Secretaria Nacional de Vigilância em Saúde/Ministéro da Saúde
Definição de casos suspeitos, confirmados e descartados
Casos suspeitos
1. Casos suspeitos de botulismo alimentar e por ferimentos – indivíduo que apresenta
paralisia flácida aguda, simétrica, descendente, com preservação do nível de
consciência, caracterizado por um ou mais dos seguintes sintomas: visão turva,
diplopia, ptose palpebral, boca seca, disartia, disfasia ou dispnéia. A exposição a
alimentos potencialmente suspeitos para presença da toxina botulínica, nos últimos
10 dias ou história de ferimentos nos últimos 21 dias, reforça a suspeita.
2. Casos suspeitos de botulismo intestinal – criança menor de 1 ano com paralisia
flácida aguda de evolução insidiosa e progressiva que apresente um ou mais dos
seguintes sintomas: constipação, sucção fraca, disfasia, choro fraco, dificuldade de
controle dos movimentos da cabeça. Adulto que apresente paralisia flácida aguda,
simétrica, descendente, com preservação do nível de consciência caracterizado por
um ou mais dos seguintes sinais e sintomas: visão turva, diplopia, ptose palpebral,
boca seca, disartria, disfasia ou dispnéia na ausência de fontes prováveis de toxina
botulínica como: alimentos contaminados, ferimentos ou uso de drogas.
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10. Definição de caso confirmado
• Critério laboratorial
Caso suspeito no qual foi detectada a presença da toxina botulínica em amostra clínica e/ou
do alimento efetivamente consumido;
Caso suspeito de botulismo intestinal ou por ferimento no qual foi isolado o Clostridium
botulinum, produtor de toxinas em fezes ou material obtido do ferimento.
• Critério clínico-epidemiológico
Caso suspeito com vínculo epidemiológico com o caso confirmado;
Caso suspeito com histórico de consumo de alimento com risco para a presença da
toxina botulínica dez dias antes dos sintomas;
Caso suspeito com eletroneuromiografia compatível com botulismo;
Caso suspeito com ferimento em condições anaerobiose nos últimos 21 dias
Critérios de encerramento
Os casos podem ser encerrados pelos seguintes critérios:
• Critério laboratorial
Quando houver detecção de toxina botulínica em amostra clínica e/ou alimento,
efetivamente consumido, ou isolamento do Clostridium botulinum, produtor de toxinas em
fezes ou material obtido no ferimento.
• Critério clínico-epidemiológico
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11. Quando o caso não for o caso não for encerrado pelo critério laboratorial e quando houver
presença de vinculo epidemiológico, com o caso confirmado e/ou história de consumo de
alimento co risco para a presença da toxina botulínica dez dias antes dos sintomas e/ou
eletroneuromiografia compatível com botulismo e/ou com ferimento em condições de
anaerobiose nos últimos 21 dias.
• Óbito
Indivíduo que foi a óbito com quadro clínico compatível com botulismo com confirmação
clínico-epidemiológica e/ou clinico-laboratorial.
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