1. nº 2 Biblioteca
Mastite colibacilar
Demetrio Herrera
Veterinário especialista em qualidade do leite
1. Introdução 2. Patogenia
A pesar dos esforços de produtores e
técnicos para melhorar a saúde do úbere dos
rebanhos, a mastite colibacilar continua a ser
Escherichia coli assim como a maioria das
bactérias Gram-negativas, tem na sua membrana
externa uma macromolécula característica e
apetite, febre, prostração, choque e em alguns
casos morte do animal. Dependendo do estado
imunitário da vaca, a apresentação pode não ser
um problema importante em muitas fazendas. essencial denominada lipopolissacárido (LPS). tanto aguda. A infecção crónica com episódios
Em fazendas onde as mastites de origem Este LPS é o principal fator de patogenicidade clínicos recorrentes também pode ocorrer,
contagiosa estão praticamente erradicadas e da bactéria, o desencadeante do típico quadro mas é menos frequente.
com baixas contagens celulares de tanque, entre de mastite hiperaguda por coliformes. A injeção A capacidade do sistema imunitário da vaca é
20 e 40% dos episódios de mastites clínicas intramamária experimental de LPS em animais chave para limitar a rápida proliferação de E. coli
são provocados por coliformes. Escherichia coli, sãos provoca a mesma sintomatologia e é dose no úbere e reduzir a ação tóxica do LPS.
Klebsiella spp. e em menor grau Enterobacter spp. dependente, provocando a morte do animal a Os neutrófilos são os principais atores na
são os coliformes mais frequentemente isolados doses altas. luta contra as infecções intramamárias.
de episódios clínicos deste tipo. A apresentação A bactéria penetra unicamente via canal do Encarregam-se de sequestrar, matar e
do quadro clínico e os seus custos derivados teto, multiplica-se rapidamente na cisterna do eliminar o patógeno, ajudados por anticorpos
(leite retirado, custo do tratamento, reposição úbere, e no processo de multiplicação e lise, opsonizantes, principalmente IgG 2 e citocinas
por morte ou sacrifício do animal, etc.) é muito a toxicidade e a potente capacidade indutora pró-inflamatórias, as quais são responsáveis
variável e depende primordialmente de fatores de citocinas inflamatórias do LPS provoca na pelo influxo massivo de neutrófilos desde os
ligados à vaca, mais do que à patogenicidade da vaca uma sintomatologia geralmente aguda, capilares sanguíneos do úbere até à cisterna. A
estirpe implicada. No presente artigo discutiremos que cursa com uma perda quase total da rápida mobilização dos neutrófilos até ao úbere
os fatores predisponentes e as medidas de produção láctea, uma inflamação aguda do é fundamental para reduzir os efeitos do quadro
prevenção para lutar contra esta patologia. quarto afetado e frequentemente perda de clínico.
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3. Fatores predisponentes
nº
A maioria das infecções intramamárias por
coliformes dão-se nas duas primeiras semanas
do período seco e sobretudo no periparto. Além
disso, praticamente metade das mastites clínicas
que ocorrem dentro dos primeiros 100 dias em
lactação, têm origem na secagem e periparto. A
apresentação aguda ou hiperaguda da mastite
colibacilar não é exclusiva do pós-parto, (apesar
de se apresentar neste período numa elevada
percentagem). As infecções intramamárias por
coliformes na lactação avançada provocam casos
leves ou moderados que o próprio sistema imune
das vacas é capaz de resolver e frequentemente
passam despercebidos.
O início do período seco é uma fase de risco O periparto é também uma fase de risco, o sistema imunitário vê-se comprometido por vários
devido principalmente a: factores:
• Aumento da pressão no interior do úbere que • O parto em si é estressante para a vaca. Os
às vezes provoca perdas de leite e também do níveis plasmáticos de cortisol experimentam um
antibiótico das seringas de secagem, deixando forte incremento fisiológico necessário para o
o esfíncter aberto, por onde podem penetrar desencadeamento do parto e a colostrogénese. • Outros:
bactérias. O cortisol inibe a resposta inflamatória e * Perdas de leite fruto do aumento da
influi negativamente na funcionalidade dos pressão intramamária no final do período seco.
• Proliferação bacteriana na pele do teto, neutrófilos. O esfíncter está aberto para a entrada dos
fruto da paragem da ordenha e da prática de
pré e pós-dipping. patógenos.
• Atraso na formação do tampão de queratina.
