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MANUEL
ANTÓNIO
PINA 1943-2012
MANUEL
ANTÓNIO
PINA 1943-2012
POETA,JORNALISTA,
AUTOR DE LIVROS PARAA
INFÂNCIA E TRADUTOR.[Sabugal, 1943 - Porto, 2012]
O autor licenciou-se em Direito na Faculdade de Direito da Uni-
versidade de Coimbra e foi jornalista do Jornal de Notícias duran-
te três décadas, jornal onde foi depois cronista assinando diaria-
mente a crónica Por outras palavras.
A obra de Manuel António Pina consegue uma forte coesão, man-
tendo em ambos os registos – o da poesia e o da chamada «lite-
ratura para a infância» – aquilo que já foi classificado como «um
discurso de invulgar criatividade e de constante desafio à inteli-
gência do leitor», qualquer que seja a sua idade.
Como poeta, a sua obra revela um cariz simultaneamente senti-
do e reflexivo, de tom irónico e pendor filosofante, na qual é apon-
tada uma tendência nietzschiana para alcançar «uma segunda e
mais perigosa inocência».
Como autor de literatura para a infância, a sua obra tem um lu-
gar à parte no panorama nacional, mercê de um nonsense de
tradição anglo-saxónica (onde poderemos detectar a herança de
Lewis Carroll) que brinca, inteligente e seriamente, com as pala-
vras e os conceitos, num jogo de imaginação sem tréguas. A sua
obra para a infância tem uma relação estreita com o teatro, tendo
mantido uma colaboração regular com o grupo Pé-de-vento des-
de a sua fundação.
Algumas das suas obras foram adaptadas ao cinema e TV e edi-
tadas em disco, destacando-se o trabalho musical desenvolvido
pelo Grupo Bando dos Gambozinos em torno dos poemas para a
infância do autor. Destacou-se ainda como dinamizador de diver-
sas comunidades de leitores em bibliotecas municipais.
A sua obra está traduzida em França, Estados Unidos, Espanha,
Dinamarca, Alemanha, Países Baixos, Rússia, Croácia e Bulgária.
Recebeu vários prémios. Em 2001, foi agraciado
com a Medalha de Ouro de Mérito da Câmara
Municipal do Porto. Em 2005, recebeu a comenda
da Ordem do Infante D. Henrique. Em 2011 foi
distinguido com o Prémio Camões.
Centro de Documentação de Autores Portugueses
[Em linha].[10-10-2018]. Disponível em http://livro.dglab.gov.pt/sites/DGLB/Portugues/autores/Paginas/PesquisaAutores.aspx
MANUEL
ANTÓNIO
PINA 1943-2012
Completas
A meu favor tenho o teu olhar
testemunhando por mim
perante juízes terríveis:
a morte,os amigos,os inimigos.
E aqueles que me assaltam
à noite na solidão do quarto
refugiam-se em obscuros sítios dentro de mim
quando de manhã o teu olhar ilumina o quarto.
Protege-me com ele,com o teu olhar,
dos demônios da noite e das aflições do dia,
fala em voz alta,não deixes que eu adormeça,
afasta de mim o pecado da infelicidade.
Algo Parecido Com Isto,
da Mesma Substância
Todas as palavras
As que procurei em vão,
principalmente as que estiveram muito perto,
como uma respiração,
e não reconheci,
ou desistiram e
partiram para sempre,
deixando no poema uma espécie de mágoa
como uma marca de água impresente;
as que (lembras-te?) não fui capaz de dizer-te
nem foram capazes de dizer-me;
as que calei por serem muito cedo,
e as que calei por serem muito tarde,
e agora,sem tempo,me ardem;
as que troquei por outras (como poderei
esquecê-las desprendendo-se longamente de mim?);
as que perdi,verbos e
substantivos de que
por um momento foi feito o mundo
e se foram levando o mundo.
E também aquelas que ficaram,
por cansaço,por inércia,por acaso,
e com quem agora,como velhos amantes sem
desejo,desfio memórias,
as minhas últimas palavras.
Todas as Palavras:poesia reunida
Onde sinto o meu
sangue é na poesia
O POETA
MANUEL
ANTÓNIO
PINA 1943-2012
Pensar de pernas para o ar
Pensar de pernas para o ar
é uma grande maneira de pensar
com toda gente a pensar como toda a gente
ninguém pensava nada diferente
Que bom é pensar em outras coisas
e olhar para as coisas noutra posição
as coisa sérias que cómicas que são
com o céu para baixo e para cima o chão
O Beco,Bando dos Gambozinos
As bruxas
Quem tem medo de papões e de papoas
ainda não chegou à conclusão
que as bruxas más às vezes são boas
e as fada boas não
As bruxas são como as pessoas
e as pessoas são como são
se gostam delas,elas são boas
se não é,claro que não
Às vezes más,às vezes boas
e o lobo,o polícia e o papão
também calha gostarem das pessoas
depende da disposição
O Beco,Bando dos Gambozinos
Eu sei lá para quem
é que escrevo!
