O documento discute a ascensão do capital portador de juros no sistema financeiro globalizado. Descreve as etapas da acumulação financeira desde a década de 1950, incluindo a desregulamentação dos mercados nos anos 1970 e 1980 que permitiu a mundialização financeira. Também analisa os efeitos econômicos e políticos do domínio do capital financeiro, como a transferência de riqueza dos trabalhadores para os acionistas e a submissão de países periféricos.
1. O capital portador de juros:
acumulação, internacionalização,
efeitos econômicos e políticos
François Chesnais
2. O capital portador de juros
O capital portador de juros está no centro das relações sociais
e econômicas
Os grupos transnacionais organizam a produção de bens e
serviços, captam o valor e organizam de maneira direta a
dominação política e social do capital em face dos
assalariados.
Ao lado dessas instituições está o capital bancário, que busca
fazer dinheiro sem sair da esfera financeira, por meio de
lucros gerados da especulação.
3. O capital portador de juros
A progressão da acumulação financeira
foi estreitamente ligada à liberação dos
movimentos capitais e à interconexão
internacional dos mercados dos ativos
financeiros – obrigações públicas e
privadas, ações e produtos derivados.
(p. 36)
4. Acumulação financeira - conceito
Entende-se a centralização em instituições
especializadas em lucros industriais não
reinvestidos e de rendas não consumidas,
que tem por encargo valorizá-los sob a
forma de aplicação em ativos financeiros –
divisas, obrigações e ações mantendo-os
fora da produção de bens e serviços. (p. 37)
5. Acumulação financeira
O aumento da acumulação financeira e das medidas de
regulamentação foi seguida de uma evolução notável da
função dos mercados e do poder dos investidores, graças ao
forte crescimento do mercado de títulos de empresas.
A partir de 80 nos EUA e 90 em países como na França, parte
das propriedades das empresas, as empresas como tais e
grupos industriais inteiros tornam-se ativos financeiros cada
vez mais compráveis e vendáveis na bolsa.
6. Etapas da Acumulação Financeira
EUA – década de 1950 – recomeço
da centralização do capital sob a
forma financeira
Europa – meados da década de
1960 – subproduto da acumulação
do capital do período da “idade do
ouro”.
7. Etapas da Acumulação Financeira
Encorajadas pelas disposições fiscais favoráveis, as famílias com
rendas mais elevadas começaram a investir suas rendas excedentes
líquidas em títulos de seguro de vida (p.37).
Hoje, as companhias de seguro centralizam os ativos financeiros
mais elevados (p. 37).
Na década de 1960, os salários se tornam mensais e passam a ser
depositados no banco ou no correio.
Isso aumentou a escala de suas operações de crédito, bem como de
aplicações a curto prazo com a mais alta remuneração que eles
podiam obter no dia em que um mercado financeiro
desregulamentado foi reconstituído.(p.38)
8. Etapas da Acumulação Financeira
Essa reconstituição ocorreu graças a condições
institucionais precisas, em um dos centros históricos do
capital portador de juros, o Reino Unido. Enquanto o
controle de câmbio atingia o seu máximo, permitiu-se
em 1958, a criação como offshore na City de Londres –
isto é, com estatuto próprio, próximo a de um paraíso
fiscal – de um mercado interbancário de capitais
líquidos registrados em dólares, chamado “mercado de
eurodólares” (p. 38).
9. Etapas da Acumulação Financeira
O afluxo dos recursos não investidos se acelera no início
dos anos 70, a medida que o dinamismo da “idade do
ouro” se esgota. Os governos foram obrigados a
prolongar a sua duração por meio de elevada criação de
crédito. Combinada com a primeira reconstituição de
uma acumulação de capitais especulativos, isso explica
por que a crise de 1973-74 foi marcada por uma primeira
forma de crash financeiro da qual os bancos foram o
epicentro(p. 38).
10. Etapas da Acumulação Financeira
Após 1976 – “reciclagem” dos petrodólares – elevadas somas
resultantes do aumento temporário do preço do petróleo,
aplicadas em Londres pelos potentados do golfo Pérsico.
Essa “reciclagem” tomou a forma de empréstimos e de aberturas
de linhas de credito dos bancos internacionais aos governos do
Terceiro Mundo, sobretudo da América Latina. (p. 38)
Se o nível da taxa de juros for superior ao dos preços e às taxas de
crescimento da produção e do Produto Interno Bruto (PIB), a
dívida pode aumentar rapidamente.
11. Etapas da Acumulação Financeira
Bola de neve da dívida
Crise de 1979 – 81 (ou golpe de 1979) – liberação dos mercados
de títulos da dívida pública, alta do dólar e aumento das taxas de
juros em três a quatros vezes – crise no Terceiro Mundo.
Aumento da dominação econômica e política dos países centrais
sobre a periferia.
Desde 1984-85, os outros países do G7 adotaram a nova
tendência do financiamento dos déficits orçamentários pelo apelo
ao mercado de obrigações liberalizado e da oferta de taxa de
juros reais positivas.
12. Etapas da Acumulação Financeira
As sociedades dos seguros são os investidores institucionais mais
poderosos.