• Balanço Energético Negativo (BEN). Há
uma infinidade de estudos que relacionam o
* A maioria de formulações antibióticas das
cânulas de secagem não cobrem a fase final
Há vacas que tardam dias, algumas mesmo BEN com patologias pós-parto. O aumento das
semanas a selar o teto. da secagem, especialmente em secagens
necessidades energéticas no pós-parto unido a
standard de 60 dias. Além disso, a maioria dos
• Uma higiene deficiente ao aplicar as cânulas uma capacidade de ingesta reduzida, provoca a
mobilização de reservas de gordura, que depois produtos que existem no mercado apresentam
intramamárias de secagem pode provocar
da sua metabolização no fígado podem provocar uma atividade limitada frente aos Gram
infecções intramamárias.
cetose. Os corpos cetónicos infuem negativamente negativos.
na capacidade de migração e recrutamento de * Ordenha pós-parto frequentemente difícil
neutrófilos até ao úbere, a fagocitose e também pelo edema do úbere que provoca entradas
a capacidade de oxidação e destruição por parte de ar durante a ordenha, facilitando a entrada
dos neutrófilos. de patógenos para a cisterna
• Stress. Fatores estressantes como o calor, stress
metabólico, concorrência, transporte, etc. induzem
a secreção de cortisol e provoca imunossupressão.
No pós-parto, o stress é um círculo vicioso. Vacas
stressadas comem menos, com o que o BEN
alarga-se ou acentua-se, e a imunossupressão
potencia-se.
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4. Tratamento 5. Prevenção
O tratamento deve enfocar-se na vaca, não Tendo em conta a fraca eficácia de qualquer E e Se na ração, importantes para o sistema
na bactéria. E.coli multiplica-se rapidamente tratamento frente à mastite colibacilar imune, já que incrementam a atividade
no úbere alcançando o pico de concentração hiperaguda, a prevenção é o melhor tratamento fagocitária dos neutrófilos. Estados carenciais
em menos de 12 horas (Erksine et al 1989). possível. Conhecendo os períodos de máximo destes elementos aumentam a possibilidade de
O reconhecimento dos sinais clínicos de risco e os fatores predisponentes, as estratégias sofrer mastite, a severidade e também a duração
mastite colibacilar ocorre normalmente de prevenção centram-se em 2 vias: da infecção.
depois de atingida a máxima concentração • Vacinação. A vacinação contra a mastite
bacteriana no úbere. Esta ideia põe em dúvida 1. Minimizar a exposição da ponta do teto à colibacilar é uma estratégia frequentemente
a conveniência de tratar com antibióticos bactéria presente no ambiente: implementada nas fazendas leiteiras dos
a mastite colibacilar. Além disso há muitos • Extremar a higiene das zonas de descanso das Estados Unidos (entre 40-65% das fazendas
estudos que demonstram a fraca eficácia dos vacas, especialmente pátios de secas, pré e pós- aplicam a vacinação). As mais utilizadas são
tratamentos antibióticos contra as mastites parto tendo em conta que estes são os períodos vacinas baseadas na cepa J5 de E. coli. Esta
por Gram negativos. Por isso, centramo-nos de maior risco de contrair infecção intramamária cepa é um mutante que carece da cadeia
no tratamento sintomático: por coliformes. Cubículos ou camas limpas e O-polissacárida do LPS, deixando exposto
1. Soro hipertónico salino IV. A vaca deve ter secas são chaves para evitar a proliferação de E. ao sistema imunitário o antigénio “core” do
acesso livre a água limpa e fresca. coli nas zonas de repouso. Os materiais inertes LPS. À diferença da cadeia O-polissacárida, a
2. AINEs para controlar febre e inflamação. como areia ou mármore são mais adequados se composição e estrutura do dito antigénio “core”
3. Cálcio, ferro e vitaminas ADE para potenciar os comparamos com os orgânicos como palha, encontra-se muito conservada entre os distintos
a função dos neutrófilos. serrim, cascas, as bactérias proliferam menos. Gram-negativos, pelo que as vacinas com J5
4. Ocitocina e ordenhas frequentes. A própria • Ordenhar tetos limpos e secos. induzem anticorpos opsonizantes “anti-core” com
dor e inflamação inibe a descida do leite. A imunidade cruzada contra diferentes estirpes de
ocitocina ajuda a um melhor esvaziamento 2. Aumentar a resistência do animal à infecção: E.coli e outros Gram-negativos.
do úbere, eliminando assim maior número de • Minimizar o stress de qualquer tipo. A eficácia da vacinação na protecção contra a
bactérias. • Rações e estratégias de alimentação que mastite colibacilar aguda foi demonstrada em
5. Antibióticos ativos frente a Gram negativos reduzam ao mínimo o BEN e a sua duração no diferentes estudos de campo. Em numerosas
por via parenteral (como preventivo da septicemia, tempo. O objetivo é maximizar a ingestão de referências bibliográficas constata-se que a
não para curar a infecção). matéria seca. imunização com J5 não previne as infecções
• Assegurar os aportes necessários de Vitamina intramamárias por coliformes, mas reduz sim a
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severidade, o aparecimento do caso clínico, e
as perdas econômicas por morte ou sacrifício do Referências Bibliográficas
animal.