LIVROS PARA
A INFÂNCIA
MANUEL
ANTÓNIO
PINA 1943-2012
LIVROS PARA
A INFÂNCIA
“(…) Os que dizem que as crianças não percebem
determinados textos literários estão convencidos de que,eles,
os percebem.Isto é,que o texto diz uma coisa determinada
e que eles sabem qual é essa coisa determinada.(E é natural
que assim às vezes suceda,pobre do texto!)A maior parte
das vezes,essas pessoas impõem às palavras os limites da sua
própria razão.(…)”
ManuelAntónio Pina
“(…) Se alguma coisa «ensinassem» estes textos,
gostaria que fosse a alegria de criar e de mudar,
a mania de ver as coisas de outra maneira e,se
possível,de mais perto,a tolerância,a inteligência;
e a paixão do jogo e a das palavras,enfim,tudo ou
quase.“
ManuelAntónio Pina
“A Infância é um lugar de exílio.Se não tivermos,em qualquer
sítio do coração,uma infância,onde nos refugiaremos quando os
ladrões vierem para nos roubar a inocência e os sonhos e quando
os assassinos baterem à porta? Se não tivermos uma pequena
infância que seja […] onde guardaremos os segredos mais secretos
e onde brincaremos ainda? E quem nos responderá quando,diante
do nosso rosto no espelho,nos virmos e não nos reconhecermos,ou
quando,nos dias de infelicidade,chamarmos pelo nosso nome?“ 	
ManuelAntónio Pina
MANUEL
ANTÓNIO
PINA 1943-2012
Água que corre
A propriedade constitui um interminável problema filosófico,e a noção de“propriedade intelectual”mais
ainda,principalmente hoje,com a desmaterialização e multiplicação dos usos e das técnicas de comunicação
e reprodução.No admirável“Pierre Menard,autor do Quixote”,Borges coloca,não sem radical ironia,a
questão da autoria.No limite,cada leitor (ouvinte,espectador) é um autor e cada leitura uma autoria.Ainda
no limite,poderíamos mesmo perguntar de“quem”são as nossas palavras ou o modo como as usamos ou se
ligam umas às outras,as nossas ideias,a própria ideia que temos de criação e concluir,com Proudhon,que a
propriedade,em especial a intelectual,é necessariamente um roubo e o autor um ladrão que rouba a outros
ladrões.A autoria (contra mim falo,que sou autor) tem hoje inexplicável prestígio e sua patética luta para
impor barreiras jurídicas à comunitarização da criação é tentar agarrar água que corre.
Jornal de Notícias,11 novembro,2009
A terra vista da lua(JN)
Portofólio (Visão)
Por outras palavras(JN)
OANACRONISTA
Uma crónica de jornal é às vezes um lugar de comunhão e de
partilha onde o leitor,mais do que descobrir a sua própria
alheia voz,de súbito reconhece valores limpidamente
elementares que a gritaria mediática tende a obscurecer.
Portofólio,Visão n.º 651,25 de agosto de 2005
MANUEL
ANTÓNIO
PINA 1943-2012
Há precisamente 30 anos, estava o Pé de Vento a ensaiar o seu primeiro espectáculo e a estrear-
-se como Companhia Profissional de Teatro para a Infância e Juventude, com um texto de Manuel
António Pina.
Foi também há 30 anos que o Manuel António Pina aceitou integrar o seu núcleo impulsionador, como
escritor residente, e fundar connosco – a Maria João Reynaud e eu próprio – o Pé de Vento.
Nesse ano já tão distante de 1978, o jardim da Cooperativa Árvore foi o cenário onde estreámos um
espectáculo que percorreu a cidade de lés a lés: Ventolão, o maior intelectual do mundo. De então para
cá, muitos foram os textos deste autor que transformámos em espectáculos e ficaram na memória
de quem os viu – pela natureza insólita dos textos e pela sua carga poética. Dezenas, talvez mesmo
centenas, de milhares de espectadores assistiram a essas representações, levadas aos sítios mais
recônditos do país por uma companhia que, na altura, apostava essencialmente num trabalho de iti-
nerância dirigido aos mais novos.
Ao longo destes 30 anos, fomos trilhando uma caminhada sem paralelo, com o Manuel António Pina
a escrever muitos dos textos que o Pé de Vento ia levando à cena. Do cruzamento da sua escrita com
a nossa prática teatral resultaram alguns dos nossos melhores espectáculos, construídos sobre
aquela cumplicidade que transforma a tarefa de pôr um texto em cena – e que tarefa! – em aventura
amorosa, que se alarga aos espectadores, também eles cúmplices, e a que inevitavelmente se segue
uma separação provisória, até a um próximo encontro…
Agora, em 2008, era altura de nos reencontrarmos com Manuel António Pina para festejarmos um
percurso que, sem ele, teria sido bem diferente – porque o desafio da sua escrita, do seu humor, do
seu talento poético foi sempre um dos nossos mais constantes estímulos. Voltamos a cruzá-la com
o nosso palco, em jeito de celebração de 30 anos de vida teatral sem tréguas nem vacilações, apesar
dos inúmeros obstáculos que tivemos que vencer para prosseguirmos com dignidade e profissiona-
lismo um trabalho que visa um público jovem e cada vez mais exigente.
Assim, desta fiel parceria que agora comemoramos, nasceu a História do Sábio fechado na sua Bi-
blioteca, um conto que nos fala de dois mundos: o do saber e o da vida. O mesmo se passa no teatro,
quando passamos do texto e do trabalho de montagem à representação das emoções e dos afectos
que ganham vida no palco – a vida que reconhecemos como sendo também nossa.
João Luiz, Diretor do Pé de Vento, na celebração do 30º aniversário da Companhia de Teatro
TEATRO PÉ DEVENTO
UMA COLABORAÇÃO DESDEA
FORMAÇÃO DA COMPANHIA
MANUEL
ANTÓNIO
PINA 1943-2012
PRÉMIO
CAMÕES 2011
“É a coisa mais inesperada que poderia esperar”, disse o poeta Manuel António Pina, que acabara de
saber que lhe fora atribuído o Prémio Camões de 2011, no valor de cem mil euros. “Nem sabia que estava
hoje a ser discutida a atribuição do prémio”, acrescentou.
