Este artigo tem como objetivo discutir dados de uma pesquisa acerca do processo de inserção de iniciantes, considerando-o como um momento de grandes descobertas sobre a docência. Pretende-se investigar como ocorre esse processo a partir do reconhecimento, por parte dos próprios professores iniciantes, de suas necessidades, desafios e realizações, propiciando, assim, alguns elementos para serem considerados nas propostas de formação continuada de professores da educação básica.
Desafios de professores iniciantes em sua inserção profissional
1. Problemas de profesores principiantes en sus procesos de inserción profesional
INFORMES DE INVESTIGACIÓN
TRANSFORMANDO AS DIFICULDADES DO INÍCIO DA CARREIRA EM
DESAFIOS PARA PERMANECER NO MAGISTÉRIO
SIGNORELLI, Gláucia1
glauciasignorelli@gmail.com
UFU-MG/PUC-SP
MATSUOKA, Sílvia2
siluoka@hotmail.com
Seduc-MT/Cefapro/PUC-SP
ANDRÉ, Marli
marli.andre@gmail.com
PUC-SP
Palavras-chave: Professor iniciante – Desafios da carreira – Formação Continuada.
Este artigo tem como objetivo discutir dados de uma pesquisa acerca do processo de
inserção de iniciantes, considerando-o como um momento de grandes descobertas sobre
a docência. Pretende-se investigar como ocorre esse processo a partir do
reconhecimento, por parte dos próprios professores iniciantes, de suas necessidades,
desafios e realizações, propiciando, assim, alguns elementos para serem considerados
nas propostas de formação continuada de professores da educação básica.
Na condução metodológica da pesquisa foi utilizado o grupo focal que contou com a
participação de nove professoras iniciantes, licenciadas em Pedagogia e que estavam
exercendo a docência em escolas públicas e privadas, dos estados de Minas Gerais e
Mato Grosso.
O grupo focal permitiu compreender, pela expressão oral, alguns processos utlizados
pela professoras iniciantes para construir suas visões da realidade e da profissão, suas
práticas cotidianas, e suas ações, emoções, disposições no movimento de constituição
1
Bolsista CNPq.
2
Bolsista CNPq.
2. de seu desenvolvimento profissional. Foi uma técnica importante para detectar as
representações, hábitos, valores impregnados nos desafios que enfrentam no início da
carreira docente.
Marcelo (1999, 2010), André (2012), Papi e Martins (2010) foram alguns autores que
subsidiaram esse estudo quanto aos conceitos de desenvolvimento profissional docente
e de formação continuada de professores iniciantes.
A análise dos depoimentos evidenciou como as iniciantes transformam suas experiências
de inserção à realidade escolar e, consequentemente, a importância de uma política de
formação continuada que privilegie o compartilhamento de experiências entre os
docentes mais experientes e os iniciantes, assim como o acompanhamento, na escola,
de um profissional experiente e capacitado.
1. O início da docência e as transformações das iniciantes
1.1 Estou aqui, e é aqui que vou ficar...
A grande maioria dos estudos que trata do início da docência e entre eles os de Marcelo
(2009), Cunha (2010), Nono (2011), Papi e Martins (2011), André (2012), retrata as
dificuldades que os professores iniciantes enfrentam no início da carreira ao se
defrontarem com intensas situações que vão colocando em choque seus saberes, suas
crenças, os princípios educativos e os conhecimentos formulados durante a formação
inicial que, neste momento, parecem não muito valiosos.
Esses mesmos estudos mostram que os primeiros anos de exercício profissional são
fundamentais para o futuro profissional dos professores, chegando a serem definidores
da permanência ou não na profissão. Papi e Martins (2011) argumentam que o início
pode ser fácil ou difícil, simples ou complexo, e isso dependerá das condições
encontradas pelos iniciantes no local de trabalho, das relações que estabelecem com
outros colegas e do apoio que recebem nessa etapa da carreira profissional.
