O documento descreve a vida e obra do historiador marxista britânico E.P. Thompson, especialmente seu livro mais famoso "Senhores e Caçadores: a origem da Lei Negra". O texto explora como a Lei Negra de 1723 na Inglaterra foi um instrumento de classe para reprimir os direitos costumeiros dos camponeses e favorecer a gentry proprietária de terras. Thompson analisou a lei e seu desenvolvimento não como algo imparcial, mas sim relacionado aos conflitos de classe da época.
3. Nasceu na cidade de Oxford, na Inglaterra, no dia 3 de
fevereiro de 1924.
Um dos maiores da história do século XX .
No período da Segunda Guerra Mundial ele lutou
contra o fascismo liderado por Mussolini, na Itália.
Estudou no colégio Corpus Christi, em Cambridge.
No ano de 1946, Thompson criou um grupo de estudos
voltado para pesquisas históricas no campo marxista.
Ele lecionou por muito tempo em diversas
Universidades, mas sua maior experiência acadêmica
foi na Universidade de Leeds, quando se dedicou, aí, à
elaboração de cursos noturnos para a classe
trabalhadora.
4. Thompson lecionou igualmente na Universidade de
Warwich, de 1965 a 1971. Na década de 70 ele deu aulas, em
alguns momentos, para as Universidades norte-americanas
de Pittsburg, Rutgers, Brown, e Dartmoth College.
Ele se desvinculou do Partido Comunista em 1956, depois
das denúncias sobre as práticas stalinistas.
Na década de 80 militou no movimento pacifista
antinuclear. Em 1988 o pesquisador assumiu o magistério no
Queen's University de Kingston, em Ontário, no Canadá.
Logo depois lecionou na Universidade de Manchester, na
Inglaterra. De 1989 a 1990 trabalhou na Universidade de
Rutgers.
Thompson morreu aos 69 anos, no dia 28 de agosto de 1993,
na cidade de Worcester.
5. Compreender a sociedade ingleses de 1723 a partir de
“baixo”.
Divisão da obra: contexto da floresta de Windsor, os
procedimentos nas florestas de Hampshire e os
negros de Walthan , e finalmente a ideologia dos
homens que fizeram a Lei Negra, os Whigs.
No século XVIII, o Estado britânico existia para
preservar a propriedade e, incidentalmente, a vida e
liberdade dos proprietários. (Thompson, 1987, p. 21)
O Estado cria leis capitais e novos tipos de delitos.
Mais de 50 tipos de delitos se aplicava a pena capital.
A Lei Negra foi a primeira a introduzir a pena de morte.
Foi decretada nas quatro semanas de maio de 1723.
6. Década de 1720, na Inglaterra – ascendência da gentry Whig –
aristocracia terratenente e ocupante dos principais cargos político-
administrativos.
A gentry tinham o objetivo de reprimir os costumes pre-
capitalistas, que interpunham obstáculos ao seu enriquecimento,
impondo um padrão de propriedade privada, que surgia na
Inglaterra, no século XVIII. (Candido, 2001:63)
O principal conjunto de infrações era a caça, ferimento ou roubo
de gamos ou veados, e a caça ou pesca clandestina de coelhos,
lebres e peixes.
Tratava-se de “um conflito entre usuários e exploradores”.
(Thompson, 1987: 331)
Eram passíveis de morte os infratores que estivessem armados e
disfarçados e, no caso dos cervos, os delitos que fossem
cometidos em qualquer floresta real, estivéssem os delinquentes
armados e disfarçados ou não.