Todos os jurados levavam nas suas listas o nome de Manuel António Pina e não precisaram sequer de
meia hora para chegar a uma decisão unânime na reunião que mantiveram esta manhã na Biblioteca
Nacional do Rio de Janeiro. Pina torna-se assim o 23º Prémio Camões e o décimo português a receber
esta consagração, se excluirmos o autor angolano nascido em Portugal, Luandino Vieira, que recusou o
prémio em 2006.
O júri integrou dois jurados portugueses (a ensaísta e poetisa Rosa Martelo e o ensaísta e professor de
literatura brasileira Abel Barros Baptista), dois brasileiros (o poeta António carlos Secchim e a ficcionista
Edla Van Steen) e ainda dois representantes dos países africanos de expressão portuguesa: a poetisa e
ficcionista angolana Ana Paula Tavares e a ensaísta são-tomense Inocência Mata.
Nascido no Sabugal, Guarda, em 1943, Manuel António Pina foi jornalista durante várias décadas e es-
treou-se na poesia em 1974 com o livro “Ainda Não É o Fim nem o Princípio do Mundo Calma É Apenas
Um Pouco Tarde”. No ano anterior publicara o seu primeiro livro para crianças, “O País das Pessoas de
Pernas para o Ar”. Consensualmente reconhecido como um dos melhores cronistas de língua portugue-
sa – ainda hoje assina uma crónica diária no Jornal de Notícias –, Manuel António Pina publicou dezenas
de livros de poesia e de literatura para crianças, mas só em 2003 se aventurou na ficção “para adultos”,
com “Os Papéis de K.”.
Se a sua obra de ficção é menos conhecida internacionalmente, a sua poesia está
traduzida na generalidade das línguas europeias.
Público, Cultura, 12 de abril, 2011
MANUEL
ANTÓNIO
PINA 1943-2012 A ESCRITA
Schweizer Hof Hotel
Já aqui estive,já fiz esta viagem,
e estive neste bar neste momento
e escrevi isto diante deste espelho
e da minha imagem diante da minha imagem.
Não mudou nada,nem eu próprio;a mão
escreve os mesmos versos no papel obscuro.
Que aconteceu então fora de tudo?
De que esquecimento se lembra o coração?
Algum passado,alguma ausência,
se passam talvez a meu lado,
talvez tudo exista exilado
de alguma verdadeira existência.
E eu,os versos,o bar,o espelho,
sejamos só imagens noutro espelho
diante de algum Deus em cujo lasso
olhar se fundem outro e mesmo,tempo e espaço.
Um sítio onde pousar a cabeça,1991
Velhice e morte de Bartholomew,
bispo de B.
Clérigo sem ser crente
nem descrente (nem céptico),
apenas um pouco menos que indiferente,
no entanto uma indiferença
vagamente inconvicta e indeterminada;
[…]
Morreu serenamente sem dizer
uma palavra que fosse às Novas Gerações,
ou então falou para dentro,para um
auditório de recordações.
(Ilda,vai à cozinha ver
se o café está pronto,que eu estou a escrever)
Os Livros,2003
MANUEL
ANTÓNIO
PINA 1943-2012
O Livro
E quando chegares à dura
pedra de mármore não digas:«Água,água!»,
porque se encontraste o que procuravas
perdeste-o e não começou ainda a tua procura;
e se tiveres sede,insensato,bebe as tuas palavras
pois é tudo o que tens:literatura,
nem sequer mistério,nem sequer sentido,
apenas uma coisa hipócrita e escura,o livro.
Não tenhas contra ele o coração endurecido,
aquilo que podes saber está noutro sítio.
O que o livro diz é não dito,
como uma paisagem entrando pela janela de um quarto vazio.
Os Livros, Assírio &Alvim, 2003
O LEITOR
É Borges quem escreve que toda a literatura (e toda a arte) se reduz,de um modo ou de outro,a três assuntos
elementares:o amor,a morte e,entre ambos,o tempo.
E Georges Bataille,talvez em Madame Edwarda (ou é em Le Petit?) fala do amor e da morte como assuntos
centrais do riso (“ris-te porque tens medo”):o amor e a morte,o primeiro ligado ao aparecimento e o segundo
ao desaparecimento do ser,isto é,aos dois precipícios – limite da existência,o antes e o depois do ser.
Comunidade de Leitores na BMAG,2002
WinnieThe Pooh…
É um dos meus livros de referência.Nós
somos o que lemos,e eu,não sei se sou
alguma coisa aoWinnieThe Pooh,mas
gostava de ser… O Ursinho Puff não é
propriamente puro,é espontâneo;tem uma
relação direta e imediata com as coisas
e com a palavra.Seduz-me a sua relação
com as palavras,que é simultaneamente
de inocência e de malícia.E seduz-me a
capacidade formidável que têm as palavras
de fazer sentido e de produzir sentido.
MANUEL
ANTÓNIO
PINA 1943-2012
Esplanada
Naquele tempo falavas muito de perfeição,
da prosa dos verbos irregulares
onde cantam os sentimentos irregulares.
Envelhecemos todos,tu,eu e a discussão,
agora lês saramagos & coisas assim
e eu já não fico a ouvir-te como antigamente
olhando as tuas pernas que subiam lentamente
até um sítio escuro dentro de mim.
O café agora é um banco,tu professora do liceu;
Bob Dylan encheu-se de dinheiro,o Che morreu.
Agora as tuas pernas são coisas úteis,andantes,
e não caminhos por andar como dantes.
‘Um Sítio onde Pousar a Cabeça’
O Jardim
“O Jardim de S.Lázaro.Nós gostámos
daquilo que nos assemelha.Talvez
este seja o jardim que me evoca mais
memórias.Não sei como ele está agora.