Além disso, as tarefas dos docentes iniciantes quando assumem uma sala de aula são
muitas: ensinar e aprender a ensinar, o que requer conhecimentos sobre o
desenvolvimento cognitivo social e afetivo dos estudantes, sobre as formas de relacionar-
se com os estudantes, com os pais e com seus pares; manejo de sala de aula, domínio
do currículo, de estratégias para desenvolvimento das atividades escolares; de
planejamento e avaliação, assim como das normas escolares e dos mecanismos de
funcionamento da organização escolar. Tais tarefas, tão importantes quanto complexas,
devem ser realizadas concomitantemente e os professores iniciantes as enfrentam,
muitas vezes, sem qualquer apoio ou orientação, o que os leva a se sentirem não apenas
solitários mas não raramente inseguros sobre continuar ou não na profissão (MARCELO,
2010).
A situação é muito claramente descrita por Cunha (2010, p. 143):
3. Não raras vezes se naturaliza a chegada deles ao sistema escolarizado
ao qual se incorpora sem nenhuma ação especial de acompanhamento e
apoio. Muitas vezes, ao revés, se reserva a eles as mais complexas
situações de trabalho, em escolas com déficits organizacionais e ou em
classes de mais difícil manejo. É rara a consciência de que esse jovem
docente inicia uma fase complexa da sua formação através da iniciação
profissional. [...] Não há compreensão de que esse é um estágio de
transição e que necessita cuidado para o sucesso da ação educativa.
Conforme lembra a autora, esse momento especial da carreira docente não é tratado, em
geral, com a atenção e o cuidado necessários.
Os dados coletados na pesquisa aqui relatada revelam os sentimentos das professoras
iniciantes em um início de carreira que elas consideram difícil e complexo. Egressas do
curso de Pedagogia, atuando em escolas públicas ou privadas há pelo menos três anos,
elas descrevem suas experiências iniciais:
Quando eu comecei, eu senti muita dificuldade, estava começando e eu
ficava meio constrangida de pedir ajuda pra minhas colegas, [...] quando
comecei dar aula no Santo Antônio, no primeiro ano, eu vi que a coisa
era mais difícil, era outro patamar, outra realidade. E aí lá eu senti um
pouco de dificuldade, eu pensava que era só chegar, aplicar a minha
aula e pronto. E não é assim [...]. (PI.4 – MT)
Comecei na creche este ano, 2013, trabalho o dia todo, com intervalo de
almoço. Bem, para mim foi difícil, complexo, também um pouco
assustador, tive um choque. Sendo aluna, no estágio a gente tem a
quem recorrer, mas sendo professora de uma sala é bem diferente,
ainda mais quando não temos experiência e não sabemos por onde
caminhar, por isso estou dizendo que é complexo, difícil, porque ainda
estou nesse período de iniciar. (PI.1 – MG)
As professoras se referiram ao início como difícil e assustador, sentimentos bem
semelhantes ao que Veenman (1984, apud NONO, 2011, p. 21) afirma sobre a transição
entre a formação e o primeiro trabalho na escola, que pode ser “dramática e traumática”
pelo fato de haver um “choque com a realidade”, comprovando que a situação que muitos
docentes encontram no início da carreira provoca um choque em suas vidas. Isso pode
ser explicado, pois no momento de sua inserção, a professora necessita apreender a
dimensão prática do ofício de ensinar e relacioná-la aos seus saberes teóricos
aprendidos na formação inicial, ao mesmo tempo em que resolve as ocorrências do dia a
dia da sala de aula. É uma situação de que emana uma intensidade de sentimentos que
vão do prazer de ter a sua própria sala de aula ao desespero de ter que lidar com uma
situação nova para a qual não se sente preparada.
Outra professora iniciante relata seus sentimentos:
O meu começo foi bem difícil [...] A gente assusta porque saí da
universidade com muita teoria e pouca prática, quando chegamos ao
âmbito escolar é bem diferente, é aquele choque, não imaginava que
4. seria daquele jeito [...] Eu sonhava em ter a minha sala de aula, mas
pensei que teria mais apoio que seria totalmente diferente, mas o choque
é total e a gente pensa até em abandonar, mas aí você para e pensa, eu
não estudei esse tempo todo pra nada, eu vou enfrentar essa
tempestade e um dia ela passa. (PI.2 – MG)
A fala da professora revela que mesmo enfrentando um choque causado pelas
contradições vividas no início da carreira, e ainda sem contar com nenhum apoio, há uma
vontade de continuar e uma crença de que os conflitos serão superados, o que segundo
Nono (2011) é característica daqueles que conseguem manter certo equilíbrio e que não
renunciam ao desejo de aprender a ensinar.
