Estudo de caso sobre psicoterapia de criança vítima de abuso sexual
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ESTUDO DE CASO
1. IDENTIFICAÇÃO GERAL
1.1 Usuário: criança
1.2 Dados de identificação:
Nome: C. S. B. S.
Idade: 8 anos
Configuração familiar: Pai, mãe, avó, tio e tia.
Escolaridade: Ensino fundamental incompleto – 3ª série
Número do prontuário: 174/10
1.3 Procedência e solicitação:
Psicólogo do ITEP (Instituto Técnico Científico da Polícia)
1.4 Queixa inicial:
A mãe compareceu ao SIP (Serviço Integrado de Psicologia) em busca de
psicoterapia para sua filha que foi vítima de abuso sexual (pedofilia).
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2. HISTÓRIA CLÍNICA
C. S. mora com os pais e passa o dia na casa da avó, que mora tios e a
empregada. O marido da tia de C. S. ia todos os dias na casa da avó e abusava de C.S.,
pedia para beijá-lo, acariciar os seus órgãos genitais, tirava fotos da criança, forçando-a
masturbá-lo. Ele a ameaçava, dizia para C. S. não contar a ninguém, se não os pais e
outras pessoas iam bater nela.
C.S. contou o que acontecia para os pais, que levaram o caso para delegacia e
para o ITEP, a psicóloga do ITEP que fez o atendimento a encaminhou para
psicoterapia. A mãe a levou ao SIP (Serviço Integrado Psicologia) e relatou que a filha
estava agressiva, muito curiosa, queria crescer para poder namorar, sempre inquieta. Em
decorrer das sessões, C.S. mostrava-se agitada, brincava usando a força e era
competitiva.
Com o passar das sessões, C.S. mostrava-se menos ansiosa, mais calma e
menos competitiva. Contou em uma das sessões que não gostava de ficar na casa da
avó, pois a mesma não a deixava brincar e ver TV, C.S. salivava excessivamente,
demonstrava desleixo com o corpo, sentava de pernas abertas sem importar-se por estar
de vestido. Ela disse que já aprendeu a enganar os pais, inventava que estava dormindo
para os pais trocarem sua roupa por um pijama.
Percebeu-se que C.S. não respeitava a ordem dos jogos, não fica num jogo até
o fim, dizia que queria ter um irmão e que gostaria de brincar mais, mostrava-se
autoritária.
No decorrer dos atendimentos, a psicóloga notou que C.S. demonstrava
agressividade, precisando da proteção dela. Depois de certo tempo, C.S. aos poucos foi
respeitando as regras dos jogos, demonstrou mais cuidado em mostrar a calcinha.
Depois de certo tempo, a mãe de C.S. disse que a filha está se comportando
como uma criança normal, dormindo melhor. A mãe reconheceu a evolução da filha,
ligou para o SIP dizendo que C.S. estava melhor e pediu para arquivar o caso.
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3. DESCRIÇÃO DOS SINTOMAS
C.S. tinha medo de morrer, mostrava-se agressiva, autoritária, inquieta, tinha
pesadelos, queria crescer para poder namorar.
Com relação a formação dos sintomas de C.S., para a psicanálise eles têm um
sentido e se relacionam com as experiências negativa que ela sofreu. Os sintomas são
os atos prejudiciais, ou pelo menos, inúteis à vida dela, que por sua vez, deles se queixa
como sendo indesejados e causadores de desprazer ou sofrimento. O principal dano que
causam reside no dispêndio mental que acarretam, e no dispêndio adicional que se torna
necessário para se lutar contra eles. Onde existe extensa formação de sintomas, esses
dois tipos de dispêndio podem resultar em extraordinário empobrecimento da pessoa no
que se refere à energia mental que lhe permanece disponível e, com isso, na paralisação
da pessoa para todas as tarefas importantes da vida (FREUD, 1916-1917 apud
MOURA, 2008).
O sintoma resulta de três mecanismos precedentes: a formação reativa, a
formação substitutiva e a formação de compromisso. Mas é mais complexa do que cada
um deles isoladamente. O sintoma assume, graças ao jogo da formação de compromisso
e da formação substitutiva, um sentido particular em cada entidade psicopatológica. A
defesa constituída pelo sintoma vai no sentido da luta contra a angústia específica:
evitar a castração, na neurose, evitar a fragmentação, na psicose, evitar a perda do
objeto, no estado limítrofe (MOURA, 2008).
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4. HIPÓTESE DIAGNÓSTICA ESTRUTUTAL
No caso de C.S, identificamos através dos seus sintomas uma possível neurose.
Como afirma Freud (1924), toda neurose perturba de algum modo a relação do paciente
com a realidade servindo-lhe de um meio de se afastar da realidade. Ou seja, em, C.S
sua fantasia de crescer para namorar e seus pesadelos representa concretamente uma
fuga da vida real.
Segundo Freud (1911) apud Takatsu (2006), as neuroses surgem
principalmente, de um conflito entre o ego e o instinto sexual, e que as formas que elas
assumem guardam a marca do curso do desenvolvimento seguido pela libido e pelo ego.