Já lá não vou há muito tempo.Mas
frequentei muito aquela zona das
BelasArtes quando tinha vinte e tal
anos.Cheguei a ter lá um apartamento
partilhado,na Rua dosAbraços,16 - 3A.”
OTripeiro,junho de 2011
Fotografia “à la minute”
Com amigos no Jardim de S. Lázaro, anos 60.
Fotografia “à la minute”
Com amigos no Jardim de S. Lázaro, anos 60.
O POETA
E A CIDADE
Ainda há poucos anos andavam por aí,nas ruas,
nos jardins da Cordoria e de S.Lázaro,e nos cafés
e confeitarias,os vendedores de gravatas e os
fotógrafos“à la minute”.
Porto,Modo de Dizer
MANUEL
ANTÓNIO
PINA 1943-2012
Foi no Porto que me nasci a mim mesmo.
Uma cidade é (eu é que sei!) mais do que ruas,
casas,pessoas.É uma roupa interior que nos
veste por dentro,uma pele imemorial,um corpo
à desmesurada medida do nosso corpo.
Porto,Modo de Dizer
Porto,Modo de Dizer
E,no entanto,de súbito,ao fim da tarde,não há outro lugar onde
seja possível ser assim feliz.As lojas fecharam,nas montras e
nos reclames lateja o néon,os automóveis amontoam-se nos
semáforos movendo-se confusamente como num sonho,e nas
tílias da Praça D.Filipa de Lencastre os pardais celebram
ruidosamente o anoitecer.Então um cheiro de maresia sobe do
rio,entranha-se nas ruas e nas vielas,filtra-se pelos cortinados
das janelas e,como um sopro,sobe pelas nossas narinas até aos
mais secretos lugares do coração.
Amei muitas cidades ao longo de muitos e incertos anos.Em tardios
quartos de hotel,indistintas estações de Metro,ruas intermináveis,
encontrei e perdi cidades.O meu coração está cheio de reflexos de
vidraças,de neves desfeitas,de rostos,de rumores;passaram por
mim brevemente mármores e jardins,céus e tempestades.Deixei em
aeroportos,em comboios,em bares,em urinóis,objectos obscuros
e memórias indecifráveis.Falei demais,faltei a encontros,comprei
e não paguei.E parti,algumas vezes olhando,sem querer,para trás,
mais pequeno e mais pobre do que quando chegara.
Mas em nenhum outro lugar senão neste poderia morrer.E nenhum
outro,quando eu morrer,morrerá comigo.
Porto,Modo de Dizer
PORTO,
MODO DE DIZER
Jaime Isidoro
Jaime Isidoro
Amizade…
A amizade não é uma dádiva,é uma espécie de tesouro
escondido onde só se alcança depois de ter vencido
longamente caminhos e tempestades,e passado portas,
e enfrentado monstros e dragões,e voltado muitas
vezes atrás e recomeçado de novo a partir da solidão e
do exílio.Por isso,a perda de um amigo é,de facto (não
apenas metaforicamente ou apenas simbolicamente),
a perda de uma parte de nós.Porque somos feitos da
confusa e inconstante matéria da memória,da nossa
própria memória e da memória dos outros (a nossa
memória dos outros e a memória dos outros de nós),e
cada um de nós pode também dizer de si:«Eu era um
tesouro escondido,e precisei de ser revelado...»
Daí,quando um amigo morre,a impressão de
desamparo,de que tudo perdeu de repente peso
e dimensão,de que o mundo se tornou um lugar
desconhecido onde temos que,de novo,aprender
penosamente a viver.Porque a morte de um amigo
nunca é coisa esperada,é algo que desde o mais fundo de
nós somos incapazes,por mais que as circunstâncias nos
forcem a admiti-lo,de conceber.E,de cada vez,nunca é
dos amigos que me despeço,é sempre de mim mesmo.
Acreditei em muitas coisas (e,hélas!,em muitas
pessoas) na juventude.Muitas das coisas e conceitos
em que acreditei tinham afinal um rosto sórdido,e a
maior parte das pessoas em cuja fé confiei desertou,
desistiu de «transformar o mundo e mudar a vida» e
anda hoje por aí a tratar da «vidinha».
Tudo se desmoronou? Não.Como nos livros deAstérix,
uma pequena aldeia resiste ainda e sempre ao invasor,
a da amizade (que é o mais elevado modo do amor).
Sobre tão frágil e melancólica pedra,ou sobre o que
dela resta,«construirei a minha igreja».
A amizade (um conceito,eu sei) é,nestes dias,uma
forma de resistência,talvez a mais radical de todas.
Jornal de Notícias,4 janeiro,2006
MANUEL
ANTÓNIO
PINA 1943-2012
A amizade é a forma
mais alta e desprendida
do amor.
CLUBE DOSAMIGOS
À ESPERA DO PINA
MANUEL
ANTÓNIO
PINA 1943-2012
POETA QUE
COMEÇA PELO FIM
“Eu penso que o regresso ao real é uma questão geracional.Voltamos à memória.
É também uma forma de descrever contra a memória.Mas a poesia nunca esteve afastada
do real.Toda a poesia,toda a escrita radica no real.Mais radicalmente,passe o pleonasmo,
ou mais superficialmente.O real quotidiano,provavelmente,é uma forma de realidade não
mais real do que a realidade do Ser.Não vejo,aliás,nisso,propriamente uma novidade.(…)”
ManuelAntónio Pina
“(…) Que tudo seja tão «complicado»,que Eu seja outro,que qualquer coisa de outro
pense em nós numa agressão que é a do pensamento,numa multiplicação que é a
do corpo,numa violência que é a da linguagem,essa é a alegre mensagem“
Gilles Deleuze
“A literatura — a nossa própria existência como absoluta ficção — foi sempre um jogo,o mais eficaz dos
jogos que soubemos inventar para vencer dentro da vida aquilo que no seu coração a esboroa:o tempo.