Mas, a falta de apoio é uma séria deficiência no início da carreira e foi expressa com
maior ou menor intensidade por oito das professoras participantes. Os extratos que
seguem revelam isso.
Bem, existe apoio e apoio, aquele que é efetivo, aquele que finge ser
apoio e também a falta de apoio. Acho que a gestão e a supervisão são
de quem a gente espera o apoio, mas, não sei se porque eu estava
numa posição de substituta, não tive apoio nenhum, só cobrança... e aí
está trabalhando o quê? Deu certo a matéria? Conseguiu passar tudo?
(PI3-MG)
[...] eu penso assim, a gente tem que ter mais o apoio da coordenadora
pedagógica, é lógico, que a minha coordenadora não vai adivinhar o que
a gente precisa, a gente precisa ir atrás. Mas eu não tenho ela ali
presente, pra eu perguntar [...]. Eu sou assim, eu quero fazer a coisa
certa, mas eu quero ajuda, e eu vejo que ali eu não tenho. (PI4-MT)
Essas iniciantes, diferentemente de iniciantes que recebem orientações de profissionais
com mais experiência (MARCELO, 2010), revelaram que lhes falta apoio e orientação
que poderiam ajudá-las a enfrentar esse momento importante da profissão.
Sejam dificuldades, seja o choque da realidade ou a falta de apoio, esses não são dados
apenas dessa pesquisa, pois como já anunciou Marcelo (2009), essas características são
comuns ao início da docência e estão diretamente relacionadas às causas de abandono
da carreira.
Mas, acreditamos ser um dado importante da pesquisa, o fato de oito, das nove
participantes, apesar das dificuldades iniciais, não terem se referido a uma possível
desistência da carreira, pelo contrário, reafirmaram suas escolhas. O relato abaixo deixa
claro essa questão.
[...] é aqui que eu estou, é aqui que eu vim parar, e foi o que escolhi pra
mim, então eu tenho que ficar (risos) porque eu sou efetiva, então não
vou pensar em outra carreira, não vou pensar em estudar pra outra
coisa, então é aqui que eu vou ficar pelos meus próximos 25 anos, então
eu tenho que tentar, pelo menos, fazer a diferença, não é?!. E é assim, a
5. gente corre atrás, estuda, o que a gente não sabe, não pode ter
vergonha de perguntar, nem de falar (PI2-MT)
Uma das professoras que revelou ter tido em algum momento a intenção de desistir,
explica que diante da incerteza preferiu permanecer na profissão:
[...] os primeiros dias foram muito difíceis, queria arrumar um emprego
no comércio, que era bem mais fácil, mas daí pensei, eu não vou jogar
fora tudo que aprendi, não posso perder essa oportunidade de aprender
e crescer na minha profissão e então fui adiante[...]. (PI1-MG)
As falas das professoras expressam a tentativa de manter um controle pessoal frente às
tensões que esse início lhes impõe. É a vida profissional que está em jogo e parece
haver uma necessidade de consolidar a profissão escolhida. Essa percepção surge
nesse movimento de constituição da docência vivido pelas iniciantes e está melhor
demonstrado pelo inconformismo de uma professora aos modelos de comportamentos
docentes cristalizados na instituição em que atua e sua luta para não se render a eles.
Ela diz
No segundo dia na escola, eu fui procurar o plano de ensino, conhecer a
matriz curricular e a supervisora me disse que eu não precisava
preocupar com aquilo não, porque tinha uma professora com mais
experiência, 7 anos na escola que tinha um caderno de plano e que eu
devia seguir o caderno de plano dela. Eu me neguei fazer isso. Eu disse
que não queria reproduzir o que a outra professora fazia. Eu disse que a
sala era diferente, que as crianças provavelmente tinham necessidades
diferentes, e que eu ia fazer do meu jeito as minhas aulas. [...] Assim, eu
não consigo ser um “robozinho” e fazer só o que os outros mandam, se
eu vejo uma possibilidade de fazer de outra forma, eu tenho que tentar.