Nos países da OCDE, como nos países periféricos, a dívida pública
alimenta continuamente a acumulação financeira por intermédio
das finanças públicas. A necessidade de recorrer ao financiamento
mediante empréstimos torna-se permanente por causa da
desoneração do capital e das rendas elevadas, a qual foi ainda
facilitada pela mundialização financeira, pela impunidade da
evasão e pela multiplicação dos paraísos fiscais. Deu-se um duplo
presente às rendas elevadas: beneficiam-se da redução de
impostos e emprestam a taxas elevadas (p. 41)
13. Etapas da Acumulação Financeira
Nos anos 80 a dívida pública permitiu a expansão dos mercados
financeiros ou a sua ressurreição em outros países, como no caso da
França. Ela e o pilar do poder das instituições que centralizam o capital
portador de juros. (p. 42)
No curso dos últimos dez anos, foi ela que facilitou a implantação de
políticas de privatização nos países chamados em desenvolvimento. p. 42)
Nos anos 80, viram a reconstrução dos mercados capazes de garantir aos
investidores financeiros a possibilidade, em tempo normal, de revender
seus ativos a qualquer momento. Uma nova etapa da acumulação
financeira então é aberta, na qual os dividendos se tornam um mecanismo
importante de transferência e de acumulação, e o mercado de ações o
pivô mais ativo. (p. 42)
14. Etapas da Acumulação Financeira
Impõe-se novas normas de rentabilidade, que geram pressões
bastante acentuadas sobre os salários, tanto em termos de
produtividade e de flexibilidade do trabalho, como de mudanças
nas formas de determinação dos salários. (p. 42)
No fim dos anos 90, o volume de ativos em posse dos investidores
ultrapassava 36 trilhões. Esses haveres representavam em torno de
140% do PIB dos países da zona da OCDE. (p. 43)
Nos países, como Reino Unido, EUA e Países Baixos, a relação
ultrapassa 200%.
15. A Mundialização Financeira
Foram as medidas de liberalização e desregulamentação de 1979-81,
que deram nascimento ao sistema de finança mundializada tal como
conhecemos. Elas puseram fim ao controle de movimento de capitas
com o estrangeiro (saídas e entradas), abrindo assim os sistemas
financeiros nacionais para o exterior. (p. 44)
A abertura externa e interna dos sistemas nacionais, antes fechados e
compartimentados, conduziu a emergência de um espaço financeiro
mundial (p. 44)
16. Três dimensões do crescimento das
finanças
1- Autonomia relativa da esfera financeira da produção, mas
sobretudo em face da capacidade de intervenção das
autoridades monetárias.
2-Caráter fetiche perfeitamente mistificador, dos “valores”
criados pelos mercados financeiros.
3- os contornos da mundialização financeira são delimitados
pelos operadores que decidem quais agentes econômicos,
pertencentes a quais países e em quais tipos de transação
participarão.
17. Um regime especifico de propriedade do
Capital
Detentores das ações e de volumes importantes de títulos da
dívida devem ser definidos como proprietários situados em
posição de exterioridade a produção, e não como “credores”.
(p. 48)
A propriedade patrimonial cria direitos a rendas sob a forma
de alugueis, de renda de solo (urbano ou rural) e de fluxo de
rendas relacionadas às aplicações em Bolsas. A finalidade dela
não é nem o consumo e nem a criação de riquezas que
aumentem a capacidade da produção, mas o “rendimento”.
(p. 50)
18. Exterioridade em relação a produção
Os assalariados foram as verdadeira vítimas da chegada do proprietário acionista. É
contra eles que se exerce o novo poder administrativo. Foram eles que sofreram e
vão continuar a sofrer, desconsiderando acontecimentos políticos e sociais
maiores, os efeitos das normas de rentabilidade impostadas pelos financistas. (p.
55)
É sobre o dinheiro dos contribuintes e sobre o empréstimo publico que o capital
de risco, tão vangloriado, se apoia. (p. 56)
A propensão do capital portador de juros para demandar da economia “mais do
que ela pode dar” é uma consequência de sua exterioridade à produção. É uma das
forças motrizes da desregulamentação do trabalho, assim como das privatizações.
(p. 61)
19. Neoliberalismo
Entendido dessa maneira, o neoliberalismo, é forçoso constatar, atingiu
plenamente seus objetivos, pois ocorreu um grande salto na concentração
da riqueza. A questão, então, é saber se esse sucesso não obtido em
condições que, no longo prazo, poderiam tornar pouco viável a
dominação reencontrada das classes superiores e dos países que lhes
servem de baluarte porque fundada em bases econômicas estreitas e
instáveis. Se esse é o caso, então estaríamos diante de uma situação
propícia a acentuação do militarismo, assim como ao reforço dos métodos
militares e de segurança para o controle político e social, tanto no plano
internacional quanto no doméstico. (p. 57)
20. Crises Financeiras na América Latina
Os investidores institucionais parecem ter visto a incorporação desses países
na Mundialização Financeira, mas também sua submissão completa aos outros
planos da política neoliberal, como indispensáveis à captação dos fluxos de
renda, que lhes são necessários. A violência das crises financeiras e a
velocidade de sua propagação em direção à produção e ao emprego em cada
país, e entre países vizinhos, por meio da contração comercial e da queda dos
preços, não se explicam unicamente pelos fatores ligados a fraqueza das
autoridades financeiras, nem mesmo pelo comportamentos dos investidores
considerados fora do contexto mais amplo da liberalização, que eles
contribuíram para criar. (p. 64)
21. Referências
CHESNAIS, François (Org). O capital portador de juros: acumulação,
internacionalização, efeitos econômicos e políticos. In: CHESNAIS, F. (Org). A
finança mundializada. São Paulo: Boitempo, 2005.