A morte não é mais que tempo paradoxalmente solidificado.Contra ambos existe e resiste a singular e,
no fundo,incompreensível actividade que chamamos,perdendo-a com esse nome,Literatura”.	
Eduardo Lourenço
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Exposição Manuel António Pina

  • 2. MANUEL ANTÓNIO PINA 1943-2012 POETA,JORNALISTA, AUTOR DE LIVROS PARAA INFÂNCIA E TRADUTOR.[Sabugal, 1943 - Porto, 2012] O autor licenciou-se em Direito na Faculdade de Direito da Uni- versidade de Coimbra e foi jornalista do Jornal de Notícias duran- te três décadas, jornal onde foi depois cronista assinando diaria- mente a crónica Por outras palavras. A obra de Manuel António Pina consegue uma forte coesão, man- tendo em ambos os registos – o da poesia e o da chamada «lite- ratura para a infância» – aquilo que já foi classificado como «um discurso de invulgar criatividade e de constante desafio à inteli- gência do leitor», qualquer que seja a sua idade. Como poeta, a sua obra revela um cariz simultaneamente senti- do e reflexivo, de tom irónico e pendor filosofante, na qual é apon- tada uma tendência nietzschiana para alcançar «uma segunda e mais perigosa inocência». Como autor de literatura para a infância, a sua obra tem um lu- gar à parte no panorama nacional, mercê de um nonsense de tradição anglo-saxónica (onde poderemos detectar a herança de Lewis Carroll) que brinca, inteligente e seriamente, com as pala- vras e os conceitos, num jogo de imaginação sem tréguas. A sua obra para a infância tem uma relação estreita com o teatro, tendo mantido uma colaboração regular com o grupo Pé-de-vento des- de a sua fundação. Algumas das suas obras foram adaptadas ao cinema e TV e edi- tadas em disco, destacando-se o trabalho musical desenvolvido pelo Grupo Bando dos Gambozinos em torno dos poemas para a infância do autor. Destacou-se ainda como dinamizador de diver- sas comunidades de leitores em bibliotecas municipais. A sua obra está traduzida em França, Estados Unidos, Espanha, Dinamarca, Alemanha, Países Baixos, Rússia, Croácia e Bulgária. Recebeu vários prémios. Em 2001, foi agraciado com a Medalha de Ouro de Mérito da Câmara Municipal do Porto. Em 2005, recebeu a comenda da Ordem do Infante D. Henrique. Em 2011 foi distinguido com o Prémio Camões. Centro de Documentação de Autores Portugueses [Em linha].[10-10-2018]. Disponível em http://livro.dglab.gov.pt/sites/DGLB/Portugues/autores/Paginas/PesquisaAutores.aspx
  • 3. MANUEL ANTÓNIO PINA 1943-2012 Completas A meu favor tenho o teu olhar testemunhando por mim perante juízes terríveis: a morte,os amigos,os inimigos. E aqueles que me assaltam à noite na solidão do quarto refugiam-se em obscuros sítios dentro de mim quando de manhã o teu olhar ilumina o quarto. Protege-me com ele,com o teu olhar, dos demônios da noite e das aflições do dia, fala em voz alta,não deixes que eu adormeça, afasta de mim o pecado da infelicidade. Algo Parecido Com Isto, da Mesma Substância Todas as palavras As que procurei em vão, principalmente as que estiveram muito perto, como uma respiração, e não reconheci, ou desistiram e partiram para sempre, deixando no poema uma espécie de mágoa como uma marca de água impresente; as que (lembras-te?) não fui capaz de dizer-te nem foram capazes de dizer-me; as que calei por serem muito cedo, e as que calei por serem muito tarde, e agora,sem tempo,me ardem; as que troquei por outras (como poderei esquecê-las desprendendo-se longamente de mim?); as que perdi,verbos e substantivos de que por um momento foi feito o mundo e se foram levando o mundo. E também aquelas que ficaram, por cansaço,por inércia,por acaso, e com quem agora,como velhos amantes sem desejo,desfio memórias, as minhas últimas palavras. Todas as Palavras:poesia reunida Onde sinto o meu sangue é na poesia O POETA
  • 4. MANUEL ANTÓNIO PINA 1943-2012 Pensar de pernas para o ar Pensar de pernas para o ar é uma grande maneira de pensar com toda gente a pensar como toda a gente ninguém pensava nada diferente Que bom é pensar em outras coisas e olhar para as coisas noutra posição as coisa sérias que cómicas que são com o céu para baixo e para cima o chão O Beco,Bando dos Gambozinos As bruxas Quem tem medo de papões e de papoas ainda não chegou à conclusão que as bruxas más às vezes são boas e as fada boas não As bruxas são como as pessoas e as pessoas são como são se gostam delas,elas são boas se não é,claro que não Às vezes más,às vezes boas e o lobo,o polícia e o papão também calha gostarem das pessoas depende da disposição O Beco,Bando dos Gambozinos Eu sei lá para quem é que escrevo! LIVROS PARA A INFÂNCIA