Eu fiquei muito chateada com isso de falar pra eu pegar o caderno da
professora que ela sabe o que faz.. e eu não sei só porque estou
começando agora? Eu não tenho que aprender? (PI3 – MG)
O inconformismo dessa professora frente aos padrões de comportamentos já
cristalizados na cultura escolar parece indicar a possibilidade de transformar seus
conhecimentos adquiridos, sejam teóricos ou práticos, em conteúdos de ensino (NONO,
2011). Há evidências de que a iniciante está tentando lidar com as situações presentes
na realidade de seus alunos, levando em conta as aprendizagens obtidas na formação
inicial, como por exemplo, quando relata que a sua sala de aula era diferente da sala de
aula da professora mais experiente e que, provavelmente, as necessidades de seus
alunos também seriam diferentes. Esse aspecto é abordado nos cursos de formação,
principalmente quando se estuda planejamento didático e se aprende que este deve ser
precedido do diagnóstico da realidade (LIBÂNEO, 2004). Essa percepção da professora
que demonstra sua preocupação com o “como” e “porquê” fazer, pode ser uma
característica promissora do seu desenvolvimento profissional, demonstrada por meio da
transformação de um conhecimento adquirido em conteúdo de ensino.
6. Outras professoras, na mesma direção, também demonstram transformar seus
conhecimentos em conteúdos de ensino.
Eu acho que o que a faculdade mais ensina, e o que ficou pra mim é que
tudo que o aluno precisa aprender tem que estar ligado com a realidade,
pra ele começar a sintonizar [...] (PI1-MT)
O que falta mesmo é ajuda e isso dificulta nosso trabalho, eu comecei
sem nenhuma experiência e tive que ir aprendendo, estou aprendendo a
lidar com as crianças, a perceber o que elas precisam, a conhecer suas
necessidades. [...] eu utilizo muito os conhecimentos da Psicologia, tudo
sobre o desenvolvimento da criança, as fases de desenvolvimento,
também tudo que se refere ao brincar [...] (PI2-MG)
[...] quando saímos da universidade temos a impressão que vai ser fácil,
que sabemos tudo, que não teremos problemas. No começo eu queria
que tudo desse certo na prática como a gente vê na teoria... não que
teoria e prática sejam duas coisas separadas, pelo contrário, andam
juntas, mas quando estudamos em psicologia o desenvolvimento infantil,
as fases de que trata Piaget, sensório-motor, pré-operatório ou então o
desenvolvimento da escrita com Emilia Ferreiro, a fase pré-silábia,
silábica, alfabética, a gente pensa que vai ser assim na prática, tudo
lindo, as crianças evoluindo, passando de uma fase para a outra, mas
quando nos deparamos com os problemas, uma criança que não
consegue ler, não consegue interpretar [...] (PI5-MG)
Esses depoimentos vêm constatar que mesmo passando por esse período considerado o
mais difícil, ou indo ao extremo, os piores anos da profissão, as professoras conseguem
transformar, seus conhecimentos e relacioná-los a situações de ensino, o que pode ser
considerado momento profícuo na profissão, pois “[...] a condição de principiante induz
em certos aspectos, a uma disponibilidade, a uma busca de explicação, a um pedido de
ajuda, a uma abertura à reflexão”. (PERRENOUD, 2002, p.14).
Notamos que a disponibilidade e reflexão foram dois elementos muito presentes na fala
de nossas participantes e que podem ajudar a professora nesse processo de transformar
os conhecimentos adquiridos em conteúdos de ensino e para o ensino, além da
constatação, por elas, de que o ensino é uma atividade incerta e contextualizada e que
deve ser construído em resposta às especificidades presentes em cada sala de aula. O
depoimento das iniciantes é repleto desses elementos.