7. Os tribunais civis como os florestais vinham se
mostrando ineficazes, e o conflito degenerou
para formas extrajurídicas e foi travado como
um confronto direto de forças.(Idem, p. 76)
O confronto na floresta de Windson entre 1720
e 1723 foi, da forma imediata, um conflito de
forças ente Negros e guardas. (Idem, p. 76)
Habitantes da floresta de modo geral, fossem
pequenos fidalgos (fora do círculo encantado
dos favores da Corte), agricultores, artesãos ou
diaristas rurais. (Idem, p. 77)
8. Esses negros “são florestanos armados impondo a
definição de direitos a que a “gente do campo” se
habituara, e também resistindo aos parqueamentos
privados que usurpavam suas terras cultivadas, sua lenha
para combustível e seus pastos”. (Idem, p. 77)
“Os habitantes que usavam as terras comunais se
queixaram por perder a maior parte de sua madeira e
grande parte dos seus direitos de pastoreio, além da
injustiça na distribuição das terras”. (Idem, p. 218)
“A Lei Negra visava reprimir as ações de caçadores
clandestinos, que reivindicavam usos costumeiros
consolidados em décadas ou séculos de história,
transpunham as fronteiras dos parques, a floresta da coroa,
e de lá retiravam cervos, galhos, lenha, peixes e diversos
ouros produtos silvestres”. (CÂNDIDO, 2001:63)
9. Os infratores da lei eram pessoas armadas
com espadas, armas de fogo ou outras armas
de ataque, com seus rostos pintados de preto,
que apareciam em qualquer floresta, reserva
de caça, parque o cercamento.
A Lei Negra seguiu-se uma degeneração das
relações - Incêndios, esfaqueamentos e
mutilação de animais, terror e contra-terror.
(Thompson, 1987, p. 291)
Em 1823, após uma longa resistência a Lei
Negra foi abolida.
10. No século XVIII, homens e mulheres não eram
mais mortos ou torturados por sua opiniões e
crenças religiosas, mas pelas invasões a
propriedade definidas como delitos capitais.
A lei anunciou o longo declínio da ineficiência dos
velhos métodos do controle e disciplina de classe, e
sua substituição por um reverso padronizado de
autoridade: o exemplo do terror. Em vez do poste
de açoitamento e do tronco de tortura, dos
controles senhoriais e corporativos e maus tratos
físicos contra os vagabundos, os economistas
defendiam a disciplina dos salários baixos e da
fome, e os advogados a pena de morte.
(THOMPSON, p. 282)
11. A maior dentre todas as ficções legais é a de
que a lei se desenvolve, de caso em caso, pela
sua lógica imparcial, coerente apenas com a sua
integridade própria, inabalável frente a
considerações de conveniência (Thompson,
1987, p. 338)
Não é possível conceber nenhuma sociedade
complexa sem lei. (Thompson, 1987, p. 351)
12. A lei, considerada como instituição (os tribunais,
com seu teatro e procedimentos classistas) ou
pessoas (os juízes, os advogados, os juízes de paz),
pode ser muito facilmente assimilada à lei da
classe dominante. Mas nem tudo o que está
vinculado “a lei” subsume-se a essas instituições.
A lei também pode ser vista como ideologia ou
regras e sanções específicas que mantém uma
relação ativa e definida (muitas vezes um campo
de conflito) com as normas sociais; e, por fim, pode
ser vista simplesmente enquanto lei. (Thompson,
1987, p. 351)
13. A Lei (concordamos) pode ser vista
instrumentalmente como mediação e reforço das
relações de classe existentes e, ideologicamente,
como sua legitimadora. Mas devemos avançar um
pouco mais em nossas definições. Pois se dissemos
que as relações de classe existentes eram mediadas
pela lei, não é o mesmo que dizer que a lei não
passava de tradução dessas mesmas relações, em
termos que mascaravam ou mistificavam a
realidade. Muitíssimas vezes isso pode ser
verdade, mas não é toda verdade. (Thompson,
1987, p. 353)
14. Pois as relações de classe eram expressas, não
de qualquer maneira que se quisesse, mas
através das formas da lei; e a lei, como outras
instituições que, de tempos em tempos, podem
ser vistas como mediação (e mascaramento)
das relações de classe existentes (como a Igreja
ou os meios de comunicação), tem suas
características próprias, sua própria história e a
lógica de desenvolvimento independentes.