  • 5. MANUEL ANTÓNIO PINA 1943-2012 LIVROS PARA A INFÂNCIA “(…) Os que dizem que as crianças não percebem determinados textos literários estão convencidos de que,eles, os percebem.Isto é,que o texto diz uma coisa determinada e que eles sabem qual é essa coisa determinada.(E é natural que assim às vezes suceda,pobre do texto!)A maior parte das vezes,essas pessoas impõem às palavras os limites da sua própria razão.(…)” ManuelAntónio Pina “(…) Se alguma coisa «ensinassem» estes textos, gostaria que fosse a alegria de criar e de mudar, a mania de ver as coisas de outra maneira e,se possível,de mais perto,a tolerância,a inteligência; e a paixão do jogo e a das palavras,enfim,tudo ou quase.“ ManuelAntónio Pina “A Infância é um lugar de exílio.Se não tivermos,em qualquer sítio do coração,uma infância,onde nos refugiaremos quando os ladrões vierem para nos roubar a inocência e os sonhos e quando os assassinos baterem à porta? Se não tivermos uma pequena infância que seja […] onde guardaremos os segredos mais secretos e onde brincaremos ainda? E quem nos responderá quando,diante do nosso rosto no espelho,nos virmos e não nos reconhecermos,ou quando,nos dias de infelicidade,chamarmos pelo nosso nome?“ ManuelAntónio Pina
  • 6. MANUEL ANTÓNIO PINA 1943-2012 Água que corre A propriedade constitui um interminável problema filosófico,e a noção de“propriedade intelectual”mais ainda,principalmente hoje,com a desmaterialização e multiplicação dos usos e das técnicas de comunicação e reprodução.No admirável“Pierre Menard,autor do Quixote”,Borges coloca,não sem radical ironia,a questão da autoria.No limite,cada leitor (ouvinte,espectador) é um autor e cada leitura uma autoria.Ainda no limite,poderíamos mesmo perguntar de“quem”são as nossas palavras ou o modo como as usamos ou se ligam umas às outras,as nossas ideias,a própria ideia que temos de criação e concluir,com Proudhon,que a propriedade,em especial a intelectual,é necessariamente um roubo e o autor um ladrão que rouba a outros ladrões.A autoria (contra mim falo,que sou autor) tem hoje inexplicável prestígio e sua patética luta para impor barreiras jurídicas à comunitarização da criação é tentar agarrar água que corre. Jornal de Notícias,11 novembro,2009 A terra vista da lua(JN) Portofólio (Visão) Por outras palavras(JN) OANACRONISTA Uma crónica de jornal é às vezes um lugar de comunhão e de partilha onde o leitor,mais do que descobrir a sua própria alheia voz,de súbito reconhece valores limpidamente elementares que a gritaria mediática tende a obscurecer. Portofólio,Visão n.º 651,25 de agosto de 2005
  • 7. MANUEL ANTÓNIO PINA 1943-2012 Há precisamente 30 anos, estava o Pé de Vento a ensaiar o seu primeiro espectáculo e a estrear- -se como Companhia Profissional de Teatro para a Infância e Juventude, com um texto de Manuel António Pina. Foi também há 30 anos que o Manuel António Pina aceitou integrar o seu núcleo impulsionador, como escritor residente, e fundar connosco – a Maria João Reynaud e eu próprio – o Pé de Vento. Nesse ano já tão distante de 1978, o jardim da Cooperativa Árvore foi o cenário onde estreámos um espectáculo que percorreu a cidade de lés a lés: Ventolão, o maior intelectual do mundo. De então para cá, muitos foram os textos deste autor que transformámos em espectáculos e ficaram na memória de quem os viu – pela natureza insólita dos textos e pela sua carga poética. Dezenas, talvez mesmo centenas, de milhares de espectadores assistiram a essas representações, levadas aos sítios mais recônditos do país por uma companhia que, na altura, apostava essencialmente num trabalho de iti- nerância dirigido aos mais novos. Ao longo destes 30 anos, fomos trilhando uma caminhada sem paralelo, com o Manuel António Pina a escrever muitos dos textos que o Pé de Vento ia levando à cena. Do cruzamento da sua escrita com a nossa prática teatral resultaram alguns dos nossos melhores espectáculos, construídos sobre aquela cumplicidade que transforma a tarefa de pôr um texto em cena – e que tarefa! – em aventura amorosa, que se alarga aos espectadores, também eles cúmplices, e a que inevitavelmente se segue uma separação provisória, até a um próximo encontro… Agora, em 2008, era altura de nos reencontrarmos com Manuel António Pina para festejarmos um percurso que, sem ele, teria sido bem diferente – porque o desafio da sua escrita, do seu humor, do seu talento poético foi sempre um dos nossos mais constantes estímulos. Voltamos a cruzá-la com o nosso palco, em jeito de celebração de 30 anos de vida teatral sem tréguas nem vacilações, apesar dos inúmeros obstáculos que tivemos que vencer para prosseguirmos com dignidade e profissiona- lismo um trabalho que visa um público jovem e cada vez mais exigente. Assim, desta fiel parceria que agora comemoramos, nasceu a História do Sábio fechado na sua Bi- blioteca, um conto que nos fala de dois mundos: o do saber e o da vida. O mesmo se passa no teatro, quando passamos do texto e do trabalho de montagem à representação das emoções e dos afectos que ganham vida no palco – a vida que reconhecemos como sendo também nossa. João Luiz, Diretor do Pé de Vento, na celebração do 30º aniversário da Companhia de Teatro TEATRO PÉ DEVENTO UMA COLABORAÇÃO DESDEA FORMAÇÃO DA COMPANHIA