Eu aprendo muito e sinto que estou ganhando experiência que é algo
que nos enriquece e nos torna mais fortes. Essa relação que eu tenho
com as crianças me faz aprender muito sobre elas mesmas, seu
processo de desenvolvimento, como elas aprendem, tudo é aprendizado
e eu me coloco naquela posição de que quando ensino eu aprendo, por
isso a prática educativa é tão interessante e precisa ser uma prática
refletida. (PI1-MG)
7. A professora constata o que Lima (2004) afirmou em sua pesquisa sobre professores
iniciantes, que não há melhor lugar para aprender a ser professor do que o próprio
espaço da sala de aula, pois é lá onde tudo acontece: as alegrias, angústias, medos,
acertos e desacertos, aprendizagens e descobertas.
É possível que, a professora, ao se colocar na posição de “quando ensino eu aprendo”
esteja expressando o quanto valoriza a prática educativa, o que também pode ser
promissor no seu desenvolvimento profissional porque, segundo Marcelo (2010), algumas
coisas o professor iniciante só aprende na prática, mas se não estiver aberto para essas
descobertas e aprendizagens, nada se transforma e os desafios que fazem parte da vida
cotidiana não são vencidos. Outra professora também afirma suas aprendizagens.
[...] estou aprendendo a lidar com as crianças, com suas necessidades,
antes isso para mim era algo da teoria, mas agora vejo na prática como
ocorre. Estou aprendendo a lidar com meus anseios, minhas angústias,
aprendo a respeitar o outro, a tomar decisões, a planejar uma boa aula,
então é isso, muita aprendizagem mesmo. (PI3-MG)
Poderíamos destacar muitos outros depoimentos que confirmam que as professoras
iniciantes, apesar das dificuldades conferidas pela pouca experiência, pela falta de apoio
por parte dos diretores, coordenadores e colegas mais experientes, estão aprendendo a
ser professoras, transformando os desafios em conhecimentos tácitos, que mais tarde em
suas carreiras, poderão ser transformados em conhecimentos práticos e, porque não, em
conhecimentos teóricos.
2. A Formação de Professores Iniciantes: delineamentos para o processo de
socialização
2.1. O professor iniciante está na escola, e agora?
A escola tem que ter um plano de ação para trabalhar aquele professor,
para dar suporte para aquele professor, porque ele está ali, ele fez um
seletivo e está dentro da escola e então ele está ali. A coordenação tem
que ajudar aquele professor, porque querendo ou não a teoria, na
faculdade, é uma coisa, na prática é outra. (P2-MT)
O relato ou desabafo de uma das iniciantes demonstra uma profissional capaz de
reconhecer sua condição de aprendiz no contexto em que atua. As professoras iniciantes
compreendem a responsabilidade da instituição em administrar o que Marcelo (1999)
propugna como o período de socialização, que, citando Van Maanen e Schein (1979,
p.211), define como “processo através do qual um indivíduo adquire o conhecimento e as
competências sociais necessárias para assumir um papel na organização”.
Na primeira parte desse artigo, os depoimentos das professoras iniciantes reforçam o que
já foi referendado por diversos autores sobre as adversidades pelas quais elas passam
no início da carreira e que em geral são motivos de evasão. Todavia, o que os tornam
importantes indicadores de investigação, na verdade, é a sinalização de como as
8. professoras vão transformando essas experiências em conhecimentos profissionais, o
que lhes possibilitará a permanência na profissão docente.
Escolhemos três dos indicadores já referendados para serem as definições deliberativas
dessa permanência. A primeira definição deliberativa recorrente nos depoimentos das
iniciantes é a “presença do outro”, um professor mais experiente, que como espelho
reflete o que é ser professor, e que as ajuda a passarem pelo processo de socialização
É, um caminho, buscar alguém ali na escola que é comunicativo, que
está ali ajudando o professor, porque, às vezes, um colega é mais fácil
para você perguntar do que o coordenador, o diretor. (P2-MT)
É mais fácil quando você tem uma colega mais experiente, que você
chega “e aí? Como faz? Como é pra fazer?”. Você está insegura, mas
você não demonstra para os superiores. Mas é mais fácil pedir para um
colega, alguém que pode [ajudar]. (P1-MT)
André (2012, p.115) argumenta que “programas de iniciação à docência, que incluam
estratégias de apoio, acompanhamento, capacitação, podem ajudar a reduzir o peso
dessas tarefas e fazer com que os iniciantes se convençam de quão importante é a
adesão a um processo contínuo de desenvolvimento profissional”.