(Thompson, 1987: 353)
15. Nos séculos 16 e 17, a lei fora menos um
instrumento de poder de classe do que uma
arena central de conflito. Ao longo do conflito a
própria lei se alterou; herdada pela fidalguia
do século 18, essa lei alterada foi literalmente o
ponto central para a aplicação de toda a sua
força de multiplicação de poder e meios de
vida. (Thompson, 1987, p. 355)
16. Se a lei é manifestamente parcial e injusta, não vai
mascarar nada, legitimar nada, contribuir em nada
para a hegemonia de classe alguma. A condição
prévia, essencial para eficácia da lei, em sua função
ideológica, é a de que mostre uma independência
frente a manipulações fragrantes e pareça ser justa.
Não conseguirá parecê-lo sem preservar sua lógica
e critérios próprias de igualdade; na verdade, às
vezes sendo realmente justa. E, ademais, não é
frequentemente que se pode descartar uma
ideologia dominante, como mera hipocrisia;
mesmo os dominantes têm necessidade de
legitimar seu poder, moralizar suas funções, sentir-
se úteis e justos. (Thompson, 1987, p. 354)
17. E não só os dominantes (na verdade, a classe
dominante como um todo) estavam restringidos
por suas próprias regras jurídicas contra o
exercício da força direta e sem mediações (prisão
arbitrária, emprego das tropas contra a multidão,
tortura e aqueles outros úteis expedientes do poder
com que estamos todos familiarizados), como
também acreditavam o bastante nessas regras, e na
retórica, ideológica que se acompanhava, para
permitir, em certas áreas limitadas, que a própria
lei fosse um foco autêntico onde se tratavam certos
tipos de conflito de classe. (Thompson, 1987, p.
356)
18. A retórica e as regras de uma sociedade são
muito mais que meras imposturas.
Simultaneamente podem modificar em
profundidade o comportamento dos poderosos
e mistificar os destituídos do poder. Podem
disfarçar as verdadeiras realidades do poder,
mas ao mesmo podem refrear esse poder e
conter seus excessos. (Thompson, 1987, p. 356)
19. É verdade que se, na história, pode-se ver a lei a
mediar e legitimar as relações de classe existentes.
Suas formas e seus procedimentos podem
cristalizar essas relações e mascarar injustiças
inconfessas. Mas essa mediação, através das
formas da lei é totalmente diferente do exercício da
força sem mediações. As formas e a retórica da lei
adquirem uma identidade distinta que, às vezes,
inibem o poder e oferecem alguma proteção aos
destituídos do poder. Somente quando assim
vistas é que a lei pode ser útil em seu outro
aspecto, a ideologia. (Thompson, 1987, p. 358)
20. A lei em ambos aspectos, isto é, enquanto regras e
procedimentos formais e como ideologia, não pode
ser proveitosamente analisada nos termos
metafóricos de uma superestrutura distinta de
uma infra-estrutura. Embora isso abarque uma
grande parcela evidente da verdade, as regras e
categorias jurídicas penetram em todos os níveis
de sociedade, efetuam definições verticais e
horizontais dos direitos e status dos homens e
contribuem pra autodefinição ou senso de
identidade dos homens. Como tal, a lei não foi
apenas imposta de cima sobre os homens. Tem sido
um meio onde outros conflitos sociais tem se
travado. (Thompson, 1987, p. 358)
21. Se a eficácia da operação da lei em sociedades
divididas em classes tem faltado repetidamente
à sua própria retórica de igualdade, ainda
assim a noção de domínio da lei é, em si
mesma, um bem incondicional. (Thompson,
1987, p. 359)
22. THOMPSON, Edward Palmer. Senhores e
Caçadores: a origem da Lei Negra. RJ: Paz e Terra,
1987.
CÂNDIDO, Tyrone. Fazendo Justiça. EP.
Thompson, o crime o do direito. Mnme: Revista
Humanidades. V. 02, nº 4, jun-jul, 2001.