  • 8. MANUEL ANTÓNIO PINA 1943-2012 PRÉMIO CAMÕES 2011 “É a coisa mais inesperada que poderia esperar”, disse o poeta Manuel António Pina, que acabara de saber que lhe fora atribuído o Prémio Camões de 2011, no valor de cem mil euros. “Nem sabia que estava hoje a ser discutida a atribuição do prémio”, acrescentou. Todos os jurados levavam nas suas listas o nome de Manuel António Pina e não precisaram sequer de meia hora para chegar a uma decisão unânime na reunião que mantiveram esta manhã na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. Pina torna-se assim o 23º Prémio Camões e o décimo português a receber esta consagração, se excluirmos o autor angolano nascido em Portugal, Luandino Vieira, que recusou o prémio em 2006. O júri integrou dois jurados portugueses (a ensaísta e poetisa Rosa Martelo e o ensaísta e professor de literatura brasileira Abel Barros Baptista), dois brasileiros (o poeta António carlos Secchim e a ficcionista Edla Van Steen) e ainda dois representantes dos países africanos de expressão portuguesa: a poetisa e ficcionista angolana Ana Paula Tavares e a ensaísta são-tomense Inocência Mata. Nascido no Sabugal, Guarda, em 1943, Manuel António Pina foi jornalista durante várias décadas e es- treou-se na poesia em 1974 com o livro “Ainda Não É o Fim nem o Princípio do Mundo Calma É Apenas Um Pouco Tarde”. No ano anterior publicara o seu primeiro livro para crianças, “O País das Pessoas de Pernas para o Ar”. Consensualmente reconhecido como um dos melhores cronistas de língua portugue- sa – ainda hoje assina uma crónica diária no Jornal de Notícias –, Manuel António Pina publicou dezenas de livros de poesia e de literatura para crianças, mas só em 2003 se aventurou na ficção “para adultos”, com “Os Papéis de K.”. Se a sua obra de ficção é menos conhecida internacionalmente, a sua poesia está traduzida na generalidade das línguas europeias. Público, Cultura, 12 de abril, 2011
  • 9. MANUEL ANTÓNIO PINA 1943-2012 A ESCRITA Schweizer Hof Hotel Já aqui estive,já fiz esta viagem, e estive neste bar neste momento e escrevi isto diante deste espelho e da minha imagem diante da minha imagem. Não mudou nada,nem eu próprio;a mão escreve os mesmos versos no papel obscuro. Que aconteceu então fora de tudo? De que esquecimento se lembra o coração? Algum passado,alguma ausência, se passam talvez a meu lado, talvez tudo exista exilado de alguma verdadeira existência. E eu,os versos,o bar,o espelho, sejamos só imagens noutro espelho diante de algum Deus em cujo lasso olhar se fundem outro e mesmo,tempo e espaço. Um sítio onde pousar a cabeça,1991 Velhice e morte de Bartholomew, bispo de B. Clérigo sem ser crente nem descrente (nem céptico), apenas um pouco menos que indiferente, no entanto uma indiferença vagamente inconvicta e indeterminada; […] Morreu serenamente sem dizer uma palavra que fosse às Novas Gerações, ou então falou para dentro,para um auditório de recordações. (Ilda,vai à cozinha ver se o café está pronto,que eu estou a escrever) Os Livros,2003
  • 10. MANUEL ANTÓNIO PINA 1943-2012 O Livro E quando chegares à dura pedra de mármore não digas:«Água,água!», porque se encontraste o que procuravas perdeste-o e não começou ainda a tua procura; e se tiveres sede,insensato,bebe as tuas palavras pois é tudo o que tens:literatura, nem sequer mistério,nem sequer sentido, apenas uma coisa hipócrita e escura,o livro. Não tenhas contra ele o coração endurecido, aquilo que podes saber está noutro sítio. O que o livro diz é não dito, como uma paisagem entrando pela janela de um quarto vazio. Os Livros, Assírio &Alvim, 2003 O LEITOR É Borges quem escreve que toda a literatura (e toda a arte) se reduz,de um modo ou de outro,a três assuntos elementares:o amor,a morte e,entre ambos,o tempo. E Georges Bataille,talvez em Madame Edwarda (ou é em Le Petit?) fala do amor e da morte como assuntos centrais do riso (“ris-te porque tens medo”):o amor e a morte,o primeiro ligado ao aparecimento e o segundo ao desaparecimento do ser,isto é,aos dois precipícios – limite da existência,o antes e o depois do ser. Comunidade de Leitores na BMAG,2002 WinnieThe Pooh… É um dos meus livros de referência.Nós somos o que lemos,e eu,não sei se sou alguma coisa aoWinnieThe Pooh,mas gostava de ser… O Ursinho Puff não é propriamente puro,é espontâneo;tem uma relação direta e imediata com as coisas e com a palavra.Seduz-me a sua relação com as palavras,que é simultaneamente de inocência e de malícia.E seduz-me a capacidade formidável que têm as palavras de fazer sentido e de produzir sentido.