A segunda definição deliberativa é o peso do estigma que sentem advir da cultura
escolar, de que inexperiência no início da carreira, assim como o não-saber-fazer na
carreira docente, é sinônimo de incompetência. Mesmo seguras de que a
responsabilidade é da instituição escolar oferecer uma orientação ao iniciante, confessam
como esse peso se abate sobre elas
A direção a coordenação está sempre à disposição [para tirar dúvidas].
Mas eu acho que a gente mesmo, eu tenho medo de me sentir incapaz,
de que vejam a gente como quando você vai lá [na coordenação] pedir
ajuda. Então é mais fácil quando você tem uma colega. (PI1-MT)
Tudo isso me chocou muito, aquele ato de me mandar pegar o plano de
outra professora, me fez sentir desvalorizada, eu não estava ali para ser
“tapa buraco” e fazer só o que a outra professora fazia. Eu sou uma
profissional com curso superior, mas parece que isso não tinha
importância, a minha formação não valia, o que aprendi na minha
formação não tinha tanta importância, eu sentia que uma professora que
só tinha magistério era mais valorizada. (PI3-MG)
Observamos que, mesmo no período de socialização, as iniciantes não aceitam a
imitação, entendem o que afirma Vonk (1993 apud MARCELO, 1999, p.126) que além de
um professor que sirva como um mentor, o desenvolvimento profissional em programas
de iniciação, precisa de apoio nas três áreas básicas: pessoal (conhecimento e
9. competências), didáticas (planificação, organização, gestão, adaptação do conteúdo às
necessidades dos alunos) e ambientais ou organizacionais (cultura escolar,
responsabilidades do professor).
A terceira definição deliberativa é a atitude de rompimento com a figura do formador do
ensino superior, a exemplo do professor de estágio que é a figura que trabalha a inserção
desses iniciantes. Evidencia-se esse rompimento na representação que os iniciantes
revelam sobre esse formador, quando relatam porque não buscam apoio com os antigos
professores da formação inicial
É porque tinha professor lá [na faculdade] que falava uma coisa na teoria
que quem já dava aula ficava bravo, porque na prática era outra coisa.
Não era aquilo da teoria, não era aquilo que aquele professor falava, que
acontecia de verdade. Ou tinha que ser trabalhado daquele jeito, ou
trabalhado aquilo, mas na prática não era aquilo e muita gente ficava
bravo. (PI2-MT)
O formador do ensino superior, para o iniciante, representa a imagem do detentor de
conhecimentos teóricos, mas pouco prático, o que pode fazê-lo desvincular a formação
inicial da formação continuada, entendidas como momentos completamente
independentes, dicotomicos.
Essas três definições deliberam, para a iniciação à docência: a necessidade de
estratégias de apoio ao iniciante instituídas no próprio ambiente escolar; a construção de
uma cultura escolar que inclua o iniciante; e a esperada articulação teoria e prática na
formação inicial..
Embora se vislumbrem em programas de inserção à docência como o Programa
Institucional de Bolsa de Inserção à Docência (PIBID) e Bolsa Alfabetização (ANDRÉ,
2012, p.125) iniciativas no sentido de intervir nessa realidade, ainda há que se alcançar o
que os depoimentos sinalizaram como básicos para um programa de desenvolvimento
profissional docente destinado aos iniciantes.
Nos programas de inserção a docência citados, os estudantes de licenciatura passam por
uma iniciação à docência, apoiada por professores responsáveis pelo apoio e pela
articulação teoria e prática na atuação desses futuros profissionais, no entanto, parte
dessa formação fica ao encargo de um professor da escola, que não recebe formação ou
mesmo orientação para realizar a função de co-formador pretendida pelas propostas
(MATSUOKA, SIGNORELLI e ANDRÉ, 2013). Esses programas, apesar de favorecerem
a formação inicial de licenciandos, não resolvem os problemas enfrentados por aqueles
que já estão na escola como iniciantes.