Ao se diagnosticar alguém sem considerar as singularidades e as questões
subjetivas, passa-se a inserir esse sujeito em um grupo, definindo propriedades que o
representam e certamente marcando um lugar de mortificação subjetiva. Esse sujeito
passa a ocupar um lugar de objeto no mundo científico, onde seus sinais e sintomas
podem ser estudados e preconcebidos (OLIVEIRA, s/d). Desta forma, entendemos que
C.S tem suas singularidades e foi preciso certo “jogo de cintura” da psicóloga para lidar
com a mesma, já que, no decorrer dos atendimentos, a psicóloga notou que C.S.
demonstrou agressividade, ansiedade e autoritarismo, precisando da proteção dela.
Depois de certo tempo, C.S. aos poucos foi respeitando as regras dos jogos.
Freud, nos textos iniciais de sua obra, explicou mecanismo da divisão,
afirmando que os neuróticos, antes do adoecimento, gozavam de boa saúde mental.
Porém, em determinado momento, aconteceu uma incompatibilidade na sua vida
ideativa, ou seja, seu ego foi confrontado com uma experiência, uma idéia ou um
sentimento que suscitou um afeto aflitivo e com isso o sujeito deseja esquecê-lo.
Percebe-se, então, que passa a ser complicada qualquer mediação entre a idéia aflitiva e
seu próprio ego (OLIVEIRA, s/d). Assim, suponhamos que C.S, antes de ser abusada
sexualmente, era uma criança que gozava de boa saúde mental.
Em “Tipos de Desencadeamento da Neurose”, de Freud (1912) apud Oliveira
(s/d), aponta a frustração como fator precipitante dessa “moléstia”, afirmando que as
mudanças que promovem a neurose têm relação exclusiva com a libido do indivíduo. A
psicanálise propõe que são as vicissitudes da libido que decidem em favor da saúde ou
da moléstia nervosa.
Oliveira (s/d) afirma que, a neurose se caracteriza por uma recusa do ego em
aceitar a poderosa pulsão do id, recusando a posição de mediador da satisfação
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pulsional. Ele opera a serviço do superego e da realidade (princípios morais), a partir do
mecanismo do recalcamento.
O material “recalcado” insiste em se fazer conhecido, logo, ele escolhe vias
substitutas. O sintoma aparece, então, como sendo uma representação substitutiva. Tudo
isso promove o quadro da neurose (OLIVEIRA, s/d).
“Na neurose, um fragmento da realidade é evitado por uma espécie de fuga,
[...] a neurose não repudia a realidade, apenas a ignora: a psicose a repudia e tenta
substituí-la” (FREUD, 1924, p. 108).
Como afirma Tarelho (1999) apud Takatsu (2006), a neurose de transferência
corresponde, portanto, em um conflito entre o ego e o id, o que deve ser evitada.
Freud (1924) afirma que, uma das características que diferenciam uma neurose
de uma psicose é o fato de em uma neurose, o ego, em sua dependência da realidade,
suprime um fragmento do id (da vida instintual), ao passo que, em uma psicose esse
mesmo ego, a serviço do id, se afasta de um fragmento da realidade. Assim, para uma
neurose o fator decisivo seria a predominância da influência da realidade, enquanto para
uma psicose esse fator seria a predominância do id.
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5. PSICODINÂMICA
Relações Familiares:
A criança morava com seus pais, é filha única, reclamava por sentir-se sozinha
e não ter com quem brincar. Passa o dia na cada da avó e essa não a deixa brincar, nem
ver TV.
Percepções dos pais acerca da criança como lidam com seu sofrimento
psíquico:
O pai esteve ausente nos atendimentos, C.S. contou que o pai joga jogos de
violência, para ela violência é matar, roubar e bater.
A mãe estava preocupada e angustiada por sua filha ter sofrido abuso sexual
pelo seu cunhado. Ela não sabia lidar com a situação da filha, mas no decorrer do
tratamento relatou estar mais tranqüila, pois viu o progresso de C.S.
A família é, para a psicologia, revestida de uma importância capital, dado que é
o primeiro ambiente no qual se desenvolve a personalidade nascente de cada novo ser
humano. Assim, a família é vista como primeiro espaço psicossocial, protótipo das
relações a serem estabelecidas com o mundo. É a matriz da identidade pessoal e social,
uma vez que nela se desenvolve o sentimento de pertinência que vem com o nome e
fundamenta a identificação social, bem como o sentimento de independência e
autonomia, baseado no processo de diferenciação, que permite a consciência de si
mesmo como alguém diferente e separado do outro (MINUCHIN, 1976 apud
MACEDO, 1993).
Como confirma Buscaglia (1997) apud Fiamenghi Jr.; Messa (2007), a família
é o primeiro grupo no qual o indivíduo é inserido. Não se pode negar sua importância já
que, segundo, a família é uma força social que tem influência na determinação do
comportamento humano e na formação da personalidade. Pode ser caracterizada como
uma unidade social significativa inserida na comunidade imediata e na sociedade mais
ampla. Os relacionamentos estabelecidos entre os familiares influenciam uns aos outros
e toda mudança ocorrida nesse sentido irá exercer influência em cada membro
individualmente ou no sistema como um todo.