  • 11. MANUEL ANTÓNIO PINA 1943-2012 Esplanada Naquele tempo falavas muito de perfeição, da prosa dos verbos irregulares onde cantam os sentimentos irregulares. Envelhecemos todos,tu,eu e a discussão, agora lês saramagos & coisas assim e eu já não fico a ouvir-te como antigamente olhando as tuas pernas que subiam lentamente até um sítio escuro dentro de mim. O café agora é um banco,tu professora do liceu; Bob Dylan encheu-se de dinheiro,o Che morreu. Agora as tuas pernas são coisas úteis,andantes, e não caminhos por andar como dantes. ‘Um Sítio onde Pousar a Cabeça’ O Jardim “O Jardim de S.Lázaro.Nós gostámos daquilo que nos assemelha.Talvez este seja o jardim que me evoca mais memórias.Não sei como ele está agora. Já lá não vou há muito tempo.Mas frequentei muito aquela zona das BelasArtes quando tinha vinte e tal anos.Cheguei a ter lá um apartamento partilhado,na Rua dosAbraços,16 - 3A.” OTripeiro,junho de 2011 Fotografia “à la minute” Com amigos no Jardim de S. Lázaro, anos 60. Fotografia “à la minute” Com amigos no Jardim de S. Lázaro, anos 60. O POETA E A CIDADE Ainda há poucos anos andavam por aí,nas ruas, nos jardins da Cordoria e de S.Lázaro,e nos cafés e confeitarias,os vendedores de gravatas e os fotógrafos“à la minute”. Porto,Modo de Dizer
  • 12. MANUEL ANTÓNIO PINA 1943-2012 Foi no Porto que me nasci a mim mesmo. Uma cidade é (eu é que sei!) mais do que ruas, casas,pessoas.É uma roupa interior que nos veste por dentro,uma pele imemorial,um corpo à desmesurada medida do nosso corpo. Porto,Modo de Dizer Porto,Modo de Dizer E,no entanto,de súbito,ao fim da tarde,não há outro lugar onde seja possível ser assim feliz.As lojas fecharam,nas montras e nos reclames lateja o néon,os automóveis amontoam-se nos semáforos movendo-se confusamente como num sonho,e nas tílias da Praça D.Filipa de Lencastre os pardais celebram ruidosamente o anoitecer.Então um cheiro de maresia sobe do rio,entranha-se nas ruas e nas vielas,filtra-se pelos cortinados das janelas e,como um sopro,sobe pelas nossas narinas até aos mais secretos lugares do coração. Amei muitas cidades ao longo de muitos e incertos anos.Em tardios quartos de hotel,indistintas estações de Metro,ruas intermináveis, encontrei e perdi cidades.O meu coração está cheio de reflexos de vidraças,de neves desfeitas,de rostos,de rumores;passaram por mim brevemente mármores e jardins,céus e tempestades.Deixei em aeroportos,em comboios,em bares,em urinóis,objectos obscuros e memórias indecifráveis.Falei demais,faltei a encontros,comprei e não paguei.E parti,algumas vezes olhando,sem querer,para trás, mais pequeno e mais pobre do que quando chegara. Mas em nenhum outro lugar senão neste poderia morrer.E nenhum outro,quando eu morrer,morrerá comigo. Porto,Modo de Dizer PORTO, MODO DE DIZER Jaime Isidoro Jaime Isidoro
  • 13. Amizade… A amizade não é uma dádiva,é uma espécie de tesouro escondido onde só se alcança depois de ter vencido longamente caminhos e tempestades,e passado portas, e enfrentado monstros e dragões,e voltado muitas vezes atrás e recomeçado de novo a partir da solidão e do exílio.Por isso,a perda de um amigo é,de facto (não apenas metaforicamente ou apenas simbolicamente), a perda de uma parte de nós.Porque somos feitos da confusa e inconstante matéria da memória,da nossa própria memória e da memória dos outros (a nossa memória dos outros e a memória dos outros de nós),e cada um de nós pode também dizer de si:«Eu era um tesouro escondido,e precisei de ser revelado...» Daí,quando um amigo morre,a impressão de desamparo,de que tudo perdeu de repente peso e dimensão,de que o mundo se tornou um lugar desconhecido onde temos que,de novo,aprender penosamente a viver.Porque a morte de um amigo nunca é coisa esperada,é algo que desde o mais fundo de nós somos incapazes,por mais que as circunstâncias nos forcem a admiti-lo,de conceber.E,de cada vez,nunca é dos amigos que me despeço,é sempre de mim mesmo. Acreditei em muitas coisas (e,hélas!,em muitas pessoas) na juventude.Muitas das coisas e conceitos em que acreditei tinham afinal um rosto sórdido,e a maior parte das pessoas em cuja fé confiei desertou, desistiu de «transformar o mundo e mudar a vida» e anda hoje por aí a tratar da «vidinha». Tudo se desmoronou? Não.Como nos livros deAstérix, uma pequena aldeia resiste ainda e sempre ao invasor, a da amizade (que é o mais elevado modo do amor). Sobre tão frágil e melancólica pedra,ou sobre o que dela resta,«construirei a minha igreja». A amizade (um conceito,eu sei) é,nestes dias,uma forma de resistência,talvez a mais radical de todas. Jornal de Notícias,4 janeiro,2006 MANUEL ANTÓNIO PINA 1943-2012 A amizade é a forma mais alta e desprendida do amor. CLUBE DOSAMIGOS À ESPERA DO PINA
  • 14. MANUEL ANTÓNIO PINA 1943-2012 POETA QUE COMEÇA PELO FIM “Eu penso que o regresso ao real é uma questão geracional.Voltamos à memória. É também uma forma de descrever contra a memória.Mas a poesia nunca esteve afastada do real.Toda a poesia,toda a escrita radica no real.Mais radicalmente,passe o pleonasmo, ou mais superficialmente.O real quotidiano,provavelmente,é uma forma de realidade não mais real do que a realidade do Ser.Não vejo,aliás,nisso,propriamente uma novidade.(…)” ManuelAntónio Pina “(…) Que tudo seja tão «complicado»,que Eu seja outro,que qualquer coisa de outro pense em nós numa agressão que é a do pensamento,numa multiplicação que é a do corpo,numa violência que é a da linguagem,essa é a alegre mensagem“ Gilles Deleuze “A literatura — a nossa própria existência como absoluta ficção — foi sempre um jogo,o mais eficaz dos jogos que soubemos inventar para vencer dentro da vida aquilo que no seu coração a esboroa:o tempo. A morte não é mais que tempo paradoxalmente solidificado.Contra ambos existe e resiste a singular e, no fundo,incompreensível actividade que chamamos,perdendo-a com esse nome,Literatura”. Eduardo Lourenço ©AntónioRilo