nº
Segundo alguns estudos econômicos levados a 1. Bradley et al. 2001 Adaptation of E. coli to the bovine mammary gland,
cabo nos EUA, um programa vacinal contra este J Clin Microbiol Mai 2001; 39(5):1845-9).
tipo de mastites é economicamente rentável
2. Passey S, Bradley A, Mellor H. Escherichia coli isolated from bovine
quando mais de 1% das lactações se vêem
mastitis invade mammary cells by a modified endocytic pathway. V et
afetadas por mamite colibacilar. Microbiol. 27 Juillet 2008;130(1-2):151-64.
De acordo com a bibliografia, a vacinação pode ser
uma ferramenta de grande utilidade na prevenção 3. Wilson DJ et al., 2007. Comparison of J5 Vaccinates and Controls
das mastites causadas por Gram-negativos em for Incidence, Etiologic Agent, Clinical Severity, and Survival in the Herd
fazendas onde existe esta problemática. Following Naturally Occurring Cases of Clinical Mastitis J.DairySci, Sept.
Considerando que o pós-parto é o período 2007 ,90(9):4282-8)
mais crítico e onde se dão a maioria de casos
4. Mallard BA, Burnside EB, Burton JH, Wilkie BN. Variation in serum
clínicos pelas causas já citadas, o objectivo
immunoglobulins in Canadian Holstein-Friesians. J Dairy Sci 1983;
deve ser potenciar a imunidade neste período
66:862–6.
vacinando os animais na secagem, e revacinando
antes do parto. Uma dose de reforço durante os 5. Burton JL, Chaiyotwittayakun A, Smith K, et al. Novel applications for
primeiros meses de lactação pode ser apropriada coliform vaccine programs. Proceedings of the 41st Annual Meeting of the
para prolongar a duração da imunidade. National Mastitis Council. Orlando (FL); 2002. p. 89–110.
Em climas quentes e úmidos onde a incidência
pode ser alta nos meses de Verão, uma dose 6. Preisler MT, Weber PSD, Tempelman RJ, et al. Glucocorticoid receptor
de reforço a todos os animais poderia proteger down-regulation in neutrophils of periparturient cows. Am J Vet Res 2000;
61:14–9.
também o rebanho.
7. David J. Wilson, Ruben N. Gonzalez,Vaccination strategies for reducing
clinical severity of coliform mastitis Vet Clin Food Anim 19 (2003) 187–
197.
8. P, Ruegg. Evaluating the effectiveness of Mastitis Vaccines, 2001.
Conclusões
9. Adrian Gonzalez Garrido. Manejo del posparto para el control de las
A mastite colibacilar é uma patologia importante em muitas fazendas enfermedades Metabólicas. Libro ponencias Congreso ANEMBE2007.
pelo impacto econômico que implica. A prevenção é a melhor ferramenta
10. Wilson DJ, Grohn YT, Bennett GJ, González RN, Schukken YH, Spatz J.Milk
para controlar este problema. O manejo do período seco e do periparto é
production change following clinical mastitis and reproductive performance
chave. Vacas alojadas em pátios ou cubículos limpos, secos e confortáveis compared among J5 vaccinated and control dairy cattle. J Dairy Sci. Oct.
vão reduzir as infecções intramamárias por coliformes. Além disso estratégias 2008; 91(10):3869-79.
de alimentação que minimizem o BEN no pós-parto e reduzam o stress
ajudaram a vaca a lutar contra a mastite hiperaguda. Por último, assinalar 11. Jeanne L. Burton,Ronald J. Erskine, Immunity and mastitis. Some new
que um protocolo de vacinação na secagem, pode ser de grande ajuda para ideas for an old disease Vet Clin Food Anim 19 (2003) 1–45.
prevenir os casos clínicos por coliformes nas fazendas onde exista esta
problemática. 12. Erskine RJ, VanDyk EJ, Bartlett PC, Burton JL, Boyle MC. Effect of
hyperimmunization with an Escherichia coli J5 bacterin in adult lactating
dairy cows J Am Vet Med Assoc. Oct. 2007; 231(7):1092-7.
13. NAHMS Dairy 2007 Part III: Reference of Dairy Cattle Health and
Management Practices in the United States, 2007 www.aphis.usda.gov/
vs/ceah/ncahs/nahms/dairy/dairy07/Dairy2007_PartIII.pdf.