A psicologia procura definir a família diferenciando-a de outros grupos sociais,
o que caracterizada fundamentalmente a família são as relações de afeto e compromisso
e a durabilidade de sua permanência como membro (MACEDO, 1993).
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Enfim, de acordo com Fiamenghi Jr.; Messa (2007), Os profissionais precisam
compreender os pais como parceiros ativos e significativos ao trabalhar com crianças,
deficientes ou não. Os pais conhecem os filhos muito profundamente, e os psicólogos
necessitam tanto respeitar e utilizar esse conhecimento como auxiliar no processo
terapêutico.
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6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
6.1 Posicionamento como psicólogo em formação
Como psicólogos em formação, podemos refletir a cerca do abuso sexual
infantil, de como é um fenômeno complexo e difícil de enfrentar por parte de todos os
envolvidos. É difícil para a criança e também para a família, pois a denúncia do segredo
explicita a violência que ocorre dentro da própria família. É difícil também para nós,
psicólogas em formação que, ao tomarmos conhecimento do caso, ficamos confusas,
porém, respiramos e pensamos como trataríamos C.S. Tratamento esse com
acolhimento, ética, respeito e cuidado, aceitando-a com sua totalidade e discernindo o
modo de intervir de acordo com o que a mesma iria representando nas sessões.
Assim, para ganharmos a confiança de C.S, precisaríamos deixá-la livre para
conduzir o seu modo de pensar e agir como uma forma autônoma de ser e sentir seu
mundo. Pois, sabemos que o abuso sexual que sofrera, é um problema que envolve
questões legais de sua proteção e punição do seu abusador. Portanto, a terapia seria
voltada à atenção à sua saúde física e mental, tendo em vista as conseqüências
psicológicas decorrentes da situação do abuso. Tais conseqüências relacionadas a
fatores como sua idade, a duração do abuso; as condições em que isso ocorreu, se houve
violência ou ameaças; seu grau de relacionamento com o abusador; e a ausência de
figuras parentais protetoras.
6.2 O que pensamos sobre o caso
O caso de C.S nos apontou uma realidade da qual não estamos acostumados,
apesar de ser “comum” nos noticiários e na mídia de um modo geral. Sabemos que os
abusos sexuais, vão desde tentativas de atentado ao pudor até o estupro, e constituem
um importante evento mórbido que vitimiza crianças e adolescentes e converte-se em
um problema de saúde pública, caracterizando uma das formas mais graves de violação
dos direitos humanos. Além disso, através deste caso, podemos pensar como o abuso
sexual ocasiona impactos relevantes na saúde física e mental de suas vítimas, algumas
porém, podem apresentar efeitos mínimos ou até mesmo nenhum, ao passo que outras,
podem desenvolver problemas emocionais, sociais e/ou psiquiátricos, como é o caso de
CS.
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6.3 Como avaliamos a contribuição deste trabalho para nossa formação
Avaliamos o caso de C.S como de grande relevância para nossa formação,
pois, possivelmente estaremos estagiando ou trabalhando nesta área, como profissionais
que estarão prontos para o caso em questão e poderemos atender crianças ou
adolescentes vítimas de abuso sexual e de como pudemos ver a neurose na realidade.
Além disso, conhecendo a importância deste agravo, podemos traçar uma
conduta de atendimento frente ao abuso sexual, visualizando a nossa prática na clínica
com ética, respeito, e cuidado.
Poderemos pensar em como intervir nessas situações, sabendo das
conseqüências traumáticas na vida dessa criança submetida à situação de abuso sexual.
Poderemos também pensar em não trabalhar apenas com a vítima, mas também com a
família que precisa de ajuda.
Sabemos que será difícil vencer a rigidez do sistema familiar e a resistência à
ajuda, bem como será difícil romper o pacto silencioso entre os demais membros da
família em torno do segredo familiar que pode estar protegendo o autor do abuso sexual
infantil. Mas, para nós, será um caminho a trilhar com garra e a mais pura dedicação.
Sabemos também que não será um trabalho fácil, mas será um trabalho comprometido,
que nós como futuros terapeutas também precisaremos estar atentos às nossas defesas,
às resistências e aos processos de transferências e contratransferências que naturalmente
surgem entre o cliente e o terapeuta.
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7. REFERÊNCIAS
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http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S141498932007000200006
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Novembro de 2011.
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Trad. Sob a direção de Jayme Salomão. Rio de Janeiro, Imago, 2006. (Edição Standard
Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, vol.19).
MACEDO, Rosa Maria. A família do ponto de vista psicológico: lugar
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http://www.fcc.org.br/pesquisa/publicacoes/cp/arquivos/788.pdf. Acesso em 26 de
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MOURA, Joviane. Mecanismos de defesa. (2008). Disponível em:
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