Dessa forma, conforme indicadores sobre as necessidades formativas reveladas pelas
próprias iniciantes, os programas que instituírem um desenvolvimento profissional
baseado em políticas de apoio ao iniciante devem levar em conta também uma política
de formação para o formador, seja o professor do ensino superior, seja o professor da
10. educação básica como co-formador, que modifiquem o quadro de insegurança e de
isolamento de docentes em início de carreira.
Outros indicadores investigados para a formação de professores iniciantes a partir do
conhecimento tácito revelado pelas próprias iniciantes evidenciam profissionais
inexperientes, porém, bastante capazes de se compreenderem como sujeito de um
processo que querem transformar.
Considerações
Essa ausência de políticas e programas destinados ao período de socialização dos
professores iniciantes provoca uma discussão acerca de analisar as formas como os
problemas já referendados (Tardif ,2008; Marcelo, 1999; Lima, 2004), são transformados
em conhecimentos formativos pelos professores iniciantes, uma vez que a transformação
realizada por esses professores afeta sobremaneira o movimento da sua própria
profissionalidade que pode ascender para uma autonomia intelectual e busca da
profissionalização ou para uma internalização das forças estruturais e a dominação
passiva. A passividade inicial pode se transformar, por seu turno, em resistências
posteriores à formação continuada, pela sensação de que o processo chegou ao fim, de
que não há o que aprender sobre o ensinar, porque nesse momento se inicia o aprender
do aluno e se ele não aprende, a culpa não é do professor.
A profissionalidade docente está associada às experiências acerca da docência, o que
repercute na atuação do indivíduo como professor, por isso entendemos a importância de
se investigar, não apenas os fatores que reforçam sua evasão, mas, principalmente,
quais fatores os próprios iniciantes consideram relevantes para sua permanência no
ensino,
Referências
André, M. E. D. A. de. (2012). Políticas e programas de apoio aos professores iniciantes
no Brasil. Cadernos de Pesquisa. v.42, n.145, jan-abril, 112-129.
CUNHA, M. I. (2010). Lugares de formação: tensões entre a academia e o trabalho
docente. In DALBEN. A. I. L. de F. et al.(2010). Convergências e tensões no campo da
formação e do trabalho docente. Belo Horizonte: Autêntica, 129 – 165.
Libaneo, J. C. (2004). Organização e gestão da escola: teoria e prática. (5a. Ed). Goiânia:
Editora Alternativa.
Lima, E. F. de. (2004). A construção do início da docência: reflexões a partir de pesquisas
11. brasileiras. Revista do Centro de Educação, Universidade Federal de Santa Maria, 29(2),
43-58.
Marcelo, C. (1999). Formação de Professores: para uma mudança educativa. Porto:
Portugal: Porto Editora.
Marcelo, C. (2010, ago-dez). O professor iniciante, a prática pedagógica e o sentido da
experiência. Formação Docente 3 (3). Recuperado em 12 de março de 2013, da Revista
Brasileira de Pesquisas sobre Formação de Professores On line:
http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br/artigo/exibir/8/18/1
Matsuoka, S., Signorelli, G., André, M.E.D.A. de. (2013) A integração universidade-
escola pela atuação de uma supervisora do PIBID (p.8188). Anais do XI Congresso
Nacional de Educação-Educere, 12 (p.8188). Curitiba: PUC-PR.
Nono. M. A. (2011). Professores iniciantes: o papel da escola em sua formação. Porto
Alegre: Mediação.
Papi, S. de O. G., Martins, P. L. O. (2010). As pesquisas sobre professores iniciantes:
algumas aproximações. Educação em Revista, Belo Horizonte, 26(3), 39-56.
Perrenoud, P. (2002). A prática reflexiva no ofício de professor: profissionalização e razão
pedagógica. (C. Schlling, Trad.). Porto Alegre: Artmed.
Tardif, M. (2008). Saberes docentes e formação profissional. (9a.ed). Petrópolis: Vozes.